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História do pensamento econômico

Marcelo Henrique Leite Alonso – 123.237


Ciência Econômicas – Integral (mas cursando a disciplina no noturno)

A economia comportamental, em termos simples, é a interface entre a psicologia e a


ciência econômica e é um campo de estudo relativamente novo se comparado com
qualquer uma das áreas que a compõe individualmente. No capítulo do livro
“Repensando a Economia” que aborda a economia comportamental, Stephen Young
destaca como os princípios desenvolvidos nesse campo do conhecimento se alastraram
para a formulação de políticas públicas. Nessa mesma linha, Robert Shiller comenta
sobre duas pandemias que estão em ação: a viral e a de ansiedade nos mercados
financeiros. O ponto em comum entre o que Young e Shiller falam é um indivíduo que
não é maximizador a todo instante, pois está sujeito a vieses. A ideia deste ensaio é
explorar a ideia de Shiller que existem duas pandemias em ação, porém sem dar
enfoque ao aspecto dos mercados financeiros e para possibilitar esta abordagem
recorrerei a outro autor. A ideia ao recorrer a outro autor é fazer menção direta e
indireta ao artigo de Ana Maria Bianchi e Geraldo Andrade da Silva Filho, Economistas
de avental branco: uma defesa do método experimental da economia, que defende
justamente a forma como o elemento central da argumentação deste texto foi
construído, mesmo que não se referindo a ele especificamente. Em nosso caso, as
críticas enfrentadas dificilmente serão de natureza moral, pois o autor selecionado tem
cuidado ao desenvolver seus experimentos, porém, para chegar a conclusão que este
artigo enseja talvez enfrentemos críticas de natureza técnica, especialmente dos
defensores do modelo econômico clássico, que entendem que as complexidades
humanas não podem ser reproduzidas em laboratório. Tendo isso em mente, o presente
ensaio não tem como intuito discutir as minúcias dos experimentos econômicos feitos
em laboratório e sim tentar criar uma ponte entre um conceito percebido através de
experimentos e a sociedade brasileira. No artigo de Bianchi e Filho, eles citam Starmer
(1999b: p. 8) para dizer que não há porque rechaçar experimentos feitos em laboratório,
uma vez que prever o comportamento humano requer aceitar a ideia de que existem
regularidades no comportamento humano que chamam a atenção de economistas.

Em seu livro intitulado “Positivamente Irracional”, o economista Dan Ariely dedica um


capítulo inteiro para explorar os efeitos que emoções efêmeras exercem sobre o padrão
comportamental dos indivíduos no longo prazo. Para exemplificar essa ideia, o autor
sugere que se imagine um cenário em que o seu time de coração é campeão e, ainda
tomado pela emoção, você recebe a notícia que irá visitar a sua sogra. Como o
sentimento da vitória toma conta de seu corpo e mente, você decide que irá levar flores.
Um mês após a conquista do campeonato, com a euforia já dissipada, você descobre que
irá visitar a sua sogra novamente. Imediatamente seu cérebro se recorda de como deve
agir um bom genro e de como ela ficou feliz com aquelas tulipas. Tendo isso em vista,
você repete o ato até que ele se torne um hábito. O importante para se tirar disso é que,
apesar da emoção inicial não estar presente nas decisões subsequentes, você utiliza suas
ações passadas como referência comportamental para o futuro. Esse processo é
denominado de “autoarrebanhamento” por Ariely e nos ajuda a entender como decisões
tomadas sob o efeito de emoções podem desencadear no surgimento de diferentes
padrões comportamentais. A questão chave para incorporar esse conceito de
“autoarrebanhamento” na análise é compreender que o indivíduo não é perfeitamente
racional, tampouco irracional, a sua racionalidade é limitada e está sujeita a vieses (que
podem ter inúmeras origens e explicações).

A partir desse referencial teórico, é possível que o isolamento social e as novas práticas
de convívio, sejam em ambiente pessoal ou profissional, exerçam influência duradoura
no comportamento da sociedade brasileira. É importante destacar que, em razão da
pandemia afetar de maneira desigual diferentes regiões e classes econômicas, as
mudanças no comportamento não se darão de maneira simétrica e qualquer estudo que
alvitre entender este processo precisa trabalhar com recortes regionais e de classe. A
razão pra essa assimetria pode ser explicada através de várias perspectivas, mas se
pensarmos pela chave da economia comportamental o motivo é óbvio: a mudança de
rotina se da de maneira distinta e as decisões tomadas sob o efeito de emoções variam
conforme o encaixe social, portanto, o processo de “autoarrebanhamento” de diferentes
grupos não converge pra um mesmo caminho. Não obstante a isso, um esforço inicial
consiste em tentar encontrar mudanças que impactaram a sociedade de forma geral,
mesmo que com grau de incidência distinto.

É provável que o isolamento social, em decorrência do risco de contágio, tenha gerado


um mix de sentimentos nas pessoas e é possível verificar isso através de dados
fornecidos pelo Google Trends, que apontam alta de 98% nas buscas sobre o tema de
saúde mental em 2020, ante a média verificada nos 10 anos anteriores (4). O
bombardeamento de notícias sobre a doença, o medo de se infectar e sofrer os revezes
ou passar pra algum familiar que compõe o grupo de risco, a falta de convívio social ou
até mesmo a perda de pessoas próximas são alguns dos fatores que explicam o aumento
nas buscas do google sobre saúde mental. Tendo isso em mente, fica claro que uma
série de decisões foram tomadas sob estado de extrema tensão, e haja vista que o
exemplo fornecido por Ariely para definir uma emoção que influenciaria o padrão
comportamental posterior é uma vitória em um campeonato, aparenta ser plausível
dizer que o período de isolamento provocará inúmeros “autoarrebanhamentos”.

Uma discussão mais qualificada envolve o entendimento de como nos “arrebanhamos”


e Ariely joga luz a essa questão dizendo que há duas maneiras básicas pelas quais o
processo pode atuar: versão específica e versão geral. A versão específica consiste na
lembrança de situações bem determinadas e na réplica delas posteriormente (Exemplo
fornecido por Ariely: “Como levei vinho na última vez que jantei na casa dos meus
amigos, farei o mesmo desta vez”). A versão geral considera uma compreensão mais
ampla das decisões tomadas por nós mesmos e elas se tornam, de acordo com o autor,
indicadores de nosso caráter e de nossas preferências (Exemplo fornecido por Ariely:
“Eu ajudei o morador de rua no semáforo, portanto, sou uma pessoa boa e devo fazer
outras ações de caridade”). A versão geral é mais complexa e tem maior relevância na
análise proposta por este ensaio pois seus desdobramentos são incontáveis e podem
alterar até mesmo as preferências do cidadão – ponto importante quando pensamos em
políticas públicas. Nesse parágrafo cabe uma menção ao artigo de Ana Maria Bianchi e
Geraldo Andrade da Silva Filho, em que eles concluem que a economia difere de
ciências como a astronomia por não respeitar o princípio do paralelismo, ou seja, os
resultados encontrados em um experimento podem ser diferentes no próximo (mesmo
que exatamente igual mas com uma amostra diferente). Apesar disso, os autores
enxergam que o método experimental feito de forma sistemática pode gerar bons frutos
e embora não deem esse argumento para endossar os experimentos feitos em trabalhos
acadêmicos da área, que, na opinião deles, são questionáveis em muitos casos, eles
entendem que podem servir para explorar novos desdobramentos teóricos. Essa menção
tem como finalidade esclarecer que a ideia de “autoarrebanhamento” e suas versões
foram testadas através de experimentos e há uma barreira clara entre esses conceitos e o
do modelo econômico clássico, portanto, aproximações devem ser feitas com cuidado e
exigem rigor. O experimento para testar o “autoarrebanhamento” foi um “jogo de
ultimato” modificado e no próprio artigo de Filho e Bianchi há uma crítica a esse tipo de
abordagem pois não permite que o jogador aprenda com os erros e ao saber que está em
um experimento pode agir de maneira distinta da qual agiria na vida real. Para contornar
esse problema, Ariely da um estímulo prévio ao jogo do ultimato – cada grupo assiste a
um vídeo diferente (um de injustiça e um descontraído) e após assistirem os
participantes devem descrever uma situação parecida que eles viveram. Tal estratégia
permite que uma emoção real dos participantes entre em cena e o que será avaliado no
jogo do ultimato é como diferentes estímulos, que remetam a vida real, proporcionam
resultados diferentes. Assim como qualquer experimento este possui limitações e é
passível de críticas.

Por fim, traçando um paralelo com a sociologia brasileira, a não distinção entre o
público e o privado é uma característica forte do Homem Cordial, como descrito por
Sergio Buarque de Holanda. O permanente “desejo de estabelecer intimidade” e o
“predomínio dos comportamentos de aparência afetiva” (5) são características
fundadoras da sociedade brasileira na visão de Buarque, apesar de tal visão ser passível
de críticas. Tais características fazem com que o homem cordial não consiga reconhecer
o limite entre o seio familiar e a rua, portanto, o contato físico e o “olho no olho” são
cruciais pra estabelecer essa conexão (mesmo que apenas aparente). Nesse sentido,
deixo uma provocação final: da mesma forma que Shiller enxerga que existem duas
pandemias em ação e destaca como isso influencia os mercados financeiros, é possível,
através de conceitos oriundos de experimentos comportamentais, estabelecer uma
relação entre o sentimento de medo gerado pela pandemia e uma mudança nas
características fundantes da sociedade brasileira, uma vez que o isolamento social inibiu
a possibilidade de estabelecer intimidade e talvez passemos a enxergar o contato com o
outro através de outra perspectiva (versão geral do “autoarrebanhamento”). Se sim,
quais serão os impactos disso no longo prazo?

Referências bibliográficas:

(1) BIANCHI, Ana Maria; DA SILVA FILHO, Geraldo Andrade. Economistas de avental branco:
uma defesa do método experimental na economia. Revista de Economia Contemporânea, v. 5,
n. 2, 2001.
(2) FISCHER, Liliann et al. (Ed.). Rethinking economics: An introduction to pluralist
economics. Routledge, 2017.
(3) ARIELY, Dan. Positivamente irracional: os benefícios inesperados de desafiar a lógica em todos
os aspectos de nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2010.
(4) https://www.semprefamilia.com.br/saude/buscas-no-google-por-saude-mental-
tem-recorde-durante-pandemia/
(5) https://ciceronogueira.com.br/homem-cordial-9df1a2f48ff3
(6) https://www.project-syndicate.org/commentary/how-covid19-pandemic-affects-
financial-market-narratives-by-robert-j-shiller-2020-03

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