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Escola Secundária de Carregal do Sal

Filosofia

Desenvolvimento Sustentável Integrado


A Responsabilidade Ambiental

Daniela Gomes, 10ºB, Nº19


catorze de junho de dois mil e vinte

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Conteúdo

Prosperar, a humanidade e a natureza..................................................................................... 6


A Sustentabilidade como Imperativo da Contemporaneidade............................................... 7
Desenvolvimento sustentado e sustentável............................................................................... 7
Desenvolvimento Local............................................................................................................ 9
Identidade e Pertença............................................................................................................... 9
Representações e Racionalidades........................................................................................... 10
Ordenamento Racional........................................................................................................... 10
Gestão de Recursos................................................................................................................ 11
O Valor Humano...................................................................................................................... 11
A Felicidade.............................................................................................................................. 12
Economia.................................................................................................................................. 15
Objeções à Economia Verde.................................................................................................. 16
O Mundo Globalizado.............................................................................................................. 16
Desafios da Sustentabilidade................................................................................................... 19
Raízes e Opções........................................................................................................................ 20
A Materialização...................................................................................................................... 21
Ecologia..................................................................................................................................... 23
Ecologia e Industrialismo........................................................................................................ 28
Surto Demográfico e Distribuição.......................................................................................... 29
Esgotamento e Degradação de Recursos................................................................................ 30
Poluição Crescente................................................................................................................. 32
Para Uma Nova Crítica da Economia Política....................................................................... 38
A Tecnologia Não é Neutra.................................................................................................... 41
A Ciência Económica, Ideologia Conservadora..................................................................... 43
Ecologia, Sociedade e Política.................................................................................................. 43
Duas Alternativas: Autogestão ou Tecnofascismo................................................................. 46
Ecologia e Revolução: Uma Alternativa ao Atual Modelo de Sociedade.............................48
Produzir o Necessário para a Maioria Limitando o Desperdício............................................48
Energias Suaves e Mudança Tecnológica............................................................................... 50
Para Uma Sociedade Inserida Harmoniosamente na Natureza............................................... 50
Riscos públicos.......................................................................................................................... 51
O Ar e Água, Elementos Insubstituíveis................................................................................. 55
Os Textos Sagrados e o Ambiente........................................................................................... 63
O Saque..................................................................................................................................... 66
A Vida Daqui a Um Bilião de Anos......................................................................................... 70
Mobiliário Descartável............................................................................................................. 74
O Romance das Abelhas.......................................................................................................... 77
Conclusão.................................................................................................................................. 78
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Alegoria da Caverna............................................................................................................... 78
Bibliografia............................................................................................................................... 81

Introdução
Apenas há cinquenta anos, finalmente nos aventurámos na lua. Pela primeira
vez, olhámos para o nosso próprio planeta. Desde aí, a população aumentou em mais do
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dobro. Quando os seres humanos construíram povoações, há dez mil anos atrás, o
mundo em seu redor, na terra e no mar, estava cheio de vida.
Durante gerações, este Éden alimentou as civilizações em crescimento. Mas
agora, no espaço de apenas uma vida humana, tudo isso mudou. Nos últimos cinquenta
anos, as populações de animais selvagens diminuíram, em média, sessenta por cento. A
estabilidade da natureza não pode mais ser tomada como garantida. Mas o mundo
natural é resiliente. Enormes riquezas permaneceram. Nunca foi tão importante
compreender como o mundo natural funciona e, como o ajudar.
A vida selvagem ainda floresce, em números surpreendentes, em alguns locais
preciosos. Ao longo da costa peruana, aves marinhas reúnem-se em milhões de
colónias, para se reproduzirem. Todas as manhãs, as aves abandonam-nas para pescar
num dos mares mais ricos do planeta. É uma migração diária admirável de um meio
milhão de aves. Esta assembleia resulta de uma poderosa corrente oceânica, a
Humboldt, arrastada da Antártida, trazendo consigo nutrientes grandiosos das
profundidades do oceano.
Longe da terra, os mares, na sua maioria, são um deserto azul. Mas mesmo estas
águas distantes podem ser enobrecidas por uma ligação inesperada com a terra.
Determinados desertos, a centenas de quilómetros do oceano, formam matérias primas
para a vida.
Anualmente, os ventos transportam 2 biliões de toneladas de poeira para o céu.
Pelo menos um quarto, eventualmente, cai no mar, formando nutrientes necessários aos
organismos microscópicos que são os alicerces da vida oceânica. A estabilidade da vida
no nosso planeta depende de tais ligações entre diferentes habitats.
Uma vasta salina, em África, é o que resta de um lago. Encontra-se
completamente seco e sobreaquecido. Poucos locais na Terra são mais hostis à vida.
Existem alguns trilhos, feitos por animais que procuraram água, sem sucesso. As algas
consumidas pelos flamingos ficaram dormentes como esporos na poeira. As aves
necessitam de se reproduzir. As condições perfeitas podem ocorrer apenas uma vez por
década. Nidificam numa ilha longínqua da costa. Não existe abrigo do Sol escaldante. O
último a eclodir, sai para um mundo extremamente severo.
De alguma forma, as aves têm de encontrar água para beber. Podem ter de
caminhar cinquenta quilómetros. Uns não conseguem mesmo acompanhar. O sal
solidifica-se em torno das suas patas. Apesar de tudo e, de caminharem longos dias, a
maioria das crias alcança água. É o final de uma dura jornada, mas apenas o primeiro

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dos vários testes que serão impostos a estes flamingos pela irregularidade da
precipitação.
O Serengeti, na África ocidental, sustenta mais de um milhão de gnus. As
manadas seguem as chuvas sazonais, pastando na relva germinada na sua esteira. Estão
permanentemente em viagem, seguindo as chuvas enquanto procuram pasto fresco. O
futuro desta migração depende da regularidade das chuvas, mas também da continuação
da existência dos grandes prados abertos, através dos quais fazem as suas jornadas.
Onde chove abundantemente, ao longo do ano, as florestas crescem e, no calor
dos trópicos, suportam uma riqueza incomparável de vida. A diversidade absoluta é
deslumbrante. As relações entre todas as espécies são numerosas e complexas. As
plantas, normalmente, dependem de animais para produzir as flores e, estas ligações
íntimas são tão importantes como as relações globais. É um ambiente tão mágico que as
fêmeas de algumas aves são capazes de educar as suas crias totalmente sozinhas. As
florestas tropicais cobrem sete por cento das terras do planeta.
Afastadas dos trópicos, onde o clima é sazonal e mais frio, são diferentes. A
maior de todas é a floresta boreal que se estende por toda a América do Norte e Eurásia.
É um refúgio fundamental para as poucas espécies que sobrevivem ali. Com o inverno a
chegar, os caribus caminham pela tundra aberta do Norte, a caminho do Sul, para a
floresta, em busca de comida e abrigo.
Nos extremos polares mais distantes, repousam as florestas congeladas da
Antártida e do Ártico. Embora possam parecer remotas para muitos de nós, a
estabilidade destes desertos gelados é crucial para toda a vida no planeta. Mas em
apenas setenta anos, tudo mudou num ritmo assustador. As regiões polares estão a
aquecer mais rapidamente que qualquer outra parte. O ártico no Norte é um oceano
congelado e o gelo marinho, do qual toda a vida depende, está a desaparecer.
O planeta está, literalmente, a derreter sob as patas dos ursos polares. O gelo
marinho quebra todos os anos, mas agora ocorre mais cedo e, a temporada de caça dos
ursos está a ficar mais curta. Um impacto profundo. As crias crescem com menos peso,
reduzindo as suas chances de sobrevivência.
O gelo glaciar, juntamente com o gelo marinho, protege o planeta ao refletir a
radiação solar para longe da superfície, impedindo, assim, o sobreaquecimento da Terra.
Porém, o Ártico está a aquecer drasticamente. A borda principal do glaciar parece
imóvel, mas os glaciares podem mover-se até quarenta e cinco metros por dia. As
massivas quedas de gelo do topo são apenas o início de um evento muito maior.

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Em todo o planeta, o gelo lança enormes quantidades de água doce no mar,
aumentando os seus níveis, alterando a sua salinidade e perturbando as correntes
marítimas.

Prosperar, a humanidade e a natureza


Ligações decisivas estão a ser interrompidas. A estabilidade da qual toda a vida
depende está a perder-se. O que fizermos nos próximos vinte anos vai determinar o
futuro de toda a vida na Terra. Celebrar a vida que ainda sustenta. Assegurar um futuro
onde os humanos e a natureza possam prosperar, igualmente. Há um caminho para a
sustentabilidade. Se existir um número cabonde de pessoas que o vejam, talvez
possamos começar a percorrê-lo a tempo.
Como criar um futuro no qual as pessoas e a natureza se possam desenvolver? É
a pergunta mais importante do nosso tempo. Nas próximas décadas precisamos de fazer
algo sem precedentes – conquistar uma existência sustentável na Terra.
O planeta encontra-se duro, primitivo, pobre, desigual e desumano. A pobreza de
África, as más condições de trabalho na China, a forma como a natureza é usada e
abusada pelos vários países longínquos da Europa, impacta-nos. E o que “dá o nó no
pensamento” é que essa pobreza, más condições de trabalho e ataque à natureza se dá
porque nós, os ocidentais, compramos que nem uns malucos! Sem nos preocuparmos
com o que teve de acontecer no mundo para que nós pudéssemos comprar umas calças
de ganga por 20 euros.
Não acham que, para umas calças de ganga custarem 20 euros, muita coisa
errada teve de acontecer? A água consumida. Os efluentes. O algodão utilizado. O
terreno usado. O transporte feito. As emissões de CO2. O preço justo do salário de
quem esteve a trabalhar na plantação e de quem fez as calças. Aumentar a nossa
consciência sobre o nosso papel nisto tudo é duro, desconfortável, mas fundamental.
Compreendemos todos os problemas. Estamos a trabalhar em todas soluções. A
longo prazo, contribuem para o crescimento económico. Nunca houve uma
oportunidade tão boa para assumir o controlo. O plano é óbvio: parar de fazer o que é
prejudicial; desenvolver sistemas verdes assim que, forem descobertos; preservar a
riqueza natural. Mais do que isso, teremos de construir um planeta com energia eterna,
ar e água limpos. Um planeta saudável e estável que poderemos usufruir para sempre.
Então, do que estamos à espera? Esta oportunidade está fora do nosso campo
de visão. Todos nós ficámos cegos pelas exigências do aqui e do agora. O panorama
geral e o longo prazo não estão no nosso campo de visão.
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Agora, pudemos criar um planeta do qual nos possamos orgulhar. O nosso
planeta. O lar perfeito para todos nós e para os outros seres vivos da Terra. Temos um
plano. Sabemos como o executar.
Podemos começar por compreender como chegamos até aqui. Há vinte mil anos,
a humanidade consistia em menos de um milhão de caçadores-recoletores pelo mundo.
Vivíamos dos recursos disponíveis e em equilíbrio com a natureza. Uma estratégia que
poderia, teoricamente, durar para sempre. A natureza determinava a nossa
sobrevivência. Utilizámos as nossa mentes únicas para desafiar aquela realidade.
Aprendemos a domesticar a vida selvagem. A população aumentou tal como as suas
necessidades. Sempre que um problema surgiu, nós resolvemo-lo, alterando toda a
superfície terrestre no processo.
Bem-vindos ao Antropoceno, a era dos humanos. O jogo virou. Agora, nós
determinamos a sobrevivência da natureza. O planeta é nosso. Existe apenas um
problema. Estamos em total desacordo com a natureza. E, se não reconquistarmos o
equilíbrio, esta era dos humanos deverá ser de curta duração. Sem biodiversidade, o
mundo tal como o conhecemos, não funciona.

A Sustentabilidade como Imperativo da Contemporaneidade

Desenvolvimento sustentado e sustentável


O desenvolvimento sustentável refere-se a um modo de desenvolvimento capaz
de responder às necessidades do presente sem comprometer o crescimento das gerações
futuras. Visa melhorar as condições de vida dos indivíduos, preservando
simultaneamente o meio envolvente a curto, médio e, sobretudo, a longo prazo.
Comporta um triplo objetivo – um desenvolvimento economicamente eficaz,
socialmente equitativo e ecologicamente sustentável.
A integração das questões ambientais na definição e na aplicação das outras
políticas constitui um elemento para o alcançar. Para o promover, as autoridades
públicas devem adotar medidas adequadas que procurem limitar os efeitos nefastos dos
transportes e dos usos sanitários, melhorar a gestão dos recursos naturais e
nomeadamente o seu consumo, combater as alterações climáticas e limitar as suas
consequências.
A ideia de desenvolvimento surgiu de uma metáfora, em que a sociedade é
comparada com um organismo vivo que se transforma, através de um processo de
amadurecimento gradual, atingindo com tempo a modernidade. O desenvolvimento

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advém do contraponto entre a diferenciação (fator de divisibilidade da sociedade
estabelecida) e a integração (condução de unificação das estruturas diferenciadas,
ocorrendo em todos os setores da sociedade). O desenvolvimento, também, com a
explicação proferida de uma teoria para levar até às suas últimas consequências, à
exposição ou discussão de forma aprofundada de determinados temas.
Este conceito ao ser analisado tornou-se mais complexo e de difícil compreensão
porque os indivíduos tendem a examinar realidades semelhantes a partir de perspetivas
diferentes. O desenvolvimento é um processo dinâmico, sinónimo de bem-estar e
evolução, desejado por diferentes sociedades assumindo um elevado grau de
importância.
Promover o ecodesenvolvimento passa a ter outros contornos e a nova forma de
pensar a relação do Homem com o ambiente, que integram a qualidade e as relações
entre gerações. É, no essencial, ajudar as populações envolvidas a organizar a sua
educação, para que repensem os seus problemas, identifiquem as suas necessidades e os
recursos potenciais para as conceber e realizar um futuro digno, conforme os postulados
da justiça social e da prudência ecológica.
promover
É necessário promover o desenvolvimento, de modo a que todos os indivíduos
possam exercer os seus direitos, usufruir dos recursos, partilhar responsabilidades que
permitam viver satisfatoriamente e cooperar para o bem-estar da humanidade. Os
aspetos fundamentais para a base do desenvolvimento são: a satisfação de necessidades
básicas, a solidariedade com gerações vindouras, a cidadania ativa, e a preservação
ambiental.
O desenvolvimento é um fenómeno global de sociedade que atinge toda a
estrutura social, política e económica. Embora a globalização prevaleça na sociedade
contemporânea, tem-se dado maior atenção ao desenvolvimento a partir do território,
baseado em premissas de sustentabilidade e integração de todos os atores sociais.

Desenvolvimento Local
A palavra “local” não é sinónimo de espaço geográfico reduzido. O conceito
adquiriu uma conotação que ultrapassa o domínio territorial defendendo-se como
processo de desenvolvimento constante que é pensado, planeado, promovido e reduzido.
O local está intimamente relacionado com a comunidade, que se desenvolve quando a
sua dinâmica se torna potencial, isto é, o desenvolvimento acontece quando são
integradas um conjunto de causas.

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É desejável incrementar uma estratégia que continue a questionar o atual padrão
de desenvolvimento, utilizando o local como elemento de transformação social, política
e económica, como um espaço para o exercício de novos modelos de acordo com as
necessidades efetivas.
Ao desenvolvimento local integrado é imputado o sustentável porque incorpora
uma estratégia que facilita a conquista de capacidade de auto-organização,
autorreprodução e gerações de condições para a continuidade dos processos.

Identidade e Pertença
A constatação que vivemos realidades dinâmicas, fruto de um mundo cada vez
mais cambiante e exigente, encaminha-nos para o questionamento das identidades
individuais e coletivas, num contexto de globalização, de massificação e de mestiçagem.
Os formatos políticos, económicos, tecnológicos e epistemológicos ocidentais,
norteadores dos padrões de desenvolvimento das sociedades industrializadas, assentam
em moldes de racionalidade hegemónicas e intransigentes. Todavia, vão-se
progressivamente assumindo outras configurações de práticas, racionalidades e saberes
mais inclusivos, matizados e comunicantes.

Representações e Racionalidades
Em decorrência, as representações sociais e as racionalidades leigas funcionam
como veículos para a compreensão de que os indivíduos e os grupos se movem em
contextos vivenciais complexos, sendo ainda, causa e consequência de modos de pensar,
de estar e de atuar muito próprios.
A compreensão das racionalidades e representações em torno da felicidade, do
bem-estar e da sustentabilidade, são os eixos analíticos que definem as fronteiras de um
projeto de intervenção e desenvolvimento local e regional. Problematizam-se temas e
questões atuais, que preocupam os indivíduos, as sociedades, as organizações e os
governos, num contexto de importante reflexão acerca dos pressupostos e fundamentos
que têm regido a atividade política, económica, cultural e epistemológica das sociedades
contemporâneas.
Numa época caracterizada pela omnipresente crise financeira, os valores, as
ideologias e as estruturas que suportaram a vida e o tecido social, parecem ter entrado
em declínio acentuado. À confusão e desorientação daí resultantes, juntam-se a
necessidade de exploração de novas formas de pensar, de agir, de sentir e de viver. Não
obstante, tem sido cada vez mais comum uma certa procura pelo sentido e pela

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autenticidade, permitindo contrariar a insatisfação causada pelo meramente efémero,
passageiro, que não deixa marca nem ocupa lugar.
Em apontamento, destaco a necessidade de uma revisão geral dos valores e da
História, um regresso à autenticidade em detrimento de existências “plastificadas”,
incaracterísticas e light. Uma redescoberta dos saberes antigos e das racionalidades
leigas, possível por uma “reconciliação” interna dos indivíduos consigo, mas também
com os outros seres e com o ambiente.

Ordenamento Racional
Para os países em desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a obtenção de
ingressos adequados aos produtos básicos e de matérias-primas são elementos essenciais
para o ordenamento do meio ambiente, já que há de se ter em conta os fatores
económicos e processos ecológicos.
O planeamento racional constitui um instrumento indispensável para conciliar as
diferenças que possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a necessidade de
proteger e melhorar o ambiente. É imprescindível um esforço para a educação em
questões ambientais para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada e
de uma conduta dos indivíduos inesperada no sentido da sua responsabilidade sobre a
proteção e melhoramento do meio ambiente em toda a sua dimensão humana e,
contrariamente, difundam informação de carácter educativo sobre a missão de o
proteger, a fim de que o Homem se possa desenvolver.

Gestão de Recursos
O consumo dos recursos renováveis, a uma taxa inferior à capacidade da
natureza os renovar, constitui uma exigência para a sustentabilidade. As sociedades que
não cumprem este número caminham para difíceis ecologias. Com o propósito de
entender se um país cumpre ou não o pressuposto da sustentabilidade da correta gestão
dos seus recursos, tornou-se necessário quantificar os recursos naturais que são
utilizados pelo Homem, para suportar o seu estilo de vida.
A pegada ecológica (PE) é uma ferramenta que pretende calcular a porção do
planeta precisa para sustentar determinados padrões de vida, representando a área
necessária para tolerar os níveis de consumo e os resíduos produzidos. Este índice
traduz a área produtiva do Planeta necessária para fornecer os recursos utilizados e
assimilar os resíduos produzidos, ou seja, o cálculo da PE baseia-se na ideia de associar,
a cada unidade e tipo de consumo (bens, serviços ou energia) uma determinada
quantidade de área produtiva, referente a um ou vários ecossistemas. Os dados

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estatísticos utilizados referem-se ao consumo de um país ou região e a sua análise tem
por base o balanço dos fluxos, sendo que cada fluxo se traduz pela área produtiva
necessária para o formar, procedendo assim a uma normalização dos valores. Quando a
pegada ecológica de uma população excede a capacidade, caminha-se para a exaustão
de recursos.

O Valor Humano
O Homem é simultaneamente obra e construtor do meio que o cerca, o que lhe
permite sustento natural e lhe oferece oportunidade para se desenvolver intectual, moral,
social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta
chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o
Homem adquiriu o poder de transformar tudo o que o cerca. Deve fazer uma constante
avaliação da sua experiência e continuar a descobrir, a inventar, a criar e a progredir.
O poder transformador utilizado com discernimento, pode levar a todos os povos
os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer a sua
existência. Aplicado erróneo e imprudentemente, o mesmo poder pode causar danos
incalculáveis no ser humano e no meio ambiente.
Promovemos o progresso social, criamos riqueza, desenvolvemos a ciência e a
tecnologia e, com o nosso árduo trabalho, transformamos o meio ambiente humano.
Com os avanços da produção, a capacidade do Homem de melhorar o meio ambiente
aumenta a cada dia que passa. Por ignorância ou indiferença, podem causar danos
imensos e irreparáveis.
É necessário serenidade de ânimo. Com vista a alcançar a plenitude da liberdade
dentro da natureza e, em harmonia com ela, o Homem deve colocar ao serviço os seus
conhecimentos. A defesa e o melhoramento do meio ambiente para as gerações
presentes e futuras convertem-se na meta imperiosa da humanidade. Será necessário que
as famílias, as empresas e as instituições, em todos os planos, aceitem as suas
responsabilidades e que participem equitativamente, num esforço coletivo.
O ser humano tem o direito primordial à liberdade, à igualdade e ao desfrute de
condições de vida de acordo com as suas aspirações, tal que lhe permita levar uma vida
digna e usufruir do bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger a natureza. Os
recursos naturais da terra, incluídos o ar, a água, a terra, a fauna e a flora e,
especialmente, amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser
preservados em benefício da população.

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O Homem tem a responsabilidade de administrar judiciosamente o património
da fauna e da flora silvestres e do seu habitat, que se encontra em grave perigo, devido a
uma combinação de fatores adversos.

A Felicidade
A felicidade é debatida desde a antiguidade. Platão e Aristóteles debruçaram-se
sobre ela. A idade média fá-la depender da relação entre o humano e o divino. A
modernidade, herdeira do renascimento e do humanismo, concentra-se nas
potencialidades humanas. A felicidade procura-se nos princípios éticos de bem comum
e na conservação das sociedades democráticas e justas. O melhor seria o mais útil
(utilitarismo), ou seja, o que comportasse menos dor e trouxesse mais vantagens para a
maioria.
O século XIX enfatizava o progresso contínuo da Humanidade. Privilegiavam-se
o bem-estar material e o acesso ao progresso técnico-científico. Outros, denunciavam o
esmagamento das economias capitalistas, os conflitos sociais, as condições de trabalho
precárias, a destruição ambiental, a depleção dos recursos e sua desigual distribuição.
Enfatizo a sociedade como totalidade orgânica, em que cada parte cumprirá as suas
tarefas e terá direitos, mas deverá cultivar, igualmente, a solidariedade.
Os tempos são confusos e inquietantes: as grandes ideologias esmoreceram, o
otimismo científico, económico e tecnológico transformou-se em ambiguidade. O
egoísmo e o hiperindividualismo não preenchem as lacunas que criaram - “penso em
mim, mas sou infeliz”. A “felicidade paradoxal” parte do consumismo na sua dupla
vertente de “alívio” e de “peso” (o “hiperconsumismo”). Face ao desencanto e mal-estar
resultantes da globalização, várias correntes tentam o equilíbrio possível entre o
crescimento económico, o bem-estar e o desenvolvimento sustentável.
Nós temos vindo a criar esta ilusão de que quanto mais variedade temos mais
livres somos. É exatamente o contrário. Quanto mais nós temos por onde escolher,
maior a nossa prisão. Se queremos sentir-nos realmente livres devemos limitar as
escolhas que nós temos. Se eu tiver vinte casas disponíveis para comprar, eu vou passar
mais tempo da minha vida a julgar a minha escolha, se eu só tiver duas aumenta a
probabilidade de ter tomado a decisão certa. Atualmente, temos esta variedade. De
telemóveis, de roupas, de carros. Repare, antigamente, os carros eram feitos para durar,
por isso, é que, ainda existem carros dos anos 80 a circular. A partir do momento que
começou a ver mais variedade, as pessoas sofreram de mais ansiedade. Prefiro ir a um
mercadozinho onde existe aquela fruta, aquele peixe, aqueles legumes, do que ir a uma
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superfície comercial que seja extremamente grande, porque quanto mais eu tenho por
onde escolher, parece que sou mais livre, há mais hipóteses. Mas, na verdade, tenho a
minha vida mais condicionada. Cria-nos stress, pânico, tristeza.
Outro exemplo: dizemos que vamos ser felizes quando viajarmos para
Copacabana. De repente, chegamos a Copacabana e dizemos que precisamos de beber
uma caipirinha e depois mais outra. Quando dermos por nós já bebemos 400 caipirinhas
e há sempre qualquer coisa que nos falta para nos sentirmos felizes, completos. Não
importa quantos objetos tenhamos, nunca nos sentimos realmente felizes.
Os nossos avós eram tão felizes com tão pouco! Nós, hoje em dia, temos tudo,
supostamente, temos um conforto que nunca existiu e não somos felizes.
O Precioso Capital Natural
O objetivo era promover políticas de alcance internacional e ações que
ajudassem a reverter a degradação ambiental e a poluição e que minorassem as
discrepâncias sociais e o fosso entre os países industrializados e os países em
desenvolvimento, apostando num desenvolvimento equilibrado e responsável.
Sublinha-se a necessidade de conservação e preservação dos recursos como
forma de garantir a integridade do Planeta e a continuação de vida na Terra. Há que
colocar os assuntos relacionados com o ambiente como prioridade na agenda política
internacional, discutir as implicações entre ambiente e desenvolvimento, fortalecer a
cooperação internacional e encontrar novas formas de ação que pudessem limitar ou
erradicar os padrões de insustentabilidade.
A natureza produz e aporta o bem-estar dos seres humanos, desde os recursos
naturais, até à capacidade que o ambiente possui de absorver a poluição. É necessário
lembrar que a importância dada ao capital natural é preponderante na exequibilidade da
Sustentabilidade.
Quando os recursos naturais sofrem interferências da atividade antrópica de
produção e de consumo, o capital natural pode estar em risco, pelo não cumprimento
das suas funções mais relevantes e insubstituíveis e, transforma-se em capital natural
crítico. Consequentemente, há que atender às circunstâncias de irreversibilidade do
capital natural. Confia na habilidade dos seres humanos para percorrerem o
desenvolvimento económico e o bem-estar sem destruírem as funções e os componentes
dos ecossistemas.
Desenha-se, assim, um paralelismo entre a sustentabilidade e o desenvolvimento
sustentável. A economia não deve, pois, desvincular-se do seu contexto ético e
ecológico. As preocupações da macroeconomia, assentes num crescimento infinito e

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ilimitado, num planeta com recursos frágeis e finitos, não são física nem
economicamente viáveis, nem moralmente desejáveis.
A realidade a que temos assistido, sobretudo nas últimas décadas, mostra-nos
alterações perigosas e extremas de que somos autores e vítimas. O excesso de poluição
do ar, dos solos e das águas, a extinção em massa de espécies, a perda da
biodiversidade, a desflorestação e o aproveitamento de terrenos para a alimentação
animal, a libertação de gases com efeito de estufa, com consequências graves para o
aquecimento global, como o degelo das calotes polares, a desertificação, a subida das
temperaturas médias e do nível das águas dos oceanos, são apenas alguns exemplos de
como as ações antropogénicas contribuíram, em pouco tempo, para alterações globais
muito significativas.
Estamos cientes que o futuro das pessoas e do ambiente se interligam, havendo
necessidade de alterar padrões e hábitos de produção e de consumo. Nesta linha, o
objetivo principal é a tentativa de estabelecer as bases científicas das ações necessárias
para promover a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas e suas contribuições
para a satisfação das necessidades dos seres humanos, não obstante a constatação de que
nas últimas décadas, para prover essas necessidades, se tenham gerado alterações
irreversíveis, contrastantes e injustas.
Os povos mais pobres são também os que mais dependem da agricultura de
subsistência e os que mais sofrem com a degradação ambiental e as alterações
climáticas.
A escassez e má qualidade da água é uma preocupação real, uma vez que o
precioso líquido é necessário em todos os aspetos da vida. É fundamental para satisfazer
as necessidades humanas mais básicas, possibilitar o desenvolvimento socioeconómico
e assegurar a integridade dos ecossistemas existentes.
A falta de acesso a energias limpas e sustentáveis é, também, um grande
obstáculo.

Economia
Efetivamente, desenharam-se já fortes críticas ao modelo macroeconómico
vigente, de inspiração neoclássica, e assente na noção de sustentabilidade fraca. Então, a
sustentabilidade económica estará próxima de uma conceção de desenvolvimento
sustentado e sustentável, assim como da atenção aos atuais meios de produção e aos
padrões de consumo, considerados insustentáveis e até, eticamente reprováveis.

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Uma economia que vive do capitalismo agressivo, assente na globalização,
desrespeitando muitas vezes os direitos de quem produz, que permite a deslocalização
de empresas para países onde a mão-de-obra barata, a falta de condições e de legislação
adequada, agudizam os problemas socioeconómicos e as desigualdades existentes, ao
mesmo tempo que engordam os lucros das grandes empresas e das corporações, que
dominam, afinal, os mercados, não pode ser uma economia com futuro assegurado.
Deste modo, há quem proponha passar do paradigma de uma economia
acelerada, com base na acumulação compulsiva de bens e de capital, para uma
“economia do suficiente”. Na linha da ecossocioeconomia relaciono o desenvolvimento
com as questões sociais e ambientais, entendendo-o como combinação de crescimento
económico, aumento do bem-estar social e preservação ambiental, reforçando a
necessidade da luta contra as alterações climáticas, o progresso socioeconómico e a
urgência da economia “humanizada”.
O capitalismo apresenta-se como modelo civilizacional global, que subordina
praticamente todos os aspetos da vida à lei do valor. Portanto, confrontar o modelo
vigente significa entendê-lo em todas as suas dimensões e manifestações.
Se o mundo é diverso, há que promover um pluralismo epistemológico que
reconheça as múltiplas visões que contribuem para o enquadramento racional global, as
ações, práticas e políticas alternativas. Não estão em causa os incontáveis benefícios das
aquisições técnico-científicas, mas tão-só o reconhecimento da não omnipotência do
modelo ocidental.
O monopólio da ciência e da técnica tem de consciencializar-se dos vários
problemas que criou e não pode impedir o reconhecimento de outras formas de
conhecer, de fazer e de intervir no real.
É possível conjugar os três eixos que nos propusemos a trabalhar – a felicidade,
o bem-estar e a sustentabilidade, – de modo nenhum excludentes, antes
complementares, com as exigências do mundo contemporâneo, sem nos perdermos na
voracidade do lucro fácil ou da perda de identidade, aproveitando recursos naturais,
culturais e humanos únicos e irrepetíveis.

Objeções à Economia Verde


Apesar de tudo, esta economia “verde” não é desprovida de críticas, sobretudo
por quem a denuncia como meio de mercantilização dos recursos e a opõe a uma
economia verdadeiramente solidária e ecológica. Portanto, em vez de ser o centro das
nossas vidas, altar sacrificial das nossas prioridades, da nossa energia, e até, da nossa
saúde, a economia deve ser um meio, entre outros, de viabilização da atividade humana,
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com vista a finalidades que excedam e complementem a dimensão puramente
económica ou material da vida.

O Mundo Globalizado
A globalização é um fenómeno atual, complexo e irreversível. Tomou conta das
nossas vidas de modo por vezes impercetível, mas bem real. Em termos socio-
filosóficos, está ligada ao Iluminismo e apogeu do pensamento racionalista, aos avanços
técnico-científicos e à conceção de sociedades igualitárias.
A nossa é uma época conturbada e confusa em termos ideológicos, ambientais,
axiológicos, sociais e político-económicos. Considero que “estamos a viver um período
histórico de transição muito importante”, sendo que as mudanças não se confinam a
uma região ou país, mas dizem respeito a todo o Planeta. Neste caso, a globalização
traduz, também, uma mundialização. Mas, contrariamente ao mundo ordenado, estável e
previsível que alguns anteviram, estamos perante um mundo “virado do avesso”, com
situações de risco que nenhuma geração anterior teve de enfrentar”.
A globalização é sobretudo dirigida pelo modelo tecnológico, científico e
cultural ocidental e está a reestruturar as nossas formas de viver, isto é, onde e como
trabalhamos, o que comemos e vestimos, como nos divertimos, que locais visitamos,
que livros ou filmes escolhemos. Somos remetidos para ideias, conceções, valores e
comportamentos massificados, que afetam tanto a vida individual e social, como os
acontecimentos e decisões à escala planetária.
Sendo um fenómeno ambivalente, a globalização tanto permite o acesso a locais,
bens e serviços antes inimagináveis e a conquista de direitos laborais, humanos e civis
fundamentais, como pode conduzir, pela sua voracidade insaciável, à perda de
identidade, dos saberes e dos modos de vida tradicionais e irrepetíveis, agravando
também as desigualdades existentes e esmagando as formas de racionalidade não
dominante. Advirto que muitas das enormes mudanças trazidas pela globalização a nível
planetário não são positivas, traduzindo-se num aumento da inequalidade entre países e
no interior dos mesmos.
A globalização tem sobretudo dois componentes, que são, a interdependência
entre as várias regiões e países no que diz respeito ao comércio, à produção, ao
consumo, à economia, finanças e investimento, mas também, a partilha cada vez maior
de modos de comportamento, formas de estar, e de padrões sociais, económicos,
políticos e culturais.

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Num mundo cada vez mais povoado, a exigência e crescimento das atividades
que suportam a globalização e a convergência económica entre os países mais e menos
industrializados, estão a gerar impactos acentuados a vários níveis no sistema terrestre.
O crescente êxodo rural transformou cidades em metrópoles desordenadas,
caóticas e sobrepovoadas, imperam a poluição, a falta de condições de higiene e de
salubridade. Simultaneamente, atendendo à literatura produzida e aos projetos levados a
cabo, cresce o esforço global para transformar as zonas urbanas em palco de
oportunidades, de cidadania e de desenvolvimento.
As sociedades contemporâneas são, efetivamente, maioritariamente urbanas,
massificas, mestiças e de consumo. É difícil escapar aos apelos e à magia que a
publicidade, auxiliada na atualidade pelo poderosíssimo neuro marketing, exercem
sobre os indivíduos e as sociedades. O que se compra e como se compra, é aliás, um dos
critérios mais importantes para medir a diferenciação social. Contudo, a compreensão
que temos deste fenómeno não é unânime nem pacífica, já que, enquanto para uns o
consumo é um instrumento de liberdade e de abertura de possibilidades, para outros
significa dependência e dominação. Importância extrema para o cultivo de estilos de
vida e padrões de consumo sustentáveis, que possam ir ao encontro das necessidades
básicas e melhorar a qualidade de vida das populações, minimizando o uso dos recursos
naturais e dos poluentes, e evitando os desperdícios. Estas ações são fundamentais
quando equacionamos as gerações futuras.
Vivemos num clima de suspeição, de receio e de ansiedade, que contribui para o
declínio da saúde física e mental da população, que assim fragilizada, não consegue
encontrar meios para superar o ciclo vicioso em que se encontra. Portanto, a criação de
um desenvolvimento sustentável e sustentado, bem como a necessidade de repensar os
moldes do crescimento económico, são dois grandes desafios das sociedades, da
economia e das políticas atuais.
Não obstante, em especial na época que atravessamos, (re)pensar o mundo real e
o seu modelo de desenvolvimento tem sido uma prioridade, quer seja pelas discussões
em torno da sustentabilidade e da valorização dos produtos locais e regionais, quer pela
necessidade de preservação de ideários e traços culturais e etnográficos singulares.
Este milénio “assinala uma das mais profundas e decisivas crises da história
humana”, uma vez que põe em causa os modos de vida e os valores anteriores, assim
como os sistemas organizativos do poder e do trabalho, as hierarquias estabelecidas, as
formas de interação entre os sexos e as culturas; em suma, a relação da humanidade

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consigo e com o Planeta, já que todas estas são dimensões policromáticas de uma
mesma e grande crise que poderemos designar como a procura da sustentabilidade.
O conceito de crise comporta, etimologicamente, dois significados diferentes:
por um lado, o esgotamento de um caminho ou modo de fazer habitual; por outro lado, a
necessidade de encontrar novas vias e alternativas. Portanto, as crises são, também,
veículos de oportunidades.

Desafios da Sustentabilidade
Destaco três desafios fundamentais relativamente à sustentabilidade, cuja
resposta da nossa parte condicionará a capacidade de vencer as crises futuras – a) o
regresso de Malthus: o pão e as bocas (ou a dificuldade de alimentar uma população
crescente num mundo com recursos finitos); b) Em busca de uma economia da
sustentabilidade e da qualidade de vida. A necessidade de articulação da economia com
a ecologia e a rejeição do modelo de qualidade de vida assente na degradação
ambiental; c) Desenvolvimento sustentável. Raízes e conteúdo. Tem vindo a ser
consensual a importância do desenvolvimento sustentável. Embora seja difícil uma
definição coincidente, há concordância relativamente aos três pilares fundamentais do
“triângulo da sustentabilidade”, que se quer equilátero, porque cada um dos vértices
deverá ter o mesmo peso e importância. Trata-se do pilar ambiental, do pilar social e do
pilar económico.
Porém, outros creem existir um erro nesta distribuição igual de importância, pois
os três pilares são qualitativamente diferentes. Consideram, ainda, que o
desenvolvimento sustentável não se pode objetificar, uma vez que é um processo
dinâmico de transformação. Na compreensão deste processo, propõem que se apliquem
as quatro causas de que fala Aristóteles, os pilares do desenvolvimento sustentável. 1) A
dimensão político-institucional seria correlativa à causa eficiente, ou seja, a que
impulsiona o princípio da mudança, essencial para a transformação da realidade.
Estariam aqui incluídas a vontade política de mudança e a procura de consensos. 2) A
dimensão económica seria correlativa à causa material, isto é, aquela segundo a qual
algo chega a ser. Traduz as alterações na reprodução quotidiana das condições de vida
numa perspetiva da sua continuação e qualificação. 3) A dimensão ambiental seria
correlativa à causa formal. Este é o paradigma que dá estrutura e forma à transformação,
condicionando-a. Simultaneamente, contém a complexidade dos conhecimentos que
devem delinear as mudanças. 4) A dimensão social seria correlativa à causa final. Neste
caso, a meta ou culminar de todo o processo será a criação de um modelo diverso de
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sociedade, em que as relações dos seres humanos uns com os outros, com as outras
espécies e com o Planeta assumem uma importância fundamental.
A criação de um quarto pilar – o “político-institucional” – faz sentido, pois
funcionaria como motor (“causa eficiente”) de todo o processo em vez de um triângulo
em que todos os ângulos estão em “pé de igualdade”, deve conceber-se antes um
“quadrado do desenvolvimento sustentável”, em que os quatro lados são parte de “um
modelo de cooperação e de interação sinergética”. Independentemente de se concordar
ou não com esta teorização inovadora, não restam dúvidas acerca da pertinência das
questões relativas ao desenvolvimento sustentável nos nossos dias.
A Estratégia de desenvolvimento Sustentável veio modificar por completo o
modo como era concebida e delineada a política ambiental, já que se pretendia uma
abordagem integrada das políticas em prol do desenvolvimento sustentável, fomentando
o crescimento económico e a coesão social, mas sem colocar em causa o ambiente.
Durante muito tempo, a confiança depositada na racionalidade hegemónica,
herdeira do Iluminismo e da Revolução Científica e Tecnológica, criadora de um
modelo epistemológico, axiológico e político que permitisse a autonomia, os direitos
fundamentais e a capacidade de dominar a natureza, foi inabalável. Progressivamente,
as promessas dessa razão instrumental e o excessivo otimismo relativamente às suas
conquistas, culminaram na crise dos fundamentos ideológicos, políticos, económicos e
técnico-científicos da atualidade.

Raízes e Opções
A razão dominante excluíra todas as formas de racionalidade que escapassem ao
seu alcance. Remeteu para o silêncio os saberes e práticas tradicionais ancestrais,
considerados fruto da ignorância e avessos ao progresso. Em certo sentido, um retorno à
origem, à autenticidade, antes da voragem implacável e massificadora.
Sentimos necessidade de recuperar a memória e os gestos, as tradições, os
saberes, o imaginário coletivo e distintivo do que somos. Saber qual é o nosso lugar na
espiral de um tempo hermético, sem passado, porque tudo é “líquido”.
Nota que a construção social da identidade e da transformação da modernidade
ocidental se têm dado numa dialética entre raízes e opções. O pensamento das raízes
confere segurança, é consistente, profundo, permanente e único; já o território das
opções remete para o que é efémero, volúvel, substituível. Posto isto, o pensamento das
raízes bebe do passado, enquanto o das opções se dirige para o futuro. Contudo, é
necessária uma dupla astúcia para equilibrar os dois polos, uma vez que o passado
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também é uma maneira de construir o futuro; logo, quer as raízes quer as opções se
dirigem para o porvir. Por outro lado, o equilíbrio desejável entre raízes e opções não
parece ser possível, o que nos deixa a responsabilidade de construir o futuro e
direcionarmo-nos para ele, tentando não apagar as raízes.
De qualquer modo, o tempo presente acaba por colocar em perigo esta equação
entre raízes e opções, porque é palco de turbulência, de desestabilização e de confusão.
As alterações globais são normalmente usadas para designar as transformações
em termos planetários, operadas ao nível do sistema terrestre. Para poder abordar de
forma integrada a problemática das alterações globais, é necessário considerar a
dimensão humana dessas alterações, isto é, as transformações que se dão nas sociedades
humanas ao longo do tempo, especialmente à escala global, ou seja, não conseguimos
compreender estas transformações se não tivermos em conta o fenómeno da
globalização. O risco e, simultaneamente, os desafios que os efeitos adversos das
alterações globais podem provocar são tão mais preocupantes, quanto persistirmos no
atual paradigma de desenvolvimento que, ironicamente, parece não oferecer soluções
satisfatórias aos problemas por si próprio desencadeados (a incapacidade de o atual
modelo de desenvolvimento dar resposta adequada aos diferentes tipos de alterações
globais, sistémicas e cumulativas que foram geradas por algumas atividades humanas no
quadro daquele modelo é a principal causa das crises de desenvolvimento global).

A Materialização
O conforto material e o consumo, que frequentemente associamos ao bem-estar
e à felicidade, são afinal decorrência do modo como passámos a entender o trabalho, já
que o labor e o consumo são apenas dois estágios de um só processo, imposto ao
homem pelas necessidades da vida. Este modo de ser acaba por tornar-se, em certo
sentido, redutor, na medida em que trabalhamos mais para podermos ter acesso a mais
coisas. Consequentemente, quase conseguimos nivelar todas a atividades humanas,
reduzindo-as ao denominador comum de assegurar as coisas necessárias à vida e de
produzi-las em abundância.
Portanto, concebemos o trabalho como uma atividade séria, mundana, que nos
permite a autonomia, o sustento e a colaboração vital em termos sociais, mas que
também nos subjuga e esgota. E, assim, o despimos da sua função de colocar em
exercício as capacidades e os talentos, reduzindo-o a mera atividade sacrificial,
necessária para podermos manter um determinado estilo de vida ou, com maior
infelicidade, conseguir tão-somente colocar “o pão na mesa”.

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A substituição da ação – e a pluralidade que ela implica - pela fabricação,
operada pela idade moderna. Este fator foi decisivo para a emergência do homo faber, o
que, através do recurso à técnica e aos instrumentos, controla o meio que o rodeia à
medida das suas necessidades crescentes, fabricando e produzindo.
A instrumentalização do mundo, a confiança nas ferramentas e na produtividade
do fazedor de objetos artificiais; a confiança no carácter global da categoria de meios e
fins e a convicção de que qualquer assunto pode ser resolvido e qualquer motivação
humana reduzida ao princípio da utilidade. Aponto a necessidade imperativa de
“desmercadorizar”. Quer isto dizer, que se deve impedir que o consumo voraz e a
economia de mercado ganhem tamanha importância, que a nossa se transforme numa
sociedade de mercado, onde tudo tem um preço e se pode comprar ou vender,
inclusivamente os valores, as opções políticas e, diríamos, a dignidade e a própria paz
de espírito. A “desmercadorização” deve processar-se a nível pessoal, social, político e
cultural.
O nosso percurso até ao momento conduz-nos à noção do esgotamento dos
paradigmas e dos modelos que nos têm orientado em termos políticos, culturais, sociais,
económicos e até, pessoais. Tal significa que há que rever e repensar a práxis humana,
ao nível da ação singular e coletiva, bem como, os seus fundamentos, tendo em conta os
contornos complexos e multifacetados das realidades contemporâneas.
A atenção pelos problemas ambientais parece ter ganho uma importante batalha
com a sua integração em programas de muitos governos e a criação de organismos
internacionais orientados para o seu estudo e solução. Sem duvidar dos efeitos positivos
pontuais desta situação, a nossa posição não pode ser cética quando verificamos que
grande parte destes programas se perdem no aspeto publicitário, como resposta
necessária às preocupações profundas, estando na prática subordinadas a anacrónicas
políticas produtivistas ao serviço das mesmas que controlam na base da lógica do lucro
a curto prazo.
De positivo, poderíamos referir a crescente atenção a determinados problemas
de poluição atmosférica e das águas; o relativo controlo dos problemas provocados por
certos pesticidas nos países desenvolvidos; o aumento de zonas e espécies selvagens
protegidas; a criação de diversas convenções de proteção do meio ambiente; o aumento
da atenção em relação aos problemas ambientais em grandes setores de produção e a
criação de programas de educação ambiental.
Pelo contrário, no lado negativo, estariam questões como o aumento da fome
por uma incorreta utilização dos recursos disponíveis, o crescimento dos desertos e de

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desflorestação, principalmente nas zonas tropicais; a utilização descontrolada dos
recursos naturais não renováveis; a aplicação ineficaz na prática de decisões; os
problemas a que pode conduzir o aumento do dióxido de carbono na atmosfera.
Uma análise superficial das tendências apontadas podem levar a um balanço de
perspetivas otimistas, pois é evidente que, embora esteja muito por fazer, a situação vai
melhorando nalguns campos e o que poderia igualmente vir a passar-se nos restantes.
No entanto, qualquer aprofundamento das causa e tendências dessa evolução leva, sem
dúvida, à conclusão contrária: as medidas tomadas estão ainda fundamentalmente na
linha dos interesses das grandes potências que, em nenhum caso, vão além da
manutenção de bases de reprodução e dos seus efeitos, sem que isso permita uma
melhoria global das condições ambientais de qualidade de vida.
Como consequência, os efeitos catastróficos do modelo produtivista não
deixaram de existir realmente, foram simplesmente utilizados para reestruturar certos
aspetos de economia, continuando a ameaça a pender sobre as próximas gerações. Este
lamentável panorama poderia conduzir a posições fatalistas a partir dos quais e com
base no velho argumento de que nada se pode fazer, a alternativa seria sobreviver o
melhor possível e esquecer estes problemas.
Para crescentes sistemas popularizados pelo movimento ecologista deve levar-
nos a lutar organizadamente por uma real alteração de lógica do sistema, a única
garantia de um futuro melhor para nós, para os nosso filhos e netos e para as restantes
espécies que ainda sobrevivem no planeta.

Ecologia
A ecologia surge como disciplina em meados do século XIX, pela mão do
biólogo Haeckel, embora não se possa considerar em parte implícita em obras anteriores
que tentavam já, de algum modo e apesar das limitações, lançar as bases de estudo
ordenado das relações dos seres vivos com o meio ambiente.
A sua anexação à biologia foi rapidamente desfeita, pois era evidente que o seu
desenvolvimento implicava de imediato o recurso a aspetos de outros ramos científicos
(física, química, geologia, geografia). Sem os quais os estudos empreendidos careceriam
de suficiente rigor.
Deste modo, a ecologia ir-se-á transformando numa ciência globalizada, que
logo se verá obrigada a ter em conta as ciências sociais, dado a alta capacidade do ser
humano para transformar o meio ambiente e, portanto, a necessidade de explicações

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económicas, sociológicas ou históricas para superar teorizações demasiado estreitas e,
inclusive, assentes em bases reais.
É precisamente o facto do Homem se ter transformado numa das peças
imprescindíveis da biosfera, causador e vítima de grande parte dos desajustes
atualmente existentes, que explica o grande impulso que sofreram nos últimos anos os
estudos ecológicos, assim como a erupção de amplos movimentos sociais que neles se
incidem e inspiram para a sua atuação.
Os princípios da ecologia são relativamente simples. Os diversos seres vivos
mantêm uma série de relações entre si (de complementaridade, cooperação, exploração)
assim como, com o meio ambiente onde se desenvolvem. O conjunto formado por estes
elementos designa-se por ecossistema e pode estabelecer-se a diversas escalas (o corpo
humano, um lago, um bosque ou o conjunto da biosfera, que engloba todas as restantes).
No seio de cada ecossistema integram-se as espécies vegetais e animais que se
desenvolvem no seu seio e cujo conjunto se designa de biocenose; o meio inorgânico
em que assentam as diversas espécies, e ao qual chamamos biótopo; o fluxo de energia
que mantém a atividade do sistema; os ciclos que se desenvolvem no seu seio e trocas
com o exterior; a inter-relação de todos os aspetos.
A interdependência do conjunto de elementos de um ecossistema leva a qualquer
variação num deles arraste a adaptação dos restantes, restabelecendo-se o equilíbrio
mínimo que lhe permita subsistir como tal. Este restabelecer do equilíbrio não deve
interpretar-se como retorno à situação anterior, pois que tende a realizar-se sobre uma
organizativa diversa e, portanto, evolutivamente.
Excedidos certos limites, o ecossistema destrói-se, dando origem a outro, onde
não figuram os elementos incapazes de adaptar-se à nova situação. A aplicação destes
princípios gerais a situações concretas dificulta tremendamente a análise já que, por
exemplo, os diversos ciclos energéticos e cadeias alimentares, ao combinar-se dentro de
um ecossistema, criam uma rede extremamente complexa, onde nem sempre é possível
verificar a possível incidência – direta ou indireta – de um ou vários elementos sobre o
restante.
Tudo isto pode fazer-nos refletir sobre a gravidade dos efeitos que pode produzir
a atividade humana já que, dada a envergadura de fenómenos tais como a poluição ou a
destruição de massas verdes e recursos em geral, as suas consequências sobre a ecosfera
podem tornar-se irremediáveis em múltiplas ocasiões.
Com efeito, a atuação humana ao desregular um número crescente de
ecossistemas, tanto na sua atuação normal como consequência de catástrofes que a

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utilização de certas tecnologias implica – marés negras, poluição, explosões atómicas –
ameaça destruir aspetos vitais do conjunto de biosfera e, portanto, conduzir-nos a
situações limite em que a própria vida seria posta em questão, pelo menos nas formas
habituais existentes atualmente.
Se nos detivermos na observação do conjunto da biosfera, podemos concluir que
a vida depende da renovação cíclica de uma série de elementos (água, oxigénio, azoto,
carbono) que se combinam e evoluem graças à energia transmitida pelo Sol.
Para que esta circulação persista dentro dos relativamente frágeis ecossistemas, é
necessário que a atuação sobre eles não os destrua, pois em tal se eliminaria a própria
base da sobrevivência das diversas sociedades.
Calcula-se que existam à superfície do planeta 1386 milhões de quilómetros
cúbicos de água, dos quais 25 milhões de quilómetros cúbicos se encontram
imobilizados no estado sólido. Os milhões que afetam mais diretamente os seres vivos
continentais, renovam-se periodicamente segundo um ciclo preciso – enquanto uma
certa quantidade de água dos mares, rios e lagos, outra cai sobre a terra; parte desta
última evapora-se diretamente e o resto é incorporado à matéria orgânica ou vai
engrossar rios e lençóis subterrâneos, de onde vai regressando aos mares ficando o resto
imobilizado durante períodos mais ou menos largos até à sua utilização para diversos
fins ou a sua passagem ao mar e à atmosfera. Da pequena quantidade que é fixada pelos
organismos vivos, uma parte sofre um permanente processo de destruição e de
recomposição através da fotossíntese e da respiração.
Este subciclo, essencial à vida, é possível graças à energia solar, captada pela
clorofila das plantas, que é utilizada para cindir a molécula de água e para formar as
reservas que permitem subsistir e desenvolver-se os elementos vegetais. Na respiração,
as moléculas de açúcar acumuladas pelos animais, cedem energia combinando-se com o
oxigénio do ar e libertando anidrido da água, as plantas unem – usando a energia solar –
carbono, hidrogénio e parte do oxigénio, libertando o restante oxigénio que por sua vez
se une ao açúcar nos organismos animais, reproduzindo simetricamente a reação
anterior, e encerrando assim este ciclo parcial.
Uma alteração sensível numa parte do ciclo, particularmente na sua fase líquida
à superfície dos continentes, criaria problemas graves à alimentação e respiração dos
seres vivos. Mas não é esta a única forma como a água afeta a vida animal. Desde o seu
consumo quase contínuo ser indispensável, até à sua função de termostato, através da
evaporação que mantém uma temperatura ambiente aceitável, as suas intervenções são
permanentes.

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A poluição da água, a degradação dos solos e a destruição de massas verdes,
como a que ameaça a Amazónia, levadas a cabo pelo Homem de forma indiscriminada,
intervêm, pois, negativamente, a ponto de, segundo estudos, se estar a romper o
equilíbrio da biosfera ao provocar uma diminuição de águas continentais, com as
consequentes alterações climáticas e tendência acentuada à desertificação.
Se a estes factos acrescentamos os massivos processos de combustão,
provocados particularmente pela indústria, e que consomem grandes quantidades de
oxigénio, podemos compreender a afirmação de Laura Conti, em Qu’est-ce que
l’ecologie, segundo a qual o Homem, na sua fase atual de desenvolvimento social e
económico, está a explorar a fotossíntese de ontem, comprometendo do mesmo passo a
fotossíntese de hoje e de amanhã. Embora seja pouco provável isto conduzir a uma
eliminação do oxigénio da atmosfera, retornando assim a uma fase anterior da história
do Planeta em que a vida não era possível, está claro que uma redução da água e de
oxigénio alteraria totalmente as condições de vida na terra, agudizando o problema da
fome e da desigualdade de recursos.
O estudo da ecologia e particularmente da ecologia política, pode levar-nos,
pois, a conclusões importantes, que embora nos pareçam de senso comum, não o são
assim tanto se atendermos às práticas usuais nas sociedades. Os recursos da Terra são
limitados e delicados os equilíbrios ecológicos. Se queremos subsistir e deixar subsistir
a vida em toda a sua riqueza temos de começar a respeitar, e fazer àqueles que têm o
poder, certas normas vitais. Isto não implica nenhum ponto de vista conservador, já que
não nega a evolução e apenas se limita a respeitá-la evitando a destruição massiva de
base material que a torna possível.
Em todo o caso, convém não esquecer que obstar a certos desastres, na maioria
dos casos apenas parciais, deve não só empreender-se com fins tão grandiloquentes
como preservar a vida humana, mas também simplesmente conservar o prazer da vida
num ambiente diversificado e não automatizado.
A ecologia, ao abrirmos os olhos perante esta problemática, estava destinada a
passar para o primeiro plano das preocupações humanas, a partir do momento em que os
limites do admissível começam a ser ultrapassados pelas ideologias e práticas do
produtivismo extremo.
Uma verdadeira ecologia de saberes considera as maneiras particulares e não
hegemónicas de ser, de tempo e de espaço, de diversidade inesgotável de experiências e
formas de entender o mundo, de práticas, de razões, manifestações, produções, e modos
de organização social. A própria ciência deve constituir-se como parte integrante da

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ecologia de saberes, já que esta promove uma dinâmica de interdependência e uma
aprendizagem sem esmagamento.
Os economistas costumam definir a sustentabilidade tendo por base os padrões
de vida, consumo e a utilidade. Estas definições radicam em dois paradigmas concetuais
opostos acerca das condições para se alcançar a sustentabilidade e o desenvolvimento
sustentável, especialmente no que concerne à preservação do capital natural. Diferencia-
se, assim, a sustentabilidade fraca da sustentabilidade forte.
A sustentabilidade forte rejeita esta noção de substituibilidade, argumentando
com a existência de capital natural crítico e referindo que a depleção atual dos recursos
não pode ser compensada pelo investimento noutras formas de capital. Em suma, pode
dizer-se que o capital natural e o produzido (manufaturado) são complementares, mas
não redutíveis um ao outro.
A sustentabilidade fraca assenta na ideia que o capital natural é substituível por
outras formas de capital, interessando apenas o valor total do stock de capital, que
deveria ser mantido ou aumentado (poupado e investido), em nome das gerações
futuras.
A sustentabilidade fraca tem-se mantido ligada ao bem-estar, sendo que, nesta
aceção, será conseguida se o bem-estar se conseguir manter ao longo do tempo. Como
se viu, a associação deste conceito ao conforto económico e aos bens manufaturados,
pode desviar a atenção da importância de proteger, conservar e preservar o capital
natural.
Esta nova abordagem vem fazer estremecer a conceção neoclássica de economia
que acreditava que a depleção de recursos naturais não seria em si um problema, já que
a escassez levaria a um aumento dos preços e à procura de substitutos. Contudo,
sabemos que as vozes dissonantes a esta teoria são cada vez mais. Introduz, também, a
utilização de indicadores físicos relativos à utilização dos recursos naturais e à avaliação
da sustentabilidade, procurando colmatar as dificuldades e lacunas causadas pela
valoração económica.
Temos extraído os recursos a uma velocidade superior à sua regulação, o que,
ligado ao crescente aumento populacional, está inequivocamente relacionado com as
crises ambientais.

Ecologia e Industrialismo
Os efeitos nocivos do industrialismo já se fazia sentir para certas camadas da
população desde há dois séculos. As condições ambientais que imperavam nos locais de
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trabalho eram, como atesta um número incalculável de documentos, um atentado à vida
humana e natural – o ruído que reinava era infernal, o ar que respiravam aos operários
estava impregnado de gases venenosos e explosivos, assim como de partículas indutoras
de cancro e portadoras de bactérias, o cheiro era indescritível; no processo de trabalho
lidava-se com venenos de todo o tipo, as condições de segurança não estavam previstas
ou eram ignoradas, era notória a chacina da população nos bairros proletários; a situação
das águas potáveis e residuais era desoladora; tão-pouco estava organizada a eliminação
dos resíduos ou sequer, em geral, prevista.
Esta situação não provocou reações (pelo menos de carácter sistemático) nem
conclusões pessimistas quanto ao futuro da industrialização, enquanto pôde trazer
enormes lucros às camadas dominantes surgidas ao calor do capitalismo, e que só
afetava diretamente a vida das camadas mais sujeitas da população.
Por outro lado, esta grave degradação do meio ambiente estava localizada em
regiões isoladas e, a grande massa do Planeta não sofria os seus efeitos. Daí não ver a
possibilidade de uma grave degradação da biosfera, em consequência, da atividade
antrópica.
O constante contacto do Homem com o meio natural leva-o a respeitar as suas
leis como uma forma de sobrevivência. A partir da Revolução Industrial, o Homem
passou definitivamente de uma economia baseada na reciclagem a uma economia
baseada nos recursos não renováveis, particularmente favorável á degradação do
ambiente e, que segue a par da crescente radicalização de desigualdades e injustiças.
Assim como, de um processo de subordinação de todo o Planeta aos desejos das classes
dominantes.
Os principais problemas ecológicos a que conduz este sistema e, em torno dos
quais começaram a elevar-se os gritos de alarme, costumam agrupar-se em três grandes
blocos – surto demográfico e desigual distribuição da riqueza; penúria e degradação dos
recursos; poluição crescente. Em consequência da sua ação combinada, pode explicar-se
simultaneamente a destruição massiva e a rápida degradação da qualidade de vida.

Surto Demográfico e Distribuição


Ao longo da história da humanidade, o crescimento demográfico sofreu a
constante limitação do mundo natural, particularmente com a possibilidade de obter
alimentos suficientes.
Nos começos do neolítico, a população total devia orçar pelos cinco milhões de
habitantes e o seu crescimento posterior, embora constante, realiza--se a um ritmo
bastante lento até à explosão demográfica causada pelo aumento das fontes de
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alimentação e melhoria das condições sanitárias que levam à baixa mortalidade a ao
aumento da natalidade.
Com tudo isto dá-se uma redução drástica do tempo de duplicação e surge uma
situação em que se constata que os recursos, ainda que explorados ao máximo, serão
incapazes de abastecer minimamente a humanidade.
Perante estes fatores ressurgiu o debate entre os impropriamente chamados
neomalthusianos e os que se lhes opõem. Estes últimos consideram que não é necessário
limitar o crescimento da população, já que todo o incremento é assumível a certo prazo
pelo progresso científico-técnico e, além disso, porque se pode verificar que com a
difusão da industrialização os índices de crescimento tendem a baixar por si mesmos.
Esta teoria parece difícil de sustentar já que, inclusive admitindo uma
substancial redução desses índices, num período de sessenta ou setenta anos, a
população terá atingido os dez mil milhões e, os recursos alimentares não poderiam,
mesmo aproveitados ao máximo, abastecer aceitavelmente uma humanidade dessa
envergadura.
Não obstante, isso não passa da posição geral do problema, já que estes cálculos
partem de uma ideal distribuição igualitária, obviamente falsa. Pode deduzir-se que é
fundamental lutar simultaneamente por uma melhor distribuição de consumo e por um
crescimento da população vizinho do zero, o que implicaria uma redução do consumo
supérfluo e uma política de controlo demográfico rígido nos países mais ricos, ao passo
que no Terceiro Mundo deveria favorecer-se um aumento do consumo médio de bens
fundamentais e uma política demográfica adequada à situação peculiar de cada zona e,
não a redução mecânica a um mesmo modelo de estabilização generalizada.
Isto leva-nos a um novo problema: a distribuição da população e os
inconvenientes da sua concentração em determinadas zonas. Mas o problema de
distribuição de população põe-se não só em termos das grandes áreas de planeta, mas
também, muito particularmente, a propósito do processo de urbanização.
A concentração da população em grandes cidades concentra também os
problemas de poluição, habitação, circulação, que em conjunto favorecem o
esbanjamento e contribuem para o agravamento dos problemas apontados.
O problema demográfico, que é considerado por muitos como o causador, em
última estância, da degradação do planeta, não pode alheado de outros fatores sem cuja
regulação conjunta toda a tentativa da resolução da crise ecológica seria totalmente
ineficaz.

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Esgotamento e Degradação de Recursos
O sistema industrial necessita para o seu funcionamento de um consumo cada
vez mais massivo de matérias-primas e de energia e, em consequência, vê-se na
iminência de enfrentar o problema do esgotamento de recursos que, em muitos casos, é
já previsível a curto prazo. Paralelamente, recursos em princípio renováveis, como a
água ou o ar, veem- se seriamente afetados pelos processos industriais. Além de tudo
isto a extensão do sistema industrial provoca o desaparecimento de múltiplos
ecossistemas e espécies animais que, de certo modo, poderiam considerar-se também
como recursos não renováveis.
Os recursos minerais da Terra estão desigualmente distribuídos em consequência
dos diversos processos que levaram à sua formação. Além desse facto, o grau variável
de concentração em que aparecem, permite que alguns deles, esgotados os jazidos ricos,
com maior esforço e investimento continuem a ser obtidos de jazidos pobres que
noutros casos não existe a segunda hipótese.
A distribuição do consumo é francamente desigual. Isto implica que ou se
estabiliza o consumo nos países desenvolvidos e se bloqueia a industrialização dos
restantes, coisa bastante pouco provável e que, aliás, arrastaria tremendas injustiças, ou
o consumo se multiplicará de setenta a duzentos e cinquenta vezes nos próximos anos e
as reservas esgotar-se-iam muito antes de prevista pelos organismos internacionais que
abordaram a Terra.
A possibilidade de extrair minerais de rochas comuns e da água do mar, como
preveem certos tecnocratas, além de implicar um elevadíssimo consumo energético,
poderia acarretar graves consequências para o equilíbrio da biosfera.
A partir desses factos torna-se evidente que seria necessário refrear e redistribuir
a produção industrial e reciclar massivamente uma série de produtos, de modo a evitar o
esgotamento destes recursos, em muitos casos essenciais ao bem-estar mínimo.
Os recursos energéticos só ameaçam esgotar-se em algumas das suas fontes. Não
obstante, intervêm seriamente pelos custos ambientais e políticos que envolvem. Os
combustíveis fósseis, precisamente os que ameaçam esgotar-se mais depressa, são os
que servem atualmente de base à satisfação das necessidades energéticas. Carvão,
petróleo e gás natural possuem escassas reservas, embora o caso do carvão seja menos
problemático. Tal não é o caso das energias hidroelétrica, eólica, geotérmica ou solar,
que surgem como a principal esperança do futuro.
A água e o ar, normalmente considerados como inesgotáveis, ameaçam escassear
se não se detém o seu atual processo de esbanjamento e degradação massiva. As plantas
necessitam de grandes quantidades de água para se desenvolverem e, por sua vez, os
29
animais precisam de plantas para se alimentarem e para poderem respirar.
Simultaneamente, tanto a água como o ar são vitais para o consumo animal e para a
estabilidade térmica.
A crescente poluição de ambos, produzida pelo sistema industrial, assim como
os diversos obstáculos opostos à sua reciclagem – redução das massas verdes, processos
de eutrofização – ameaçam transformá-los em recursos cada vez mais escassos que,
embora não seja provável que ameacem globalmente a vida, podem fazê-lo em amplas
zonas.
Os despejos indiscriminados de cidades e indústrias para a atmosfera ou para os
rios e os mares produzirão cada vez mais catastróficos. A utilização massiva de
químicos e a supressão dos processos naturais de regeneração do solo, aliada ao
lançamento de esgotos das concentrações urbanas na água, intervêm seriamente no ciclo
do azoto, empobrecendo a terra e dificultando, a prazo, o crescimento dos recursos
agrícolas.
A tão apregoada “revolução verde” que tiraria da fome milhões de pessoas no
Terceiro Mundo, apenas conseguiu êxitos limitados, o que é lógico se tivermos em
conta que, os recursos agrícolas são escassamente elásticos e, mesmo sem falar da
deterioração do solo, a extensão de áreas cultivadas no Planeta pode, inclusive, ser
contraproducente e levar a processos de desertificação, como está a ocorrer nas franjas
dos grandes desertos do Planeta.
Deparamo-nos, pois, com um dos mais sérios obstáculos ao desenvolvimento
humano: a escassez crescente de solos aptos para prover de alimentos a população.
A extinção de espécies animais, para além das perdas que implica para cientistas,
está a provocar um empobrecimento biológico de grande envergadura, cujas
consequências são por ora inestimáveis, mas que poderiam afetar o equilíbrio dos ciclos
vitais. Se tivermos em conta que, por exemplo, o desaparecimento de uma espécie
vegetal pode arrastar dez ou vinte animais e vegetais que dependem dela, pelo menos
parcialmente, poderemos fazer uma ideia da destruição massiva que esta reação em
cadeia implica.
A extensão dos estabelecimentos humanos, dos poluentes químicos e da
exploração indiscriminada da caça ou dos bosques, podem conduzir-nos a um planeta
coberto de desertos e cimento, salvo em escassas áreas reservadas à fruição das minorias
privilegiadas.
A destruição de espécies e ecossistemas não é, pois, um dos menores perigos a
que nos expõe a exploração massiva dos recursos e, a sua defesa é tão importante para a

30
própria vida humana como a de outros recursos habitualmente mais tidos em conta,
inclusive, partindo de um ponto de vista meramente egoísta e antropocêntrico.

Poluição Crescente
A acrescentar ao consumo crescente de recursos e, em grande medida como
derivação do mesmo, as sociedades industriais produzem uma séria degradação do
ambiente em resultado de diversas modalidades de poluição. Os poluentes afetam o
Homem e o ambiente por diversos meios, muito particularmente o ar e a água,
existindo, no entanto, outras formas menos evidentes.
Para estabelecer uma classificação mínima podemos partir do critério de
poluentes quantitativos e qualitativos, considerando entre os primeiros aqueles que se
encontram normalmente no meio, mas que são incrementados pela ação humana e, entre
os segundos os produzidos sinteticamente pelo Homem. Por sua vez, os quantitativos
poderiam agrupar-se em três categorias, como propõem na sua obra Paul e Anne
Ehrlich.
Em primeiro lugar, o Homem pode perturbar um ciclo natural com uma grande
quantidade de uma substância que normalmente é considerada inócua, seja
sobrecarregado uma parte do ciclo (azoto), seja destabilizando um equilíbrio finamente
ajustado (CO2), seja viciando totalmente o ciclo natural (o calor, a muito longo prazo).
Em segundo lugar, uma quantidade insignificante de material, comparada com os
caudais naturais do mesmo, pode originar um desastre ao libertar-se num ponto sensível,
numa pequena superfície ou bruscamente (petróleo). E, terceiro lugar, qualquer aumento
de uma substância já perigosa na sua concentração natural torna-se significativo
(mercúrio, dióxido de enxofre, substâncias radioativas).
Quanto aos contaminantes qualitativos, a sua potência torna-se mais evidente se
tivermos na devida conta que estas substâncias não tiveram contacto – e, portanto, não
existem defesas para elas – com os diversos organismos animais.
O processo natural de fertilização do solo desenvolve-se a partir da degradação
de diversas matérias naturais, levada a cabo por uma série de microrganismos. A
tentativa de substituir esta ação pelo uso de fertilizantes químicos, com o fim de acelerar
os ritmos de produção e dar saída a toda uma série de produtos da indústria, é uma das
principais causas da sua degradação e, simultaneamente, da poluição dos produtos
alimentares.
Os fertilizantes e adubos têm o inconveniente de interromper a ação das
bactérias do húmus. A sua aplicação pode chegar a matar em determinados casos
grandes números de bactérias que desenvolvem, por exemplo, uma função nitrificante.
31
A ação destas bactérias é decisiva no ciclo do azoto, transformando o azoto atmosférico,
incapaz de ser assimilado pelas plantas, em nitratos, que podem ser absorvidos pelas
raízes dos vegetais.
A interrupção do ciclo de azoto causa problemas muito complexos no
ecossistema, pois as plantas, que são os únicos seres capazes de transformar a matéria
inerte em orgânica, não se desenvolvendo, alterarão o ciclo nutritivo dos demais que
habitam no ecossistema. Por outro lado, ao destruir-se as bactérias nitrificantes, reduzir-
se-á a fertilidade do solo, pois o nitrato preciso para as plantas poderá ser renovado
segundo o ciclo de azoto, ficando este a partir dos restos orgânicos acumulados sob a
forma de amoníaco. Mas o uso de fertilizantes, herbicidas, inseticidas – como o DDT –
não é o único modo de poluição e destruição do solo.
A salinização e erosão, aliadas à urbanização e construção de vias de
comunicação, inutilizam anualmente, a nível mundial, uma superfície de solo fértil
equivalente à Galiza, para o que também contribuem eficazmente a mecanização da
agricultura, a extensão da monocultura e a poluição de água.
A qualidade da água é, em princípio, renovável, já que entregamos água suja e
poluída ao solo e tornamos a obtê-la limpa, graças à sua depuração através das diversas
fases do ciclo. No entanto, os excessos de poluentes vertidos pelas indústrias e pelas
concentrações urbanas ameaçam com graus de degradação irreversíveis, pelo menos em
certas zonas do Planeta.
No caso da indústria, particularmente metálica, química e de extração, o
problema principal reside no lançar indiscriminado de substâncias efluentes, que só
ameaçam diretamente a vida como, igualmente, alteraram as condições de rios, lagos e
costas, por esgotarem o oxigénio das águas e, favorecem processos de fermentação
assim como a produção de metano e ácido sulfídrico, que fazem crescer a pestilência e a
toxicidade das águas.
Os esgotos das grandes cidades, com a sua grande massa de plásticos e
detergentes, contribuem para acelerar estes mesmos processos. Em consequência, a
água para consumo direto humano ou para a agricultura cada vez escasseia mais, para o
que contribui a própria indústria química ao lançar milhões de toneladas de adubos,
pesticidas ou fertilizantes, que aumentam o grau de poluição das águas continentais.
Como é lógico, uma parte desta poluição atinge os mares ou infiltra-se pela
camada freática, afetando assim diretamente a alimentação humana através de vegetais
ou da pesca costeira. Mas a poluição marinha não se deve unicamente aos efluentes da
indústria ou das aglomerações humanas – que por sua vez pode ser direta ou através

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dos rios – já que o esvaziamento regular ou acidental de petroleiros e a submersão de
centenas de substâncias particularmente perigosas – resíduos radioativos, cianetos,
arsénico – ameaçam afetar gravemente o processo da fotossíntese das algas, provocando
uma diminuição da população marinha.
A poluição do ar não afeta apenas as grandes concentrações urbanas e industriais
já que, de uma ou outra forma, todo o conjunto da atmosfera começa a ressentir-se
(alterações climáticas, destruição da camada de ozono). A poluição do ar provém
fundamentalmente de três tipos de fontes – indústrias, veículos a motor e atividades
domésticas. Os efeitos desta poluição incidem particularmente nas grandes
concentrações urbanas: diminuição da qualidade da luz solar; doenças de diversos tipos,
entre as quais se destacam as respiratórias e o cancro.
No que respeita aos efeitos sobre o conjunto da atmosfera, destaca-se pela sua
gravidade a crescente destruição da camada de ozono que protege a superfície do
Planeta de grande número de radiações perigosos para a vida. Os metais pesados,
particularmente o chumbo e o mercúrio, produziram já uma série de catástrofes que não
deixam lugar para dúvidas quanto ao seu perigo. O mercúrio acha-se normalmente na
água num grau de concentração de um grama por mil metros cúbicos. A sua utilização
na agricultura como fungicida, assim como na indústria de papel ou de cloro líquido,
levou a um aumento notável da sua concentração na água de certas zonas.
A morte de animais e homens na baía de Minamata, no Japão, causada por
mercúrio, foi o sinal de alarme: enquanto a análise da água da baía dava uma
concentração de dezasseis a trinta vezes a normal, nos peixes mostrou-se mil a dez mil
vezes superior, entrando assim na alimentação. O efeito de acumulação destes produtos
pode, pois, levar a consequências funestas, sem que isto se manifeste anteriormente, a
menos que se cuide particularmente da sua distribuição geográfica e da depuração dos
resíduos de certas indústrias.
A química introduz no meio moléculas complexas que não existiam
anteriormente na natureza e que, em grande número de casos, não são biodegradáveis.
Desse modo entram no nosso meio os plásticos, os inseticidas ou os desinfetantes. Uma
parte desses produtos produzem não só efeitos tóxicos, como também, mutações, cuja
gravidade reside em que não é precisa acumulação, pois em muitos casos uma só
molécula basta para produzir efeitos desastrosos.
Além disso, entra cumulativamente nas cadeias alimentares e afeta os equilíbrios
hormonais, considerando a maioria dos especialistas que tem efeitos cancerígenos. A
sua proibição em grande número de países não permitirá o desaparecimento de

33
problemas que ocasiona, mantendo-se os efeitos durante décadas, dado o seu lento
processo de degradação. Não obstante, as suas contrapartidas positivas foram escassas,
já que destroem simultaneamente insetos e insetívoros; mas ao passo que, ao cabo de
certo tempo, os insetos vão-se tornando resistentes ao DDT, os insetívoros não.
Deste modo quebra-se a autorregulação do sistema, permitindo um aumento
inusitado dos insetos que se pretendia exterminar. Entra aqui o negócio das grandes
empresas que à custa do extermínio dos insetívoros, criaram assim um largo mercado
para novos poluentes.
Este é um caso modelo da lógica do sistema, pois comprova-se que se forem
adotados os inseticidas químicos em vez de se terem desenvolvido os métodos
biológicos é porque os primeiros dão maiores lucros e não porque sejam mais eficazes.
Os ruídos de intensidade superior a quarenta decibéis, particularmente se
continuados, causam certos desajustes no sistema nervoso vegetativo e, dado que nas
grandes cidades são totalmente habituais, contribuem sobremaneira par o elevado
número de doenças nervosas, úlceras e outras afeções estomacais ou estados de
esgotamento físico e mental. Em soma, outras mais formas de poluição como a térmica
e a acumulação de detritos sólidos, que complementariam o triste panorama que nos é
oferecido por um certo modo de entender o progresso.
Tudo isto leva-nos a considerar que a intensificação dos problemas ameaça
seriamente a sobrevivência dos próprios seres humanos ou, pelo menos, a sua
sobrevivência em condições ambientais aceitáveis.
A alternativa não pode ser procurada em simples paliativos ou em belos
discursos catastrofistas, que a nada conduzem. Só uma atuação ordenada perante esse
conjunto de problemas e o sistema que lhes dá origem, aliada a uma procura de
alternativas viáveis de modelo de produção, de sociedade e de vida, pode produzir
resultados reais.
É, pois, necessário passar da luta pela defesa da natureza a uma luta
revolucionária que tem de partir, sem dúvida, da contestação do capitalismo.

Movimento Ecologista
O movimento ecologista não surge de uma simples moda ou da mente de certos
intelectuais que, a partir das suas análises feitas entre quatro paredes, pretendem dar
novas alternativas à humanidade. É, pelo contrário, a própria dinâmica das sociedades
desenvolvidas, com o acumular de problemas, que leva à confluência de grupos,
34
inicialmente dispersos, num movimento onde certa coerência e forte potencial de
transformação social, surpreendente para quem apenas tenha estado atento a certos
sinais externos.
As principais reações à problemática ecológica surgem de problemas pontuais
que levam diversos grupos lesados a lutar perante atentados flagrantes às suas condições
de vida e de trabalho.
Deste modo, encontramos os moradores que lutam contra as lamentáveis
condições de habitação ou contra a poluição nos seus bairros, os camponeses que
pretendem evitar os danos de indústrias próximas, ou de barragens e centrais térmicas
ou nucleares, ou os habitantes de zonas costeiras afetadas por marés negras ou pelos
efluentes de indústrias poluentes. Com estes grupos, que lutam por interesses pontuais e
às vezes contraditórios, vai confluir um setor de intelectuais vinculados ao ensino e à
investigação, alarmados com o crescente poder destrutivo de tecnologias que eles
mesmos contribuem para criar e difundir.
Por um lado, um setor composto de biólogos, agrónomos, geógrafos, ao observar
a degradação do ambiente, foi colaborando na constituição de sociedades protetoras da
natureza, nas quais se integravam juntamente com simples amantes da vida natural,
levando a cabo ações de sensibilização, que hoje poderiam ser consideradas reformistas
– mas que contribuíram enormemente para despertar largos setores da população da
irracional crença na bondade intrínseca de todos os resultados do denominado
progresso.
A par desses sociólogos, urbanistas e economistas, preocupados com o
crescente caos urbano e deterioração das relações sociais, favoreceram o
desenvolvimento dos diversos movimentos citadinos, ao estabelecer alternativas de
organização espacial e social coerentes que serviram de base às exigências mais
sentidas.
Os estudos, as propostas e elaborações teóricas destes conjuntos de cientistas,
irão estabelecer grande parte da base aglutinadora dos movimentos autónomos de
lesados, facilitando a sua convergência.
Associados aos anteriores setores outras correntes, vinculadas entre si pelo amor
à natureza, mas cuja perspetiva não ia além de pequenas seitas de iniciados, descobrem
no ecologismo a corrente que demarca e dá sentido globalizante às suas inquietações.
Deste modo, abeiram-se do movimento médicos e terapeutas partidários de uma
abordagem não consumista dos problemas da saúde; vegetarianos e macrobióticos,

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partidários de uma alimentação mais sadia; clubes ciclistas, defensores de uma forma de
transporte não poluente; clubes de campismo e montanhismo.
Uma vez que o movimento vai convergindo para alternativas globais de certa
envergadura, surgem novas confluências, particularmente com movimentos
regionalistas, de ação não violenta, feministas, de autogestão, que vão enriquecendo os
objetivos iniciais e dando maior capacidade de mobilização perante os problemas
concretos. Este conjunto de correntes vai-se consolidando em torno do objetivo de
tornar a Terra um planeta habitável.
A partir da análise das derivações da problemática tecnológica, o movimento vai
sendo capaz de assumir uma crítica dos modelos económicos vigentes e, portanto, de
passar a uma atuação claramente política que, ao exceder os problemas iniciais de
simples defesa do meio ambiente, sem por isso os abandonar, vai implicando um
movimento de transformação global das condições de trabalho e de vida.

Para Uma Nova Crítica da Economia Política


A intervenção política dos ecologistas de diversos países adquiriu maior
envergadura com o partido Verdes. O perigo desta nova situação é que os porta-vozes
das reivindicações de um importante movimento base, podem chegar a integrar-se nos
esquemas políticos tradicionais, servindo para estrangular parcialmente o movimento
social que passaria a ser uma simples força de apoio dos programas partidários.
Um outro aspeto que convém não esquecer é a penetração das ideias e propostas
ecologistas nos programas dos partidos tradicionais que, se bem mostra a força dessa
penetração no tecido social, pode levar a graves manipulações e à desradicalização das
posições ao serem integradas na lógica do sistema.
O desenvolvimento espetacular das forças produtivas a que temos assistido a
partir da Revolução Industrial, baseado no consumo massivo do capital natural do
Planeta e na superexploração do trabalho de uma parte da humanidade, processou-se
nos quadros de um sistema que, longe de contribuir para a emancipação da espécie
humana, conduziu a um modelo de vida cada vez mais inviável e vazio de sentido. Isto
mostra-se lógico se tivermos em conta que o sistema económico vigente não visa
satisfazer as necessidades humanas, mas produzir e obrigar a consumir aquilo que
resulte mais rentável para os detentores dos meios de produção, aquilo que permita uma
acumulação constante de capital.
Como consequência desta mesma lógica, o desenvolvimento capitalista, uma vez
superada a sua primeira etapa, tende a basear-se na substituição do trabalho humano

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pelo trabalho de máquinas cada vez mais complexas, o que implicou um acentuado
aumento dos investimentos necessários que, por sua vez, obrigam a obter lucros
crescentes de molde a poder amortizá-las.
Como resultado imediato, para produzir proporcionalmente o mesmo, o número
de operários ocupados será cada vez menor e, portanto, aumentará o desemprego e o
peso dos setores não diretamente produtivos. Além disso, a concorrência arrasta a
necessidade, ainda mais premente, de rentabilizar a maquinaria de modo mais rápido
possível, para substituí-la por outras mais eficazes e sofisticadas.
Todo este processo tende a bloquear-se quando o lucro baixa e o sistema é
incapaz de reproduzir o capital com rapidez suficiente. Surgem então as chamadas
crises de superacumulação, que costumam compensar-se pelo aumento do preço das
mercadorias e/ou pelo aumento da quantidade de produtos vendidos.
Deste modo, e através da publicidade e de outras formas de pressão, o
crescimento capitalista é assegurado obrigando ao consumo crescente de produtos,
particularmente daqueles que produzem maiores lucros, o que está longe de significar
que coincidem com aqueles que garantem a satisfação das necessidades mais prementes.
Este sistema arrasta, pois, a necessidade de utilizar cada vez mais matérias-
primas, energia, trabalho, capital, assim como a programação sistémica da rápida
senescência dos produtos, de modo que a sua renovação se processe com a máxima
frequência. Para assegurar a produção é também necessário que as grandes empresas
consigam controlar os recursos de que necessitam, o que implica o controlo político-
militar.
Por outro lado, a poluição massiva, provocada tanto pelas indústrias como pela
utilização dos seus produtos, torna-se inevitável para manter o modelo. Um bom
exemplo de tudo isto pode ser a indústria automóvel. Originariamente, os automóveis
produziam-se como um bem de luxo para certas camadas privilegiadas que podiam
assim deslocar-se a seu gosto e a maior velocidade que o resto da população. A
produção em massa de automóveis serviu às empresas do petróleo para garantir uns fiéis
e massivos consumidores de gasolina, e a outras para se tornar o centro de aglomerados
produtivos, utilizando grande quantidade de matérias-primas e empregando uma mão de
obra fácil de instruir, dada à necessária mecanização da produção em massa. E, em
resultado: consumo em massa de recursos para satisfazer uma necessidade de transporte
que poderia cobrir-se por outros meios e que deixou de ser tão prática a partir da sua
massificação, devido às dificuldades crescentes com o trânsito.

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Simultaneamente, obriga-se os trabalhadores a empregar uma parte elevada dos
seus salários para obter o tão cobiçado automóvel que, ao ser comprado normalmente a
prestações, os torna mais dependentes da empresa, já que as ditas prestações, os
obrigam à defesa incondicional do posto de trabalho.
Para que a indústria automóvel mantivesse a sua expansão, fabricaram-se carros
cada vez mais efémeros, de modo, a levar à sua substituição em períodos relativamente
curtos. O mesmo, com algumas variantes, poderia dizer-se de inúmeros produtos que a
indústria atual nos obriga a consumir.
No entanto, este absurdo modelo de manutenção de crescimento económico
apresenta-se como o único viável, e isto não só entre os economistas e políticos do
sistema. Defendem o crescimento, entendido como maior consumo energético e de
recursos diversos, é a única saída para a crise, sem que alguma vez se diga que a
solução poderia consistir em dirigir a produção para outros setores, que satisfaçam
necessidades reais sem que para isso seja preciso um crescimento constante do quase
mágico PNB.
O aspeto mais grave da crise atual não resulta, no entanto, do mecanismo
enunciado, mas da impossibilidade de manter um crescimento constante da produção ao
basear-se esta na utilização de recursos que começam a escassear. Com efeito, grande
número de recursos difíceis de renovar possuem reservas que, a manter-se a linha de
produção atual, esgotar-se-ão rapidamente.
Encontramo-nos, pois, perante uma crise de reprodução do sistema que invalida,
a médio prazo, as soluções utilizadas em ocasiões anteriores. A impossibilidade de
continuar a produzir o mesmo e a ritmo crescente não depende exclusivamente do
esgotamento de importantes recursos não renováveis, mas igualmente da degradação do
ar, da água e do solo, que terão de ser reciclados para evitar a sua rarefação, com os
consequentes investimentos sem contrapartida no crescimento da produção.
Deste modo, a rentabilização do capital encontra limites físicos e a reprodução
do sistema tende a bloquear-se. Perante isto, surge o paradoxo de, com os recursos
utilizados na atualidade, e até menos em certos campos, ser possível para a humanidade
encontrar-se no limiar de uma sociedade onde a escassez material teria desaparecido,
desde que não se pretendesse reproduzir o esquema luxoso a nível planetário.
Poderíamos começar a oferecer comida, teto, assistência e uma ampla gama de
mercadorias sem roubar à humanidade o seu precioso tempo e, sem dissipar a sua
reserva incalculável de energia criativa em trabalhos puramente mecânicos.

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Com feito, só a lógica capitalista nos impede de fabricar e tornar acessíveis a
todos roupa, utensílios, eletrodomésticos e veículos fáceis de reparar, económicos em
gasto de energia e duradouros, aumentando simultaneamente o tempo livre e a
quantidade de bens de uso.
Ao contrário do que pretendem fazer-nos crer os ideólogos do sistema,
poderíamos viver melhor produzindo menos.
Neste sentido convém constatar que a pobreza dos países desenvolvidos não
depende de insuficiências de capacidade produtiva, mas do modo de produzir e da
natureza do produto. Quanto aos países chamados pobres, a sua pobreza é determinada
pelo sistema imposto pelos ricos, que impedem o seu desenvolvimento autónomo
devido à espoliação constante dos seus recursos e à imposição de modelos exogéneos,
que em nada contribuem para tirá-los da sua situação.
A pobreza produz-se e reproduz-se como parte de um sistema que obriga a um
consumo supérfluo e a uma economia baseada no esbanjamento. O problema não está
simplesmente em alterar o modelo de crescimento. Com efeito, quando se põe
exclusivamente o problema do modelo de crescimento, supõe-se inalterado o tipo de
necessidades e o contexto social; não obstante, é nestes aspetos que residem as
principais necessidades de mudança: superação da divisão de técnica e social do
trabalho, da utilização atual da técnica, da dimensão dos centros de produção, do abismo
cidade-campo.
O tipo de produtos, de instrumentos de trabalho ou de relações socias de
produção determinam um modelo de sociedade. A tecnologia moderna construi-se sobre
estas bases altamente suspeitas. Fundamenta-se na suposição de que o meio ambiente
em que atua a tecnologia permite uma análise e manipulação completas. E encontramos
aí a suposição implícita de que os sujeitos humanos podem ser tratados como objetos e
que não teriam nenhum desejo ou objetivo básico contrário às supostas necessidades
objetivas.
O capitalismo, com uma típica falta de consideração pelos efeitos secundários e
consequências da atividade tecnológica, descobriu que esta filosofia parcial oferecia um
meio adequado de exploração do homem e da natureza. A exploração do trabalhador foi
apenas uma faceta de um processo de exploração muito mais amplo, baseado na
utilização do mundo inteiro e dos seus recursos.

A Tecnologia Não é Neutra


A acrescentar aos anteriores pressupostos, parte-se habitualmente do princípio
que a ciência e a técnica são algo neutro, bom em abstrato, já que correspondem à
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evolução da capacidade do Homem para compreender o mundo e atuar sobre ele. Em
consequência disto aceita-se que certas utilizações de técnica são más – bombas
atómicas, armas químicas ou biológicas – mas nunca a ciência e a técnica que as tornam
possíveis. No entanto, a realidade é muito diferente.
As classes dominantes e o sistema que as perpetuam, neste caso, o capitalismo,
não só fazem um uso seletivo da ciência e da técnica, de acordo com os seus fins, como
ainda orientam a sua investigação e a sua aplicação nesses mesmo sentido. Deste modo,
historicamente, desenvolveram-se mais umas ciências, ou partes delas, que outras, de
acordo com os interesse dos sucessivos blocos dominantes.
Não é, pois, a tecnologia que impõe um modelo de organização do trabalho, são
as necessidades de acumulação que impõem essa organização e vão dirigindo o
progresso tecnológico no sentido da sua consolidação. Um sistema de produção muito
mais descentralizado poderia conduzir a uma tecnologia diversa, mas não
necessariamente menos eficaz, com a vantagem de ser menos poluente, mais adequada
às necessidades regionais e locais.
A justificação da inevitabilidade da opção nuclear assentou sobre a dupla base
de crescente necessidade de consumo de energia e da crise provocada pelo aumento do
custo e previsto esgotamento do petróleo. Não oferece dificuldade demonstrar que a
explicação é pelo menos falaciosa. O crescente consumo de energia, pelo menos ao
ritmo que se prevê, é consequência do próprio sistema que esbanja massivamente
energia e favorece técnicas – que não são as únicas possíveis – baseadas num elevado
consumo energético.
Uma alteração de modelo, alteraria profundamente estas interessadas previsões.
As grandes decisões quanto ao modelo de produção e de vida que nos estão a fabricar os
detentores do poder nas diversas esferas são determinadas pelos interesses das classes
dominantes.
Faz-se dogma da absurda ideia que é economicamente positivo tudo aquilo que
produz um lucro quantitativo, deixando de lado todo o qualitativo, que é considerado
como extraeconómico. Deste modo, tende-se para uma identificação entre crescimento e
desenvolvimento, traduzidos ambos num permanente aumento do PNB, no qual se
confundem atividades úteis e inúteis e se escamoteiam os desequilíbrios entre regiões.

A Ciência Económica, Ideologia Conservadora


Neste sentido, um acidente de automóvel, para citar um exemplo, ajuda a crescer
o PNB, já que contribui para uma maior utilização de bens e serviços – gruas, oficinas
de reparação, etc – e é, portanto, um sinal positivo de progresso. No entanto, este modo
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bizarro de abordar a realidade é-nos apresentado como uma explicação universal da
realidade social.
Se a esta situação acrescentarmos o facto de que toda a solução, para além de
deixar de lado aspetos tão fundamentais como a qualidade de vida ou o meio ambiente,
é procurada a curto prazo, já que depois, não estaremos cá para ver, teremos uma ideia
das razões que podem levar, perante o esgotamento de certas matérias-primas, ao
incremento da sua exploração, ou perante alienação e frustração crescente dos
trabalhadores na realização do seu trabalho, ao acentuar de formas de organização de
produção crescentemente desumanizadas.
A ciência económica é, pois, uma peça relevante para a conservação do sistema
e é logicamente, incapaz de fazer frente aos problemas de fundo que podem derivar da
análise ecológica. Só uma delimitação clara do campo da ciência económica que
contribua para explicações parciais dos fenómenos num âmbito pluridisciplinar, poderia
tirá-la do impasse atual e, fazer dela um instrumento válido na resolução da atual crise
de civilização.

Ecologia, Sociedade e Política


O processo de industrialização e urbanização cria necessariamente um modelo
de sociedade não só incompatível com a resolução dos graves problemas ecológicos,
como com um modo de vida minimamente agradável para a maioria dos humanos.
Se, como vimos, o modelo económico vigente não procura satisfazer do melhor
modo as necessidades humanas, mas produzir e obrigar a consumir aquilo que resulta
mais rentável para os detentores dos meios de produção, é lógico que estes, através dos
seus próprios meios e utilizando o aparelho estatal, imponham um modelo tecnológico e
uma organização do território e da sociedade congruentes com os seus fins.
A indústria mastodôntica, condenada a produzir cada vez mais, é precisamente a
que leva ao desperdício de matérias-primas, de trabalho, de saúde, satisfazendo
necessidades reais apenas em escassas proporções, e se transforma assim num dos
pilares da atual economia que podemos considerar como contraprodutiva, na medida em
que é consumidora de grande parte dos seus próprios produtos e destruidora do meio
natural.
Às nefastas condições de trabalho nas empresas – ruídos, poluição térmica ou
por resíduos, tédio, monotonia – onde a maioria da população ocupa a maior parte do
tempo que não passa a comer, a dormir, ou deslocando-se entre o emprego e a
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residência, para produzir coisas que nem consome nem lhe interessam , devemos
acrescentar as igualmente nefastas condições de vida a que obriga o atual modelo de
produção.
As empresas gigantes e as aglomerações industriais implicam concentrações
inevitáveis da população, às quais se acrescentam as provocadas pelas necessidades de
serviços de todo o tipo e, portanto, o êxodo da população do campo e o desaparecimento
das comunidades rurais.
Para isto contribui igualmente a industrialização da agricultura e a dependência
do campo em relação à cidade, que levam a que este surja, em muitos casos, como um
subproduto das necessidades urbanas, e perca a sua entidade autónoma.
Às antigas sociedades rurais, de pequeno tamanho, de enorme densidade de
relações humanas diretas, de tecnologia simples e divisão social e técnica de trabalho
relativamente simples, sucede a sociedade urbana com todos os seus problemas, que
ultrapassam claramente os benefícios que oferecem aos seus habitantes.
As grandes cidades criam um ambiente artificial cheio de fumos e ruídos,
criando um clima próprio em que a vida se desenvolve no meio de grande tensão. A
escassez de zonas verdes e a dedicação quase exclusiva das ruas ao trânsito sobre rodas,
aliadas ao cansaço, à falta de tempo livre, à televisão e ao fim de semana de fuga da
cidade em minigrupos familiares, levam a relações sociais escassas e pobres, como a
consequente redução às relações de necessidades, institucionalizadas e ao
individualismo mais lamentável, que elimina as relações de ajuda mútua e amizade.
Se tivermos em conta que o Homem passa a depender de instituições estatais e
paraestatais para trabalhar, consumir, educar-se, defender-se das doenças. E, que esta
institucionalização das relações que o leva a aceitar, cada vez mais facilmente, que
outros decidam em seu nome, encontramo-nos com todos os ingredientes que formam
uma sociedade totalitária, embora formalmente se proclame todo o respeito pelas
liberdades e instituições democráticas.
A dissolução da sociedade civil pela omnipresença do Estado transforma-se
assim numa das mais graves consequências socias do industrialismo produtivista.
A todo o processo de urbanização e burocratização da vida, corresponde uma
utilização igualmente alienante e destrutiva do resto do território. As zonas rurais
passam a ser abastecedoras de produtos para as cidades, com a consequente
subordinação dos seus habitantes a interesses externos. Aquelas zonas não utilizadas
para a agricultura, destinam-se ao espraiamento dos habitantes das cidades,
particularmente as suas camadas médias e superiores.

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Assistimos assim, á transformação dos restantes espaços naturais do território
em coutadas, zonas destinadas a desportos de alta montanha, deterioradas costas
urbanizadas para tomar absurdamente banhos de sol e de mar durante umas quantas
semanas ao ano.
Tudo isto nos leva a um novo problema: a diferente incidência das diversas
classes sociais na deterioração da vida e do ambiente. Como é evidente, não são os
trabalhadores das grandes metrópoles ocidentais que compram iates, casas em
urbanizações de fim de semana ou que utilizam o Concorde para atravessar um pouco
mais depressa o Atlântico. São os ricos dos países ricos, nos quais podemos incluir
setores das classes médias, que contribuem para uma maior degradação do ambiente ao
mesmo tempo que fomentam o sistema urbano-industrial e a exploração do Terceiro
Mundo.
Para consegui-lo criam Estados para além do Estado, organizam a rapina
sistemática através das tristemente célebres multinacionais e uniformizam, para
controlá-los melhor, os modelos de desenvolvimento e de vida nas diversas zonas do
Planeta.
A exploração selvagem de matérias-primas, o monocultivo para exportação, a
implantação das indústrias mais poluentes e esbanjadoras de recursos, provocam a
miséria no Terceiro Mundo e, simultaneamente, permitem e até determinam a
possibilidade de sobrevivência do sistema nas zonas mais desenvolvidas.
Quando alguns ideólogos do sistema, ou ambientalistas de boa vontade mas
pouco esclarecidos, nos dizem que todos somos responsáveis pela deterioração que
estamos a provocar, não devemos esquecer que a exploração e o totalitarismo são
exercidos no interesse de minorias e, que o essencial da nossa luta deve ir contra estas,
não só em declarações grandiloquentes de princípios, mas infletindo nesses sentido
todas as pequenas e grandes lutas por objetivos a curto e médio prazo.
Assim, a luta contra uma autoestrada ou uma central nuclear, ou contra a
destruição de um bairro, podem ganhar relevo, mas também as lutas pela defesa de uma
espécie, um lago ou qualquer espaço natural devem ser orientadas no sentido de se
evitar a sua rentabilização capitalista, estabelecendo modelos alternativos de gestão do
meio pelos interessados, ou mantendo uma zona pela sua utilidade ecológica , sem
cuidar do lucro material direto suposto no caso de ser utilizada de uma ou de outra
forma.

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O desenvolvimento industrial ao superar certos limites e, independentemente do
modelo, fecha-se em si mesmo e produz aquilo que a sua própria lógica de
desenvolvimento determina e não o necessário ao bem-estar.
A necessidade de uma mudança na lógica do crescimento baseada na relação de
“mais” e “melhor”, e necessidade de uma reapropriação coletiva das ferramentas, das
técnicas e das tecnologias: são estas as condições fundamentais de uma mudança de
sociedade que tenha na devida conta a ecologia e permita a criatividade de todos nós.

Duas Alternativas: Autogestão ou Tecnofascismo


A luta inspirada pela ecologia pode criar dificuldades ao atual modelo
capitalista, mas chegará um momento em que as imposições ecológicas serão tão
evidentes – pelo menos no aspeto da escassez de recursos, excesso de população e
poluição – que o capitalismo procurará integrá-las num novo modelo que lhe permita
subsistir.
Para ir mais além torna-se indispensável interrogarmo-nos não só sobre contra
quem lutamos, mas também sobre aquilo por que lutamos. A luta exclusivamente
centrada em problemas como a poluição ou a escassez, é recuperável com subida de
preços, aumento de desigualdades, redução de certo tipo de produtos ou concentração
do poder económico. O facto de se ter em consideração os dados mais salientes da
ecologia política não implica a recusa do autoritarismo ou da tecnocracia, podendo até
levar ao seu reforço.
Em consequência, a luta reformista baseada na ecologia, não enquadrada numa
alternativa social revolucionária, pode servir mais para apoiar o sistema do que para
superá-lo.
A vanguarda patronal mundial começou a assentar as bases para uma nova
proposta ordenada das suas formas de domínio. Neste sentido, a sua análise passa a
considerar o facto de que a combinação habitual dos fatores de produção, para obter o
máximo lucro possível, começa a falhar.
O excesso de concentração da produção, com as consequentes aglomerações
humanas e poluição ambiental obrigam a reproduzir, por depuração artificial, as
condições e os recursos, até então gratuitos ou quase gratuitos, para evitar o bloqueio de
tal produção. Isto implica, como é lógico, um aumento no investimento de capital e nos
custos de produção.

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Como consequência, aumentarão os preços, ir-se-á reduzindo o consumo e,
portanto, aumentará a diferença entre aqueles que podem pagar esses bens de luxo e a
grande maioria que se verá cada vez mais afastada deles.
Simultaneamente, os grupos mais fortes aproveitarão as limitações que impõe a
ecologia para eliminar os mais fracos e monopolizar ainda mais a produção.
Esta saída da crise, contraria o modelo tradicional da produção, implica uma
eliminação da competência e evita a supressão daqueles que não participem no aumento
constante da produção com base nas contínuas inovações tecnológicas.
Para isto não basta, dentro do capitalismo, mas são necessários, paralelamente,
acordos com os grandes de cada ramo de produção e/ou a sua imposição através da
planificação coativa estatal. O resultado será o aumento do controlo tecnocrático sobre a
sociedade, a programação crescente da vida e a utilização massiva da repressão para
assegurar o seu cumprimento.
Nestas novas condições, só em parte se poria a questão sobre que produzir, já
que o consumo de certos bens – viagens rápidas, automóveis de luxo, casas de férias –
que os grupos privilegiados continuariam a reclamar, implicaria um modelo similar ao
atual, só que de expansão reduzida, enquanto o resto da produção incidiria mais
diretamente em certos tópicos da qualidade de vida, que passaria a ser nova base de
acumulação.
Tudo isto obriga, como primeiro passo, uma nova divisão internacional do
trabalho. O conteúdo essencial desta redistribuição mundial da produção, consiste
exportar para países em desenvolvimento as indústrias que utilizam maior quantidade de
energia, matérias-primas e mão de obra. Deste modo, utilizar-se-iam recursos destes
países, reduzindo a poluição nos países desenvolvidos. Em contrapartida, nestes
últimos, podem-se desenvolver indústrias mais intelectuais: nuclear, informática,
investigação.
Esta fase que atravessam, será apenas a preparação de outra superior em que, na
sequência do controlo total económico por parte das empresas, poderá passar-se a
planificar a produção total. Nesse momento, face ao esgotamento de grande número de
recursos, passaremos a uma crescente reciclagem, e ao investimento em novas
indústrias – medicina, sexo, educação, cultura – que têm vindo a aumentar de peso.
Como consequências chegaremos a breve prazo a pagar o Sol, a praia ou o
desfrutar de uma paisagem. O controlo tecnocrático da vida seria desta forma uma saída
que preservaria um certo equilíbrio ecológico, mas à custa do próprio prazer de viver.

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O equilíbrio ecológico só é possível e socialmente útil se permite à vida
espalhar-se em toda a sua riqueza e não se encerrando num cárcere planetário. Neste
sentido, se as opções de sociedade nos são impostas pela utilização seletiva de técnicas
decididas pelo poder, é necessário lutar contra elas. “Sem uma luta por tecnologias
diferentes, será vã a luta por uma sociedade diferente”, segundo Michel Bosquet.

Ecologia e Revolução: Uma Alternativa ao Atual Modelo de Sociedade


Ao longo dos anos da luta do movimento ecologista, a experiência acumulada
permitiu concluir que a mera luta por reformas em torno do meio ambiente poderia levar
simplesmente a repor parcialmente as formas de atuação do sistema, com o risco de
empurrar-nos para uma sociedade tecno fascista. Uma vez que as lutas parciais se
uniram a lutas globais foi-se tornando mais claro a meta de propor alternativas ao
sistema e não apenas críticas e paliativos.

Produzir o Necessário para a Maioria Limitando o Desperdício


A miséria de uns e o luxo de outros provêm da lógica de uma sociedade baseada
na produção para obter lucros acumuláveis pelas classes dominantes minoritárias.
O aumento da produção dentro deste sistema não levará a igualar o consumo de
todos os seres humanos, como pretendem fazer crer certos defensores do sistema, ao
nível da opulência dos países desenvolvidos – onde por outro lado, também há muita
miséria – mas a um aumento do consumo de luxo das camadas médias e altas dos países
desenvolvidos e à fome crónica de quantidades crescentes de habitantes dos países em
desenvolvimento, assim como ao subsequente esbanjar de recursos.
Pelo contrário, uma produção dirigida massivamente a abastecer as populações
de alimentos, roupas, casa, meios de transporte, bens culturais, permitiria uma redução
drástica dos desequilíbrios e a abolição da miséria, sem por isso aumentar a produção no
aspeto de maior consumo absoluto de energia, matérias-primas.
Esta conclusão não é nada gratuita e pode basear-.se em factos facilmente
comprováveis. Ao passo que em alguns países desenvolvidos o consumo de carne, de
peixe e marisco, de ovos e de leite, chega a ser excessivo para uma alimentação
saudável, a maioria dos habitantes dos restantes países sofre de carências alimentares
alarmantes. No entanto, quase 40% do peixe extraído do mar destina-se a elaborar
farinhas para gado destinado ao consumo dos privilegiados. Também uma parte
substancial da produção de cereais destina-se ao consumo animal ou então destrói-se
para estabilizar os preços no mercado.

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Um consumo baseado nos cereais, verduras e peixe, sem por isso excluir
totalmente a carne, unido a uma orientação regionalizada de produção para satisfazer,
em primeiro lugar, as necessidades locais, permitiria um nível aceitável de consumo
para a população, com menor dano para os ciclos naturais e, portanto, para as
possibilidades de produção de alimentos no futuro.
Algo semelhante se poderia propor quanto aos produtos industriais. Em lugar da
produção acelerada de produtos, cada vez mais sofisticados e de menor duração, que
cobrem funções necessariamente limitadas, com um grande esbanjamento de recursos e
de energia e com um elevado índice de poluição, tanto no seu processo de fabricação
como de utilização, bastaria produzir um número limitado de modelos-padrão,
resistentes largos anos de uso, que cobrissem necessidades de maior número de pessoas,
utilizando menos quantidade de matérias-primas, como menor consumo energético e
menor poluição.
Se acrescentássemos a isto a sistemática reciclagem de detritos e a redução ao
máximo da utilização dos bens mais dificilmente renováveis, encontrar-nos-íamos no
limiar de formas de produção ecologicamente aceitáveis e simultaneamente libertadoras
em relação ao Homem e ao meio ambiente.
Nem faltam exemplos neste sentido. Consideremos o caso dos transportes. A
utilização massiva de automóveis provocou um consumo de metais, plásticos, vidro,
cada vez mais elevado. Não obstante, em vez de se resolver agrava-se o problema das
deslocações: aumento do consumo de petróleo, necessidade de estradas.
Os grupos privilegiados passam logicamente a utilizar outros meios, em especial
o avião, que agrava ainda mais consumo energético – na sua produção e consumo –
assim como, o esgotamento de recursos dificilmente renováveis. Se em lugar destes
meios de transporte se privilegiassem os públicos (comboio, elétrico, metropolitano)
assim como as bicicletas para deslocações curtas, poder-se-ia reconverter as empresas
do automóvel noutras de menor consumo energético, reduzir o consumo de petróleo e a
poluição que provoca a sua utilização e as cidades poderiam readaptar-se favorecendo
uma escala mais humana e habitável.
Para conseguir um consumo aceitável e mais justo não é necessário, nem
possível, incrementar a produção, mas estabelecê-la em novos moldes, partindo da
limitação de certos recursos e das necessidades fundamentais das populações. As
mudanças do aparelho produtivo não só levariam a uma melhor satisfação das
necessidades da maioria como levariam a uma clara redução do consumo energético e
de recursos não renováveis em geral.

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Energias Suaves e Mudança Tecnológica
A alternativa é, pois, e sobretudo nos países de desenvolvimento médio, a
utilização de energias suaves e, paralelamente, das tradicionais naqueles setores onde
por ora sejam imprescindíveis, assim como o desenvolvimento da agricultura e de
indústrias baseadas nos seus próprios recursos e formas culturais.

Para Uma Sociedade Inserida Harmoniosamente na Natureza


A preservação do meio ambiente não pode fazer-se simplesmente para melhorar
as condições de vida do Homem, mas também para permitir às restantes espécies
desenvolverem-se e contribuir para a sobrevivência de diversos ecossistemas do
Planeta.
Contestar a ideia da necessidade de uma luta de morte entre Homem e natureza é
o ponto de partida e, portanto, uma alternativa de sociedade para simultaneamente
cooperar na sua reprodução contínua, é a única possibilidade de acabar com a
exploração (da natureza pelo Homem e do Homem pelo Homem) e com a injustiça.
A fé na humanidade como a única espécie da Terra com capacidade para venerar
a vida. Dada a extraordinária dádiva da Humanidade. Os absurdos lógicos afastam a
comunidade humana do que penso serem utópicos razoáveis.
Já ouvira industriais a argumentarem que não podiam dar-se ao luxo de terem
dispositivos caros para a eliminação dos lixos tóxicos – o que era uma declaração
superficialmente lógica, mas nem por isso menos absurda, a sugerir que podemos
melhorar a economia se lançarmos venenos mortíferos nos nossos rios, lagos e solos. E
porque não poupar à comunidade os custos pesados de reparação dos danos provocados,
baixando os preços dos produtos em questão, de modo a pagar a eliminação adequada
dos lixos que as fábricas geram? Seria razoável, mas utópico.
Pensando noutros problemas sociais e ambientais com que já me confrontara e a
lista torna-se mais comprida.
O absurdo lógico dos pescadores que reagem à diminuição das populações
piscícolas duplicando os seus esforços para aumentar o volume do que já pescara, dando
assim cabo dos recursos existentes e passando das perdas de um ano para bancarrota do
ano seguinte.
O absurdo lógico de aceitarmos que devemos pôr em prática em toda e qualquer
descoberta científica que façamos; de pensarmos que o progresso requer a subordinação
dos interesses humanos às novas tecnologias e não o uso das novas tecnologias a favor
dos interesses humanos.

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O absurdo lógico de tentar incentivar a economia através da institucionalização
do mercado de grande consumo, tornando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.
A procura de caminhos para manter a Terra sã e salva é uma necessidade tão
grande. Afinal, o caminho para o paraíso (como reza o provérbio espanhol) é o próprio
paraíso.

Riscos públicos
Os seres humanos aceitam os riscos inerentes ao progresso da comunidade.
Ninguém pode negar que devemos aceitar certos riscos justificados para podermos
construir uma civilização dinâmica. Mas, ao longo da História, os seres humanos têm-se
esforçado ao máximo para criar uma sociedade não dinâmica, mas orientada pelos
ideais democráticos.
A liberdade, a fraternidade, a livre possibilidade de fazer escolhas pessoais e o
direito à informação total – são estes os valores postos em causa quando os responsáveis
do Estado levam as pessoas, em geral, a aceitar certos riscos sem uma cuidadosa
avaliação prévia e, muitas vezes, sem que as pessoas saibam sequer que esses riscos
existam.
As autoridades erram na sugestão de que há algum tipo de ligação entre riscos
que correm as pessoas corajosas, a favor da comunidade humana e os riscos que não são
razoáveis e que as técnicas impõe à comunidade.
Os excessivos riscos públicos não são assumidos com o fim de alcançar o
objetivo final de civilização – que é a preservação e a promoção do carácter sagrado da
vida humana. Economizar, na segurança das centrais nucleares, ou negligenciar os
perigos para a saúde que existem em certos produtos químicos lucrativos, são situações
de riscos que não mostram nenhum respeito pela vida humana, mas sim indiferença.
Não têm em vista objetivos humanitários altruístas, mas o simples lucro. Impostos por
quem colhe os benefícios de curto prazo, estes riscos recaem sobre os cidadãos que, a
longo prazo, suportarão os seus custos.
Os excessivos riscos públicos não são aceites por voluntários. É demasiado
frequente que esses riscos sejam escondidos do público, negados pelos governos e
indústrias que, de modo ilógico, invocam o interesse nacional como justificativa para
comprometer os interesses humanos.
Os excessivos riscos públicos não são empreendimentos cuidadosamente
planeados, em que todos os perigos previsíveis tenham sido meticulosamente

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identificados e sistematicamente evitados. Todos aqueles que planificam cada pormenor
de uma missão, conhecem o preço do risco.
É certo que os desafios que temos enfrentado, à medida que que percorremos o
caminho da tecnologia, têm sido assustadores: avaliar a segurança de novos bens e
serviços sem subestimar o perigo que podem representar para a sociedade, nem negar
desnecessariamente um progresso benéfico. Não é tarefa fácil.
Os tecnocratas estão a transformar-se em verdadeiros temerários. As jogadas
perigosas que nos obrigam a fazer põem, frequentemente, em causa a nossa segurança,
trocando-a por objetivos que não só fazem progredir a causa humana, como a traem. Ao
apostarem a nossa vida nos seus esquemas, os decisores não estão a cumprir o mandato
que uma sociedade democrática lhes confere; estão a traí-lo. Não estão a enobrecer-nos,
mas sim a transformarem-nos em vítimas.
E, ao aceitar os riscos que têm provocado danos irreversíveis no ambiente, nós
não estamos só a perder os nossos direitos de cidadãos; estamos sim a transformar em
vítimas os mais vulneráveis de todos aqueles não voluntários: as crianças do futuro, que
estão indefesas e que não têm voz nem voto.
Se a deficiente gestão dos riscos fosse apenas da responsabilidade dos políticos
corruptos e dos técnicos perversos, a história seria mais melodramática e o problema
seria mais simples de resolver. Mas, em vez disso, os erros que se cometem na gestão de
riscos advêm do facto de que, à medida que a tecnologia avança, estamos a perder de
vista a sua finalidade.
A gestão de riscos nasceu de uma boa ideia. Para resolver os dilemas morais que
os novos produtos suscitam, os peritos analisariam as inovações tecnológicas,
calculando a gravidade dos seus possíveis efeitos perigosos e o alcance dos seus
benefícios, para habilitar, com informações sólidas, os decisores que aceitam os riscos
em nome do Planeta.
A intenção é admirável, mas a premissa sobre a qual assenta está cheia de
imperfeições fatais. Os cálculos só são sólidos se os números que lhes servem de base
também o forem. As análises da relação risco-benefício, baseadas em suposições não
fundamentadas e em estatísticas discutíveis – prevendo o que não é quantificável –
nunca poderão habilitar os decisores com informações consistentes.
O primeiro erro envolve a suposição básica que lhes serve de fundamento para
todas as suas conclusões posteriores: que os benefícios e os custos das suas equações
podem ser representados tão unidimensional como uma estatística. Têm lidado com este
desafio como se ele não existisse. Ao avaliarem os benefícios de um dado risco,

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excluem, simplesmente, os ganhos educacionais, ambientais, filosóficos ou caritativos.
Os lucros das empresas são quantificáveis; por isso, o lucro torna-se o único benefício
que, literalmente, conta. E, o que é pior, a perda está, por rotina, associada ao dinheiro.
Consideremos um único feito científico: alguns investigadores tentaram replicar
os componentes dos mares primitivos num caldo de laboratório. Depois, expuseram a
mistura a cargas elétricas, tentando reproduzir os efeitos dos relâmpagos na Terra
recém-nascida. O resultado foi que apareceu ácido úrico no recipiente do laboratório.
Este feito suscitou surpresa em todo o mundo.
O milagre da vida continua tão distante da nossa compreensão que mesmo a
produção de ácido úrico em laboratório – um produto que é um resíduo de vida – é
motivo para celebrações. À vida não pode ser atribuído um valor monetário porque,
muito simplesmente, a vida está para além da noção do valor.
No entanto, a síndrome do Bezerro de Ouro – a atribuição de grande valor ao
metal e de nenhum valor à vida – continua a existir na gestão de riscos, contaminando
não apenas uma teoria, mas também a prática. O registo é incontestável. Vezes sem
conta, os valores de mercado ditaram decisões que se sobrepõem aos valores humanos.
Por exemplo, em meados dos anos 80, quando a Alemanha Ocidental, com as
suas florestas devastadas pelas chuvas ácidas, propôs uma data para limitar a emissão de
gases dos escapes de automóveis, os países vizinhos denunciaram irritadamente a ideia
e conseguiram, com êxito, adiar a data-limite. Ninguém contestou que a chuva ácida
reduz as colheitas de produtos alimentares, precipita a libertação de metais pesados
perigosos para os lençóis freáticos e ameaça centenas de milhares de aldeias dos Alpes
devido às avalanches que as árvores enfraquecidas já não conseguem suster. Em vez
disso, a Itália, a França e a Grã-Bretanha protestaram, argumentando que o custo da
instalação dos conversores catalíticos necessários para o efeito reduziria a venda de
automóveis. A decisão de protelar a proteção da qualidade do ar da Europa e da
qualidade de vida europeia foi tomada para favorecer a indústria automóvel europeia.
Uma outra prática que torna inválida a avaliação do risco envolve o truque usado
pelos avaliadores para transformar os seus cálculos, manipulando os números no sentido
da conclusão pretendida, mantendo um fundo de verdade. Fazer malabarismos com os
números distorce, obviamente, o objetivo da avaliação do risco; a maneira amoral com
que os números são baralhados distorce também o ideal da democracia. O mais
espantoso vazio ético envolve o uso do desconto.
A fundamentação suporta com dificuldade a grandiosa convicção dos gestores
de risco de que a Humanidade deve correr riscos para melhorar a condição humana.

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Eles não procuram os critérios mais elevados de segurança que o engenho humano pode
conceber, mas sim os mais baixos que os seres humanos possam suportar.
A indústria utiliza vulgarmente dezenas de milhares de produtos químicos;
poucas pessoas se dão conta de que só uma percentagem estimada de vinte por cento
dos produtos utlizados no dia a dia foram testados para se apurar quais os efeitos que
podem ter na saúde. Sem que haja qualquer ideia sobre os efeitos individuais de
milhares de produtos químicos, como pode alguém prever as consequências de quando
eles se misturam em combinações ilimitadas que se espalham pelo ar e pela água, para
onde os vaporizamos, onde os derramamos e quando os pomos no lixo? Já há
comunidades que não têm dinheiro (nem os conhecimentos para os remediar) para pagar
as consequências dos lixos tóxicos e dos derrames radioativos provenientes de acidentes
a que os agentes do Estado prestaram pouca atenção.
O futuro deles é o nosso presente; e quem foram esses funcionários cuja única
preocupação, em matéria de perigo, era a de que eles não seriam afetados, ainda que nós
o pudéssemos ser? Preocupamo-nos assim tão pouco com os nossos filhos que
possamos desvalorizar os custos desconhecidos que virão sofrer, num futuro
inimaginável, as tecnologias que não foram testadas?
Pode argumentar-se que mesmo os números incertos poderiam projetar, pelo
menos, uma luz indicativa sobre as trevas que estão diante de nós. Seria verdade – mas
só se os decisores apresentassem com honestidade as suas projeções de segurança e de
riscos, mesmo de uma forma ambígua, o que, aliás, seria preferível a serem
apresentadas com certezas absolutas. Mas, em vez disso, as autoridades acenam com as
estimativas como se fossem verdades incontestáveis, anunciando urbi et orbi que as
tecnologias são inquestionavelmente seguras. Os que fazem a política marcham sempre
em frente, sem vacilar, ignorando os eixos do passado e emitindo garantias inequívocas
para o futuro.
As passadas décadas de relatórios não têm sido tranquilizadoras; os governos do
povo, para o povo e pelo povo têm, repetidamente, negado ao povo as informações
quando elas se tornam mais necessárias. O cidadão não tem participado, como
voluntário bem informado, nos riscos da comunidade e não tem tido a oportunidade de
aceitar ou de recusar o perigo porque, frequentemente, não faz ideia do que está, de
facto, em perigo.
Os efeitos desta estratégia, que se destina a manter as pessoas na ignorância dos
perigos que as cercam, foram previstos há muito tempo, na altura em que as
democracias ocidentais foram primeiro concebidas, construídas e apuradas. “Um

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governo do povo sem que o povo esteja informado ou tenha os meios para adquirir a
informação”, escreveu James Madison, “não é senão o prólogo de uma farsa ou de uma
tragédia, ou talvez ambas.”. Tristemente, muitos decisores de todo o mundo comprovam
a afirmação de Madison pelas formas trágicas e grotescas como têm imposto as suas
vontades.
No letreiro colocado na entrada da Feira Mundial de Chicago, em 1933, que teve
como tema “Um século de progresso”, lia-se “A ciência descobre. A tecnologia aplica.
O homem adapta-se.” É este o progresso que queremos comprar, com a moeda do risco
natural? A submissão e a resignação são os objetivos pelos quais devemos pôr em risco
a vida humana, animal e vegetal?

O Ar e Água, Elementos Insubstituíveis


Os empresários continuam a protestar contra os regulamentos antipoluição que
perturbam a economia, mesmo quando os relatos demonstram que os poluidores pilham
os cofres públicos quando se põem em fuga com receitas brutas, deixando os custos a
cargo da comunidade, que pagam as limpezas em grande escala, das agriculturas, que as
pagam com as colheitas que ficam arruinadas.
Apesar disso, as indústrias continuam a libertar substâncias desconhecidas,
fazendo ensaios para identificar os perigos, mas só depois de nos terem exposto a eles,
em vez de ensaiarem primeiro essas substâncias, de modo a garantirem a nossa
segurança.
As cidades continuam a resolver os seus problemas através da transferência dos
seus venenos para outras cidades, ao sabor dos ventos, das marés e das correntes.
Estou cansada de perguntas sobre a poluição. A verdade é que estou, de facto,
cansada, e no mais íntimo do meu ser. As perguntas que ouço fazer ainda se concentram
apenas nas relativas desvantagens de uma Terra aviltada – em vez de se concentrarem
no milagre, sem paralelo, de uma Terra que não o esteja.
Por que devemos nós proteger o ambiente? A questão mais intrigante de todas
refere-se à ideia de que a nossa espécie tem de que não está em condições de fazer
perguntas. Sendo nós umas simples crianças no Universo, sem o sentido do infinito,
sem noção do tempo e do espaço, nós, os seres humanos, ainda temos de compreender a
enormidade do que estamos a fazer: num segundo geológico, estamos a deslindar
complexidades cuja criação demorou uma eternidade.
Que marcos históricos podemos nós usar para medir a escala do tempo? As
primeiras histórias, escritas pelos gregos, que datam de há dois mil e quinhentos anos?
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A primeira vez em que os seres humanos tiveram êxito, quando plantaram e colheram
produtos alimentares, há oito mil anos? Estes períodos de tempo são irrisórios, no
majestoso movimento de eternidades que conduziu ao aparecimento da vida.
Seja o que for aquilo em que o indivíduo acredita – que o Princípio foi
orquestrado por Deus ou desencadeado por forças cegas – a cadeia exata de
acontecimento cósmicos que definiram a nossa origem está para lá da capacidade
humana de estabelecer datas e de fazer descobertas.
As nossas discrições desse momento estão todas baseadas na suposição, na
inspiração e no sonho.
Enquanto nós registamos a nossa história escrita em períodos de milhares de
anos, a história da vida é registada em períodos de milhões de anos, tendo talvez início
há quinze biliões de anos, quando o Universo não era mais do que hidrogénio. Os
átomos chocaram uns com os outros e começou a alquimia, com o hidrogénio a dar
origem ao hélio, as forças nucleares a incidirem as estrelas, o hélio a arder e a
transformar-se em carbono e noutros elementos; as estrelas a explodirem, lançando as
suas riquezas para outros corpos astrais, cujas chamas forjaram ainda outros elementos,
até uma estrela se transformar no nosso Sol e os grãos de rocha que a rodeavam se
terem difundido para formar os nossos planetas. E, finalmente, apareceu o nosso
Sistema Solar – talvez depois de dez biliões de anos de cataclismos cósmicos.
No interior do coágulo nu de matéria que se tornaria a Terra, a rocha começou a
derreter; as massas derretidas irromperam através de vulcões, que expeliram os gases
estelares que estavam aprisionados dentro deles. Nessa espessa atmosfera inicial, os
gases condensaram-se e formaram o dilúvio. A água encharcou planeta, arrancou
minerais da crosta planetária e arrastou-os para as zonas mais profundas. Aí, nos proto
oceanos quentes, as moléculas interagiram entre si, até formarem uma cadeia molecular
inédita com o poder de arrancar ao mar, onde nascera, os elementos vitais que lhes
permitiriam reproduzir-se. Feita da mesma matéria das estrelas, concebida pela
atmosfera e pelos oceanos, a vida terá surgido cerca de um bilião de anos antes da
própria Terra ter tomado a sua forma definitiva.
Durante talvez mais dois biliões de anos, as bactérias e as simples células das
algas reinaram no fundo do mar, na sua qualidade de única forma de vida na Terra,
protegida que estava dos raios ultravioletas que irrompiam pelos céus desprovidos de
oxigénio. A fotossíntese deu origem ao oxigénio; as células desenvolveram, lentamente,
os mecanismos de que necessitavam para se protegerem contra este gás comburente, tal

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como o material genético necessário para aproveitar esses poderes comburentes e torna-
los seus.
Foi só há seiscentos milhões de anos atrás que criaturas simples deram,
finalmente, origem a uma descendência complexa: corais e estrelas do mar com
esqueletos externos, peixes com espinhas no interior do corpo, anfíbios e répteis. Só há
cerca de trezentos e oitenta e cinco milhões de anos é que os seres vertebrados se
começaram a movimentar em direção à terra. Os pequenos mamíferos começaram a
correr pelo meio dos dinossauros há mais de duzentos milhões de anos. As plantas
começaram a florir só há cerca de cento e trinta milhões de anos.
E foi só há quatro milhões de anos, neste planeta com mais de mil vezes essa
idade, que apareceu um hominídeo desenvolvido. Há cerca de um milhão e meio de
anos, esse hominídeo pôs-se em pé, pela primeira vez. E, num momento recentíssimo da
Terra, só há cem mil anos, é que o cérebro humano atingiu o tamanho que hoje tem.
Um argumento frequentemente invocado para a proteção da Terra recorre ao
facto do nosso planeta ser o único planeta conhecido em que teve lugar esta sequência
sagrada e de só a Terra parecer capaz de sustentar a vida, tal como a conhecemos.
Mas a motivação para protegermos o nosso planeta transcende a simples
realidade de que estamos aqui e de que o habitamos. Nós fazemos parte da Terra. Nós
somos um produto de tudo o que existiu antes e somos da mesma família de tudo o que
hoje existe.
O nosso corpo é testemunha dos laços que nos unem a este planeta. A nossa
espinal medula não é senão um desenvolvimento do simples tubo nevoso de uma
criatura marinha com a forma de uma enguia, o anfioxo. Cada um dos vinte e oito ossos
da caveira humana é um reflexo de um segmento de osso da cabeça de um peixe
primitivo. Embebidos na nossa carne e nos nossos ossos, transportamos vestígios de
origens ainda mais remotas, que são legados da atmosfera e dos oceanos mais primitivos
– o ferro que existe no nosso sangue, o carbonato de cálcio dos nossos ossos, o mar em
miniatura que existe em cada célula, menos salgado do que o mar de hoje mas
reminiscente de uma época em que alguns peixes em transformação se tornaram répteis
e rastejaram pela terra ainda virgem.
Nós, os seres vivos – mamíferos, anfíbios, répteis e plantas – somos o ar e a água
feitos em carne. Enquanto a composição dos nossos corpos sugere que a atmosfera e os
oceanos foram a origem da vida, o planeta mostra, todos os dias, como o milagre se
prolonga, com a atmosfera e os oceanos a sustentarem a vida.

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O poder destes dois recursos naturais é tanto mais impressionante quanto, por
mais infinitas vezes que aparentam ser as nossas reservas de ar e de água, só uma parte
reduzida destas reservas é que acaba por sustentar a imensa multidão que somos.
Os céus sem fim, os mares sem fundo, os rios em fúria e as tempestades
violentas dão-nos uma perspetiva falsa. Especulei, uma vez, que se o nosso planeta
fosse do tamanho de um ovo, toda a água nele contida não daria para mais do que uma
simples gota, que até seria insuficiente para humedecer a casca desse ovo.
A relativa escassez de ar de que toda a vida tem de depender é ainda mais
perturbadora. Um foguetão espacial só precisa de subir à altitude de 230 mil metros para
alcançar um ponto de vazio absoluto. Que quantidade de ar existe nesses 230 mil metros
de altitude? Se, de alguma maneira, pudéssemos comprimir toda a atmosfera numa
única zona de ar, ao nível da superfície do mar, suficientemente denso para poder ser
respirado, a atmosfera ficaria reduzida a uma altura de sete mil metros.
Se pudéssemos ir mais longe e comprimíssemos a atmosfera para fazer igual à
densidade dos oceanos, veríamos que o planeta oferece trezentas vezes menos ar do que
água.
Como os dois peixes e os cincos pães da bíblia que serviram para alimentar a
multidão, estas reservas limitadas de ar e de água conseguem sustentar a vida na Terra.
Mas como? O mar das Caraíbas responde a esta pergunta de forma eloquente.
Delimitada, em parte, por uma cadeia de ilhas que a rodeia, esta zona de águas
geralmente pobres sustenta poucos organismos vivos. Mas quando se entra nas águas da
zona oriental das Caraíbas, ao largo da Venezuela veem-se baleias de barbatanas e
mantas a alimentarem-se de camadas abundantes de plâncton, grandes peixes a
alimentarem-se de cardumes de sardinhas e tubarões e golfinhos a vaguearem pelas
ilhas de coral de Orquilla e de Los Roques.
Sabendo que o Atlântico se mistura com o mar das Caraíbas, fertilizando-o,
existe um entusiasmo ao fazer um exame científico exaustivo a essas águas. A
salinidade e a temperatura da água que recolhem já a identificam, inequivocamente,
como uma corrente da Antártida! Esta água muito fria e pesada mergulha no continente
polar e viaja, de seguida, ao longo do leito do oceano – talvez durante uma década ou
mesmo durante um século – reunindo a colheita atlântica de detritos orgânicos férteis,
que estão depositados no fundo, até terminar empurrada de novo para a superfície. E a
água gelada do polo alimenta, então, o mar tropical, que está esfomeado.
Este fenómeno das águas da Antártida que circulam pelo Equador fornece a
solução para um dos enigmas da natureza. As reservas de ar e de água são diminutas

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mas são governadas por forças extraordinárias – correntes, afloramentos e ventos, que
mantêm a atmosfera e o oceano num movimento constante – que interagem entre si,
conservando a temperatura da Terra e a alcalinidade e a oxigenação do mar, circulando
incessantemente como se fossem uma corrente sanguínea e a Terra um organismo vivo.
Limitados e frágeis, minúsculos, mas majestosos, o ar e água são os fluídos da
vida. E nós estamos a polui-los. E para uns meros sete mil metros de altura de ar
respirável – o recurso natural que mais rapidamente fica poluído – se medidos a nível da
superfície da Terra, que vomitamos os fumos industriais, dos automóveis e dos aviões,
os pesticidas, os sulfitos e os metais pesados.
Para a gota de água que temos na Terra, atiramos toneladas de esgotos cheios de
ácidos, diluentes voláteis e semivoláteis, combustíveis líquidos, tintas, óleos
parcialmente queimados e hidrocarbonetos halogenados potencialmente tóxicos. No
entanto, as toneladas de venenos despejadas e derramadas no mar só constituem cerca
de 20% da poluição marítima; as fontes terrestres de poluição são responsáveis por
quatro vezes mais poluição do que aquela que vai diretamente para o mar. Dois terços
da chuva ácida caem nos oceanos. A principal poluição do oceano pelo chumbo e pelos
PCB é a poluição atmosférica.
O mar é o esgoto global, o recipiente derradeiro, que acabará por ficar a
abarrotar com a poluição gerada na Terra. Cada vez que a nossa população duplica,
segundo algumas estimativas, a poluição multiplica-se por seis – e tudo vai entrar nos
fluidos da vida, acabando por ficar no mar. Longe da vista e longe do pensamento.
Poucas ilusões coletivas são mais indiciosas do que esta síndrome de Pilatos:
deitem fora o lixo e lavem as mãos. As autoridades continuam, ainda hoje, a justificar e
até a encorajar os despejos nos oceanos, invocando o fator da diluição do mar; no
entanto, continua a ser verdade que os agentes poluidores se concentram na área mais
vital dos oceanos – as zonas pouco fundas das plataformas continentais, que são o berço
da vida marinha.
Muitos dos despejos de resíduos mundiais no mar têm sido rotineiramente feitos
em águas que não são mais fundas do que as do mar Norte, tão pouco fundas que se
muitos dos arranha-céus de Nova Iorque aí fossem colocados, os seus últimos andares
erguer-se-iam bem acima das ondas.
Os fluxos de água do inverno acrescentam tanto lixo tóxico sólido às
plataformas continentais como os esgotos. Os estuários – as águas oceânicas na
embocadura de cada rio, que beneficiam dos nutrientes ricos provenientes do solo –
atraem cardumes de peixes. Estes cardumes, por sua vez, vão alimentar--se com as

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plantas contaminadas pelas toxinas, que as correntes dos rios arrastam para o mar,
provenientes de todos os países por onde vão passando ao longo do seu curso.
Nós não nos limitamos a conspurcar os estuários e as plataformas continentais,
que são o berço subaquático da vida; nós ainda pervertemos o sistema circulatório da
própria vida. A lógica indica que as forças capazes de arrastar a fertilidade da Antártida
para as águas das Caraíbas conseguirão, do mesmo modo, transportar as toxinas para os
cantos mais remotos do mundo.
A Natureza deu-nos marés e correntes que alimentam a Terra com nutrientes;
nós transformámo-las em marés e correntes de toxinas à escala planetária. Em todas as
áreas em que a água está contaminada, também as criaturas que nela se encontram estão
contaminadas; a poluição percorre toda a escala da vida, depois de ser transportada pelo
mar e pela atmosfera por todo o mundo.
O mar devolve-nos o que lhe damos. Se o protegermos, ele protege-nos; se o
tratarmos mal, ele, em troca, trata-nos mal. Seria tolice acreditar que a poluição destrói
apenas os tecidos de todas as outras espécies e não os daquela que o gera.
Foram necessários quinze biliões de anos para que o pó das estrelas desse
origem a um planeta vivo; doze anos para que o mediterrâneo se transformasse da água
que dava energia a um nadador numa água demasiado suja para receber um cadáver.
Para a espécie humana, o tempo andou demasiado devagar e demasiado
depressa. Ao longo do último milhão de anos, os seres humanos só conseguiram
sobreviver quando intensificaram a violência que os caracteriza; os indivíduos
asseguraram a sua posse da vida lutando contra as ameaças de morte vindas da natureza
– os carnívoros, o frio, os relâmpagos, o fogo e as inundações. Só recentemente no
decurso da sua existência, e por mera astúcia, é que os seres humanos conseguiram um
poder capaz de igualar o da Natureza e, até, de o vencer.
Mas a vitória aconteceu cedo de mais. O hábito obriga-nos a intensificar a luta;
mas a razão ainda tem de convencer-nos de que já não enfrentamos outros inimigos, a
não ser nós próprios.
Depois do milhão de anos de aceleração, com que levámos por diante a força
humana, estamos agora incapazes de fazer a necessária inversão de marcha.
Ironicamente, apesar do intelecto que nos separa dos restantes animais vivos da Terra,
arriscamo-nos a não nos diferenciarmos dos animais que perderam a luta contra
extinção.
Os paleontólogos argumentaram que nenhuma espécie desenvolve, de modo
natural, uma estrutura agressiva e que, em vez disso, as espécies que antes tinham

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triunfado acabam por desaparecer, quando já não conseguem adaptar-se depois das
circunstâncias terem mudado.
O ser humano, não apenas o seu maior atributo, mas, também, o defeito que virá
a ser-lhe fatal. Com a atitude de quem é incapaz de se adaptar, o ser humano pode vir a
ser o dinossauro da era cenozoica. O passado da Terra dá-nos grandes lições; o futuro
dá-nos algo para refletir.
Os astrofísicos calculam que devemos ter aparecido na Terra mais ou menos a
meio do caminho e que o planeta viverá, ainda durante quatro ou cinco biliões de anos.
Se a nossa espécie, com um milhão de anos de idade mas praticamente recém-nascida,
conseguirá viver tanto quanto viveram alguns invertebrados cujos fósseis conhecemos –
dez milhões de anos – ou se os seres humanos serão capazes de ver, daqui a cinco
biliões de anos, o grande espetáculo do fim do Sol, cujo início não viram, é algo que
ninguém pode dizer.
O conhecimento contemporâneo não pode ir mais longe do que foi a sabedoria
transcrita num dos Manuscritos do Mar Morto, encontrados já muito deteriorados, no
deserto da Judeia: “Já não há ninguém que possa narrar toda a história.”. O tempo que
está a nossa frente – connosco ou sem nós – pode ter uma tentação para os cálculos
científicos, mas é um desafio para a imaginação humana.
Se, de facto, a existência da Terra se prolongar num futuro tanto quanto no
passado; se há cinco biliões de anos, um bloco de cinza iniciou uma metamorfose que o
faria transformar-se num mundo azul cheio de água; se, nos biliões de anos que já
passaram os oceanos deram origem a seres vivos, transformando a água em animais,
que maravilhas nos esperarão nos próximos cinco biliões de anos? Que cataclismos
geológicos inesperados, que mudanças à escala dos continentes, que movimentos de
montanhas, que novas combinações genéticas, que novas criaturas com que novas
capacidades sairão do núcleo derretido da Terra nesses biliões de anos que nos
esperam?
Com as atenções voltadas para este futuro, os seres humanos de apenas uma ou
duas gerações desencadearam já ações irreversíveis em termos de impacto ambiental,
aceitando que é necessário causar danos perpétuos a Terra para manter as suas empresas
financeiramente fortes, para melhorar o equilíbrio balança comercial e para promover a
sua popularidade política.
Depois de tantos séculos de civilização, a resposta mais formidável que se pode
dar a esta atitude continua a ser a frase de Anaxágoras, o filósofo grego da Natureza.
Quando os legisladores o criticaram, por se distanciar da política e por mostrar maior

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interesse nos seus estudos científicos do que nos assuntos do seu país, o sábio apontou
para as estrelas e disse: “Ali é o meu país.”.
Interessa pouco se o ancião sentia realmente que a nossa origem estava no
Universo. A importância do seu comentário está no ponto exato em que a filosofia e a
ciência se encontram. Se o nosso país é o cosmos, então a Terra é a Cidade Esmeralda, o
ponto em que, num momento excecional, as faúlhas astrais se transformaram em água,
ar e vida.
A vida não poderá voltar a florescer neste planeta; o oxigénio que sustenta hoje a
vida seria tão corrosivo para células, sem os mecanismos de proteção que
desenvolveram ao longo de biliões de anos, que nada poderia voltar a nascer na
presença deste gás. Provavelmente, nem a vida humana voltará a aparecer em qualquer
outro ponto do espaço, mesmo considerando as possibilidades oferecidas pelo infinito e
pela eternidade.
A água líquida é essencial à vida. Os elementos têm, muitas vezes, de existir em
estado gasoso ou em estado sólido. A água é o elemento mais raro de todos,
conseguindo manter-se em estado líquido apenas numa faixa muito estreita de
temperatura. A exata distância entre o nosso planeta e o Sol, em torno do qual ele gira e
onde a água não ferve nem congela; a complexa cadeia de combinações e
recombinações moleculares que transformaram a água em célula e a célula em ser
humano – é um milagre que tudo isto tenha acontecido e é inconcebível pensar que isto
poderá voltar a acontecer.
E para que havemos de proteger a biosfera da Terra? Em todos os dias em que
fazemos essa pergunta, em vez de fazer alguma coisa de concreto, há um qualquer
elemento indispensável à vida, ou necessário à qualidade de vida, ou mesmo algum ser
vivo, que se perde ou que é ameaçado.
O futuro que estamos a criar pode ser um milagre ou uma tragédia: mas já não
haverá ninguém que possa narrar toda a história. A questão não está em saber por que
devemos proteger a biosfera; a questão é saber quando o devemos fazer. E a resposta é:
agora.

Os Textos Sagrados e o Ambiente


A mensagem dos textos sagrados faz com que o seu apelo, para a salvaguarda
dos recursos naturais se revista também de significado para os que não acreditam em
Deus. Os profetas começaram a exaltar o que se tornou a essência dos vários textos
sagrados, desde o momento em que Ramsés II mandou construir o templo de Abu
60
Simbel. As aves e os peixes hieroglíficos, rudemente talhados nos templos dos faraós,
ficaram esquecidos há muito tempo.
Mesmo as reflexões de Aristóteles, Arquimedes e Sócrates, que iluminaram
momentaneamente a civilização como se fossem luzes de velas, acabaram por se
desvanecer e deixaram de ser relevantes.
Enquanto isso, os ideais dos textos sagrados mantiveram a sua capacidade de
empolgar e de condicionar comportamentos ao longo dos milénios que foram
sepultando muitas outras obras-primas. Esses ideais incluem, de modo muito claro, a
proteção do ambiente.
Os textos sagrados transmitidos por Deus, segundo os judeus, os cristãos, os
muçulmanos, os hindus, os budistas, os taoistas e os confucionistas são bem claros: a
glória da Natureza é a prova de que Deus existe; os que não mostram o seu respeito pela
Natureza não mostram respeito por Deus.
Através dos tempos e das fronteiras dos países e das culturas as religiões
mantiveram o carácter sagrado atribuído ao ambiente, visto sempre como fonte e
substância do que viria ser a maior oferta que Deus nos fez – a própria vida.
Os gregos chamaram Demétrio à sua deusa da Natureza, combinando as palavras
gregas para “terra” e para “mãe”. Platão escreveu que a Terra não devia ser comparada à
mulher, mas que a mulher é que devia ser comparada à Terra; muito antes de os seres
humanos e alimentava os seus campos com as águas dos rios.
Os índios peruanos celebram os nascimentos depositando os recém-nascidos no
solo, para que Pachamama, a mãe da Terra, ao possa aconchegar em si.
Os cientistas invocam a evidência de que a primeira célula viva, que integrava
elementos retirados ao jovem planeta que se encontrava ainda em combustão, foi gerada
no caldo riquíssimo do primeiro oceano. Ou seja, que a vida nasceu da terra e foi
alimentada pelo mar.
No entanto, há milhares de anos, sem ter por base qualquer descoberta científica,
mas apenas a inspiração, o autor do Génesis escreveu: “E Deus disse: Que as águas
sejam povoadas de inúmeros seres vivos, e que por cima da terra voem aves, sob o
amplo firmamento dos céus. E Deus criou, segundo as suas espécies, os monstros
marinhos e todos os seres vivos que se movem nas águas, e todas as aves aladas,
segundo as suas espécies”.
Também Maomé antecipou o princípio científico dos nossos dias, consagrando-o
como um princípio sagrado de tosos os tempos, ao exortar os seus seguidores a
venerarem a água como útero da vida: “E é Aquele que criou o homem a partir da água

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e que estabeleceu entre ambos laços de família e de afinidade. Não veem os infiéis que
por intermédio da água damos vida a tudo? Não conseguirão acreditar?”.
Os textos sagrados, além disso, salientam que, depois de usar a água para
conceber a vida, Deus usa a água para manter a vida. Num dos milagres mais
inspiradores do Novo Testamento, Jesus Cristo apelou ao produto dos mares para
alimentar os seus discípulos: “Lançai as vossas redes para as profundezas para pescar. E
Simão, respondendo, disse-lhe: Mestre, trabalhámos arduamente toda a noite e não
conseguimos nada. Mas, seguindo a tua palavra, lançarei a rede. E, quando o fizeram,
apanharam uma grande multidão de peixes. E a rede deles quebrou-se. E acenaram aos
seus companheiros, que estavam no outro barco, para que viessem e os ajudassem. E
quando Pedro o viu, baixou-se perante Jesus porque estava espantado”.
E que dizer da moderna argumentação segundo a qual algumas criaturas não têm
uso, podendo ser sacrificadas no altar do desenvolvimento e do lucro? Cristo rebateu
este argumento há dois milénios: “Vede as aves que andam no ar?”, disse. “Não
semeiam, nem colhem, nem se juntam nos celeiros; mas o vosso Pai celestial alimenta-
as”. E inquiriu outros seguidores: “Não são dois pardais vendidos por uma meia moeda?
Mas um deles não cairá no solo sem o vosso Pai dizer.”.
Também Buda deu uma ordem inequívoca para que fossem salvaguardadas
todas as espécies: “Qualquer ser vivo que exista, grande, médio ou pequeno,
desenvolvido ou em desenvolvimento, que possam estar tranquilos. Que ninguém
humilhe ou despreze o outro, seja onde for, seja por que motivo for. Desenvolvei uma
consideração sem limites por todos os seres, tal como a mãe que acarinhe o seu filho
único.”.
Os cientistas indicam que há espécies vegetais e animais a desaparecer, à mão da
humanidade, a uma velocidade maior do que aquela que a Natureza pode ter para as
substituir por novas criaturas. Alguns académicos, deve dizer-se, estão em desacordo
neste ponto.
Os académicos têm argumentado que a Bíblia, mais do que exortar os crentes a
acarinhar o ambiente, encoraja-os, na realidade, a que o saqueiam. Os que argumentam
a Bíblia é contra o ambiente baseiam a sua opinião nos dois versículos seguintes:
“Populai a terra e subjugai-a; e exercei domínio sobre os peixes do mundo, e sobre as
aves do ar e sobre todas as coisas vivas que se movem sobre a terra. (Haveis dado ao
homem) domínio sobre as obras das vossas mãos; haveis posto todas as coisas sob os
seus pés: todas as ovelhas e todos os bois e os animais do campo: as aves do ar, e os
peixes do mar; e tudo aquilo que se passa pelos caminhos do mar.”.

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É indiscutível que estas passagens atribuem aos seres humanos a jurisdição sobre
a natureza; aliás, estes versículos podem mesmo ser interpretados como estando a
indicar à Humanidade que deve colher os benefícios dos recursos á Terra.
Quem pode, racionalmente, formulara qualquer protesto contra isso? Fomos
abençoados com a oportunidade de viver dos juros ganhos com o capital que é a
Natureza. Mas é a exaustão desse capital, que é a Natureza, e a irreparável destruição
dos seus recursos naturais limitados que os textos sagrados condenam.
Os textos sagrados não se detêm no simbolismo, na alegoria ou nos
mandamentos quando nos transmitem a mensagem de que os seres humanos devem
proteger o ambiente. Os textos sagrados declaram, abertamente, que a qualidade da vida
humana na terra depende do modo como a Humanidade tratar a Terra.
Os budistas ensinam que a degradação do ambiente equivale á degradação
moral. Quando a personalidade humana está no seu pior, por sua vez, danificado e,
como resultado, a expectativa da vida humana decresce. Além disso, os budistas
defendem que um ambiente protegido produz uma sociedade saudável e, até, moral.
Os textos sagrados não oferecem qualquer exceção para a sua proibição de
destruir o ambiente, nem mesmo em caso de guerra. “Ao cercar a cidade”, escreveu um
dos autores do Antigo Testamento, “não destruireis as árvores que aí se encontram
porque a árvore do campo é a vida do homem”.

O Saque
Não dispondo de madeira nem de pedra, os maldivanos construíam as suas casas
com corais. Durante todo o a ano trabalhavam no recife arrancando blocos que
transformavam em argamassa, juntando-lhes depois novos corais, que trituravam para
fazer cimento.
Aquelas pessoas ergueram as suas casas sobre o lar que estavam a destruir e que
os protegia do impacto das ondas do oceano. Os maldivanos, figurativa e literalmente,
serraram o ramo de coral em que se sentavam. Olho para a destruição do recife, levada a
cabo pelos nativos, como uma tragédia, mas não como uma tragédia isolada.
Para satisfazer a procura destas multidões, que não deixavam de crescer, os
países tinham-se voltado contra o mar. Tinham destruído, ou alterado, partes
significativas das zonas costeiras de pouca profundidade, asfixiando a vida e mutilando
os habitats com diques, aterros, portos artificiais e as águas estagnadas e semifechadas
de praias artificiais.

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Os empresários também invadiram as costas, enchendo-as de hotéis, marinas e
portos para iates. Conseguiram quadruplicar o volume total de espaços para barcos de
recreio, devastando zonas costeiras para arranjar mais e mais lugares. Embora a
regulamentação da divisão por zonas tivesse conseguido interditar alguns abusos
urbanísticos ao longo das praias, ergueram-se arranha-céus à beira da água, com os mais
altos funcionários do Estado a receberem bónus proporcionais para não verem essas
construções.
Os industriais também se apressaram a comprar propriedades nas linhas
costeiras, utilizando as águas desses pontos como tanques de arrefecimento e lixeiras a
baixo preço.
Deparo-me com o mesmo comportamento em todo o planeta. Estuários secos.
Rios desviados do seu curso. Indústria mineira e pesca de arrasto, pesca a tiro e com
lanças, destruição com dinamite, perfurações e dragagens. Somos todos maldivanos,
mutilando, cortando e escavando a Ilha Terra. Aquilo que a Natureza não consegue
substituir está a ser saqueado, assaltado, pilhado, roubado, pelos salteadores da idade
moderna. A poluição é, com frequência, um resultado da negligência ou da ignorância.
Mas o saque é uma agressão mais deliberada.
Aqueles que se opõem ao desenvolvimento – os ambientalistas extremistas que
respondem com um “Não!” a cada projeto – estão, à sua maneira, a comprometer o
futuro. Mas eu gostaria que tivessem um lugar específico aqueles que dizem “Não, mas
…”; os que propõem maneiras racionais de beneficiar dos dividendos da Natureza, a
mesmo tempo que se recusam a desbaratar o seu capital.
Mais contraproducentes para a sociedade do que aqueles que rejeitam tudo são,
no entanto, os que não se detêm perante nada. Insistem connosco para que aceitemos a
falácia suprema que estimula o saque – que devemos permitir a pilhagem do ambiente
“em nome do progresso” – como se a destruição fosse um avanço, como se o consumo
insaciável e a expansão desordenada representassem o crescimento económico, como se
as riquezas fossem definidas apenas pelo dinheiro, adquirido e perdido num instante, e
não como se as verdadeiras riquezas fossem os tesouros naturais que a Terra levou toda
a sua evolução a produzir.
Seguramente que há formas de melhorar a qualidade de vida sem, ao mesmo
tempo, aviltar a vida. A verdade é que nenhum imperativo inflexível, de carácter
económico ou tecnológico, nos obriga a destruir as riquezas da Terra.
Estamos amaldiçoados, não pelo destino, mas por nós próprios. Permitimo-nos
ficar resignados pela nossa presente falta de água limpa, de recursos e de paisagens por

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explorar, ou que não estejam ainda estropiadas ou corrompidas; mas o certo é que esses
luxos da vida existiram em abundância, noutros tempos, e ainda continuam a existir,
embora numa extensão mais frágil e diminuta.
Se temos de encontrar uma razão para proteger a vida, e o seu habitat, do saque,
que seja esta: vamos protegê-la porque, de alguma maneira, num cosmos que é infinito,
estas glórias apareceram na Terra. Vamos protegê-las porque elas estão aqui. Ao
saquearem na perspetiva do lucro, os que pilham as terras e os mares só pensam no
dinheiro que poderão ter hoje no bolso, porque estão a pilhar o que poderiam colher
amanhã.
Os habitantes mais pobres da nossa aldeia global precisam de queimar madeira;
mas, em vez de gastar dinheiro para os manter aquecidos, consumimos a nossa terra;
deixando as florestas desaparecerem, deixando que se percam, nas chamas, remédios
naturais, espécies de sementes e recursos ainda desconhecidos das florestas tropicais.
Enquanto as areias vão conquistando terreno em zonas que já foram verdes, perdemos
também os resultados naturais da evolução.
Por agora, estamos aprisionados neste círculo vicioso do saque: a degradação
que nós próprios provocámos embrutece os nossos sentidos e continua, por isso, a
perpetuar-se. A cada espécie que é extinta, a cada destruição de uma zona da terra e a
cada massa de água que é conspurcada, as pessoas começam a compreender que a vida
se torna menos agradável, mas depois descobrem que a desolação não significa a morte,
que conseguem sobreviver e que, finalmente, se adaptam, ajustando as suas vidas a uma
exigência de qualidade que fica mais reduzida.
Aqueles que desfrutavam de uma paisagem natural na sua juventude dizem
agora aos filhos que ainda se lembram daquele local, antes de ter sido transformado
num parque de estacionamento. A vida torna-se pior, mas, pelo menos, ainda continua.
O empobrecimento do meio ambiente é paralelo ao empobrecimento de espírito.
Cada um deles dá gradualmente origem ao outro e, depois, agrava-o. O planeta é
desinteressante e as vidas tornam-se desinteressantes. As águas ficam esgotadas, as
terras ficam esgotadas e as almas ficam esgotadas.
A possibilidade de preservação da própria vida está ameaçada. O que tem
importância é que a espécie humana não foi apenas dotada de olhos para ver a Natureza,
mas também de raciocínio para entender o seu significado. Aprender, procurar e
compreender – uma missão de todos.
Quando foram queimados livros, só as páginas é que foram reduzidas a cinzas e
não as ideias nelas contidas. E, é o que se passa, seguramente, com o Universo. O que

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não descobrimos será descoberto por outros: a História comprova este princípio com a
sua longa lista de exemplos em que uma descoberta é revelada. Ninguém pode ser bem-
sucedido ao censurar o conhecimento, porque ninguém pode negar a sua existência.
Se fecharmos os olhos perante a natureza, tornamo-nos cegos, a viver uma
felicidade ilusória. Os cientistas ilustres que, no século XVII, se recusaram a espreitar
pelo telescópio de Galileu, não fizeram com que as luas de Júpiter deixassem de rodar
em torno deste planeta nem impediram a sociedade de descobrir que isso acontecia.
“Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro”, escreveu Platão,
acrescentando “A verdadeira tragédia da vida é o facto dos homens terem medo da luz”.
A noção desesperada de que, de algum modo, é mais fácil manter em segredo
todo o cosmos do que controlar os poucos seres humanos que o maltratam revela o
desamparo e o desespero da sociedade. Precisamos de censurar os homens que
manipulam a ciência para fins perniciosos.
Empossados com uma nova autoridade, os cientistas começaram a admirar mais
o intelecto humano do que os fenómenos que o intelecto lhes permitiu descobrir. Na
altura, em que Galileu concebia o seu método experimental desprovido de emoções,
Bacon declarava que “o conhecimento é poder”. Poucos anos depois, Descartes exibia-
se da nova metodologia prática da ciência “fazer de nós senhores e proprietários da
Natureza”. Um século mais tarde, Kant proclamava: “Deem-me matéria e construirei
um universo”.
A maior parte dos cientistas e filósofos profetizara que os cientistas iriam usar as
suas novas e ilimitadas capacidades para construir um mundo melhor para toda a
Humanidade. Mas, nessa altura, só os seus sonhos eram grandes. As suas capacidades
mantiveram-se reduzidas.
A ciência e a poesia são, de facto, inseparáveis. Ao dar-nos uma visão da vida,
da Terra e do Universo, em todo o seu esplendor, a ciência não põe em causa os valores
humanos. Ela, aliás, pode inspirar os valores humanos. Ela não nega a fé, ela celebra a
fé.
Quando os cientistas teorizaram que uma minúscula peça de musgo poderá
crescer num planeta distante, eles não rebaixaram a Terra menosprezando o seu estatuto
de único local onde a vida pode existir; eles distinguiram-na, ao sublinharem, mais uma
vez, que o nosso globo, encharcado e azul é, provavelmente, o único local onde a vida
humana se desenvolveu.
Quando os cientistas descobriram que cada ser vivo que habita na Terra – cada
planta, inseto, animal – sustenta todos os outros e que, por sua vez, depende de todos os

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outros, não reduziram a Criação a um processo simplista e mecânico; ao contrário,
exaltaram-na, como algo complexo e interdependente. Eles mostraram-nos que quando
protegemos o nosso ambiente, estamos a proteger-nos a nós próprios.
Nós só amamos aquilo que conhecemos. Conhecer a ciência e aprender o que há
a aprender sobre a natureza é algo superior ao mero direito dos que pagam impostos; é
mais do que a mera da responsabilidade dos eleitores. É o privilégio do ser humano. O
inimigo da Humanidade nunca foi a ciência, ou mesmo as descobertas científicas. O
único inimigo da Humanidade é o ser humano. Nós não precisamos de civilizar a
ciência, nós precisamos de civilizar a civilização.

A Vida Daqui a Um Bilião de Anos


Para os que medem o futuro apenas em termos de amanhã, falar do próximo
bilião de anos pode parecer uma excentricidade. Mas pensem: os geólogos e os
paleontólogos dizem-nos que o planeta já existe há um período de tempo cinco vezes
superior a esse; os astrónomos dizem que a Terra pode continuar a ser habitada por mais
cinco biliões de anos, se morrer de morte natural, quando a última estrela, o Sol,
finalmente se expandir e incinerar os planetas do seu sistema.
Um bilião de anos, portanto, representa apenas uma quinta parte do futuro
possível. De um ponto de vista cósmico, nós, os sonhadores, é que somos realistas. Um
período destes parece inimaginável a alguém que caminhe por uma rua. Mas aventurem-
se por uma das poucas selvas, ou florestas tropicais, que ainda existem, ou por outro dos
reinos da Natureza, cada vez mais reduzidos, que ainda se mantêm invioláveis.
A escala colossal dos monumentos e a fragilidade da camada vibrante que está à
superfície testemunham o modo como o próprio tempo se transformou num material de
construção. A saga da evolução não define apenas o nosso lugar no tempo, mas também
o nosso lugar na fraternidade.
Nós, os seres humanos, fomos descritos como órfãos cósmicos, sem memória
das estrelas que explodiram nem das galáxias que chocaram umas com as outras ou das
tempestades primitivas e dos vulcões em erupção que nos conceberam. Mas nós, os
órfãos cósmicos, não estamos sós. A nossa inteira família da vida, plantas e animais, de
sangue quente e de sangue frio, é feita de irmãos cujas origens se encontram nos nossos
antepassados comuns, que foram as primeiras células individuais, alimentadas pela terra
e pelo mar.
Os acontecimentos que tiveram lugar durante os biliões de anos que já passaram
podem, seguramente, guiar-nos nos nossos sonhos dos biliões de anos que nos esperam.
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Ainda nos faltam algumas peças do puzzle que é a evolução, mas já encontrámos chaves
suficientes em fragmentos de fósseis dispersos que nos ajudam a ver melhor o caminho,
que é lento e inexorável.
A morte varreu, periodicamente, o planeta. Nem todas as formas de vida
puderam suportar as abruptas mudanças ambientais da Natureza ou os seus catastróficos
caprichos. Como uma verdadeira árvore, a árvore da vida também perde, às vezes,
alguns dos seus ramos, embora continue a florescer e a ramificar-se.
A evolução testou quase todas as inovações imagináveis: o móvel e o estável; o
suave e o duro; o esqueleto e a concha; a incubação interna de ovos e a desova externa;
a ausência de peso no mar e o peso da gravidade em terra. O número de seres nascidos
de mutações ocasionais, e que não eram viáveis, terá provavelmente sido muitos
milhares de vezes maior do que o número de restos que ficaram em rochas e que
chegaram aos nossos tempos, para nos ensinarem.
O ser humano não compreende que a sua sobrevivência não depende, agora, da
conquista da natureza, mas da proteção da natureza. O Homem chegou ao nível mais
elevado da sua incompetência. O ser humano usa o poder que hoje tem mantendo uma
atitude primitiva. O lado da “Natureza, com os dentes e as garras manchadas de sangue”
da sua herança animal manteve-se sempre à espera, debaixo da sua superfície; e, com o
poder adicional e ilimitado do seu cérebro, da sua linguagem e das suas mãos, o ser
humano libertou-se das leis naturais, mas só conseguiu impulsionar-se até à anarquia
planetária.
Embriagados da arrogância, os seres humanos começaram a esvaziar o planeta
de tantas espécies como o conseguiram fazer os desastres naturais. Albert Einstein
descreveu o paradoxo a que o desenvolvimento progressivo da inteligência humana deu
origem: “O nível de pensamento a que já chegámos cria-nos problemas que não
conseguimos resolver ao mesmo nível em que nos encontrávamos quando os criámos.”.
No entanto, como o demonstrou o próprio Einstein, a beleza singular do cérebro
humano reside no potencial que ele tem para conseguir amanhã aquilo que hoje ainda
não imaginou. Dado o carácter notável do dom que é o nosso pensamento, temos
conseguido sempre encontrar, de algum modo, a forma de nos salvarmos de nós
próprios.
O nosso cérebro é o computador que se programa a si próprio. Talvez o nosso
elaborado sistema nervoso nos venha fornecer os bens que não são necessários à vida de
hoje, mas que serão essenciais para a nossa sobrevivência amanhã. Sejam quais forem

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os sonhos que tivemos nos séculos que já passaram, a realidade acabou sempre por
ultrapassar a ficção.
Tentemos, assim, sonhar sonhos bonitos: imaginemos o ano 2050. Depois de
uma guerra mundial. O mar e o ar estão poluídos. Os continentes estão em ruínas.
Noventa por cento das espécies vegetais e animais desapareceram e muitas das que
restam são aqueles que se reproduzem rapidamente, como os insetos e, que se
transformaram numa praga para as outras. A população humana, que chegou a atingir
um pico de dez biliões, ficou reduzida a alguns milhares.
Qual é o sonho bonito? O facto da nossa espécie sobreviver. Aprendemos, por
fim, a nossa lição que quase nos foi fatal. Reunimo-nos, abandonamos as nossas
rivalidades. Rejeitamos o conceito artificial das nações como Estados; nós, os
sobreviventes, como comunidade humana e não tentar o destino como tribos, em
oposição umas às outras.
E há um bem precioso que se mantém connosco: a maior parte do que
conseguimos fazer nas artes, na ciência e na tecnologia ficou gravado em cartões de
memória e enterrado em cápsulas do tempo. Estas poderosas ferramentas são, por fim,
utilizadas construtivamente para a formidável tarefa que será a grande limpeza –
purificar a água e o ar e planear um progresso racional. E, mergulhando mais fundo na
nossa imaginação e viajando ainda em direção ao futuro, atravessamos oceanos de
tempo e centenas e milhares e milhões de anos.
Agora, a tragédia do ano de 2050 faz parte do passado distante e os seres
humanos há muito que abandonaram as ciências da destruição. Concentramos todos os
nossos recursos na tentativa de influenciar os fenómenos biológicos e geológicos para
tentarmos evitar os cataclismos que são naturais da própria Terra.
É óbvio que a interferência humana na própria natureza da espécie – a abolição
da morte natural ou o aumento das capacidades físicas e mentais – levanta questões de
carácter moral e social que são cruciais. Serão elas de resposta muito mais difícil do que
aquelas que os seres humanos do século XXI tiveram de enfrentar, como o aborto, a
eutanásia e a manipulação genética? Verdadeiramente, não. As regras morais são regras
do jogo da vida. Agora, que temos perspetivas mais largas perante a vida, os nossos
novos valores morais estão mais ricos.
O compromisso para com a comunidade alargou-se e passou a ser o
compromisso para com a Humanidade. O respeito pelo planeta expandiu-se e
transformou-se no respeito pelo cosmos. Este é o nosso princípio fundamental: a vida é
sacrossanta.

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O ser humano é, agora, moral, pode viver para sempre; dominou as forças
selvagens do Universo e penetrou nos santuários mais recônditos da vida. Conhece o
passado e pode prever, e até alterar, o futuro. Alcançou, finalmente, o ideal bíblico: está
criado à imagem do seu Criador. O tempo, como dimensão, pode ser dobrado para se
fechar sobre si próprio, tal como as superfícies que se estudam em topologia.
A criação e o humano tornaram-se, constantemente, presentes, eternos e
inseparáveis. Agora, e de forma independente – num ou em vários recantos deste
universo ou de outro – existem outras criaturas que avançaram tanto como o ser
humano. Ficam conscientes de que há uma interferência remota nos seus próprios
planos para domar as forças cósmicas. Identificam a origem da resistência. Querem
encontrar-se com os seus pares para evitar as catástrofes que podem desencadear-se se
energias cósmicas, dirigidas de forma independente, chocarem acidentalmente.
Reunimo-nos para planear a gestão pacifica dos universos.
Esperamos – mestres inter-universais, que somos, da matéria, da energia, do
tempo e do espaço – não nos tornar vítimas das primitivas paixões, ciumeiras,
rivalidades e antipatias que atormentaram os nossos antepassados do século XXI.
Temos, ainda, um caminho muito longo para percorrer. Temos de agir rapidamente
antes que não tenhamos tempo para o fazer.

Mobiliário Descartável
A população é viciada em mobília barata e descartável. Uma mobília que pode
ser bonita durante um ano ou dois e, depois, cai aos pedaços. Há uma etiqueta de preço
juntamente com o preço reduzido. As consequências vão para além das nossas próprias
casas. É necessária muita madeira para a construir.
Considere que estamos num campo de batalha onde o bem e o mal se encontram.
No centro disto tudo, alguns dos maiores vendedores de mobília do mercado (Walmart,
IKEA, Target). A IKEA é uma empresa tão grande que o que está a fazer é devastador.
E não assume essa responsabilidade.
A mobília costumava ser fabricada para durar uma vida. Conjuntos elegantes e
resistentes passavam de geração em geração. Por exemplo, ao fazer uma cómoda com
cinco gavetas para um quarto. Os tampos, a parte frontal e as laterais eram feitas de
madeira maciça. Maioritariamente usavam cerejeira ou carvalho maciços. Esta cómoda,
à venda, custava provavelmente 549 euros.
Uma cómoda IKEA em que juntamos as peças deve custar 182 euros. A IKEA faz um
produto barato. Não tem a mesma estabilidade.
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Por muitos anos, a maioria da mobília das nossas casas provinha de empresas
deste género. Durante grande parte do século XX, a indústria do mobiliário cresceu.
Mas à medida que o século chegava ao fim, o cenário alterava-se. Entre 1998 e 2003,
vimos dezenas de fábricas de mobiliário a encerrar. A cada seis meses quando se
observava o mercado, existiam cada vez mais empresas chinesas a oferecer mobília
mais barata do que o restante mercado.
No início dos anos 80 e 90, os fabricantes de mobiliário começaram a mudar o
centro de produção para a Ásia. O mobiliário é como a maioria das indústrias pois
procura taxas salariais mais baixas. Assim, que fabrico se deslocalizou para a Ásia, o
que costumava ser uma madeira maciça e bonita de uma cama com dossel do século
XVIII, começou a tornar-se algo barato, tanto no preço como no aspeto. Acontece que
os fabricantes chineses estavam a vender os seus produtos a preços inferiores aos
permitidos, o que era uma mera violação do direito comercial.
E, de facto, um novo segmento de mercado foi criado. Mobiliário rápido. A
empresa que levaria o mobiliário rápido a novos níveis, revolucionando para sempre a
forma como o mobiliário era fabricado e vendido, não era americana nem chinesa. A
sueca IKEA. Antes, comprávamos uma cama ou um sofá e, duravam para o resto da
vida. A IKEA veio com uma nova versão. Mobília barata que pudemos comprar e
mudar. Para arranjar algo novo, moderno. Atualmente, a empresa tem mais de 420 lojas
em mais de 50 países e faz cerca de 43 mil milhões de dólares por ano, em vendas.
Todo o modelo de negócio é baseado em grandes volumes e baixos custos.
Grandes volumes tanto em termos de compra, mas também em termos de venda.
Algumas das mais brilhantes inovações da IKEA prendem-se com o design e o layout.
As enormíssimas lojas, visíveis a quilómetros de distância, decoradas com as suas cores
ousadas da bandeira sueca. E, claro, aqueles corredores labirínticos sem fim. Os
corredores pelos quais andamos nas lojas só são retos por 20 metros e, depois, temos um
canto e um recanto. Levam-nos inconscientemente, por toda a loja e por todos os
produtos.
A IKEA é muito boa a fazer-nos comprar mais. A fazer-nos pegar num saco,
azul e amarelo, o mais rápido possível. Assim que começamos a pôr o primeiro produto
lá, abrimos mentalmente a nossa carteira. Se o nosso objetivo é talvez comprar um
banco ou uma lâmpada de baixa energia, talvez saiamos da loja com produtos por
duzentos ou trezentos euros.
Existe muito sobre o IKEA que desconhecemos. Era muito importante para
Ingvar Kamprad parecer um homem simples. Era um homem do povo, como toda a

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gente. Depois de trabalhar durante vinte anos na IKEA, Johan Stenebo desiludiu-se e
abandonou a empresa. Sentiu uma crescente frustração com a hipocrisia de tudo, que
fazem x e relatam y.
Para crescerem, precisam de obter lucro. E para fazer os melhores preços de
mobiliário acessíveis, a IKEA está constantemente à procura de fontes cada vez mais
baratas da sua matéria prima mais importante. A IKEA, anualmente, leva um por cento
de abastecimento de madeira no mercado. Estamos a falar de treze milhões de metros
quadrados de madeira. Provem de dezenas de lugares diferentes por todo o mundo,
incluindo a China, Roménia, Sibéria e Urânica.
E segundo, alguns, a história da IKEA de esconder a verdade também se estende
a como e onde obtém a sua madeira. A Roménia é um país chave para a produção de
mobília para a IKEA. Às vezes, olhamos para a pequena etiqueta branca por baixo de
uma mesa ou de uma cadeira ou o que seja e encontramos “produzido na Roménia”.
Os Cárpatos da Roménia são a casa de algumas das últimas florestas madeireiras
da Europa. Atualmente, estas lendárias florestas estão sob ameaça. Até há pouco tempo,
o maior parque natural da Roménia fazia parte da última paisagem florestal intacta da
europa. Mas nos últimos 20 anos, tudo ficou fora do controlo. A partir dos anos 90, após
a queda do regime comunista da Roménia, o governo abriu as suas terras a empresas de
madeira internacionais. O país estava pronto para a exploração. Tinha recursos naturais,
um governo permissivo e uma corrupção política desenfreada.
O impacto de duas décadas de abuso por empresas de madeira é evidente por
toda a paisagem. Uma desflorestação permanente. A destruição da biodiversidade de
uma área. As florestas estão a desaparecer a um ritmo alarmante por todo o planeta. É
estimado que a cada ano 18,7 milhões de hectares são perdidos, o que equivale a 27
campos de futebol a cada minuto. Há menos de dez anos eram locais habitados por
ursos ou veados. Representavam os recursos disponíveis de centenas de pessoas locais.
De acordo, com a IKEA são um dos fabricantes de mobiliário mais sustentáveis
no mundo. Transmitem uma imagem de amigos do ambiente. Mas quando se tem preços
baixos, estimula-se o facto de que compramos algo e deitamos fora rapidamente. Um
ciclo vicioso. E, isso, não é bom para o ambiente.
A empresa prometeu tornar-se a favor do ambiente, o que significa que
estabeleceu uma meta de extrair 100% da sua madeira de fontes mais sustentáveis.
“Tornarem-se a favor das florestas assegura o futuro das árvores. Faz parte de uma
estratégia global utilizar menos madeira do planeta. Uma forma de o fazer é utilizar
madeira laceada em vez de madeira maciça que permite, também, fabricar móveis mais

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leves com custos de envio baixos”. Muitas outras empresas utilizam partículas leves ou
então produtos compostos para terem os custos mais baixos e continuam competitivos.
O ditado “já não se fazem como antigamente”. Ouvimos muito isto. E, considero
que os móveis são uma das indústrias em que isso é verdade. Na corrida para atender à
procura do cliente por produtos ainda mais baratos, mais modernos e fáceis de comprar
online, as empresas percorrem um processo trágico.

O Romance das Abelhas


Há uma ideia romantizada das abelhas. Os romances não são fáceis de explicar.
Temos de os sentir. O mel tem o maior prestígio do mercado entre todos os alimentos.
Nada mais tem uma classificação tão alta. O mel está em todo lado. É um adoçante
natural e engrandecido cujo valor perdura há milénios.
A oferta não satisfaz a procura. Os consumidores comem um produto que já não
é mel. Ao longo de toda a cadeia de oferta, a tradição de nove mil anos de apicultura
está em risco. A agricultura industrial destrói o habitat das abelhas. Morrem às dezenas
de milhares de milhões. Há uma profundidade imparável nas abelhas. Existe muito
pormenor no que fazem.
Para os apicultores, os cuidados com a colónia são uma causa sagrada. Mesmo
assim, as abelhas de todo o mundo têm morrido em número record. Os cientistas creem
que as abelhas morrem de uma combinação de tensões provocadas por parasitas,
inseticidas e monoculturas agrícolas que substituem prados floridos por hectares de
colheita que não oferecem néctar.
Os apicultores encontraram formas de reconstituir as colónias. Mas a quantidade
de mel continua a diminuir. Seria chocante, se todos os agricultores dissessem
“perdemos metade do gado no inverno”. Mas quando os apicultores afirmam “perdemos
metade das abelhas”, não é tão chocante. Não são apenas abelhas. Os próprios
apicultores lutam pela sua sobrevivência. Debatem-se num mercado global afetado pela
lógica do modelo vigente e pela corrupção.
O negócio do mel está em expansão. A população consome cada vez mais mel.
Os números não fazem sentido. A produção cai mas o consumo aumenta? O consumo
do mel aumentou em todo o mundo por duas razões: devido ao aumento da população
humana e ao aumento da importância dos produtos mais naturais. A falácia do apelo à
natureza. O mel é usado como ingrediente que acrescenta valor ao produto porque é
visto como um elemento natural. A palavra tem valor acrescentado.

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A realidade é esta: os nossos corpos processam o mel mais ou menos da mesma
forma que os outros açucares. Os produtores que pretendem agradar os consumidores
picuinhas trocaram o açúcar por mel para adoçar dezenas de produtos. Desde pão a
batatas fritas, de biscoitos a fiambre fatiado. O trabalho dos embaladores é misturar
variedades, cores e tipos de mel em quantidades industriais.
Se considerarmos que a produção está a diminuir e a procura a aumentar, a única
forma de explicar esta discrepância é com a adulteração do mel. A diluição de mel com
xaropes baratos é a principal forma de adulteração. Os apicultores levaram as suas
colónias ao limite só para não perderem espaço no mercado. É imprescindível
consumirmos produtos do quais conhecemos a origem, produzidos de forma sustentada
e ética.

Conclusão
Em jeito de conclusão, cito: “A maravilha de um só floco de neve supera a
sabedoria de um milhão de meteorologistas”. (Francis Bacon) e “Enquanto o Homem
continuar a ser destruidor dos seres animados dos planos inferiores, não conhecerá a
saúde nem a paz. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e
o amor” (Aristóteles).

Alegoria da Caverna
A Alegoria da Caverna integra a obra República de Platão. A República de
Platão foi escrita cerca de 380 a. C., sendo reconhecida como uma das obras mais
influentes ao longo da História. É necessário ter em conta que a obra República, não
deixando de ser uma grandiosa obra filosófica, manifesta uma preocupação política.
Podemos confirmar isso na raiz etimológica da palavra República, no latim de Cícero
Res Publica, em grego Politeia, e que pode traduzir-se como política. Este é um
conceito chave para a compreensão da obra República e, consequentemente, da
Alegoria da Caverna.
A Alegoria da Caverna é uma experiência proposta por Sócrates. Sócrates
propõe a Gláucon que imagine que alguns homens estão desde a infância algemados nas
pernas e na cabeça. Estão também impedidos, por grilhões, de olhar para qualquer outra
direção que não seja a sua frente. Estes prisioneiros estão numa morada subterrânea que
podemos entender como uma caverna. Existe uma distância considerável entre as
profundezas onde eles estão localizados e a entrada – aberta para a luz solar – da
caverna. Entre o fundo da caverna, onde estão os prisioneiros, e a ascensão à entrada
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está um muro. Existe por detrás desse muro um fogo ateado. Os prisioneiros estão de
costas para o muro e por detrás do muro está presente a fogueira.
A partir deste contexto, Sócrates dá continuidade à sua experiência indicando
que do outro lado do pequeno muro alguns homens vão transportando, por cima da
cabeça, diversos objetos. Estes objetos assumem diversas formas e são compostos por
diferentes materiais. Como estão a ser carregados pelos homens excedem em altura o
muro fazendo com que surjam sombras do outro lado do mesmo. Entre esses homens,
uns falam e outros estão em silêncio.
Enquanto Gláucon expressa a sua estranheza para com a história dos
prisioneiros, Sócrates adianta que eles são “semelhantes a nós”. Os prisioneiros não
veriam nada além das sombras: deles próprios, dos outros prisioneiros e dos objetos.
Iludidos pelas condicionantes deste contexto, tomariam estas sombras como objetos
reais, aceitando-as como a realidade.
Sócrates, após colocar Gláucon a vivenciar esta intrigante experiência, convida-o
a considerar como se comportariam os prisioneiros se fossem libertos e forçados a
movimentarem-se em direção à luz. Defendendo que se um deles fosse liberto e forçado
a mexer o pescoço e a movimentar-se, sentiria dor e deslumbramento. O prisioneiro
constataria dolorosamente que tudo o que até então vira, nada mais era do que uma
ilusão e um engano. O prisioneiro não saberia o que dizer a alguém que lhe perguntasse
que objetos tinha ele à sua frente. O prisioneiro, que antes só vira as sombras dos
objetos, passaria a duvidar do que agora via. Atrapalhado, poderia inicialmente achar
mais confortável acreditar que as sombras seriam mais reais do que os objetos que a sua
libertação possibilitou encontrar.
Sócrates coloca a hipótese de que se o obrigassem a olhar diretamente para a luz,
o “prisioneiro” preferiria refugiar-se no conforto das sombras para escapar à dor e ao
desconforto de ir ao encontro dos “novos” objetos que a luz e a sua libertação
desvendaram. Se o prisioneiro fosse arrastado até ao cume, subindo até enfrentar a luz
solar que banha o exterior da caverna, ele sofreria e revoltar-se-ia por essa penosa
sujeição à luz. A dolorosa ascensão até ao exterior obrigaria o prisioneiro a lidar com
um novo contexto. Uma vez no topo, os seus olhos seriam deslumbrados pelo brilho que
o impediria de sequer vislumbrar os objetos, necessitando de se adaptar a essa nova
“realidade”, para os conseguir fitar. Se até então o prisioneiro fez uma ascensão física
do fundo da caverna até ao exterior, agora necessita de fazer uma ascensão do olhar.
Segundo Sócrates, o prisioneiro, para se habituar às condições do “mundo
superior”, teria de olhar primeiro para as sombras – que lhe seriam menos agressivas à

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vista –, e só depois para os reflexos dos objetos e dos homens na água. A ascensão do
seu olhar passaria, seguidamente, para os objetos e homens, dirigindo-se, mais tarde,
para o céu. Esta última etapa teria lugar, primeiramente, à noite, onde o prisioneiro
poderia contemplar a luz das estrelas e a lua. Posteriormente, já estaria apto a
contemplar o próprio sol com as naturais condicionantes que a observação direta a olho
nu implica.
Após esta adaptação ao mundo exterior, ele adquiriria um conhecimento que,
segundo Sócrates, o faria concluir que o Sol “causa as estações e os anos, que tudo
governa no mundo visível, e que é, em suma, a causa de tudo o que ele e os seus
companheiros tinham visto na caverna.”
Recordemos que o prisioneiro teve um percurso longo desde a morada
subterrânea até ao exterior, o qual possibilitou que ele chegasse às conclusões que
vimos expostas acima. Sócrates afirma que se o prisioneiro recordasse esse percurso,
lamentaria as condições dos restantes prisioneiros da caverna, mas sentiria um regozijo
pelas suas atuais circunstâncias. As honras e louvores existentes entre companheiros de
cativeiro, não representariam qualquer desejo no prisioneiro que ascende ao exterior.
Preferindo “suportar todos os males possíveis, a ter de regressar às suas antigas ilusões e
a viver como vivia”.
Este é um ponto muito importante, pois corrobora o que Sócrates defende
quando afirma que o mais comum seria que dos que ascendem ao topo, naturalmente
aspirem a por lá permanecer, não se predispondo a descer novamente ao fundo da
caverna, no qual ainda continuam agrilhoados os restantes prisioneiros. E como seria
regressar à Caverna? Os olhos do homem que chegou ao exterior e contemplou a luz
solar teria que readaptar-se à escuridão, presente no interior da caverna.
Sócrates questiona Gláucon se a reação dos ex-companheiros de cativeiro não
seria de riso para com o regressado. Se este quisesse esclarecer os seus antigos
companheiros da morada subterrânea sobre as suas descobertas, possivelmente seria
tido como louco correndo perigo de vida se os tentasse soltar.

(A perfeita alegoria, em tom crítico e descrito da sociedade presente.)

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Bibliografia
http://pelanatureza.pt/natureza/ecoinfo/desenvolvimento-sustentavel-o-que-e
https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/3641/1/TMCAP_AnaMendon
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https://www.ourplanet.com/pt/explore/one-planet/
https://www.netflix.com/pt/title/81002391
https://www.netflix.com/pt/title/80146284
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https://www.sic.pt/Programas/e-pra-amanha/episodios/2020-05-17-E-Pra-Amanha---
Episodio-1---A-alimentacao
https://www.sic.pt/Programas/e-pra-amanha/episodios/2020-05-24-E-Pra-Amanha---
Episodio-2---Energia-e-Mobilidade
https://www.sic.pt/Programas/e-pra-amanha/episodios/2020-05-31-E-Pra-Amanha---
Episodio-3---Economia
https://www.sic.pt/Programas/e-pra-amanha/episodios/2020-06-07-E-Pra-Amanha---
Episodio-4---Politica
CUISIN, Michel – O que é a ecologia? . Horizonte universitário
COUSTEAU, Jacques; SCHIEFELBEIN, Susan – O Homem, a Orquídea e o Polvo.
Difel
DA CRUZ, Humberto – Ecologia e a Sociedade alternativa. A regra do Jogo, edições
BRIGHT, Michael – O mar está a morrer. Edinter
GRIBBIN, John – O buraco no céu: a ameaça do Homem à camada de ozono.
Publicações Europa-América
77
NATURAIS, ministério do ambiente e recursos – Livro Branco sobre o estado do
ambiente em Portugal
INDUSTRIAIS, Instituto de apoio às pequenas e médias empresas – O aproveitamento
de desperdícios
MOREIRA, Carlos Pinto – Pesca e Aquicultura

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Você também pode gostar