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A partir desse referencial teórico, é possível que o isolamento social e as novas práticas
de convívio, sejam em ambiente pessoal ou profissional, exerçam influência duradoura
no comportamento da sociedade brasileira. É importante destacar que, em razão da
pandemia afetar de maneira desigual diferentes regiões e classes econômicas, as
mudanças no comportamento não se darão de maneira simétrica e qualquer estudo que
alvitre entender este processo precisa trabalhar com recortes regionais e de classe. A
razão pra essa assimetria pode ser explicada através de várias perspectivas, mas se
pensarmos pela chave da economia comportamental o motivo é óbvio: a mudança de
rotina se da de maneira distinta e as decisões tomadas sob o efeito de emoções variam
conforme o encaixe social, portanto, o processo de “autoarrebanhamento” de diferentes
grupos não converge pra um mesmo caminho. Não obstante a isso, um esforço inicial
consiste em tentar encontrar mudanças que impactaram a sociedade de forma geral,
mesmo que com grau de incidência distinto.
Por fim, traçando um paralelo com a sociologia brasileira, a não distinção entre o
público e o privado é uma característica forte do Homem Cordial, como descrito por
Sergio Buarque de Holanda. O permanente “desejo de estabelecer intimidade” e o
“predomínio dos comportamentos de aparência afetiva” (5) são características
fundadoras da sociedade brasileira na visão de Buarque, apesar de tal visão ser passível
de críticas. Tais características fazem com que o homem cordial não consiga reconhecer
o limite entre o seio familiar e a rua, portanto, o contato físico e o “olho no olho” são
cruciais pra estabelecer essa conexão (mesmo que apenas aparente). Nesse sentido,
deixo uma provocação final: da mesma forma que Shiller enxerga que existem duas
pandemias em ação e destaca como isso influencia os mercados financeiros, é possível,
através de conceitos oriundos de experimentos comportamentais, estabelecer uma
relação entre o sentimento de medo gerado pela pandemia e uma mudança nas
características fundantes da sociedade brasileira, uma vez que o isolamento social inibiu
a possibilidade de estabelecer intimidade e talvez passemos a enxergar o contato com o
outro através de outra perspectiva (versão geral do “autoarrebanhamento”). Se sim,
quais serão os impactos disso no longo prazo?
Referências bibliográficas:
(1) BIANCHI, Ana Maria; DA SILVA FILHO, Geraldo Andrade. Economistas de avental branco:
uma defesa do método experimental na economia. Revista de Economia Contemporânea, v. 5,
n. 2, 2001.
(2) FISCHER, Liliann et al. (Ed.). Rethinking economics: An introduction to pluralist
economics. Routledge, 2017.
(3) ARIELY, Dan. Positivamente irracional: os benefícios inesperados de desafiar a lógica em todos
os aspectos de nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2010.
(4) https://www.semprefamilia.com.br/saude/buscas-no-google-por-saude-mental-
tem-recorde-durante-pandemia/
(5) https://ciceronogueira.com.br/homem-cordial-9df1a2f48ff3
(6) https://www.project-syndicate.org/commentary/how-covid19-pandemic-affects-
financial-market-narratives-by-robert-j-shiller-2020-03