Você está na página 1de 12

O Entrudo em Vila Boa

Introdução

Com o objectivo da realização de um espectáculo relacionado com a cultura

trasmontana em que se evidencia a máscara e o seu ciclo festivo, foi-nos

pedido pelo docente da disciplina movimento criativo e dinâmica de grupos a

realização de uma pesquisa sobre qualquer manifestação cultural que respeite

o tema do espectáculo.

A nossa pesquisa parte de um outro trabalho de investigação e que se intitula o

Entrudo em Vila Boa, este documento é um pequeno resumo sobre as

principais características culturais e festivas que ai se podem encontrar.

1
O Entrudo em Vila Boa

Breve descrição geográfica e sócio-cultural

Situada a 8 quilómetros da sede do concelho, a freguesia de Vila Boa de

Ousilhão ocupa uma superfície com uma área de 7,63 quilómetros quadrados,

caracterizando-se por:

 Oragos: S. Miguel;

 População:190 habitantes;

 Actividades económicas: Agricultura. pecuária e o pequeno comércio;

 Festas e romarias: Corpo de Deus (Dia do corpo de Deus), S. Roque

( 16 de Agosto) e S. Miguel (29 de Setembro);

 Património cultural e edificado: Igreja paroquial, Capela de S. Roque,

ponte românica, moinho de água e fontes de mergulho;

 Outros locais de interesse turístico: Zona de caça (lebre, perdiz, coelho e

javali) e zona de pesca (truta na ribeira de Vila Boa);

 Gastronomia: Presunto, enchidos, caldeirada de cabrito, cabrito, borrego

e leitão assados no forno, vitela assada, arroz doce, folar da Páscoa e

castanha assada;

 Artesanato: Máscaras em madeira, colchas em algodão, cinzeiros,

cajados e trabalhos em lã;

 Colectividades: Associação Desportiva e Cultural de Vila Boa e

Comissão Fabriqueira da Igreja.

2
O Entrudo em Vila Boa

Festividade Cíclica

Do conjunto de ciclos que integram o calendário cerimonial anual, o Carnaval é,

sem dúvida, um dos mais importantes. Presente, sob formas muito diversas, no

meio urbano, ele apresenta, nas sociedades rurais tradicionais, características

relativamente recorrentes.

Nestas últimas, o ciclo de Carnaval conhece o seu auge nos três dias que vão

de Domingo gordo a Terça-feira gorda, embora possa ser anunciado por um

conjunto de celebrações prévias que funcionam como uma preparação para o

entrudo com as suas folias e liberdades. O Entrudo propriamente dito, a sua

celebração, se exceptuarmos alguns rituais específicos, locais obedece a um

certo número de constantes de difusão geral no país. Entre essas constantes

avulta, em primeiro lugar, a sua componente alimentar, expressa na ausência

completa de restrições alimentares quantitativas e qualitativas, assim corno na

abundância de sobremesas especialmente confeccionadas para a quadra.

Depois, e em segundo lugar, o Carnaval articula-se com a aparição de

personagens mascaradas, para nós os máscaras, os marafonos e as

"madamas ", que não têm ligações a rituais específicos mas à sua intervenção,

formal ou informal, autónoma ou em articulação com outras celebrações, é um

elemento decisivo dos festejos carnavalescos.

3
O Entrudo em Vila Boa

O aspecto mais importante do conjunto de práticas desta quadra prende-se

com o seu carácter de licenciosidade autorizada, de momentânea ruptura e

inversão da ordem social, onde todos os excessos são autorizados.

É de acordo com estes pressupostos que podem ser analisados alguns dos

principais motivos constitutivos do Carnaval. A associação deste com

personagens mascaradas empresta-lhe características de um período de

momentânea suspensão e confusão do jogo de identidades sobre que assenta

a vida social.

Esta faceta central do Carnaval tem sido interpretada por oposição a alguns

dos temas centrais da religiosidade quaresmal. Assim como os excessos

alimentares carnavalescos se definiriam por oposição aos jejuns e abstinências

quaresmais, da mesma forma o seu ambiente geral de licenciosidade teria por

contraponto os rigores e a disciplina característicos da Quaresma.

Simultaneamente, as características de transgressão e desordem dos festejos

carnavalescos não podem ser desligados do modo como estes se situam num

ponto de passagem particularmente importante do calendário cerimonial anual:

a transição entre o ciclo do Inverno e o ciclo da Primavera. O recurso a rituais

que encenam uma momentânea subversão da ordem social, seguida da sua

posterior restauração. Esta última é assegurada, uma vez passada a

Quaresma, por intermédio dos rituais ligados aos ciclos da Primavera.

4
O Entrudo em Vila Boa

O Carnaval antecipa simultaneamente ideias de regeneração da fertilidade e de

retorno da abundância que se tornarão dominantes nos cerimoniais ligados ao

ciclo da Primavera.

Mascaro de Vila Boa

5
O Entrudo em Vila Boa

Descrição do Entrudo em Vila Boa

Vila Boa uma aldeia cheia de tradições, a maior parte delas ligadas à liturgia

religiosa. De entre estas merecem especial realce as alusivas ao Natal, Santo

Estêvão, Páscoa e Dia de Todos-os-santos.

Das tradições mais antigas, que se perde nos tempos, é a dos festejos do

Entrudo, que atinge o auge com os "casamentos" que mais à frente

abordaremos mais pormenorizadamente.

Os preparativos do entrudo mexem com todos os rapazes da aldeia. Durante o

Inverno, nas horas de lazer ou enquanto guardam as ovelhas ou as vacas, a

cortes de canivete, vão construindo as máscaras que os irão enfeitar na tarde

do dia de Carnaval e mesmo na tarde do domingo anterior (domingo gordo). As

máscaras são feitas, normalmente, em madeira de amieiro.

Os fatos que vestem, feitos de velhas mantas e cobertores de cores garridas,

são confeccionados pelas mães e avós, que nas horas de "lazer" ao serão e à

lareira os vão acabando.

Para acabar, os rapazes pedem emprestados chocalhos e sinetas dos animais

que penduram no corpo para se fazerem sentir. É normal haver disputa entre

os rapazes para ver quem mais chocalhos junta para assim chocalhar mais e

consequentemente impor mais respeito.

6
O Entrudo em Vila Boa

Entretanto, o rapaz solteiro mais velho, ou pelo menos, um que já "tenha ido à

tropa", vai preparando, no maior sigilo apenas quebrado com alguma rapariga

de mais confiança e que o vai ajudando, as listas dos casais que na noite de

Carnaval irão ser anunciados a todo o povo.

Quando chega o dia de Carnaval, depois de almoço, muitos rapazes vestem-se

de máscaras, ou como são lá conhecidos, de caretos e passam a tarde povo

abaixo, povo acima, piropando e assustando a garotada e as raparigas,

principalmente aquelas que consideram mais encantadoras. Nestes percursos

são muitas vezes convidados a entrar nas casas, mais propriamente nas

adegas, para beber um copo, e assim recuperar forças para prosseguir

caminho.

Para além dos máscaras, ou, caretos, existem também os marafonos (pessoas

que se mascaram de qualquer forma, comum é o facto de vestimentas serem

de cor garrida) e as "madamas", que tal como os máscaras passam a tarde

povo abaixo povo acima como que numa "passerelle". Marafonos, tanto são

rapazes, como raparigas, novos ou velhos, qualquer pessoa se pode mascarar

de marafono, o importante é, para além do sentido lúdico, conseguir não ser

reconhecido.

Nesta tarde tudo, ou quase tudo é permitido, ninguém leva a mal, pelo facto de

levar pancada dos máscaras nem de ser sujo com farinha ou cinza pelos

marafonos.

7
O Entrudo em Vila Boa

Toda a gente sai à rua, exceptuando os mais tímidos ou aqueles

que de facto têm medo dos máscaras (crianças, velhos e algumas mulheres),

no entanto respira-se um ar festivo e de grande confraternização.

É na maior expectativa que todos, rapazes e raparigas, engolem a ceia, pois

estão ansiosos por saber qual será o seu par, que o rapaz da lista conservou

bem guardado no segredo dos deuses.

Até que, quando paira o maior sossego, o silêncio é quebrado pelo "homem do

embude" , tradicionalmente um solteirão e já useiro e habituado nestas

andanças.

Perante a lista dos pares que lhe dizem, vai formando quadras adequadas para

o respectivo casamento.

Estes casamentos são apregoados no embude a partir do lugar mais alto da

aldeia, junto à Junta de Freguesia, para o eco levar os versos a todos os

pontos da aldeia, que é bem extensa, e assim todos os poderem ouvir. A

primeira quadra é uma introdução à cerimónia que vai ter lugar e diz assim:

Palhas alhas leva-as o vento

Vamos fazer os casamentos…

Quem não os quiser aceitar

Venha cá para os descansar

8
O Entrudo em Vila Boa

Ou então assim:

Palhas alhas leva-as o vento

vamos fazer os casamentos…

quem os não aceitar

vai à feira de Vinhais a trocar

E a rapaziada que lá se concentra, impaciente, em coro vai soltando

vivó.ó.ó.ó…

Entretanto, as raparigas vêm para a janela para ouvirem qual é o seu "home".

Começam então as quadras destinadas a cada um e a cada uma.

O Tonho da ladeira

gosta do assim-assim…

com quem o hemos de casar?

Co'a filha do Benjamim...

9
O Entrudo em Vila Boa

Vivó.ó.ó.ó… (grita a rapaziada em grande algazarra).

O Janeta do Eiró

gosta de espetar o prego!

Havemos de o casar

co' a Maria do desterro

Vivó.ó.ó.ó… (grita novamente a rapaziada em grande algazarra).

E assim por diante, até todos os pares da aldeia estarem casados.

Com os casamentos acabados é a debandada para ir deitar o “entrudo fora” à

mulher e receber o abraço.

Hoje já ninguém estranha ver um rapaz dar um beijo a uma rapariga, portanto

menos admirado se fica ao ver dar um abraço. Mas, nas gerações anteriores à

nossa, em que ao ver o joelho duma moça os rapazes já ficavam todos

"alvoraçados" dar um abraço à "mulher" às claras, só era permitido no entrudo.

As mães das moças capricham em ter doces caseiros e outros, jeropiga ou

vinho fino, e a "noiva" toda se aperalta para receber e dar o grande abraço,

apertadinho, ao noivo.

Interessante, também, é o modo como se assinala a chegada (deitar o entrudo

fora) e que ao longo das épocas foi sofrendo várias alterações.

10
O Entrudo em Vila Boa

No tempo dos nossos avós os rapazes juntavam-se aos grupos e combinavam

ir juntos visitar as "mulheres" de cada um. À chegada à porta, com armas

caçadeiras, atiravam um ou dois tiros ao ar, conforme as possibilidades

financeiras de cada um e se a mulher era ou não do agrado.

Vieram depois as bombas de carnaval, hoje proibidas, mas que ainda vão

aparecendo. O rapaz, chegado à entrada da casa da "mulher" faz uma roda de

bombas e chega-lhe fogo e assim elas rebentam. Deitado o "entrudo fora" ou

"estoirada a mulher", o rapaz entra em casa e pede-lhe o abraço. Cumprido o

cerimonial, há que comemorar comendo e bebendo das melhores lambarices

que a casa tem para oferecer e fazer jus à dona da casa.

Antes de haver electricidade, o que ainda é recente, era bastante mais

pitoresco pois como as possibilidades económicas eram fracas, havia muitos

rapazes que transportavam consigo um pau, em brasa numa das pontas, para

com ele acenderem as bombas. Ora, na escuridão da noite viam-se aquelas

brasas em movimento o que dava um bom espectáculo.

Agora, ainda que a tradição se mantenha, já não tem o mesmo efeito. Por um

lado não é necessário transportar o lume de casa em casa e as próprias

bombas estão passadas de moda; por outro lado um abraço ou mesmo um

beijo já são coisas muito comuns, mesmo nas aldeias. Além disso, como já é

costume as raparigas saírem à noite, também não é nada anormal nessa noite,

elas irem ao baile.

11
O Entrudo em Vila Boa

Depois do abraço dado e feitas as honras à dona da casa, os "casais" vão

juntos para o baile onde toda a gente dança até de madrugada.

Até tempos muito recentes havia a preocupação de não ir o bailarico para além

da meia-noite pois, dançar na Quaresma, era pecado.

O costume de deitar o "entrudo fora" é bastante pitoresco pois nesse dia

ninguém olha a zangas atrasadas. As portas, como é costume em Trás-os-

Montes, estão apenas encostadas, é o “entre quem é?...”. Estoura-se a bomba

e entra-se sem a menor cerimónia e os donos da casa ficam muitos gratos pela

consideração que se lhes deu.

12

Você também pode gostar