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Fichamento do artigo: “Infâncias, tempos e espaços: tecendo ideias”.

CAMÕES, Maria Clara.; TOLEDO, Leonor Pio Borges.; RONCARATI, Mariana.


Infâncias, tempos e espaços: tecendo ideias. In: KRAMER, Sônia.; NUNES, Maria
Fernanda.; CARVALHO, Maria Cristina. (Orgs.). Educação Infantil: Formação e
responsabilidade. Campinas: Papirus, 2013. P.259-277.

A infância é marcada pelo tempo e espaço genuínos de ser criança, de


descobrir e de se encantar pelo mundo, pelas pessoas, pela natureza,
pelos objetos, pelos acontecimentos. A vivência dos tempos e espaços
na infância é própria e única, distinta da forma com que o adulto os
vivencia [...] (p.259).

Na educação infantil, vemos com frequência rotinas engessadas,


marcadas por ações, músicas, gestos e falas sempre iguais. Não raro,
ainda, essas rotinas são excessivamente sistematizadas e carregam
velados instrumentos de controle dos corpos e das expressões afetivas
das crianças, mantendo o cotidiano numa aparente ordem – a custa de
uma contenção, muitas vezes, penosa do corpo da criança (p.260).

Institucionalização da educação infantil: caminhos e descaminhos

[...] a compreendemos como fruto de transformações e conquistas


sociais, culturais, políticas e econômicas que inauguram o direito das
crianças a serem cuidadas e educadas fora da esfera familiar (p.261).

A realidade escolar vigente, baseada na concepção de educação


transmissiva e dirigida exclusivamente pelo planejamento do
professor, não se sustenta no cotidiano da educação infantil – ou,
quando se sustenta, é a custa de instrumentos de controle e de
contenção das crianças. Elas resistem a esse modo de educação e
reesignificam espaços, tempos e o cotidiano por meio de suas atitudes
e expressões, encontrando brechas para explorações criativas e
mostrando que precisam de momentos de liberdade (p.262).

A defesa dos direitos da infância na Constituição Federal de 1988


resultou de mobilização nesse sentido ocorrida no final da década de
1970 e no início da década de 1980, motivada pela crescente
participação da mulher no mercado de trabalho e pela disseminação do
conhecimento científico sobre a infância e a educação nos primeiros
anos de vida (p.262).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, [...] inseriu a


infância no âmbito dos direitos humanos [...] (p.262).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, [...] afirmou


a educação infantil como primeira etapa da educação básica (p.262).

Os marcos legais e os documentos orientadores da política de


educação infantil brasileira evidenciam, assim, o reconhecimento da
infância como categoria sócio-histórica e cultural. No entanto, apesar
dos muitos avanços teóricos e políticos, ainda é frágil a
implementação desses avanços na prática educativa (p.262).
É necessário entender a educação infantil como parte de uma política
educacional mais ampla, que lida com outras instâncias públicas e que
está inserida em diferentes contextos: social, histórico e político
(p.263).

Muitos fatores contribuem para a baixa qualidade da educação


infantil, apesar de sua expansão, desde problemas de infraestrutura,
passando pela desvalorização docente e pela formação inadequada dos
profissionais. Vemos, assim, o abismo existente entre o ideal e o real e
o quanto ainda é preciso avançar (p.263).

A complexidade da educação infantil fica evidenciada no cotidiano


das instituições, que indicam que o avanço de ordem legal não
modifica por si só as práticas afirmadas. Assim, o que se experimenta
em muitos casos são mecanismos de poder e controle que abrem mão
da produção de sujeitos autônomos, críticos e criativos (p.264).

[...] perceber a institucionalização como espaço-tempo para a infância


inclui não somente o seu lugar, mas também as práticas e os sentidos
produzidos como espaço-tempo de relações, o que aponta a
necessidade de distanciamento de uma escolarização instrucional que
soterra os desejos e os anseios das crianças (p.264).

Encontrando um lugar...

O espaço escolar é uma dimensão fundamental na educação infantil,


em virtude de suas especificidades. As características físicas e a forma
como o espaço escolar está organizado influenciam as práticas
pedagógicas, possibilitando uma e inviabilizando outras. Além disso,
influenciam as relações das crianças entre si e entre os adultos e
crianças, numa relação dialógica (p.265).

[...] cada contexto é único e que o espaço deve ser organizado de


acordo com os objetivos pedagógicos numa via de mão dupla, a
pedagogia se fazendo no espaço e o espaço consolidando a pedagogia.
Nesse sentido, o espaço torna-se ambiente, traz situações da vida para
a escola e é percebido como flexível, vivo, em construção permanente.
Repensar o papel do espaço na educação infantil se relaciona a
possibilidade de romper a dinâmica de organização centrada
exclusivamente na lógica do adulto e viabilizar uma cultura que
introduz novas formas de viver e compreender os tempos e espaços,
próprios da lógica infantil (p.266).

[...] observar as expressões de corpo inteiro das crianças, suas


intervenções espontâneas e suas demandas de movimento nos tempos
e espaços parece ser fundamental (p.267).

Os espaços-tempos configuram-se, também, como referência de


segurança – ou de insegurança – emocional para as crianças. Sendo a
elas permitido imprimir suas marcas pessoais e coletivas nos espaços,
estes podem ser reconhecidos e identificados pelos pequenos como
deles, um reconhecimento afetivo, o que pode, por sua vez, deixa-los a
mais a vontade e confiantes para investir criativamente no contexto
escolar (p.267).
Piaget

Suas perspectivas indicam que, para além de um espaço organizado, é


preciso que o sujeito interaja com esse espaço experimentando-o
intencionalmente. O sujeito cognoscente, para Piaget, é aquele que
procura conhecer o mundo em que vive por meio de suas próprias
ações sobre ele (p.269).

Por meio das ações sobre o meio a que pertence, a criança constrói, de
forma internalizada, sua representação espacial. Nesse sentido, Piaget
ressalta o quanto as primeiras experiências sensoriais nos diferentes
ambientes constituem fatores essenciais para o desenvolvimento
sensorial, motor e cognitivo da criança (p.269).

Com base nos pressupostos de Piaget, a educação precisa estar a


serviço do desenvolvimento amplo e dinâmico, para o qual atividades
e o próprio ambiente devem estar organizados e articulados no sentido
de favorecer desequilíbrios e sucessivas equilibrações que promovam
descoberta e conduzam a construção do conhecimento como resultado
da interação do sujeito ativo com o meio (p.269).

Vigotski

[...] a cultura é o elemento central no processo de constituição do


sujeito. O ser humano é concebido como ser biológico e cultural, que
se constitui entre o individual e o coletivo, que forma a sociedade e é
formado nesta, ou seja: não se nasce humano, mas torna-se humano na
relação com outros seres humanos e com o meio no qual se está
inserido (p.269-270).

Desde que nasce, a criança vai entrando no mundo da cultura por meio
daqueles que dela cuidam e com os quais convive. A criança é história
e social, produto da cultura e também produtora de cultura. Para
Vigotski, não existe ser humano desconexo do ambiente e seu
contexto (p.270).

[...] o trabalho do professor transita entre a diretividade e a não


diretividade, mas, em ambos os casos, é importante atentar para as
dinâmicas espontâneas, as ações e as reações das crianças.
Permanecendo em posição de escuta de suas expressões (p.270).

A aprendizagem é fruto das interações sociais e impulsiona ao


desenvolvimento. A brincadeira provoca aprendizagem do que ainda
não se sabe; é uma forma de produção de conhecimento. Ora, se a
brincadeira aparece como importante aliada do desenvolvimento, na
medida em que traz como consequência a apropriação de um saber
culturalmente construído – construção esta que se dá por meio de
ações compartilhadas -, é fundamental que a criança possa estar em
espaços que possibilitem a criação, a construção e a imaginação
(p.271).

A imaginação, base de toda atividade criadora, presente desde a


primeira infância, não cria algo do nada; ela estabelece novas
combinações entre os elementos tomados da realidade, presentes na
experiência anterior da pessoa. Ao brincar, a criança recorda
experiências vividas e as reelabora criativamente, misturando o antigo
com o novo (p.271).

[...] a atividade criadora da imaginação depende diretamente da


riqueza e da diversidade de experiências anteriores do ser humano,
pois a experiência é a base para a construção da fantasia. Quanto mais
rica for a experiência humana, tanto maior será o material de que
dispõe essa imaginação. Portanto, é preciso ampliar a experiência da
criança a fim de lhe proporcionar elementos para sua atividade
criadora: quanto mais ela viu, ouviu, experimentou, mais ela sabe e
mais produtiva será sua imaginação (p.271).

As brincadeiras são, ou deveriam ser, a base principal do cotidiano


educativo, por meio da qual se originariam os objetivos, as
aprendizagens, as rotinas (p.272).

Wallon

[...] o ser humano é geneticamente social e vai sendo modificado pelo


contato com o outro. [...] o ser humano se forma na articulação das
dimensões afetiva, cognitiva e motora, que são indissociáveis e se
influenciam mutuamente a partir do nascimento (p.272).

Wallon afirma que toda motricidade é psicomotricidade, ou seja, o


movimento, que é uma atividade muscular, sempre conta com uma
qualidade afetiva, emocional (p.272).

Quanto mais nova a criança, mais ela sente necessidade de movimento


– de explorar, mexer, subir, descer, conhecer, vivenciar e absorver, de
corpo inteiro, o mundo que a cerca, movida por uma intensa
curiosidade; ela ainda não tem a maturação neurológica necessária
para conter seus movimentos intencionalmente por muito tempo – e
isso inclui ficar sentada em roda, em momentos de espera, rabiscando
por um longo tempo (p.273).

Em atividades excessivamente direcionadas, a criança quase sempre


encontra uma brecha para se expressar espontaneamente, fruto de uma
necessidade muito profunda, mais forte do que ela, de se mover em
liberdade (p.273).

A expressão afetiva precede a linguagem verbal, e a emoção ‘faz mais


do que participar da vida mental. Foi ela que a tornou possível, ao
fornecer a vida coletiva as suas primeiras possibilidades’ (p.274).

A afetividade constitui sistemas de atitudes, expressando-se por:


choros, gritos, sorrisos, mordidas, abraços, empurrões, explosões de
intenso movimento. As crianças têm uma temperatura emocional mais
elevada que a dos adultos, o que as leva a expressarem-se mais
intensamente. As crianças, especialmente as de pouca idade, se
comunicam de forma afetiva, de corpo inteiro e em amplas
proporções, pelo fato de sua expressão verbal ainda ser incipiente
(p.274).
Como a expressão emocional precede a expressão verbal, a
consciência pessoal das crianças se constitui atravessada pela/na
coletividade (p.274).

Para o educador, saber lidar com as manifestações das emoções das


crianças, recorrentes por um lado e mobilizantes por outro, é
fundamental para a qualidade de suas propostas de trabalho no dia a
dia. Dado seu alto poder de contágio, quanto maior o número de
crianças em coletividade, mais serão intensas as emoções (p.275).

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