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A relação entre cultura

e corporeidade na educação
de crianças no século XXI
Hergos Ritor Fróes de Couto Couto
Doutorando em Educação do Programa de Pós Graduação em Educação – PPGE – Uninove
– Grupo de Pesquisa em Culturas e Educação – LICE .
hergoscouto@yahoo.com.br

Este trabalho intenta discutir as relações da cultura com a manifestação da corporeidade das
crianças na escola, esperando identificar os arrolamentos sócio-culturais dos dias atuais veicula-
dos por meio das mídias, especificamente o suporte tecnológico da comunicação conhecido como
televisão, que permeiam a vida dos infantes. Conseqüentemente, estas relações devem ser conside-
radas como variantes diretas que farão interações entre si, pois as ações humanas não acontecem
em separado; ao mesmo tempo em que são utilizados os órgãos do corpo para que o sujeito possa
expressar-se, pensar e movimentar-se, também estão inclusos os aspectos das influências do meio
cultural em seus atos. Portanto, estes aspectos se apresentam relacionados, no sentido de compre-
ender a criança em movimento, não apenas na perspectiva do corpo biológico, mas de um corpo
que se movimenta com originalidade, ímpar em sua manifestação, como ação cultural e histórica
que comunga sua relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Considerando que a escola
é um local apropriado para que se possibilite ao aluno a condição de que ele se sinta integrado e
valorizado em seu meio social e sobretudo que ele se conscientize de que é apto de ser o autor de
seu próprio desenvolvimento.
Palavras-chave: Educação. Cultura. Criança. Corporeidade. Televisão.

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Introdução sões relacionando aspectos da corporeidade que
são essenciais para a educação.
Viajar no mundo dos sonhos, nas lembran- Ressalta-se que:
ças do tempo de menino, das brincadeiras, dos
sabores, dos saberes, das canções e das rodas de O caminho para o resgate pleno de
conversa. Toda a fantasia e criatividade eram corporeidade no âmbito educacional
as ferramentas que possibilitavam a viajem por é longo e está apenas começando. O
este universo, lugares em que havia a permissão fato de já estar em andamento uma
de ser criança, apenas criança. desconstrução da visão logocêntrica e
Este mundo dos sonhos trazia a diversão uma tomada de consciência do caráter
certa no momento destas experimentações, imprescindível da corporeidade, na
descobrindo o que está em volta, aprendendo teoria e na prática pedagógica, já deve
com as pessoas, aguçando os sentidos, atri- ser saudado como um promissor avan-
buindo símbolos, interagindo com o mundo, ço (QUEIROZ, 2001, p. 53).
com o ambiente cultural, com o outro e con-
sigo mesmo. Assim, acredita-se que a Educação é uma
Pensando na vida de cada ser humano que possibilidade de fazer com que essa corporei-
constantemente está em conexão com suas rela- dade seja entendida, relacionando a Educação
ções socioculturais em uma rede de interações ao corpo pode-se ter a compreensão de que este
que inclui as outras pessoas, os outros seres, surge como a possibilidade de vivenciá-lo no en-
a natureza, o mundo e ele próprio, sua corpo- trelaçamento de sua natureza e cultura. Desse
reidade é constituída, e conseqüentemente sua modo, compreende-se que “a corporeidade é
compreensão de mundo. compreendida como ponto de referência para a
Sendo assim, é inevitável que surjam in- produção humana, na Ciência, na Filosofia, na
dagações a respeito deste corpo e suas inte- Arte e na Educação” (NÓBREGA, 2005, p. 31).
rações. As manifestações culturais infantis A relevância desta pesquisa está relacionada
concebidas através dos brinquedos modernos, com as manifestações culturais que permeiam a
das brincadeiras populares, das músicas e suas vida das crianças obtidas através da diversidade
coreografias, do incremento das novas tecno- de vivências que se desenvolvem por meio das
logias, das identidades de grupo. Qual a visão mídias, especificamente a televisiva, que influen-
de corpo inserido no mundo, afinal? Do corpo cia sua corporeidade e sua educação, e se justifica
apenas biológico, formado apenas por ossos, na área da Educação, uma vez que a cultura é um
músculos e órgãos? Então, como pensar no de seus elementos mais significativos.
corpo que culturalmente se expressa, que sen-
te, que se emociona, que atribui significados
ao mundo em que vive e que estabelece cons- Metodologia
tantes interações com outros corpos, com ou-
tros seres e consigo mesmo? Trata-se de uma pesquisa que será realiza-
Estas indagações a respeito dos olhares so- da por meio de pesquisa bibliográfica, a partir de
bre o corpo indicam que este recebe diversas vi- um levantamento das obras relativas às palavras-

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chave deste estudo, a saber: Educação; Cultura; da escola, da linguagem, da cultura e
Criança; Corporeidade; Televisão e aprofunda- da sociedade (PETRAGLIA, 2006,
mento das obras selecionadas por meio da aná- p. 26).
lise textual, temática e interpretativa.
O método de investigação utilizado será Em se tratando de escola, esta deve ser
o estudo descritivo (BRUYNE et al., 1977), um meio favorável, onde a criança encontre
focando a análise nas manifestações culturais condições de obter o máximo desenvolvimento
veiculadas pela mídia televisiva e sua relação que contribua em sua formação integral, como
com a corporeidade e educação de crianças do também, deve contemplar em seu trabalho, um
século XXI. espaço para que o aluno tenha a oportunidade
Quanto às técnicas, entendidas como “pro- de sentir-se integrado e valorizado em seu meio
cedimentos mais restritos que operacionalizam social e acima de tudo crie a consciência que ele
os métodos, mediante emprego de instrumen- é capaz de ser agente de seu próprio desenvolvi-
tos adequados” (SEVERINO, 2000, p. 162), mento. Ora, o fato de nascer não é o suficiente
será utilizada a seguinte: para ser feliz; é de responsabilidade do ser hu-
Pesquisa bibliográfica: realizada no sistema mano a constituição de sua felicidade. “E se o
de bibliotecas, USP, UNICAMP, UNINOVE, poeta diz que a felicidade é feita de momentos,
UNICID e outras instituições, por meio de ar- a escola deveria estar ao seu lado promovendo
tigos, anais de seminários e congressos, livros, a ampliação desses momentos, cumprindo essa
revistas, sites de internet e outros. função social e humanitária” (PETRAGLIA,
2006, p. 28).
É sabido que a criança não chega à esco-
Desenvolvimento la sem possuir nenhum conhecimento e não se
pode ignorar esse fato. A criança não fica espe-
É certo que os seres humanos parecem uns rando entrar na escola para começar a apren-
com os outros, mas cada ser é único, carregado der, pois o início da aprendizagem se dá antes
de particularidades e qualidades e devem ser mesmo de ingressar no ambiente escolar. Sendo
vistos como tal. assim, “uma boa proposta pedagógica não pode
Assim: estar nem aquém nem além do nível de desen-
volvimento da criança” (FREIRE, 1999, p. 114).
Ainda que o indivíduo apresente se- É importante que se possibilite, na ação
melhanças étnicas e culturais, ele pedagógica, uma aproximação entre as experi-
tem também características físico- ências das crianças e o que se quer atingir no
químicas, sociais e do ecossistema que ambiente educacional, com o intuito de que elas
lhe são peculiares. É um ser ímpar. possam utilizar seus conhecimentos para supe-
Ao construírem sua identidade, que rar as dificuldades que lhes forem apresentadas.
pressupõe liberdade e autonomia, o Os saberes podem ser sistematizados e organi-
homem e a mulher tornam-se sujeitos, zados no recinto escolar, unindo conhecimen-
a partir das dependências que alimen- tos que resultem em processos educacionais
tam, como, por exemplo, as da família, que atinjam a plenitude do ser humano, estimu-

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lados em um ambiente fértil do fazer e do com- isolados. O homem é um ser de raízes espa-
preender. A escola é um espaço favorável em ços-temporais” (FREIRE, 1983, p. 61).
que a criança pode desenvolver a imaginação e Portanto, destaca-se que o indivíduo é in-
a criatividade em busca do seu desenvolvimen- tegrante da sociedade e esta também se integra
to. Portanto, o mundo da escola teria que ser no indivíduo. “A pessoa faz parte de uma co-
transformado em um mundo concreto de coisas munidade, que também está inserida na pessoa
que tem significado para a criança. Isto, no en- com suas normas, linguagem e cultura, e que,
tanto, só pode ser feito através do movimento. ao mesmo tempo, é produto dessa sociedade e
Sendo assim, a escola é uma instituição essen- produtora de sua manutenção” (PETRAGLIA,
cial de educação porque ali a criança aprende a 2006, p. 23).
lidar com os símbolos, mas não se deve esque- Há uma necessidade de considerar as di-
cer que em casa, na rua ou no clube, existem mensões culturais, sociais, políticas e afetivas
mundos particulares em que estes símbolos se destas relações. O homem é fruto da cultura no
desenvolvem (FREIRE, 1991). qual está inserido, é impossível conceber o in-
A criança, independentemente do espa- divíduo desvinculado do grupo social que per-
ço em que esteja produzindo cultura, deve ser tence. Com uma perspectiva antropológica de
respeitada. Dessa forma, a cultura é pensada analise, os PCN s (2000, p. 10) definem:
como um sistema que exerce influência histó-
rica de grupos humanos, determinando as re- A cultura é o conjunto de códigos
lações existentes da comunidade, atravessando simbólicos reconhecíveis pelo grupo:
por gerações, até assinalar-se por um sistema neles o indivíduo é formado desde o
que integra ações conjuntas, percebidas por momento da sua concepção; nesses
suas expressões, crenças, ideologia, maneira mesmos códigos durante a sua in-
de influenciar o comportamento de ser e estar. fância, aprende os valores do grupo;
Segundo Geertz (1989) a cultura não é uma por eles é mais tarde introduzido nas
gama de respostas que devem ser aprendidas, obrigações da vida adulta, da maneira
mas sim uma maneira de conhecimento, de como cada grupo social as concebe.
concepção dos outros e do mundo.
Na opinião de Vago (1997), é necessário Muitos são os aspectos que influenciam
que haja a organização de uma prática esco- e diversificam esta cultura, como: o seu meio
lar e afirma que desta forma tem-se a possi- social, a cidade onde mora, a cultura em que
bilidade de respeitar, investigar e enriquecer a criança está inserida e ainda o sexo e a faixa
a construção sócio-cultural da criança e seu etária da criança. Portanto, é preciso conhecer
próprio corpo e assim ampliar as relações so- bem todos esses aspectos que rodeiam as crian-
ciais que ela estabelece com a cultura, casa, ças para tentar entender seu comportamento.
rua e com a própria escola. “Nenhuma ação As experiências de vida de crianças relacionam-
educativa pode prescindir de uma ref lexão se com questões sociais e culturais da sociedade
sobre o homem e de uma análise sobre suas e são consideradas também na escola.
condições culturais. Não há educação fora Outro fator importante a ser mencionado
das sociedades humanas e não há homens é sobre a função que cada vez mais as mídias

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exercem na construção de novos significados É fato que o ser humano se constitui bio-
e modalidades de entretenimento na cultura lógica e culturalmente. Estes aspectos se apre-
contemporânea. Elas difundem idéias e pro- sentam relacionados, as ações humanas não
duções dirigidas aos diferentes públicos, en- acontecem em separado; ao mesmo tempo em
tre eles, o infantil, dentre as conhecidas estão: que são utilizados os órgãos do corpo para que
jornais, revistas, sites da internet, vídeo ga- o sujeito possa expressar-se, pensar e movimen-
mes, rádio e televisão, esta última refere-se a tar-se, também estão inclusos os aspectos das
um meio de comunicação, informação e pro- influências do meio cultural em suas ações.
paganda que registra e interpreta, seleciona Ao falarmos de corpo, Moreira (2003)
e enfatiza estabelecendo padrões e conceitos afirma que ter conhecimento de corporeidade
que tornam-se presente ativo no cotidiano das requer o entendimento de um corpo sujeito
pessoas em todo o mundo. complexo, existencial, que busca viver sempre
Sendo assim aplica-se também o conceito no intento da auto-superação, que não executa
de cultura como modelos de sentidos reunidos um simples movimento - já que, nele, há inten-
“nas formas simbólicas, que inclui ações, mani- cionalidade - e que produz cultura.
festações verbais e objetos significativos de vá- Logo:
rios tipos, em virtude dos quais os indivíduos
comunicam-se entre si e partilham suas experi- A corporeidade é, existe e por meio
ências, concepções e crenças” (THOMPSON, da cultura ela possui significado. Daí
1995, p. 176). a constatação de que a relação corpo-
Segundo Betti (1998) a partir desta con- educação, por intermédio da apren-
cepção, ressalta-se a dimensão comunicativa dizagem, significa aprendizagem da
e semiótica da cultura, portanto, como duas cultura – dando ênfase aos sentidos
facetas da mesma moeda, e por outro lado, o dos acontecimentos e à aprendizagem
aumento da midiatização da cultura contempo- da história – ressaltando aqui a rele-
rânea, já que atualmente as mídias são fontes de vância das ações humanas. Corpo que
produção e transmissão fundamentais de ma- se educa é corpo humano que apren-
neiras simbólicas e constituição de sentidos no de a fazer história fazendo cultura
mundo de hoje. (MOREIRA, 1995, p. 98).
Desta forma, o espaço tomado pelos, sites
da internet, rádio, jornais, revistas e por outros O entendimento da história da humanida-
equipamentos tecnológicos como, vídeo-games, de “é naturalmente a existência de indivíduos
computadores e brinquedos de controle remoto humanos vivos. O primeiro fato a constatar é,
e principalmente a televisão no cotidiano infan- pois, a organização corporal destes indivíduos
til estabeleceram aspectos relevantes na manei- e, por meio disto, sua relação dada com o resto
ra como se expressa a corporeidade das crianças da natureza.” (MARX & ENGELS, 1979, p.
influenciando as interações sociais à medida 27). Embora as ciências, ao longo do tempo, te-
que estes objetos passam a ter um papel essen- nham procurado entender a condição humana a
cial no cotidiano das pessoas. partir da decomposição cada vez maior do cor-

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po, parece que cada vez mais se distanciaram do processo uno, simultâneo, sem dicotomia entre
entendimento deste corpo. corpo e mente. O todo não é a soma das partes,
Os pressupostos biológicos e mecanicistas mas uma totalidade integrada e indivisível. Essa
que se pautavam na compreensão de que o corpo realidade deve se manifestar em cada atitude de
era dissociado da mente, apresentavam uma difi- vida (FREIRE, 1991).
culdade de conhecimento da totalidade do corpo. Segundo Alves (1986) é inegável que todos
Sendo assim, sob o ponto de vista dessa “somos corpos”, donos de uma constituição úni-
visão mecanicista os corpos perdem sua natu- ca, com diferenças insignificantes. No entanto,
ralidade, sua harmonia, na medida em que são em cada corpo há um coração; sente-se alegria,
vistos apenas em termos de aptidão para as ati- chora-se, ama-se. Não são apenas corpos bioló-
vidades da vida, ou como máquinas adequadas gicos, definidos por uma estrutura óssea e mus-
para a realização de uma tarefa útil, transfor- cular articulada, mas sim corpos que sentem, se
madas e aperfeiçoadas. emocionam, sonham e atribuem significados no
Sendo assim a liberdade de se expressar mundo vivido. A partir dessa abordagem con-
corporalmente fica comprometida a execução ceitual, vale destacar que:
de tarefas pré-estabelecidas, cerceando sua es-
pontaneidade de movimento. Um corpo não é apenas um corpo. É
Assim: também o seu entorno. Mais do que
um conjunto de músculos, ossos, vís-
É preciso habituar o educando a su- ceras, reflexos e sensações, o corpo é
portar que a sua liberdade seja subme- também a roupa e os acessórios que
tida ao constrangimento de outrem o adornam, as intervenções que nele
e que, ao mesmo tempo, dirija cor- se operam, a imagem que dele se pro-
retamente a sua liberdade. Sem esta duz, as máquinas que nele se acoplam,
condição não haverá nele senão algo os sentidos que nele se incorporam, os
mecânico; e o homem, terminada a silêncios que por ele falam, os vestí-
sua educação, não saberá usar a sua gios que nele se exibem, a educação de
liberdade (KANT, 1996, p. 34). gestos […] enfim, é um sem limite de
possibilidades sempre reinventadas e a
Pensar nessa questão do corpo humano é serem descobertas. Não são, portanto,
um exercício intrigante, parece que é algo novo, as semelhanças biológicas que o defi-
como se ele não tivesse existido ao longo da nem, mas, fundamentalmente, os sig-
história: “temos um corpo, conhecemos muito nificados culturais e sociais que a ele se
sobre um corpo, mas não somos um corpo, não atribuem (GOELLNER, 2003, p. 29).
sabemos o corpo” (MOREIRA, 1994, p. 54).
O ser que pensa não está dissociado do Nessa abrangência de entendimento sobre
ser que sente; ele se apresenta ao mundo em o corpo do ser humano, o conceito de corpo-
sua corporeidade ativa. Nesta, tanto o sensí- reidade implica atribuir outros aspectos sobre
vel como o inteligível se misturam, interagindo a compreensão do conhecimento deste corpo. É
em um todo maior que os une. Trata-se de um importante salientar que:

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Meu corpo é transcendente ao espaço A corporeidade sustenta o caráter do mo-
físico limitado pela minha epiderme. vimento com originalidade, ímpar em sua ma-
Ele se estende até onde os sentidos por nifestação, desvinculando a idéia da repetição
ele elaborados alcançam. Por exemplo, de movimento como reprodutor de ações de
eu vejo ao longe um bosque; lá está corpo mecanizado, mas como ação cultural e
meu corpo porque minha visão, a qual histórica de um corpo que comunga sua relação
meu corpo elabora, lá chegou. Meu com o mundo, com o outro e consigo.
corpo vai aonde vão meus sentidos. Assim, é mister repensar a corporeidade
Minha imaginação e minha sensibi- em um sentido mais amplo. Segundo Nunes
lidade também são veículos de minha (1997) a corporeidade humana é sinal de sua
corporeidade. Se minha pele se arrepia transcendência, assim como é pelo corpo que
com a beleza de uma música é porque os desejos são criados, recriados, revelados e ex-
meu corpo está também onde a músi- pandidos.
ca está sendo executada, não importa Os movimentos do corpo do ser humano
se num auditório ou num toca discos. trazem consigo a união entre a sensibilidade
Meu corpo é capaz de captar a músi- e inteligibilidade movida por intenções; essa
ca e trazê-la até a mim, assim como é união comunica-se com outros corpos e com o
capaz do processo inverso, ou seja, de meio, buscando significados, sentidos, na pers-
levá-la até outros corpos (NUNES, pectiva da auto-superação.
1997, p. 90). O corpo que se movimenta é movido por
intenções, pensa, sente, age e este movimen-
Sendo assim, “a Corporeidade não é fonte to não se resume a um mero movimento, mas
de critérios educacionais, mas seu foco irradian- sim, é dotado de significados, de sentidos, livre,
te primeiro e principal” (ASSMANN, 1994, p. busca superar-se, educa-se e produz cultura.
77). O corpo do ser humano se expressa para “Corporeidade é o ser vivente exercitando sua
o mundo através dos seus sentidos, emoções, motricidade” (MOREIRA e SIMÕES, 2006).
sentimentos, experiências, construindo gestu- Diante disso, construir gestos faz trans-
alizações que demonstram seus anseios, suas cender, no sentido de expressar sentimentos.
realizações, conquistas e conhecimentos. Neste Eles, os gestos criados pelo corpo do ser huma-
sentido, o corpo deveria ser considerado como no, silenciosamente, se comunicam tentando
“instância fundamental e básica para articular causar reações e envolvimento com os outros
conceitos centrais para uma teoria pedagógica” (NUNES, 1997).
(ASSMANN, 1994, p. 112). A relação entre educação e corporeidade
Esta reflexão pressupõe re-considerar a im- nos direciona a uma prática pedagógica que se
portância dos saberes construídos nas experiên- mostra como um emaranhado de fios que se en-
cias pessoais, os sentimentos, as sensibilidades no trecruzam numa teia, o conhecimento em rede,
conjunto de vivências que compõem a corporei- ou seja, complexa. “Está no corpo, com sua ma-
dade do ser humano. Segundo Assmann (1994) terialidade, a condição dos seres vivos constru-
somente uma teoria da corporeidade pode forne- írem suas experiências de relações no mundo.
cer as bases para uma teoria pedagógica. É o corpo de mulheres, homens e crianças que

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BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M.
exige uma nova leitura do mundo e de suas ci- de. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio de
ências” (SAMPAIO, 2002, p. 95). Janeiro: Francisco Alves, 1977.
Neste sentido, Assmann (1994) afirma FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e
que, em se tratando de corporeidade, muitas prática da educação física. São Paulo: Scipione, 1999.

pesquisas devem ser feitas, pois ainda há que ______. De corpo e alma: o discurso da motricidade.
São Paulo, Summus, 1991.
serem revelados muitos mistérios, um paradig-
ma novo deve ser formado. Desta forma, o autor FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1983.
faz um convite para aqueles que compartilham
da opinião sobre a importância do conhecimen- GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto
Alegre, Ed. Artes Médicas, 2000.
to do corpo e sua inter-relação com a Educação,
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de
pois, “sem uma filosofia do corpo, que pervaga Janeiro: Guanabara, 1989.
tudo na Educação, qualquer teoria da mente, da
GOELLNER, S. A produção cultural do corpo.
inteligência, do ser humano global enfim, é, de In: Louro, G. NECKEL, J. GOELLNER, S.
entrada, falaciosa” (ASSMANN, 1994, p. 77). (orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate
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Centro Ecumênico de Publicações e Estudos “Frei Tito VAGO, M. V. As escrituras à escola pública: a
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redimensionar o debate sobre esportes. IN:
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Qualidade de Vida. Piracicaba: Ed. Unimep, 2002.

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