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Entre o Fascinio Do Passado e o Enigma Do Futuro
Entre o Fascinio Do Passado e o Enigma Do Futuro
Margem, Faculdade de Ciências Sociais PUC – SP, nº. 5, São Paulo, EDUC,
1992.
ISAÍAS PESSOTTI
Resumo
Abstract
The article analyses the emotions raised by the narrations of the past,
by the experience of present facts and by the lack of definitions of the future.
This procedure allows to place the human being – weak, limited, insecure and
painfully autonomous – before the future’s enigma: how to design and build
it. Science is the only reliable source, but it brings about the possibility of the
scientifically administered domination of peoples, individuals and resources.
The discussion and proposal of values for the future must be searched in the
historical and scientifical knowledge. This is a major role of universities.
Key Words: Time experience; emotions and time; Science and ethics;
ethics and university; future construction.
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presença no meio de pessoas que sabem e podem mais que ela, e que
viveram experiências que ela não conhece, falam de coisas e fatos que ela
jamais viu. Conhecer o passado significa, agora, o alívio da angústia de
existir por acidente, sem razões, sem explicação. A criança adora saber como
viviam seus pais e seus avós porque, ao conhecer esse passado, enxerga sua
existência como parte coerente de um processo, como “fruto” dele. O
conhecimento do passado, neste caso, atrai porque ordena o caos, ilumina a
penumbra. Aclara o horizonte.
Também o adulto encontra prazer em descobrir como viviam seus
avós, como era sua cidade antes de ele nascer, como foi a chegada do
primeiro médico à vila. Por quê? Pelo mesmo motivo: ele encontra, ao saber
desse passado, explicações que lhe faltavam, significados novos para
acontecimentos que pareciam incompreensíveis, respostas para perguntas
que gostaria de ter feito e não fez. Ele também busca, e acha, no passado, a
resposta a incertezas, a reordenação do que não se explicava. (O
conhecimento do passado traz o prazer de achar respostas. Mesmo a
perguntas jamais formuladas, inconscientes, disfarçadas sob a forma de
angústias e inseguranças.)
E o passado alheio? O dos acontecimentos políticos, sociais e culturais?
Tem seu charme, também ele.
Conhecer os detalhes da colonização portuguesa no Brasil, do
assassinato de Júlio César, das batalhas dos templários da Terra Santa ou da
abdicação de D. Pedro I dá a sensação de penetrar no proibido, no
escondido. Não só: dá a sensação de pertencer a um processo maior, que
inclui aqueles episódios. Mesmo que eles não nos empolguem, ainda que nos
incomodem, o simples fato de conhecer esse passado dá algum sentido mais
claro à nossa concepção do presente e da vida. Neste caso, o conhecimento
histórico não só dissipa as trevas, mas também nos dá recursos para julgar o
passado; não só nos reduz as ansiedades, mas nos torna, em certo modo,
donos de episódios que não eram nossos e nos mostra participantes de
processos que nem conhecíamos. O conhecimento histórico, agora, amplia a
nossa significação. Também por isso nos fascina. Ele nos faz saber em que
rota caminha a nave que nos transporta, por quais portos ela já passou.
Há mais uma explicação para os encantos do passado e do
conhecimento histórico. Também envolve a busca dessa significação nossa
no processo temporal em que navegamos. Mas há alguma diferença aqui. A
que vai entre o enxergar-se como participante de um processo histórico
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A ciência nos deu fórmulas que nos podem levar a diferentes direções.
Que nos permitem caminhar, prever impasses, cruzamentos, acidentes de
percurso. Armados do conhecimento científico, enfrentaremos o futuro com
um mapa cuja malha viária se faz cada dia mais complexa e interdependente.
É um mapa mais preciso a cada dia. E é com ele que deveremos atravessar o
futuro, com menos sofrimento ou com mais segurança. Um futuro risonho,
portanto?
Talvez não. O mapa da ciência não tem norte. Pode dar-nos fórmulas,
mas não rumos. Falta a bússola. E a bússola dos valores está desgovernada.
Sem ela, apostar na esperança é puro jogo. Com o risco que todo jogo
implica.
Nesse impasse não nos socorre o mito nem o dogma, que ambos
foram substituídos pela ciência. Mas também ela agora não nos salva. O
poder da tecnologia, que o conhecimento científico trouxe ao homem, não
aponta rumos, oferece métodos. Para produzir antibióticos ou guerra
bacteriológica, por exemplo. A ciência não só nos desamparara na hora de
escolher os rumos do progresso. Criou um risco maior: junto com o poder da
tecnologia ela gerou a tecnologia do poder. A dominação de povos, riquezas
e pessoas, idéias, recursos de sobrevivência, mercados, opiniões e
consciências não se faz mais com a tirania do dogma, com os fanatismos do
mito, coisas do passado. A razão os suplantou, a ciência os baniu. No futuro
toda aquela dominação se exercerá, como já se ensaia agora, segundo as
regras do conhecimento científico.
O poder cientificamente administrado: este é o grande fantasma do
futuro. Um formidável aparato de controle tecnológico das coisas e das
pessoas. Controle para quê? Para qual fim? Tanto quanto o saber aspira à
ordenação teórica, à formalização, à coerência ou, numa palavra, à forma, o
poder aspira à força e aborrece as formas, prescinde das coerências e das
formas teóricas; ele tem por meta o próprio crescimento e a própria
ampliação. Cresce oportunista, como uma rede informe e mutável de pontos
de apoio e de realimentação.
Há uma contradição insanável entre a forma e a força, entre os fins do
saber e os do poder. Seguramente o rumo do futuro, se ditado pelo poder,
qualquer que seja seu dono, visará apenas ao próprio crescimento desse
poder. Podemos esperar, então, que a indicação de rumos virá dos homens
do saber? Virá da instituição destinada a produzir e buscar o saber? Virá da
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