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Maria de Lourdes Bara Zanotto
U
RO
PARA COMPREENDER
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S
A CIÊNCIA
K
U M A PERSPECTIVA H ISTÓ R IC A
O
BO
EX
D
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ESWO
edue U
EMPO
p. 436; 21 cm.
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Inclui bibliografia.
ISBN: 85-283-0097-8
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1. Ciência - Metodologia. 2. Ciência - Filosofia. I. Andery, Maria Amália.
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II. Pontifícia Uniyersidade Católica de São Paulo.
CDD 500.18
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Produção Editorial
Eveline Bouteiller Kavakama
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Revisão
Sonia Montone
Berenice Haddad Aguerre
Editoração Eletrônica
Elaine Cristine Fernandes da Silva Capa
Maurício Fernandes da Silva Cláudio Mesquita
CAPÍTULO 3
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Durante o período clássico (séculos V e IV a.C.), como nos anteriores,
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o desenvolvimento das várias regiões da Grécia foi desigual, tanto na orga
nização econômica como política. Algumas cidades-Estado da Grécia, no en
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tanto, atingiram, nesse período, seu mais alto grau de desenvolvimento: dentre
essas cidades destaca-se Ateras.
Nessas poleis - em especial em Atenas - atingiram-se, nesse período,
G
o aprofundamento e a consolidação da democracia grega, que permanecia
fundada no trabalho escravo e acabava por implicar o desprezo dos cidadãos
S
pelo trabalho manual. A riqueza dos cidadãos estava baseada na propriedade
K
a maior parte dos cidadãos, trabalhavam com suas famílias na terra, em geral
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militar e econômica de Atenas sobre outras cidades gregas.
Embora persistissem diferenças de poder político, associadas a diferen
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ças de riqueza, a todos os cidadãos atenienses era garantido o direito de
participação nas decisões políticas. Nesse período, a democracia expandiu-se
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de forma que a participação política incluía não apenas a aprovação de de
cisões, mas também a discussão e a tomada de decisão sobre os rumos e as
leis da cidade e, até mesmo, de decisões relativas ao poder judiciário, como
G
o julgamento de pessoas e de atos executados por aqueles que estavam en
volvidos em atividades públicas. O próprio preenchimento de alguns cargos
S
públicos, como o de juiz, passou a ser feito por mandatos de tempo prefixado
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por certo tempo manteve sua hegemonia, perdendo-a quando perdeu a guerra
do Peloponeso1. Além da luta pela hegemonia entre as cidades-Estado, os
IN
1 Guerra iniciada em 431 a.C. e encerrada em 405 a.C., entremeada de períodos de paz.
Duas ligas de cidades-Estado dela participaram, sendo a liga do Peloponeso liderada por
Esparta e a liga de Delos liderada por Atenas; cidades que lutavam por uma hegemonia
inclusive comercial. A batalha de Egos Potamos, vencida por Esparta, marcou o fim da
hegemonia ateniense.
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Finalmente, em 338 a.C., os macedônicos, que além dos persas vinham
ampliando seu império, submeteram toda a Grécia, e Atenas também, a seu
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domínio. A partir dai todas as cidades gregas perderam sua independência
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política e econômica.
Do ponto de vista da produção de conhecimento, três pensadores mar
caram esse período - Sócrates, Platão e Aristóteles. Todos eles viveram em
G
Atenas, pelo menos durante o período central de sua produção, e todos eles
têm uma obra que influenciou não apenas o momento histórico que viveram,
S
mas também o próprio desenvolvimento da filosofia e da ciência.
K
natureza física dos jónicos, e porque viam esse homem como capaz de pro
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OS SOFISTAS
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Antifonte (do qual muito pouco se sabe) - não constituiu uma escola, uma
vez que defendia muitas vezes posições distintas e tinha concepções diversas
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sobre a natureza, os deuses, etc. Entretanto, como afirma Romeyer-Dherbey
(1986), tem em comum “(...) um determinado conjunto de temas, como o
RO
interesse prestado a problemas sobre a linguagem, à problemática das relações
entre a natureza e a lei, por exemplo” (p. 10).
Talvez mais importante, os sofistas, em perfeita consonância com seu
G
tempo, mantinham uma prática que os distinguia e os caracterizara: eram
homens que iam de cidade em cidade com 0 fim de transmitir aos filhos dos
S
cidadãos, por um preço estipulado, uma educação que lhes garantisse a par
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venções humanas que poderiam ser transformadas dependendo dos interesses
humanos e até mesmo dos interesses individuais. Para tanto, bastava a habi
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lidade para convencer outros.
Houve um tempo em que a vida dos homens era desordenada, cruel e escrava
RO
da força, quando nenhum prêmio havia para os bons, nem nenhum castigo
para os maus. E parece-me que, mais tarde, os homens tenham estabelecido
as leis punitivas, para que a jitstiça reinasse soberana sobre todos igualmente,
G
e tivesse como sua servidora a força: e castigava a quem pecasse. E como
depois as leis impediam que cometessem abertamente atos violentos, eles os
S
faziam ocultamente; parece-me, então, que um homem prudente e de espírito
sábio inventou, para os homens, o temor aos deuses, para que os malvados
K
Quanto aos deuses não posso saber se existem, nem se não existem, nem qual
possa ser sua forma; pois muitos são os impedimentos para sabê-lo, a obscu
IN
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pela boca e pelo nariz... (Antifonte, Fragmento II, lacunos do papiro de Oxir-
rinco, em Mondolfo, 1967)
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como esclarecem Mondolfo (1967) e Romeyer-Dherbey (1986): há, de um
lado, os que a interpretam como uma proposição relativa ao gênero humano,
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de outro, os que a interpretam como uma asserção sobre o indivíduo particular
que então seria visto como juiz supremo dos fatos. Essa segunda interpretação
RO
supõe um extremado subjetivismo por parte dos sofistas. Seja qual for a
interpretação que se adote, é importante ressaltar aqui a centralidade do ho
mem e o subjetivismo, quase decorrência de seu relativismo, como marcas
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que parecem ter caracterizado os sofistas.
S
SÓCRATES (469-399 a.C. aproximadamente)
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ram-se enormemente.
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a forma de se vestir, dado que acreditava que importante era o que ia dentro
dos homens, sua alma. Era profundamente respeitador das leis e das normas
U
da cidade, considerando-se e comportando-se como um bom cidadão. Além
disso, supunha que, em princípio, todos os homens eram iguais e que todos
RO
poderiam descobrir em si mesmos a bondade e sabedoria que traziam em
suas almas, se corretamente orientados para isso. Propunha-se a ensinar a
todos quantos se dispusessem a aprender, também porque se acreditava como
G
um escolhido dos deuses para tal fiinção. Sua vida e forma de atuar eram,
para ele e seus seguidores, um exemplo daquilo que defendia.
S
Para Sócrates, a sabedoria dependia de conhecer-se a si mesmo e do
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cupações de Sócrates.
O conhecimento das virtudes humanas, como a coragem, a justiça, de
pendia, para Sócrates, do conhecimento da Virtude, do Bem; e isso era visto
como algo imutável e universal. Era o conhecimento desses universais que
os homens deviam buscar e, uma vez descobertos, tais conhecimentos natu
ralmente levariam os homens a praticá-los em seu benefício e do próximo.
O conhecimento era, portanto, visto como mecanismo de aprimoramento do
homem e da sociedade, e, para Sócrates, o conhecimento era autoconheci
mento, porque os homens já os traziam em sua alma, necessitando apenas
descobri-lo pelo esforço da busca de si mesmos.
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(1967), Sócrates, “(...) Com a indução, trata sempre de obter dos exemplos
particulares o conceito universal, em que se acham compreendidos todos os
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casos particulares, e quer determiná-los por meio da definição” (p. 252).
A Virtude e o Bem são entendidos como conceitos universais e imu
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táveis, que servem de critério e de guia para toda ação particular e para toda
a vida da cidade: como conceitos universais adquirem objetividade e podem
ser descobertos e partilhados por todos que se submeterem a apreendê-los.
G
Seu objeto de estudo é, assim, a descoberta desses universais, e seu método
de investigação, a maneira de a eles chegar, faz parte integrante de sua con
S
cepção. Sócrates pratica seu método na forma como atua e relaciona-se com
K
Estrangeiro: Quanto ao outro método, parece que alguns chegaram, após ama
durecida reflexão, a pensar da seguinte forma: toda ignorância é involuntária,
e aquele que se acredita sábio se recusará sempre a aprender qualquer coisa
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relações, elas são mutuamente contraditórias. Ao percebê-lo, os interlocutores
experimentam um descontentamento para consigo mesmos, e disposições mais
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conciliatórias para com outrem. Por esse tratamento, tudo que neles havia de
opiniões orgulhosas e frágeis lhes é mrebatado, ablação em que o ouvinte
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encontra o maior encanto, e o paciente o proveito mais duradouro. Há, na
realidade, um princípio, meu jovem amigo, que inspira aqueles que praticam
este método purgativo; o mesmo que diz, ao médico do corpo, que da alimen
tação que se lhe dá não poderia o corpo tirar qualquer proveito enquanto os
G
obstáculos internos não fossem removidos. A propósito da alma formaram o
mesmo conceito: ela não alcançará, do que se lhe possa ingerir de ciência,
S
beneficio algum, até que se tenha submetido à refutação, e que p o r esta re
K
manifesta pureza e a acreditar saber justamente o que ela sabe, mas nada
além. (Platão, Sofista, 230, c, d)
BO
alma. Aqui o filósofo, o animador, como que conduzia o aprendiz para que
ele retirasse de dentro de si um conhecimento que de certa forma preexistia,
D
- E não owiste, pois, dizer que sou filho de uma parteira muito hábil e séria,
Fenareta?
- Sim, já ouvi dizer isso.
- E ouviste também que me ocupo igualmente da mesma arte?
- Isso não.
- Pois bem, deves saber que é verdade... Reflete sobre a condição da parteira
e compreenderás mais facilmente o que quero dizer. Tu sabes que nenhuma
delas assiste às parturientes, quando ela mesma se encontra grávida ou par
turiente, mas unicamente quando não se acha em estado de dar à luz... E não
é natural e necessário que as mulheres grávidas são melhor auscultadas pelas
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mento do jovem vai dar à luz a algo de fantástico e de falso, ou de genuíno
e verdadeiro. Pois acontece também a mim como às parteiras: sou estéril de
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sabedoria: e o que muitos têm reprovado em mim, que interrogo os outros, e
depois não respondo nada a respeito de nada por falta de sabedoria, na ver
RO
dade pode me ser censurado. E é esta a causa: que Deus obriga-me a agir
como obstetra, porém veda-me de dar à luz. E eu, pois, não sou sábio, nem
posso mostrar nenhuma descoberta minha, gerada por minha alma; mas os
que me freqüentam, a princípio (alguns também em tudo) ignorantes; mas
G
depois, adquirindo familiaridade, como assistidos pelo deus, obtêm proveito
admiravelmente grande, como parece a eles próprios e aos outros. E não
S
obstante é manifesto que nada aprenderam comigo, mas encontraram por si
K
mesmos, muitas e belas coisas; que já possuíam (...). Confia então em mim,
como filho de parteira, e parteiro que sou; e as perguntas que eu te fizer,
O
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Platão nasceu em Atenas, filho de família aristocrática. Viajou pelo
menos duas vezes a Siracusa, onde parece ter atuado politicamente, aplicando
suas idéias àquela cidade, sem sucesso. Passou todo o restante de sua vida
U
em Atenas.
RO
Diferentemente de Sócrates, com quem manteve contato e que o in
fluenciou em sua juventude, Platão tem uma vasta obra escrita, da qual boa
parte se conservou (é por seu intermédio, inclusive, que se tem acesso a
muito do que se sabe de Sócrates). Sua obra foi escrita na forma de diálogo
G
e, além do imenso valor literário, tem enorme importância para a filosofia e
a ciência. O diálogo, além de permitir uma forma de expressão literária muito
S
rica, parece ter tido, para Platão, importância do ponto de vista metodológico.
K
Permitia-lhe demonstrar que o conhecimento, que para ele era fruto da re
O
a.C.) pretendia ser uma escola onde se ensinaria aos futuros cidadãos filo
sofia. preparando assim os possíveis faturos governantes. A Academia não
era aberta a todo e qualquer cidadão. Platão acreditava que a obtenção de
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INDEX BOOKS GROUPS
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Platão, o conhecimento das verdades essenciais, imutáveis e fonte de tudo
aquilo que existia no mundo sensível. Como Sócrates, Platão colocava a filo
U
sofia a serviço da condição humana e, como Sócrates, acreditava que
RO
esse conhecimento não era o conhecimento das técnicas e do mundo empí
rico, que certamente considerava importante para a reprodução da vida coti
diana do homem, mas que não o conduzia à felicidade e ao Bem. Dessa
G
maneira, o verdadeiro saber era contemplativo, um saber que não criava ob
jetos, que apenas determinava parâmetros e critérios a serem atingidos. No
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entanto, exatamente por permitir tais critérios, exatamente por permitir a con
K
templação da verdade, permitiria aos homens atuar melhor, julgar com justiça
e governar com sabedoria.
O
mortal, mas também de alma imortal, que era imaterial, da qual provinham
todos os conhecimentos:
(...) a alma se assemelha ao que é divino, imortal, dotado de capacidade de
EX
pensar, ao que tem uma form a única, ao que é indissolúvel e possui sempre
do mesmo modo identidade: o corpo, pelo contrário, equipara-se ao que é
D
2 Neste capítulo, as citações de Platão, com exceção daquelas referentes às obras Timeo
e A república, foram retiradas do volume Platão, Coleção Os Pensadores (Pessanha, 1983).
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Ao afirmar que o conhecimento preexistia na alma humana, Platão não
estava afirmando que todos os homens possuíam (ou poderiam vir a possuir)
U
os mesmos conhecimentos, assim como não estava afirmando que os homens
RO
tinham de pronto consciência desse conhecimento - que sabiam o que co
nheciam. Por considerar que nem todas as almas tinham tido igual acesso ao
mundo das idéias, Platão não as supunha com igual capacidade ou possibi
lidade de conhecer. O conhecimento verdadeiro - ou reconhecimento - exigia
G
um metódico esforço do homem para que sua alma se lembrasse, para que
o saber fosse, finalmente, adquirido.
S
Esse saber real (e não a mera opinião) era o conhecimento daquilo que
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era uno e imutável. Era o conhecimento da idéia, da essência que era universal
O
definem este ou aquele homem como justo, e buscava, acima de tudo, o Bem,
aquilo que a tudo une e a tudo dá sentido.
Platão supunha a existência de dois mundos: o mundo das idéias, en
EX
Nasceu posto que é visível e tangível, e porque tem corpo. Com efeito\ todas
as coisas deste tipo são sensíveis e tudo que é sensível e se apreende por
intermédio da opinião e da sensação está evidentemente sujeito ao devenir e
ao nascimento. Assim, segundo dissemos, é necessário que tudo que nasceu
tenha nascido pela ação de uma causa determinada. (Timeo, 28b-d)
que levou em conta o modelo eterno. Pois o Cosmos é o mais belo de tudo o
que fo i produzido e o demiurgo é a mais perfeita e a melhor das causas. E,
em conseqüência, o Cosmos feito nestas condições fo i produzido de acordo com
o que é objeto de intelecção e reflexão e é idêntico a si mesmo. ( Timeo, 29a)
PS
Mas que diremos da nossa arte humana? Não afirmaremos que, pela arte do
U
arquiteto, se a ia uma casa real. e, pela arte do pintor, uma outra casa, espécie
de sonho apresentado pela mão do homem a olhos despertos? (Sofista, 266c)
RO
O poder de transformação do homem, no entanto, restringia-se a apenas
uma esfera da criação divina: o mundo das coisas sensíveis, esse mundo que
G
não era imutável, que se transformava, se decompunha. Q homem não ope
rava, portanto, sobre o mundo das idéias, do qual o mundo empírico era uma
cópia imperfeita. A esse respeito, Platão afirmava:
S
K
Estamos, pois, de acordo, quando, ao ver algum objeto, dizemos: “Este objeto
que estou vendo tem tendência para assemelhar-se a um outro ser, mas, por
O
ter defeitos, não consegue ser tal como o ser em questão, e lhe é, pelo con
BO
trário, inferior. ” Assim, para podermos fazer estas reflexões, é necessário que
antes tenhamos tido ocasião de conhecer este ser de que se aproxima o dito
objeto, ainda que imperfeitamente. (Fedon, 74d, e)
EX
nosso nascimento, mas que mais tarde, fazendo uso dos sentidos a propósito
das coisas em questão, reaveríamos o conhecimento que num tempo passado
tínhamos adquirido sobre elas. Logo, o que chamamos de "instruir-se" não
consistiria em reaver um conhecimento que nos pertencia? E não teríamos
razão de dar a isso o nome de “recordar-se”? (Fedon, 75e)
70
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
PS
• (...) representa da seguinte forma o estado de nossa natureza relativamente à
U
«j*' instrução e à ignorância. Imagina homens em morada subterrânea, em form a
■s de caverna, que tenha em toda a largura uma entrada aberta para a luz; estes
RO
homens ai se encontram desde a infância, com as pernas e o pescoço acor-
VT rentados, de sorte que não podem mexer-se nem ver alhures exceto diante
í
deles, pois a corrente os impede de virar a cabeça; a luz lhes vem de um fogo
aceso sobre uma eminência, ao longe atrás deles; entre o fo g o e os prisioneiros
G
passa um caminho elevado; imagina que ao longo deste caminho, ergue-se
um pequeno muro, semelhante aos tabiques que os exibidores de fantoches
S
erigem à frente deles e por cima dos quais exibem suas maravilhas.
(...)
K
'
todo gênero, que ultrapassam o muro, bem como estatuetas de homens e ani
mais de pedra, de madeira e de toda espécie de matéria; naturalmente, entre
BO
( ...)
D
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estas são realmente mais distintas do que as outras que lhe são mostradas?
(...) '
PS
ele poderá ver e contemplar tal como é.
(...)
U
Depois disso, há de concluir, a respeito do sol, que é este que fa z as estações
e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é causa
RO
de tudo quanto ele via, com os seus companheiros, na caverna,
(...)
Imagina ainda que este homem tom e a descer à caverna e vá sentar-se em
G
seu antigo lugar, não terá ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente
do pleno sol?
(...)
S
E se, para julgar estas sombras, tiver que entrar de novo em competição, com
K
provocará riso à própria custa e não dirão eles que, tendo ido para cima,
BO
voltou com a vista arruinada, de sorte que não vale mesmo a pena tentar
subir até lá? (...)
(...)
(...) cumpre aplicar ponto por ponto esta imagem ao que dissemos mais acima,
EX
comparar o mundo que a vista nos revela à morada da prisão e a luz do fogo
que a ilumina ao poder do sol. No que se refere à subida à região superior
e à contemplação de seus objetos, se a considerares como a ascenção da alma
D
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cimento e confere ao sujeito conhecedor o poder de conhecer” (A república,
508a, c, d, e). Essa analogia mostra que, para Platão, o verdadeiro conheci
mento, ao mesmo tempo que iluminava o homem, permitindo-lhe melhor
U
conhecer, era, ele próprio, iluminador, o conhecimento esclarecia, dava traas-
parência à realidade, No entanto, esse conhecimento não era dado ao homem
RO
e, para a ele chegar, era necessário galgar vários degraus. Esse percurso ini
ciava-se no mundo sensível e terminava quando se atingia o mundo das
idéias. Continuando a analogia entre o conhecimento e a luz, Platão explicita
G
esse caminho:
S
, —Concebe portanto, como dizemos, que sejam dois reis, um dos quais reina
K
me compreendes?
- Mas sim.
IN
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PS
cada pesquisa diferente; que, tendo admitido estas coisas como se as conhe
cessem, não se dignam dar as razões delas a si próprios ou a outrem, julgando
U
que são claras a todos; que enfim, partindo daí deduzem o que se segue e
acabam atingindo, de maneira conseqüente, o objeto que a sua indagação
RO
visava.
- Sei perfeitamente disso.
- Sabes, portanto, que eles se servem de figuras visíveis e raciocinam sobre
elas, pensando, não nestas figuras mesmas, porém nos originais que reprodu
G
zem; seus raciocínios versam sobre o quadrado em si e a diagonal em si, não
sobre a diagonal que traçam, e assim no restante; das coisas que modelam
S
ou desenham, e que têm suas sombras e reflexos nas águas, servem-se como
K
outras tantas imagens para procurar ver estas coisas em si, que não se vêem
de outra form a exceto pelo pensamento.
O
- É verdade.
- F.u dizia, em conseqüência, que os objetos deste gênero são do domínio
BO
família.
- Compreende, agora, que entendo por segunda divisão do mundo inteligível
IN
74
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ordena, atribuindo-lhe mais ou menos evidência, conforme os seus objetos
participem mais ou menos da verdade.
- Compreendo - disse ele. - Estou de acordo contigo e adoto a ordem que
U
propões. (A república, VI, 509c, d até 511c, e)
RO
Assim, pode-se supor que para Platão o processo de conhecimento en
volvia diferentes objetos e diferentes operações da alma necessárias à apreen
são de tais objetos: o conhecimento começava com as imagens dos objetos
G
sensíveis, às quais correspondia só uma “ representação confusa” . Passava-se
a seguir aos próprios objetos do mundo sensível, aos quais correspondia uma
S
“ representação nítida”, que levava à crença; tanto a representação confusa
K
mento desse mundo sensível, para atingir as idéias, passava-se por um estágio
intermediário em que se lidava com objetos distintos dos objetos do mundo
BO
sensível, mas que mantinham relação com ele (por exemplo, uma figura de
quadrado), mas ainda não eram idéias puras (não se lidava ainda com idéia
de quadrado).
EX
não sonhara sequer” (p. 619). Daí seu valor como instrumento para o co
IN
PS
o diálogo era empregado de maneira positiva - isso é, com o objetivo de se
obter uma resposta - em que cada passo deveria ser justificado e validado.
Era, portanto, pelo diálogo que se penetrava a essência, a idéia. Na dialética,
U
assim, além de se partir de um princípio e de se chegar a uma afirmação
verdadeira, procedia-se por passos, numa discussão em que se submeteria à
RO
fiscalização e se fiscalizava todo o percurso do conhecimento, de forma que
ele era, finalmente, trazido à tona pelo sujeito do conhecimento.
A dialética, segundo Allan (1970), G
(...) integrará num único sistema coerente a nossa experiência fragmentária,
S
não por mera reunião e conjunção dos fragmentos, mas sim através de uma
K
Para Platão, filósofo era aquele que tivesse alcançado esse estágio do
BO
76
PS
para que se lhe pudesse atribuir sua função, seu papel na pó lis e, assim.
garantir sua felicidade, o bem-estar e a justiça da pólis. Por exemplo, para
exercer a função de guardião eram necessárias algumas aptidões naturais,
U
entre outras:
RO
(...) sentidos aguçados para descobrir o inimigo, rapidez para persegui-lo logo
que o descubra e força para combatê-lo, se necessário quando fo r alcançado
(...) e também a coragem para combater bem. (...) Eis, pois, evidentemente as
G
qualidade que o guardião deve possuir no que respeita ao corpo. (...) E no
que respeita à alma deve ser de humor irascível. (...) cumpre que sejam bran
S
dos com os seus e rudes com os inimigos. (...) Além do humor irascível, deve
ter uma índole filosófica. (...) Portanto, filósofo, irascível, ágil e fo rte há de
K
f
república II, 374d-376e) a1
BO
era mais uma condição para a unicidade da cidade, a legislação deveria ser
estável, para que se evitasse o maior mal da cidade: “(..) aquele que a divide
e a toma múltipla em vez de Una”, e que propiciasse o seu maior bem “(...)
aquele que a une a torna Una” (A república V, 462a-d).
O governo da cidade deveria estar a cargo de um rei filósofo, ou de
um conjunto de reis filósofos,. Escolhidos dentre os guardiães, alguns cidadãos
passariam por anos de educação filosófica, até que atingissem o verdadeiro
conhecimento - o saber contemplativo. Quando a pólis necessitasse, passa
riam a governá-la, não como um privilégio, mas como obrigação devida à
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cidade que os tinha educado (e isso seria um peso porque teriam de descer
de sua contemplação para o mundo da cidade e dos negócios humanos). Esses
sábios, sem ambições pessoais e conhecedores das verdades essenciais, seriam
capazes de governar a cidade com justiça, A pólis perfeita era aquela que
visava o Bem de todos e não de grupos, isso seria possível somente se os
seus governantes conhecessem o Bem e se cada cidadão realizasse a função
para a qual era, por natureza, mais apto e para a qual tivesse sido educado,
Platão foi, como Sócrates, um homem que abordou questões de seu
tempo, A complexa vida da cidade grega, as crises e as dificuldades exigiam
que se tentasse encontrar soluções. A sociedade escravista que desvalorizava,
PS
cada vez mais, todo contato com o trabalho, afastava os homens do conhe
cimento prático e do mundo empírico; a democracia que ressaltava a impor
tância do homem, como indivíduo que era capaz de governar a si e aos
U
demais, como cidadão capaz de construir a sociedade por meio do encami
RO
nhamento de propostas e de soluções aos problemas enfrentados, sem dúvida
alguma, marcaram profundamente o pensamento de Platão.
Aristóteles
BO
Macedônia. É possível que tenha permanecido nessa função até 336 a.C.,
quando Alexandre subiu ao trono. Foi nessa época que Aristóteles voltou
IN
para Atenas, mas não para a Academia de Platão. Fundou sua própria escola
denominada Liceu. Permaneceu em Atenas até 323 a.C. quando, com a morte
de Alexandre, Aristóteles e as pessoas suspeitas de terem colaborado com os
macedônicos passaram a sofrer perseguições. Aristóteles, acusado de impie
dade, parte para Eubéia (em Cálcis), terra natal de sua mãe, sem esperar
julgamento. No ano seguinte, em 322 a.C., Aristóteles morreu.
Há uma controvérsia se, no início de sua obra, Aristóteles assumiu a
teoria das idéias de Platão para posteriormente rejeitá-la, o que implicaria a
existência de dois momentos na elaboração de seu pensamento. É certo, en-
78
PS
enfatizou a matemática, Aristóteles a explicação dos seres vivos.
Platão e Aristóteles diferiam também no que se refere à política. Para
U
Platão, além de objeto de conhecimento, a política era também objeto de
ação, já, para Aristóteles, a política interessava apenas como objeto de estudo,
RO
o que poderia estar relacionado ao fato de ser um estrangeiro e, portanto,
sem estatuto de cidadão ateniense.
A obra escrita de Aristóteles é muito vasta. No entanto, boa parte dela
G
perdeu-se, restando, basicamente, trabalhos que aparentemente serviram de
base aos ensinamentos no Liceu. É essa a razão porque, inclusive, se divergiu
S
tanto a respeito da aceitação ou não, por parte de Aristóteles, do platonismo,
K
em seus primeiros escritos. Seu trabalho é vasto também pela ampla gama
de temas que aborda. Além de temas como astronomia, física, biologia, bo
O
79
PS
e o raro o não-ser, (por isso afirmam que o ser não existe mais do que o
não-ser, porque nem o vazio [existe mais] que o corpo), e estas são as causas
U
dos seres enquanto matéria. (Metafísica, A, IV, 7)
RO
Referindo-se à teoria das idéias de Platão, Aristóteles não apenas anun
ciava sua diferença como discutia a relação entre este e os pitagóricos. Aqui,
tomava claro como essa concepção de idéia marcava o sistema platônico em
G
ralação à solução do problema sobre a multiplicidade e o movimento. Sobre
Platão afirmava:
S
Tendo-se familiarizado, desde sua juventude, com Crátilo e com as opiniões
K
não pode deles haver ciência, também mais tarde não deixou de pensar assim.
Por outro lado, havendo Sócrates tratado as coisas morais, e de nenhum modo
BO
algum dos sensíveis, que sempre mudam. A tais realidades deu então o nome
de “idéias”, existindo os sensíveis fora delas, e todos denominados segundo
D
elas. È, com efeito, por participação que existe a pluralidade dos sinônimos,
em relação às idéias. Quanto a esta ' p‘ articipação ", não mudou senão o nome:
IN
os pitagóricos, com efeito, dizem que os seres existem à imitação dos números,
Platão, por “participação”, mudando o nome; mas o que esta participação
ou imitação das idéias afinal será, esqueceram todos de o dizer. Demais, além
dos sensíveis e das idéias diz que existem, entre aqueles e estas, entidades
matemáticas intermédias, as quais diferem dos sensíveis por serem eternas e
imóveis e das idéias por serem múltiplas e semelhantes, enquanto cada idéia
é, por si, singular. (Metafísica, A, VI, I, 2, 3)
4 Neste capítulo, as citações de Aristóteles, com exceção daquelas que fazem outra in
dicação, foram retiradas do volume Aristóteles, coleção Os Pensadores (Pessanha, 1979).
80
PS
A primeira questão a responder dizia respeito a sua concepção sobre
o mundo físico e sua realidade. Aristóteles, ao definir o que entendia por
U
Ser, não apenas afirmava que os fenômenos da natureza têm uma essência
RO
que é própria de cada um deles, mas também traduzia de uma nova forma
as questões relativas à unidade e multiplicidade e ao movimento e imutabi
lidade do ser. A palavra ser tinha, para Aristóteles um significado próprio.
G
A palavra ser ttsa-se em muitos sentidos (...) pois, de uma parte, significa a
essência e a existência individual; da outra, a qualidade, a quantidade e cada
S
um dos outros atributos de espécie semelhante. Mas, ainda empregando a
K
mos expressar uma qualidade de determinado ser, dizemos, por exemplo, que
é bom ou mau, mas não de três côvados ou homem; quando queremos exprimir
BO
a essência, não dizemos; bram o ou quente ou de três côvados, mas, por exem
plo, homem ou Deus. As outras determinações chamam-se seres, porque são
as quantidades, ou as qualidades ou as afecções ou algo semelhante, do ser
assim considerado. (...) Nenhuma delas existe naturalmente de per si nem pode
EX
separar-se da substância. (...) Mas parecem antes seres somente porque nelas
há sujeito determinado, e este é a substância ou o indivíduo, que aparece em
tal categoria: e, sem ele não se pode dizer: bom, ou sentado (ou algo seme
D
lhante). E claro, então, que só por meio deste pode existir cada um deles. De
IN
modo que a substância será o primeiro ser, e não qualquer ser, mas o ser
simplesmente. Logo, em muitos sentidos diz-se o primeiro; não obstante, a
substância é primeira entre todos pelo conceito, pelo conhecimento e pelo
tempo. Nenhum dos outros predicados pode existir separadamente, mas uni
camente ela. E é primeira pelo conceito, porque é necessário que o conceito
de substância seja inerente ao de cada coisa. E quando sabemos o que é uma
coisa, somente então é que acreditamos saber cada coisa (...) melhor do que
quando sabemos qual, e quanto e onde, pois também destas coisas conhecemos
cada uma quando sabemos que é a quantidade ou a qualidade, etc. E p o r isto,
antes, agora e sempre, a investigação e o problema: "que é o ser”, equivale
a isto: “que é a substância”. (Metafísica, VII, 1, 1028, em Mondolfo, 1967)
81
Para Aristóteles, o ser, e cada ser, continha uma substância que o definia,
que era sua essência, iS s a substância, constitutiva e indispensável à existência
do ser, caracterizaria aquilo que era definidor do fenômeno, seus atributos,
e lhe daria fêalidade. Compreender essa substância era a tarefa do conheci
mento.
A palavra substância emprega-se pelo menos em quatro sentidos, se não em
mais: de fato, parece ser substância de cada coisa, a essência, o universal, o
gênero e, em quarto lugar, o seu sujeito. O sujeito é aquele a respeito de quem
se enuncia alguma coisa; ao contrário, ele não enuncia nada de outrem. (...)
PS
Por isso, deve determinar-se primeiro, porque o sujeito parece ser a substância
primeira por excelência. (Metafísica, VII, 3, 1029, em Mondolfo, 1967)
U
Aristóteles não atribuía, como o fez Platão, a essência da coisa a algo
externo a ela, mas considerava que cada coisa tinha uma essência que estava
RO
nela própria.
Á substância, compreendida no sentido mais próprio, em primeiro lugar e por
G
excelência, c o que não se predica de nenhum sujeito nem se encontra em
nenhum sujeito; por exemplo: um homem determinado, um cavalo determinado
(...). Substância por excelência, porque são o sujeito de todas as outras rea
S
lidades, e todas as outras realidades delas se enunciam ou nelas se encontram
K
tudo nasce do ser: bem entendido, do ser em potência, ou seja, do nâo ser
em ação (...) assim, se a matéria é única, chega a ser ação aquilo de que a
matéria era potência. (Metafísica, XII, 2, 1069, em Mondolfo, 1967)
82
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
PS
envolvia as noções de ato e potência, de ser que continha em si todas as
suas possibilidades de transformação. Essa forma de compreensão do movi
mento implicava a necessidade de se reconhecer outras causas. Aristóteles
U
afinjiou-a-exigtência de outras três: causa formal, causa material e causa final.
RO
A(causa formal jfera o aue tornava um ser ele mesmo, o que o ideriíifi«a^
consigo mesmo; a ^áusamateria) era a matéria de que era feito; âúçausa final,
era o estado final, o fim para o qual o ser se dirige.
G
E evidente, então, que necessitamos adquirir a ciência das causas primeiras
(pois dissemos que sabemos cada coisa, quando cremos conhecer a causa
S
primeira); mas a palavra causa usa-se em quatro sentidos, um dos quais é
K
A essência. Qual como fim? A finalidade (do homem). Talvez estas duas úl
timas sejam a mesma coisa. (Metafísica, VIII, 4, 1044, em Mondolfo, 1967)
D
Fomia e matéria têm de ser distinguidas e diferenciadas porque (...) são ambas
componentes de cada ente determinado. Em terceiro lugar, tem de descobrir-se
a origem da mudança (a “causa eficiente”). Em quarto lugar, deve indicar-se
a finalidade que o processo visa atingir (a “ causa fina!”), (p. 44)
83
PS
última instância, ser rêciuzidas à causa formal e causa material. A causa finai
seria, numa certa medida, identificável à causa formal porque a finalidade
U
do ser é, na verdade, dada por sua forma; do mesmo modo, a causa eficiente,
o agente, é também uma forma em ação. A substância do ser seria dada,
RO
assim, pela unidade de sua forma e matéria.
Essas noções - de forma e matéria - estão subjacentes a toda a con
cepção aristotélica de ser, de potência e ato e de causa. São elas que permitem
G
a compreensão do ser como aquele que contém uma substância, uma essência
que o define e que o leva a transformar-se, embora essa mesma essência não
S
seja passível de alteração.
K
bronze: produz nele a forma, e isto é a esfera de bronze. (...) Logo, é evidente
que o que surge não é o que se chama espécie ou substância, mas o encontro
que toma o nome da mesma, e que há uma matéria implícita em toda coisa
em que se torna, e ora é esta, ora aquela outra coisa. (Metafísica, VII, 8,
EX
Para essa essência ou forma não há devenir; a forma da esfera de bronze, que
é a forma esférica, não nasce quando se fabrica a esfera de bronze. O nasci
IN
mento ou devenir consiste, pois, na união de uma forma com um ser capaz de
recebê-la; esse ser em potência, que se toma ser em ato, depois de ter recebido
a forma, é propriamente aquilo que Aristóteles chama de matéria (hylé). A
matéria é o conjunto de condições que devem ser realizadas para que a forma
possa surgir; a arca em potência, ou, o que vem a dar no mesmo, a matéria
da arca, é a madeira, (p. 162)
84
Supunha que o universo era único e finito. Esse universo era entendido como
eterno (sem começo ou fim). Nele se dispunham em esferas, os vários pla
netas e estrelas. Cada conjunto de corpos celestes estava disposto numa es
fera. Essas esferas dispunham-se em forma concêntrica em relação à Terra,
tendo cada uma delas seu próprio movimento. Essas esferas, assim como os
corpos celestes que nelas estavam, eram compostas de uma substância invi
sível e indestrutível - o éter. O único movimento possível nessas esferas era
o movimento circular, já que só esse movimento tomava viável pensar que
o universo fosse etemo (o movimento circular era considerado o único mo
vimento que não tinha começo, ou meio, ou fim) e que fosse ao mesmo
PS
tempo finito (o movimento circular sempre percorre o mesmo caminho). Tal
movimento e tais esferas não podiam ser mudados de nenhuma maneira ou
U
por força alguma, iá aue o éter de aue se compunham era considerado in
destrutível. No interior e centro desse sistema estava a Terra e nessa primeira
RO
esfera encontrava-se toda a chamada região sublunar. No limite extremo do
sistema estava a esfera que carregava as estrelas fixas. No mundo sublunar
todos os seres e a própria Terra não eram compostos de éter, mas sim de
G
um ou de combinações de quatro elementos básicos - terra, ar, fogo e água.
Embora a Terra fosse fixa e estivesse no centro do universo, os seres que
S
nela existiam só podiam executar movimentos retilíneos, já que não eram
K
dois tipos de movimentos retilíneos - para baixo (o que queria dizer, para o
BO
centro da Terra); que era movimento natural aos seres compostos de terra ou
água principalmente; e para cima (o que significa contrário ao centro da
Terra), o movimento natural dos seres compostos principalmente de ar ou
fogo. Esses dependiam, para Aristóteles, do peso (quanto mais pesado maior
EX
externo ao próprio ser ou corpo (no caso outro ser ou corpo) aplicasse a ele
alguma força, constituindo assim os chamados niawmentos não-naturais.
Os seres na Terra eram jrjivifjjflos eny^mmado^ (as plantas, os animais
e o próprio homem) ^ n a n im àdosj (os m inêrasjT ü que orientava o movi
mento dos seres anima3os, ò""Tjne lhes dava finalidade, era sua alma, sua
forma (psique). Já os seres inanimados não eram vistos como regidos por
finalidades impressas neles mesmos, eram regidos pela natureza (physis).
A natureza parte dos seres inanimados para os animais, em graus tão pequenos
que, na continuidade, não se percebe a qual dos dois campos pertencem os
PS
lestes, os vitais e os naturais, a cada um correspondendo um motor diferente.
Os movimentos vitais e naturais correspondiam aos seres e fenômenos do
mundo sublunar. No entanto, todos os três motores compartilhavam uma mes
U
ma característica: eram imóveis. O sistema aristotélico consistia, assim, numa
RO
hierarquia em que corpos inferiores dependiam de corpos a eles imediata
mente superiores, e assim sucessivamente, de forma que era do primeiro
motor que, em última instância, se transmitia o movimento do céu até a
G
Terra.
Quanto ao movimento dos corpos na Terra, Aristóteles não o pensava
S
como movimento de corpos apenas no espaço. Para ele, esses corpos também
K
cada ser. Isso valia para a física com suas noções de movimentos naturais e
valia também para a biologia aristotélica. Aristóteles supunha que os seres
vivos se organizavam em graus crescentes de complexidade e que as dife
renças entre as espécies próximas eram mínimas, o que parecia significar um
5 Segundo Allan (1970), Aristóteles distingue apenas três ciências teóricas: física, mate
mática e a filosofia primeira. No entanto, seus sistemas contêm explicações e dados sobre
uma infinidade de campos que modernamente se constituíram em ciências especificas. Daí
o costume de se falar em uma astronomia, uma física, uma biologia, uma zoologia, uma
botânica aristotélicas, etc.
86
PS
tomar-se ato. Era a forma, a alma, que dava vida, que emprestava finalidade
aos corpos animados. E, assim como não se podia pensar em matéria desti
tuída de forma, também o contrário era sem sentido. Dessa maneira, Aristó
U
teles afastava-se de Platão também no que se referia à concepção de alma:
RO
já que não considerava o corpo como prisão da alma e negava a noção de
transmigração da alma, a questão da imortalidade da alma tem, pelo menos,
de ser discutida diferentemente em Aristóteles. Corpo e alma transformavam-
G
se em unidade aparentemente indissociável, e a alma adquiria, de certa ma
neira, um novo estatuto, mais natural, como indica a concepção aristotélica
de que o estudo da alma é pertinente ao campo da física.
S
K
A alma é aquilo no qual primeiro vivemos, sentimos e pensamos, pelo que ela
será razão e forma, não matéria ou sujeito... A matéria é potência, a form a
O
coisa, como (não se deve investigar se são um) a cera e a figura, nem em
geral a matéria de cada coisa e aquilo de que ela é matéria. (De analíticos,
II, 1, 2, 412, em Mondolfo, 1967)
D
Todo ser vivo era, assim, portador de uma alma. Nas plantas, a a lm a ^
IN
87
íigar a causa pela qual se acham assim em série: pois a necessidade não se
dá sem a faculdade nutritiva; mas, nas plantas, a nutritiva está separada da
sensitiva; de outra parte, sem tato não se exerce nenhum dos outros sentidos,
porém o tato existe sem os outros. (...) Entre os seres sensíveis, alguns
possuem locomoção, e outros, não; enfim, pouquíssimos possuem raciocínio
e pensamento: aqueles, de fato, entre os mortais, que possuem raciocínio, pos
suem também todas as outras faculdades; mas os que possuem somente uma
não têm raciocínio. (De analíticos, II, 3, 414, em Mondolfo, 1967)
PS
nascem indivíduos que lutam para se desenvolverem até a maturidade e, uma
vez isto conseguido, lutam para exibir sua ‘energia’ característica ou atividade
por um período de tempo próprio da respectiva espécie” (p. 64). Essa afir
U
mação toma clara a concepção aristotélica finalista e a concepção de que
RO
tudo é, num certo sentido, imutável e eterno, já que as próprias mudanças
de cada ser se repetem na natureza com inexorável precisão. São essas noções
que caracterizam o estudo dos seres animados como um estudo que exige
G
classificação e ordenação, a fim de que se descubram em cada ser sua forma,
seus atributos essenciais. A compreensão dos seres animados dava-se, para
S
Aristóteles, a partir dos seres superiores, que continham, sempre, os graus
de organização da matéria e da forma dos seres inferiores, reproduzindo-se,
K
88
PS
esse conhecimento.
O processo de conhecimento, para Aristóteles, iniciava-se da sensação.
U
Por natureza, seguramente, os animais são dotados de sensação, mas, nuns,
da sensação não se gera a memória, e noutros, gera-se. Por isso, estes são
RO
mais inteligentes, e mais aptos para aprender do que os que são incapazes de
recordar. Inteligentes, pois, mas sem possibilidade de aprender, são todos os
que não podem captar os aons, como as abelhas, e qualquer outra espécie
G
parecida de animais. Pelo contrário, têm faculdade de aprender todos os seres
que, além da memória são providos também desse sentido. Os outros [animais]
S
vivem portanto de imagens e recordações, e de experiência pouco possuem.
Mas a espécie humana [vive] também de arte e de raciocínios. E da memória
K
PS
fa to de possuirem a teoria e conhecerem as causas. Em geral a possibilidade
de ensinar é indício de saber; p or isso nós consideramos mais ciência a arte
do que a experiência, porque [os homens de artej podem ensinar e os outros
U
não. Além disso, não julgamos que qualquer das sensações constitua a ciência,
embora elas constituam, sem dúvida, os conhecimentos mais seguros dos sin
RO
gulares. Mas não dizem o "porque" de coisa alguma, por exemplo, porque o
fo g o é quente, mas só que é quente. (Metafísica, A, I, 2 a 9)
G
Assim, além da sensação - o nível mais elementar de conhecimento,
entendido como base para o conhecimento científico - , três outros níveis
S
progressivos do conhecimento são possíveis: a memória que se constituiria
na conservação das sensações, e que também seria básica para o conheci
K
fenômenos singulares e que, por isso, não poderia ainda ser chamado de
ciência; e, finalmente, o conhecimento dos universais que envolveria o co
BO
nhecimento das causas das coisas, não enquanto ocorrências isoladas, mas
enquanto universais. Para Aristóteles, só esse último tipo de conhecimento
constituía-se em conhecimento científico propriamente dito.
EX
O motivo que nos leva agora a discorrer é este: que a chamada filosofia é
por todos concebida como tendo por objeto as causas primeiras e os princí
pios; de maneira que, como acima se notou, o empírico parece ser mais sábio
D
que o ente que unicamente possui uma sensação qualquer, o homem de arte
IN
90
INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS
mente conhecido não pode ser objeto de ciência, nem de arte, nem de sabedoria
prática; pois o que pode ser cientificamente conhecido é passível de demons
tração, enquanto a arte e a sabedoria prática versam sobre coisas variáveis.
Nem são esses primeiros princípios objetos de sabedoria filosófica, pois é
característico do filósofo buscar a demonstração de certas coisas. Se, por con
seguinte, as disposições da mente pelas quais possuímos a verdade e jamais
nos enganamos a respeito de coisas invariáveis ou mesmo variáveis se tais
disposições, digo, são o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabe
doria filosófica e a razão intuitiva, e não pode tratar-se de nenhuma das três
(isto é, da sabedoria prática, do conhecimento científico ou da sabedoria f i
PS
losófica), só resta uma alternativa: que seja a razão intuitiva que apreende os
primeiros princípios. (Etica a Nicômaco, VI, 6)
U
Para construir afirmações universais e necessárias sobre os fenômenos,
RO
para poder saber-lhes as causas (ou seja, para construir conhecimento cien
tífico), Aristóteles afirmava ser necessário, em primeiro lugar, descobrir as
qualidades essenciais das coisas - seus atributos. Para conhecer os atributos,
G
supunha necessário o uso dos órgãos dos sentidos, a observação de fenômenos
singulares. A partir daí, era então possível construir, por raciocínio indutivo,
S
asserções universais e necessárias sobre os fenômenos - construir conceitos,
K
parte de sua mcitéria própria como linhas, ângulos inúmeros e quaisquer das
outras quantidades considerando a cada uma delas, não enquanto entes mas
como contínuos... (Metafísica, XI, 4, 1061, em Mondolfo, 1967)
91
INDEX BOOKS GROUPS
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PS
ao que uma coisa é e a sua essência " (Analíticos posteriores II; 3, 90, em
Mondolfo, 1967). “Uma definição é uma frase que significa a essência de
uma coisa” (Tópicos, I, S, 102a). O conhecimento científico era, portanto, o
U
conhecimento de universais (como para Sócrates e Platão). Os universais
RO
referiam-se à forma, àquilo que definia os fenômenos porque lhes emprestava
a um só tempo singularidade (a possibilidade de diferenciá-lo de outros fe
nômenos) e generalidade (a possibilidade de reconhecê-lo sempre). Como
G
conhecimento do atributo essencial, o conhecimento científico referia-se
ao conhecimento de verdades imutáveis, que constituíam os próprios fenô
menos. (Aqui, mais uma vez, Aristóteles afastava-se de Platão, para quem a
S
essência também existia e era objeto do conhecimento, mas era, de certa
K
este. Logo, é por indução que são adquiridos. (Ética a Nicômaco, VI, 143)
IN
92
INDEX BOOKS GROUPS
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PS
demonstração, em que se concluía, a partir de duas verdades, necessariamente
uma terceira verdade. A partir de princípios gerais respondia-se, assim, tam
U
bém à questão de porque tais princípios eram verdadeiros. Pelo silogismo,
pela dedução, não apenas se somavam afirmações gerais, mas também de
RO
monstrava-se sua validade:
(...) as demonstrações propõem supor o que é uma coisa.. (...) A definição, pois,
declara o que uma coisa é, e a demonstração, porque é ou não é [verdadeira]
G
uma determinada coisa. (Analíticos posteriores II, 3, 90, em Mondolfo, 1967)
S
Era o raciocínio demonstrativo, a dedução, portanto, que se constituía na via
de raciocínio mais importante para a construção do conhecimento científico.
K
plicá-las.
BO
sentido de que não é necessário nenhum termo estranho para que se tenha ne
cessidade (da conclusão). (Analíticos primeiros I, 24, em Mondolfo, 1967)
D
93
INDEX BOOKS GROUPS
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PS
cínio, e como forma de raciocínio não a indução, mas a dedução por silo
gismo. O conhecimento científico e cada ciência particular assumiam, assim,
o caráter de um conhecimento de verdades demonstradas. A preocupação
U
central na construção de conhecimento passava a ser a correção lógica do
RO
raciocínio empregado, embora Aristóteles não tenha perdido de vista a noção
de que as verdades afirmadas pelas ciências deviam ser verdades que se
referissem aos fenômenos tal como realmente são.
G
Finalmente vale ressaltar alguns aspectos referentes à concepção aris-
totélica de sociedade. Aristóteles discordava, entre outras coisas, da organi
S
zação econômica da cidade-Estado ateniense do seu tempo, voltada para o
K
tomo de uma economia natural, que devia se basear na família, o que tornaria
a cidade auto-suficiente na produção de bens agrícolas e de outros bens (oicós
BO
94
INDEX BOOKS GROUPS
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PS
e por isso não olhará aos seus interesses, mas aos de seus súditos; pois o rei
que assim não fo r terá da realeza apenas o título. Ora, a tirania é o contrário
U
exato de tudo isso: o tirano visa ao seu próprio bem. E é evidente ser esta a
pior form a de desvio, pois o contrário do melhor é que é o pior.
RO
A monarquia degenera em tirania, que é a forma pervertida do governo de
um só homem, e o mau rei converte-se em tirano. A aristocracia, p o r seu lado,
degenera em oligarquia pela ruindade dos governantes, que distribuem sem
G
eqüidade o que pertence ao Estado - todas ou a maior parte das coisas boas
para si mesmos, e os cargos públicos sempre para as mesmas pessoas, olhando
acima de tudo a riqueza; e destarte os governantes são poucos e maus, em
S
lugar de serem os mais dignos.
K
não têm posses são contados como iguais aos outros. A democracia é a menos
BO
Podem ser encontradas analogias das constituições e, por assim dizer, modelos
delas nas próprias jamílias. Com efeito, a associação de um pai com seus
filhos tem a forma da monarquia, visto que o pai zela pelos fãhos. A í está por
D
que Homero clmma a Zeus de “p a i”; e o ideal da monarquia é ser uma form a
paternal de governo. Entre os persas, no entanto, o governo dos pais é tirânico,
IN
pois ali os pais usam os jilhos como escravos. Tirânico, igualmente, é o go
verno dos amos sobre os escravos, em que a única coisa que se tem em vista
é a vantagem dos primeiros. Ora, esta parece ser uma form a correta de go
verno, mas o tipo persa é per\>ertido, uma vez que diferentes são as modali
dades de governo apropriadas a relações diferentes.
Á associação entre marido e mulher parece ser aristocrática, já que o homem
governa como convém ao seu valor, mas deixa a cargo da esposa os assuntos
que pertencem a uma mulher. Se o homem governa em tudo, a relação dege
nera em oligarquia, pois ao proceder assim ele não age de acordo com o
valor respectivo de cada sexo. Nem governa em virtude de sua superioridade.
95
PS
tórico em que viveu, um momento de muita conturbação e em que a defesa
da ordem poderia significar a conservação de toda uma sociedade; mas, in
dubitavelmente, refletem também sua concepção mais geral de mundo e de
U
conhecimento.
RO
A influência de Aristóteles não foi importante apenas no período ime
diatamente posterior a ele. Por muitos séculos sua visão de mundo, suas
explicações e sua proposta metodológica imperaram como modelo de ciência.
G
Indiscutivelmente, Aristóteles foi responsável por um imenso avanço na dis
cussão do processo de conhecimento. Ao abordar problemas que são centrais
S
à construção do conhecimento, como a lógica, e ao construir um sis
K
96