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Quadrados Mágicos: Misticismo e Matemática

André Luiz M de Assumpção


andremonsores@facitec.br

Resumo
O presente artigo objetiva fazer um breve resgate, na história, de um conjunto
de objetos de investigação as quais se estabeleceu, ao longo dos séculos,
relações místicas, lendárias ou mitológicas com a matemática, que podem ser
utilizadas no ambiente educacional para atrair a curiosidade de alunos para o
estudo e a pesquisa em matemática. Os Quadrados Mágicos são importantes
exemplos desse grupo de objetos matemáticos carregados de histórias
curiosas que, devidamente trabalhadas, estimulam os alunos a observar,
relacionar e a produzir conhecimentos.

Palavras Chave: Quadrado Mágico; Misticismo; Educação Matemática

A História

É característica da raça humana, desde sua origem, criar história


fantasiosas em torno do conhecimento, independente de sua origem. Essa
mitologia que afasta os menos corajosos, por outro lado, estimula as mentes
curiosas para uma longa caminhada em busca das respostas, que ajudarão a
desvendar os mistérios que circundam o conhecimento.
Houve uma época em que o conhecimento matemático era objeto de
estudo de grupos fechados, que montavam verdadeiras seitas para desvendar
e cultuar os elementos da natureza. Os Pitagóricos1 podem ser considerados
como um dos mais ilustres membros desse conjunto de estudiosos.
Os números nos fornecem exemplos interessantes desta época de
matematísmo2, como é o caso dos números 7 e 12, considerados como
sagrados. O número 7 por ser associado à quantidade de dias em que Deus
criou o Universo e o número 12 por simbolizar a quantidade de signos do
zodíaco.

1
GORMAN, P., 1995, Pitágoras uma vida, tradução de Rubens Rusche, 10ª edição, Ed.:
Cultrix/Pensamento, São Paulo.
2
Época em que os símbolos matemáticos eram usados como amuletos.

1
Aos números ímpares eram atribuídas propriedades místicas pelos
gregos. Temos ainda a razão áurea3 que, até os dias de hoje, é utilizada como
critério de beleza para artistas e arquitetos.
Os Quadrados Mágicos são um dos mais antigos membros deste vasto
conjunto mitológico. Sua construção é um entretenimento matemático que,
ainda hoje, desperta a curiosidade por suas propriedades “mágicas”. O
problema consiste em buscar uma disposição de números sucessivos tal que,
colocados num quadrado subdividido em quadrados menores, suas linhas,
colunas e diagonais tenham a soma de seus valores constante. A essa
constante, os antigos denominavam “Constante Mágica”, atribuindo a ela
propriedades maravilhosas.
Se um Quadrado Mágico permanecesse com suas propriedades ao
substituirmos seus números pelos respectivos quadrados, ele era denominado
de “Bimágico”.
O Primeiro Quadrado Mágico
Contam os historiadores que o primeiro quadrado apareceu na China,
cerca de 2800 a.C4.. Esse quadrado mágico (ver figura 1), denominado de Loh-
Shu5, é utilizado como talismã pelo povo chinês. Os Quadrados Mágicos
também eram conhecidos pelos hindus e pelos árabes, que atribuíam às
combinações numéricas propriedades misteriosas. “Na Europa ocidental os
quadrados mágicos eram, na Idade Média, patrimônio dos representantes das
pseudociências, dos alquimistas e dos astrólogos. Deles, os Quadrados
Numéricos receberam a denominação de mágicos, pois acreditavam que quem
os carregasse como um talismã estaria salvo das desgraças.”(Perelmán, 1983 :
341).

3
Ver RPM nº 05.
4
Existem controvérsias a respeito da época em que foi encontrado este Quadrado Mágico. Alguns autores
afirmam que ele foi encontrado entre os anos de 4000 - 5000 antes de Cristo.
5
Ordem interior do Mundo.

2
Fig.1
Mais adiante poderemos comparar essa figura com um Quadrado
Mágico de ordem 3.

Misticismo, Matemática e Arte

Os Quadrados Mágicos não foram admirados apenas pelas suas


atribuições místicas. Muitos matemáticos admiraram as intrigantes
combinações numéricas e se empenharam na busca de procedimentos que
levassem a construção desses maravilhosos objetos.

Além dos místicos e matemáticos, esses quadrados também foram


objetos da sedução de artistas. O aspecto estético desses quadrados foi
revelado pelo pintor alemão Albert Dürer6 que, em 1514, procurou representar
a beleza de um quadrado de ordem 4, na conhecida gravura denominada
Melancolia I (ver figura).

Fig.2

Não existem muitas referências bibliográficas a respeito dos Quadrados


Mágicos. Os conhecimentos têm sido transmitidos, na maioria das vezes,
através de livros de cultura chinesa e de livros de magia, que estabelecem a
interligação entre os ritos e os planetas. Nos tratados de magia os Quadrados

6
DÜRER (Albrecht), pintor e gravador alemão (Nuremberg, 1471 – id., 1528). Principal mestre da
escola alemã, revelou seu gênio na pintura a óleo (A festa do rosário), retratos na aquarela (A lebre), na
gravura em madeira e em cobre (A grande paixão, A melancolia, O cavaleiro, A morte e o diabo).
Trabalhou em Nuremberg, salvo duas viagens que fez a Veneza e aos Países Baixos.

3
Mágicos são apresentados com a denominação de “Selos Planetários”.7 O de
Dürer, por exemplo, representa o selo planetário de Júpiter, enquanto
que um quadrado de ordem três representa o selo de Saturno.

A Ordem
O tamanho do quadrado, ou a ordem do quadrado, é definida pela sua
quantidade de linhas ou colunas. Um quadrado de ordem 3 possui 3 linhas e 3
colunas (ver figura 3), logo possui 9 quadrados menores, que deverão ser
preenchidos com os algarismos de 1 a 9. O menor Quadrado Mágico é o de
nove casas. Um quadrado com 16 casas é o de ordem 4. Um quadrado de
ordem 5 possui 25 casas, e assim por diante.

Observe o exemplo de um Quadrado Mágico de ordem 3:


Fig. 3

6 7 2 ⇒ 15

1 5 9 ⇒15

8 3 4 ⇒15

⇓ ⇓ ⇓
15 15 15 15 15

Observe que a soma dos algarismos que compõem suas linhas, colunas
e diagonais resultam sempre em 15.

A Constante Mágica
O valor “S”, conhecido como Constante Mágica, que obtemos na soma
dos algarismos, é fixo e diferente para cada ordem. Por exemplo:

Ordem do QM Soma (S)


3 15

7
Denominação dada por Cornelius Agrippa (Colónia 1486 – Grenoble 1535; De Occulta Philosophia,
1510).

4
4 34
5 65

Este valor pode ser facilmente encontrado, se somarmos todos os


números do quadrado e dividirmos pela sua ordem.
Utilizemos como exemplo o quadrado de ordem 3, que possui 9 casas
onde serão colocados os número de 1 a 9. Assim teremos,
S3 = (1 + 2 + 3 +....+9) ÷ 3 ⇒ S3 = (45) ÷ 3 ⇒ S3 = 15.

Podemos generalizar essa análise para um Quadrado Mágico qualquer


de ordem n. Por exemplo:
Sn = (1 + 2 + 3 + ....+ n2 ) ÷ n

Para quem achar trabalhoso fazer esta soma, lembramos que a


seqüência 1, 2, 3, 4, ..., n2 é uma Progressão Aritmética (PA) de razão 1. Logo,
podemos lançar mão do modelo matemático utilizado para calcular a soma dos
k termos de uma PA. Dessa forma teremos:
Sk = (a1 + ak)k ÷ 2 → Soma dos k termos de uma PA.
Assim, como Sn = Sk ÷ n , concluímos que
Sn = (1 + n2) n2 ÷ 2n ⇒

Sn = (1 + n2 ) n ÷ 2.

Vamos testar a validade dessa fórmula para determinar o valor da


constante mágica de um quadrado de ordem 5.
S5 = (1 + 25).5 ÷ 2 ⇒ S5 = 26.5÷ 2 ⇒ S5 = 65.

Assim, para os dez primeiros Quadrados Mágicos, teremos as seguintes


constantes mágicas:

Ordem 0 0 0 06 07 08 09 10 11 12
3 4 5
Constante 1 3 6 11 17 26 36 50 67 87
Mágica 5 4 5 1 5 0 9 5 1 0

5
Alguns Métodos para a Construção de Quadrados
Mágico
Até o momento não é conhecida uma forma de construir esses
quadrados que sirva para todas as ordens, ou seja, os procedimentos utilizados
para a construção de quadrados de ordem ímpar não servem para a
construção de quadrados de ordem par, e vice e versa.
Neste artigo, mostraremos alguns métodos para a construção de
quadrados de ordem ímpar

Quadrados de Ordem Ímpar


O Método de Bachet
O método que será mostrado aqui foi desenvolvido pelo matemático
francês Bachet, no século XVII. Para facilitar o entendimento do método, será
utilizado um quadrado de ordem 3 como exemplo.

1a Etapa: Construir o quadrado dividido em nove casas;

2a Etapa: Completar as laterais do quadrado, com quadrados menores, até


encontrar uma figura semelhante a um losango;

6
3a Etapa: A partir do quadrado pintado e seguindo a diagonal crescente,
numerar os quadrados em ordem, com os algarismos de 1 a 9;

3
2 6
1 5 9
4 8
7

4a Etapa: Os algarismos que ficaram de fora do quadrado (1, 3, 7 e 9) serão


inseridos nos lados oposto do quadrado, porém mantendo-os nas mesmas
linhas ou colunas que se encontram. Dessa forma será obtido o quadrado
abaixo.

2 7 6
9 5 1
4 3 8

Aplicando o mesmo método para construir um quadrado mágico de


ordem 5, encontraremos o seguinte quadrado.

4 10
3 9 15
2 8 14 20
1 7 13 19 25
6 12 18 24
11 17 23
16 22
21

3 16 9 22 15

7
20 8 21 14 2
7 25 13 1 19
24 12 5 18 6
11 4 17 10 23

8
J
I

O Algoritmo de Euler
H

Um dos grandes matemáticos que dedicou algum tempo de seus


estudos à construção dos Quadrados Mágicos foi Euler, que criou um algoritmo
para a construção de Quadrados Mágicos de ordem cinco.

Para facilitar o entendimento, serão utilizadas as letras itálicas a, b, c, d,


e e f, para denominar as colunas e os algarismos de 1 a 5 para denominar as
linhas. Assim poderemos identificar as casas do quadrado por pares ordenados
do tipo (x,y).

Assim, um quadrado de ordem 5, ou seja, composto de 25 quadrados


menores, teria a seguinte representação:

5
4
3
2
1
a b c d e

Onde a letra H se encontra na casa (b,2), a letra I se encontra na casa (c,4)


e a letra J se encontra na casa (e,5).

Uma vez adaptado a esta representação para as casas do quadrado,


podemos iniciar o processo de montagem utilizando o algoritmo de Euler.

9
55
a b c d e
a b c d e
4
4
A Montagem: 3
1) Primeiramente, colocamos
32 o
número 1 em qualquer casa do
1
quadrado, por exemplo (a;1).
2
2) Movendo-nos duas casas para
1
cima e uma para a direita,
colocamos o número 2 na casa
(b;3).
3) Agora, movendo-nos novamente da
mesma maneira, colocamos o
número 3 na casa (c;5).
4) Se com o movimento, sairmos do
quadrado pela parte superior,
continuamos o movimento pela
parte inferior da mesma coluna. O
mesma se dará quando sairmos
pela lateral direita;
5) Do ponto (d;2) movemo-nos para o
ponto (e;4) e colocamos o número
5.
6) Do ponto (e;4) movemo-nos para o
outro lado do tabuleiro, ponto (a;1).
Como o ponto está ocupado,
colocamos o número na casa
abaixo do ponto de partida.

10
a b c d e

7) Repetindo as 3
operações,
conseguiremos completar
2 o
quadrado de ordem 5, 1 que tem
Constante Mágica igual a 65.

Podemos observar que o movimento proposto pelo método de Euler é


igual a uma das possibilidades de movimento do cavalo do jogo de xadrez. Com
algumas variações nesse método, podemos utiliza-lo para construir qualquer
quadrado mágico de ordem ímpar. Essas alterações serão propostas a partir das
seguintes propriedades.

1a - Movimentando colunas, linhas e diagonais

Na tentativa da construção de Quadrados Mágicos pelo método de


Euler, poderemos observar que, dependendo de onde colocamos o ponto de
origem, realizaremos deslocamentos das linhas, colunas e diagonais.
Comparando os quadrados abaixo, que não são mágicos, relacionando a
variação do ponto de origem com o deslocamento, concluímos que as linhas,
colunas e diagonais se deslocam no sentido do deslocamento do ponto de
origem.

11
Em todos esses quadrados, os algarismos que compõem as linhas e
colunas não se alteram, mesmo variando o local de colocação do primeiro
algarismo.

12
2a - Reflexões Geométricas
Tomaremos como exemplo um quadrado de ordem 3, construído pelo
algoritmo de Euler, e outro construído com uma alteração no movimento
(observe que eles não são mágicos). Ao invés de deslocar duas casas para
cima e uma para a direita, conforme sugere o algoritmo de Euler,
deslocaremos duas casas para a direita e uma para cima, e em caso de
repetição, colocaremos o algarismo na casa imediatamente à esquerda do
ponto de partida.

Método de Euler Método alterado


Tomando a diagonal formada pelos algarismos 1, 6 e 8 como eixo de
simetria, e comparando os dois quadrados, conseguiremos concluir que houve
uma reflexão dos algarismos restantes em torno deste eixo de simetria.

Construção de Quadrados Mágicos de qualquer ordem ímpar

Agora que conhecemos algumas propriedades interessantes que


ocorrem na construção dos Quadrados Mágicos pelo método de Euler,
podemos tentar utilizar estas propriedades para conseguirmos construir
Quadrados Mágicos Perfeitos de ordem ímpar.
Tomando como exemplo os quadrados de ordem 3, observamos que o
método de Euler não pode ser aplicado na íntegra, ou seja, os quadrados
gerados por esse método não são mágicos. Mas se fizermos algumas
alterações e transformações, que vimos anteriormente, e se conseguirmos
garantir que em todas as linhas e colunas os resultados encontrados na soma
dos algarismos sejam iguais, ficará fácil construí-lo.

13
Utilizando o método de Euler, preencheremos um quadrado de ordem 3
fazendo a seguinte alteração: no caso de repetição, colocar o número na
casa imediatamente acima da casa de partida.

14
Completando a seqüência de movimentos, encontraremos este
quadrado:

Observe que todas as linhas e colunas somam 15. Somente as


diagonais não possuem a mesma soma.
Neste caso, buscaremos nas diagonais menores uma seqüência que
some 15. Por exemplo 2 + 5 + 8 = 15.

15
Faremos uma transformação para tentar colocar esta seqüência em uma
das diagonais maiores.
Como sabemos que, se trocarmos a posição do ponto inicial, todas as
colunas se movimentam na mesma direção, conseguiremos montar o Quadrado
Mágico colocando o ponto inicial no primeiro quadrado da segunda coluna.

Observe que, agora, as duas diagonais também somam 15. Vale


destacar também que, com algumas modificações, poderemos transformar este
Quadrado Mágico num outro igual ao de Loh-Shu, mostrado anteriormente.

15
17 6 25 14 3
11 5 19 8 22
10 24 13Utilizando
2 16 este método, conseguiremos montar qualquer Quadrado
4 Mágico
18 7 de21ordem
15 ímpar. Mesmo o quadrado de ordem 5 poderá ser construído
23 por meio
12 1 do método
20 9 alterado. Que terá como resultado o seguinte Quadrado
Mágico:

Aplicações
Existem relatos que apontam para a utilização dos Quadrados Mágicos
como ferramenta para a resolução de Sistemas de Equações, porém, dentro do
aspecto didático, aproveitando sua dimensão lúdica, ele pode se mostrar como
um instrumento curioso e, portanto, motivador, repleto de conceitos
matemáticos.
No decorrer deste texto, falamos de simetrias, reflexões, progressões
aritméticas, potências, entre outros conceitos que ainda podem ser exploradas.
Se existem aplicações práticas para os Quadrados Mágicos, somente uma
investigação mais aprofundada poderá dizer, porém, é importante enfatizar que,
para explorar esses elementos matemáticos, basta que se tenha motivação e
um pouco de dedicação. Desta forma, as portas que escondem os mistérios da
matemática serão abertas e seus segredos desvendados.

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Bibliografia

ASSUMPÇÃO, André L. M. ; A Geometria do Cavalo do Jogo de Xadrez : Um


Micromundo de Exploração Geométrica, dissertação de mestrado, Rio de Janeiro,
MEM/USU, 1995.
GORMAN, P., Pitágoras uma vida, tradução de Rubens Rusche, 10ª edição, Ed.:
Cultrix/Pensamento, São Paulo, 1995.
GUNDLACH, Bernard H., História dos números e numerais; tradução de Hygino
H. Domingues, São Paulo: Atual, 1992.
PERELMÁN, Ya. I.; Problemas y experimentos recreativos, traduzido para o espanhol
de Antônio M. Garcia, 2ª ed, Ed. Mir Moscú, 1983.
TAHAN, Malba; O Homem que Calculava, 22ª ed. , Rio de Janeiro, Ed.Conquista,
1965.
_______, Malba; Os Números Governam o Mundo :Folclore da Matemática, 3a ed, Rio
de Janeiro, 1999.

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