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Larissa SCHLÖGL 1
Resumo
O presente artigo faz uso da Graphic Novel “Do Inferno” para estudar sua narrativa e
estética, com ênfase em seus componentes estruturais e temáticos, a partir da análise da
sintaxe visual da história em quadrinhos. Este romance gráfico, publicado em 1999, foi
escrito por Alan Moore e ilustrado por Eddie Campbell. A narrativa se passa na
Inglaterra vitoriana e conta a história de Jack, o Estripador. O objetivo é observar como
a distribuição das imagens, aliadas às palavras, possibilita a construção de uma
linguagem. Farei ponderações sobre “Do Inferno”, sua construção narrativa, disposição
de elementos, uso das cores e trama. Para a realização deste estudo, baseio-me nos
princípios da teoria da sintaxe visual de Donis A. Dondis (1997) e dos estudos do
cartunista e teórico dos quadrinhos Will Eisner (1999) e Scott McCloud (2005).
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Mestranda em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (Curitiba/PR). E-mail:
larissa.schlogl@gmail.com.
Cores e Traços
A história gráfica é totalmente narrada nas cores preto e branco, o que não é
usual no gênero e contribui para criar uma atmosfera de mistério e suspense. No início
da leitura, verifico uma dificuldade latente de decifrar as imagens inseridas nos quadros.
Muitas delas são elaboradas com riscos ríspidos e sem grande definição dos signos. O
preto e o branco, por vezes, dificultam a identificação dos personagens. Para explicar a
ausência de cores, o teórico dos quadrinhos Scott McCloud afirma:
Apesar de muitos fatos terem acontecido na vida real, o leitor encontra-se diante
de uma ficção, na qual o leitor mergulha na narrativa e deixa que seu aspecto onírico o
envolva.
Observo a presença de muitos riscos para compor a imagem (Figura 1). O autor
também utiliza quadros de tamanhos variados para narrar a trama. Isto se deve ao ritmo
de leitura, que varia de acordo com a quantidade de elementos dispostos dentro de um
quadro. Will Eisner afirma que “quando estamos expostos a uma frequência de quadros
de tamanho igual e, de repente, temos um quadro maior, este permite que o leitor faça
uma breve pausa ao diminuir o ritmo da leitura” (EISNER, 1999, p. 36).
Na página 40 do Volume 1, uma cena de sexo entre marido e mulher é
apresentada apenas com quadros negros e balões de fala. Conforme define Eisner, “ao
escrever apenas com palavras, o autor dirige a imaginação do leitor. (...) a imagem
torna-se um enunciado preciso que permite pouca ou nenhuma interpretação adicional”
(EISNER, 1999, p. 122).
Observam-se, também, quadros com o uso excessivo de rabiscos, nas palavras
de McCloud:
Os fundos podem ser outra ferramenta valiosa para indicar ideias invisíveis,
sobretudo, o mundo das emoções. Mesmo quando há pouca ou nenhuma
distorção de personagens numa cena, um fundo distorcido ou expressionista
pode afetar nossa ‘leitura’ dos estados interiores do personagem. Certos
padrões podem produzir um efeito quase fisiológico no espectador, só que ele
vai atribuir essas sensações, não a si mesmo, mas aos personagens com os
quais se identifica (MCCLOUD, 2005, p. 132).
A linha pode assumir formas muito diversas para expressar uma grande
variedade de estados de espírito. Pode ser muito imprecisa e indisciplinada,
como nos esboços ilustrados, para tirar proveito de sua espontaneidade de
expressão. Pode ser muito delicada e ondulada, ou nítida e grosseira, nas
mãos do mesmo artista. Pode ser hesitante, indecisa e inquiridora, quando é
simplesmente uma exploração visual em busca de um desenho (DONDIS,
1997, p. 57).
Quanto a estes quadros sem cenário definido, sabemos que “tiramos conclusões
com freqüência, completando mentalmente o que está incompleto, baseados em
experiência anterior” (MCCLOUD, 2005, p. 63). O autor afirma que “algumas formas
de conclusão são invenções criadas deliberadamente para produzir suspense ou provocar
o espectador” (ibid).
Tal imagem contrasta com a apresentada na Figura 5, na qual a mesma não tem
desenho definido, são alguns traços que representam uma construção.
[...] cinza extrai seu simbolismo do fato de ser, por excelência, um valor
residual: aquilo que resta após a extinção do fogo e, portanto,
antropocentricamente, o cadáver, resíduo do corpo depois que nele se
extinguiu o fogo da vida (CHEVALIER, 1991, p. 247).
Cabe ressaltar que se todos os quadros fossem muito complexos, o leitor teria
que dedicar muito tempo da leitura aos detalhes. Quadros simples dão timing à leitura,
que segue em fluxo “controlado”.
A Trama
Torna-se importante destacar o que Eisner afirma sobre o uso da primeira página
de uma narrativa:
É curioso afirmar que existem teorias em que o próprio Sickert, famoso pintor
do século em questão, era o próprio Jack, o Estripador. Na trama de Moore e Campbell,
ele é apenas o pintor amigo do príncipe Eddy, mas existem evidências que podem
provocar outras conclusões.
Em sequência posterior, durante o primeiro capítulo, quando o personagem Sr.
Sickert vai pintar a prostituta Mary Kelly, amiga de Annie, apresenta-se um diálogo
entre os personagens, no qual Sickert afirma: “Além do mais, eu queria você como vi na
primeira vez na escadaria do convento. O modo como a luz capturou suas feições
naquela echarpe vermelha” (MOORE; CAMPBELL, 2005a, p. 18).
Aponto aqui a teoria da escritora americana de livros policiais Patricia Cornwell,
que indica em seu livro chamado “Retrato de um Assassino – Jack o Estripador – Caso
Encerrado” que os assassinatos em 1888 foram realizados por Walter Sickert, o pintor
impressionista alemão que Alan Moore retrata nas páginas aqui analisadas. Moore não
utiliza de tais dados para a realização de sua obra, mas, acrescenta detalhes interessantes
sobre os hábitos do pintor, assim como uso da echarpe vermelha em seus retratos
sombrios. Veja-se um exemplo da pintura do artista por meio da figura abaixo:
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Sigla utilizada no decorrer do texto que representa “Graphic Novel”.
apêndice da GN, onde o autor, Alan Moore, faz comentários sobre os capítulos e os
dados utilizados em suas páginas. Na cena em questão, ele afirma que esta ocorre na
Áustria, e o leitor desatento só vai desvendar a conexão com o que Moore deseja nesta
leitura, quando o próprio autor afirmar no final de “Do Inferno”: “A razão para a cena
apresentada aqui é a coincidência cronológica algo eloqüente que vincula o início dos
assassinatos de Whitechapel com a concepção de Adolf Hitler” (MOORE;
CAMPBELL, 2005a, p. 186).
foco do leitor. Trata-se, aqui, de uma questão de atenção e de retenção” (EISNET, 1999,
p. 63).
Existem outras pessoas na cidade que se passam por Jack, o Estripador, ao
escreverem cartas para a polícia. Estas cartas são apresentadas com a ilustração dos
personagens ao escreverem suas cartas, com uma caligrafia diferente em cada quadro,
para destacar a divergência entre elas (Figura 10). Um aspecto interessante é que o autor
não inseriu o texto dentro de um balão. Conforme Eisner (1999), o balão é uma
ferramenta que colabora para a avaliação do tempo. Neste caso, o quadrinho expressa a
ideia de algo contínuo que está acontecendo, sem que a determinada ação termine no
requadro.
Apenas no capítulo que segue será mostrado passo a passo o que William fez
durante o crime. Destaco que durante toda a história, este é o único assassinato
retratado, ao enfatizar todos os pormenores do crime. Serão diversas páginas apenas
com imagens, sem um único diálogo ou balão de fala.
Esta sequência apresenta quadros regulares, com tamanhos iguais ao manter o
ritmo da leitura. “O formato dos quadrinhos também têm uma função. Numa página
onde é preciso transmitir uma regularidade de ação, dá-se aos quadrinhos o formato de
quadros perfeitos” (id. p. 30).
Tempo/Continuidade
Na Figura 13, apresento uma sequência no qual o primeiro quadro ilustra o final
da relação sexual entre o príncipe Eddy e a vendedora de doces, Annie Crook. No
quadro seguinte, visualiza-se o lado de fora da loja de doces e a sequência passa a
retratar o pintor Sickert em seu apartamento, ao apontar um lápis de desenho. “As
mudanças de cenário servem para mostrar a locação” (EISNER, 1999, p. 19).
Enquadramento/ Sequências
Existem várias páginas que seguem com sequências convencionais, com todos
os quadros de tamanhos iguais, ao gerar continuidade e ritmo de leitura à narrativa.
Mas, o autor também explora diversos tamanhos para os quadros, como veremos
abaixo.
Aponto outro quadro que ocupa mais da metade da página (Figura 15). Este
quadro também se destaca pela falta de um quadro definido, o requadro. Nele está
inserida a majestade britânica, como iconicamente reconhecida, e iniciam-se diversos
quadros só com a imagem da Rainha Vitória ao dialogar com Dr. William Gull, sem que
ele apareça ao lado dela. Dr. Gull é nomeado Médico Real Extraordinário. “A ausência
de requadro expressa espaço ilimitado. Tem o efeito de abranger o que não está visível,
mas que tem existência reconhecida” (EISNER, 1999, p. 45). Além disto, o autor indica
que a ausência do requadro faz com que o leitor complete o cenário.
Na página 84 (Figura 16) nota-se que o quadro ocupa a extensão da largura da
página, e, na página seguinte (Figura 17), o leitor visualiza novamente a carruagem. O
leitor pode questionar-se como deve ler esta vinheta, pois está diante de uma situação na
qual a direção do olhar está livre, com o sentido temporal e espacial ambíguo. Tem-se
continuidade entre uma página e outra. Porém, abaixo deste quadro, a leitura permanece
em sequência convencional.
Figura 16: Quadro Vol. 1 (op. cit. p. 84) Figura 17: Quadro Vol. 1 (op. cit. p. 85)
Com relação ao olhar do leitor enquanto observa uma imagem, conforme Eisner
(1999), sabe-se que, na cultura ocidental, a leitura é realizada da esquerda para a direita
e de cima para baixo. A disposição dos quadrinhos numa página também parte desta
hipótese. “Na prática, porém, essa norma não é absoluta. Frequentemente, o espectador
dá primeiro uma olhada no último quadrinho. Contudo, o leitor obrigatoriamente
acabará voltando ao padrão convencional” (EISNER, 1999, p. 41).
McCloud (2005) também concorda com o mesmo princípio, mas afirma que um
cartunista pode explorar outras maneiras e testar a capacidade de outras leituras do
leitor. Acredito que o autor da GN instiga no leitor uma forma diferente para a
observação das duas páginas em questão.
Outra estratégia visual é utilizada quando William e Netley, ao continuar o
passeio pela cidade de Londres, acompanham a complexidade das suas construções.
Considerações finais
Durante este estudo, observei que a construção de uma narrativa gráfica se faz a
partir de imagens e palavras, e estes recursos narrativos podem ser explorados de
incontáveis maneiras para atrair a atenção do leitor à história.
Conforme afirma Martine Joly, “considerar a imagem como uma mensagem
visual composta de diversos tipos de signos equivale (...) considerá-la como uma
linguagem e, portanto, como uma ferramenta de expressão e de comunicação” (JOLY,
1996, p. 55).
O uso do preto e do branco deixa os momentos em que o sangue é utilizado na
história menos repugnante. A presença do preto torna a narrativa sombria e é utilizada
com a intenção de intensificar o escuro, as trevas, em uma cidade mergulhada em
episódios aterrorizantes. Tais recursos foram explorados nos filmes expressionistas
alemães e também no cinema noir, dois estilos cinematográficos que tematizavam
crimes e forças malignas. É importante lembrar que o cinema acabou influenciando o
surgimento do gênero Graphic Novel, havendo inclusive livros que ensinavam como
desenhar “noir comics”.
A trama de “Do Inferno” é excitante por se tratar de um fato que realmente
aconteceu no passado e que permanece um mistério até os dias de hoje. O uso de outros
livros e relatos como referência para a construção da trama instiga o leitor.
Tanto Alan Moore quanto o ilustrador Eddie Campbell exploram os recursos
dramáticos da narrativa, na qual são utilizados diferentes traços nas vinhetas, díspares
modos de leitura entre os quadros, desenhos que extrapolam o espaço de requadro, entre
outros analisados. Mas, apesar da complexidade da narrativa, “o olho procura uma
resolução simples para aquilo que está vendo, e, embora o processo de assimilação da
informação possa ser longo e complexo, a simplicidade é o fim que se busca”
(DONDIS, 1997, p. 48).
Considero que os recursos de linguagem gráfica são muito bem explorados e
despertam o interesse do leitor para a procura de novos romances gráficos, assim como
a vontade de pesquisar sobre o famoso serial killer que conduz a história de “Do
Inferno”, Jack, o Estripador.
Referências
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1991.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996.
MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos: história, criação, desenho, animação,
roteiro. São Paulo: M. Books, 2005.
MOORE, Alan; CAMPBELL, Eddie. From Hell. Canada: Top Shelf Productions. 1999.
________. Do Inferno. São Paulo: Via Lettera. Vol. 1, 2005a.
________. Do Inferno. São Paulo: Via Lettera. Vol. 2, 2005b.
________. Do Inferno. São Paulo: Via Lettera. Vol. 3, 2003.
________. Do Inferno. São Paulo: Via Lettera. Vol. 4, 2007.
THE ART TRIBUNE. Disponível em
<http://www.thearttribune.com/spip.php?page=docbig&id_document=487> Acesso em:
3 jul. 2011.