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A morte de Virgílio1
O escritor austríaco Hermann Broch, nascido
em 1886, em Viena, refere, em Création Lit
téraire et Connaissance, no ensaio sobre “Le Style
como “uma espécie de abstração”, corresponde a
uma “expressão [que] repousa cada vez menos no
vocabulário (...) e pelo contrário cada vez mais na
de l’Âge Mythique” (Broch, 1966b: 260), que o sintaxe” (id., ibid.). Esta relação sintática aproxi
“estilo da velhice” é um dom do artista que pode mase mais de uma memória Gedächtnis2, uma
amadurecer com o tempo, muitas vezes perante os “memória das palavras”, nomes que apelam a ou
“signos premonitórios da morte”, ou perante a tros nomes, cadeias e relações de signos, relações
aproximação da idade ou da morte – e correspon por vezes significantes, por vezes contiguidades
de ao “atingir de um nível de ex metonímicas, oxímoros, repetições,
pressão novo”, como nos iterações, citações internas, querer
exemplos de Ticiano, Goya, Rem não esquecer certas palavras, des
brandt, Beethoven, Bach e Go esquecer as amnésias.
ethe: no caso deste autor, Hermann Broch acrescenta que
Hermann Broch refere as cenas fi “a maior parte dos vocábulos é o re
nais de Fausto nas quais “a lin sultado de combinações sintáticas
guagem desvenda os seus que se tornam convenções univer
próprios mistérios” e “os de toda a salmente aceites, isto é, símbolos”;
existência” (id., ibid.). nesta qualidade são vistos como “re
As suas próprias palavras po presentações naturalistas”. Por ou
dem ser aplicadas ao livro A Morte tro lado, “o estilo é a fixação de uma
de Virgílio, em que recria as últi série de convenções por uma certa
mas horas de vida do autor de época”. Nesta argumentação, Her
Eneida. Nesse romance, publicado mann Broch exprime o símbolo co
em 1945, seis anos antes da morte de Hermann mo uma construção linguística
Broch, essa “mudança radical de estilo”, que é vista (sintática), uma codificação que, enquanto tal, a par
1 Broch, Hermann (1987). A Morte de Virgílio. Lisboa: Relógio d’Água, 2 vol.. Trad. de M. A. Silva Melo, Der Tod des Vergil,
Suhrkamp Verlag, s/ data.
2 Gedächtnis e Erinnerung são dois conceitos para falar de ‘memória’, ainda que Erinnerung possa ser traduzido por ‘recordação’,
‘ lembrança’. É em parte a discussão dessa diferença que apresentamos ao longo do texto, mas a complexidade do tópico deve
fazernos pensar, como diz Frances Yates, em The Art of Memory (Chicago: The University of Chicago Press, 1996, pp. 68) que
já este problema era levantado no Ad Herennium, de autor desconhecido (Roma, circa 8682 A.C), que distingue uma memória
natural e uma memória artificial, que pode ser treinada, uma memória de lugares e uma memória de imagens, cuja teoria
pressupõe uma memória de coisas (“res”) e uma memória de palavras (“verba”). Assim, podemos falar de uma arte da memória
como uma escrita (interior), podendo dizerse que a ‘memória das coisas’ cria imagens para nos lembrarmos de um argumento,
de uma noção, ou de uma ‘coisa’, mas a ‘memória das palavras’ tem de encontrar imagens (em termos de uma mnemotecnia) para
se lembrar de cada uma das palavras. Em todo o caso, a analogia entre memória e escrita (e tradução) é muito forte: ao inventar
a arte da memória, Simónides de Ceos estabelece o princípio da ordem: selecionar lugares e formar imagens mentais das coisas
de que nos queremos lembrar e guardar essas imagens nos seus lugares, de modo que a ordem dos lugares respeite a ordem das
coisas, e as imagens das coisas denotem as próprias coisas. A analogia entre palavras e imagens está sintetizada na célebre
definição também atribuída a Simónides: “A pintura é uma poesia silenciosa e a poesia é uma pintura que fala”.
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tir da sua aceitação, se torna “naturalista”, associa desses princípios últimos; por analogia, em A
da ao estilo de uma época. Morte de Virgílio farseia uma ponte, e a época
Este conceito da combinação que se torna con de Virgílio seria recuperada na atualidade e sub
venção e codificação tanto existe na arte em que sumiria todas as épocas, num agora total e abso
predomina o vocabulário como nas artes e ciências luto, em que o estilo do livro fosse esse estilo da
mais sintáticas (como nos exemplos que o autor de velhice que “abraça a totalidade do univer
A Morte de Virgílio dá da matemática, na p. 260, e so” (Broch, 1966b: 261).
da música, na p. 261). Mas a Erinnerung, a memó Mas ao descrever este estilo como “mito” (“mi
ria das experiências que interiorizámos e que ma to e ‘estilo da velhice’ são duas abreviações do con
nifestamos numa obra, é também tornada possível teúdo do mundo, porque representam a sua
pela Gedächtnis, memória sem imagens (bildlos) estrutura na sua essência própria” id., ibid.),
e que depende de um sistema linguístico, de uma Hermann Broch fala de uma narração, de uma fic
escrita, da estrutura da linguagem, de uma cadeia ção: a da criação da totalidade, a realidade que
de signos sem atribuição de significado, mecâni nunca está concluída, para a qual não pode haver
ca da própria língua. É esta mecânica que é mais luto porque não pode nunca ser dada como um
visível em A Morte de Virgílio e que só pode ser passado que já é passado – ou seja, a criação de
reconstruída numa tradução, uma vez que a uma realidade que não é um pretérito perfeito é
Gedächtnis depende da sintaxe particular de cada uma realidade que se constrói permanentemente
língua. através do vocabulário novo e da sintaxe, pois “é
O artista dotado deste estilo “não se satisfaz nesta realidade nunca realizada e sempre em cria
com o vocabulário convencional fornecido pela ção ela própria, na edificação de um vocabulário
sua época” (Broch, 1966b: 261), “forma o seu pró novo por meio da sintaxe, que reside o essenci
prio vocabulário com a ajuda das raízes sintáti al” (Broch, 1966b: 262).
cas”. A obra de arte autêntica “deve sempre Com este estilo da velhice, em A Morte de Virgí
abraçar a totalidade do mundo, deve ser o contra lio, surge inevitavelmente a metafísica da presença
peso e o espelho deste universo” (id., ibid.). Neste de um autor, revelado fantasmagoricamente pela
ponto, o artista está para lá da arte – “ele não se retórica da memória, pela irrupção e imaginação de
interessa, nem pela ‘beleza’ da arte, nem pelo efei uma Erinnerung e uma amnésia da Gedächtnis, o
to que produz no público”, tem apenas a “preocu ‘esquecimento’ de que qualquer autor aparece
pação de exprimir o universo”. Como a sempre pela memória da escrita do intérprete
preocupação é a expressão do universo, ser o con que o produz, o próprio Hermann Broch. A difi
trapeso e o espelho dele, Hermann Broch fala aqui culdade dessa metafísica reside no valor atribuído à
da insuficiência das palavras, da insuficiente me relação sintática para exprimir o todo, o que só é
mória do estilo de toda a época – de modo a ser possível com um vocabulário novo, numa irrupção
necessário criar o seu próprio vocabulário, o seu de imagens, construindo metonimicamente cadei
próprio estilo, um estilo que “mostre os princípios as de alegorias: “É só na alegoria que se pode captar
de base essenciais” do universo: isto é, criando as a vida, só na alegoria se exprime a alegoria; infinita
sim uma contiguidade entre o seu estilo, reduzido é a cadeia de alegorias, e sem alegoria é apenas a
a essa abstração técnica, sintática, e a abstração morte, em direção à qual ela se estende” (Broch
APP, Palavras revista em linha, 12018 136
(1987). A Morte de Virgílio. Lisboa: Relógio cível com coisas perenes” (id., p. 135), sabendo
d’Água, vol. II, p. 140). que “toda a obra humana tem de brotar do crepús
Mas há sempre uma tensão, uma disjunção e culo e da cegueira – e por conseguinte conservarse
um conflito entre uma interiorização de uma ex na incoerência”, sendo essa incoerência maldição
periência e a sua exteriorização verbal, entre um e bênção, simultaneamente “insuficiência huma
pensamento sem imagens, que avança em pura na” e “proximidade do divino” (Broch, 1987, vol.
mecânica sintática e retórica, e a imaginação, en II: 220), por ser ultrapassagem da própria condi
tre a insuficiência do signo e a união de fragmen ção humana.
tos, a ineficácia das analogias, o hermetismo dos Ora, neste estilo da velhice, estilo do essencial
oxímoros, a inépcia do controlo absoluto. É por is mesmo com o preço de se tornar abstrato, criando
so que este trabalho é um trabalho constante, e é uma arte que cria o mito do estilo da velhice de
por isso que a tradução permite continuar o origi Virgílio, fazendo viver o problema da existência
nal, dandolhe uma nova vida, deslocando as dis humana, do homem enquanto tal, põese um pro
junções impossíveismasnecessárias para uma blema aos tradutores análogo ao descrito por Her
nova língua. mann Broch acerca do poema de Matthias
A reprodução integral de uma época só é Claudius (Broch, 1966a: 301306): dada a diferen
possível em certas épocas, quando a arte repro te “coloração” das línguas e as diferentes relações
duz completamente o estilo da época – ou seja, sintáticas entre elas, os tradutores vão introduzir
quando o mito se torna familiar e humano, variações de “abstração”, procurando fazer “ver” o
quando o mito se vê envolvido na lenda, porque que crê serem, em certos momentos, os factos es
a arte resimboliza os valores que simbolizam o senciais, a estrutura essencial do mundo – mas
mundo, e só em certas épocas é possível esse má vista através dos olhos de Virgílio através dos
ximo de humanidade. Daí a preocupação de Her olhos dos tradutores.
mann Broch em fundar, como Homero, a arte e o Hermann Broch argumenta que só é possível
mito através da lenda: o mito do Poeta investido aceder ao “ser verdadeiro” das coisas se o autor for
de qualidades humanas, de sentimentos huma capaz de “se despojar do [seu] Eu projetandoo no
nos, a humanização do mito (cf. Broch, 1966b: objeto, de modo que este se ponha a falar em [seu]
265, e a crítica à “austeridade” de Homero). O Po lugar” (Broch, 1966c: 154155). Esta é uma situa
eta é, em A Morte de Virgílio, aquele que sofre es ção alegórica do que se passa numa obra e na sua
cárnios e humilhações na viagem de liteira, aquele tradução: a singularidade da obra é esse eu que
que sofre o horror da gargalhada que aniquila o não pode dizer ‘eu’. A tradução é, deste ponto de
homem “desnudando o mundo” (Broch, 1987, vol. vista, enquanto elemento simbólico na cosmogo
I: 127), gargalhada que é como uma língua que nia da literatura, um pensamento, uma sintaxe
não serve para comunicar entre as pessoas: o hor criadora de unidade que faz desaparecer alegorias
ror da desumanidade é uma voz gutural sem sin falando em seu lugar – e sabendo, como diz o nar
taxe, uma fala não articulada. O Poeta é também rador de A Morte de Virgílio (Broch, 1987, vol. II:
aquele que argumenta com a insuficiência da sua 108), que a “alegoria não é conhecimento” mas “fica
obra, com a sua incompletude, para dar conta da diante dele, encobrindoo como um biombo escu
totalidade do mundo, e sonha em “criar o impere ro”. Também a tradução encobre, nesse sentido, o
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sentido do original, como um mal inevitável – o Morte de Virgílio pela justaposição: justaposição
“mal da alma humana encarcerada, para a qual to sintática que fala, nessa representação (Darstel
da libertação é apenas novo encarceramento (Bro lung), da simultaneidade das coisas: disjunção im
ch, 1987, vol. I: 97). possívelmasnecessária entre metonímia e
Por outro lado, a disjunção entre o Eu e o não metáfora, metonímia que constrói uma absoluta
Eu (que se lhe opõe sob a forma de mundo exteri metáfora terrena. Por outras palavras, neste estilo
or) é análoga à que existe entre original e tradução e num estilo de tradução que lhe fosse literalmen
e entre Gedächtnis e Erinnerung: “todos os meios te fiel, como pretende Walter Benjamin (1923),
de expressão que foram confiados ao homem para não é possível falar da simultaneidade total sem
representar [o nãoEu] (...) pertencem também ao analisar uma construção que não pode deixar de
mundo e o pior de tudo é que em cada ato de iden ser uma justaposição e uma contiguidade que su
tificação um bocado do Eu entra no nãoEu, modi cede no tempo.
ficao e enriqueceo, de modo que o processo (...) Assim, isso que veria um Deus que abraça tudo
deve ser imediatamente repetido.” (Broch, 1966c: ao mesmo tempo é uma promessa impossível, por
156). Esse bocado de Eu que entra no nãoEu é si que há simultaneamente ocultação na revelação,
multaneamente um fragmento de um Eu que pa dado que a arte simbólica conta uma história defei
ra falar só pode recorrer a meios de expressão tuosa (a alegoria é como um biombo), em que o de
que pertencem ao nãoEu (tal como um original feito é um default, isto é, está inscrito no meio de
fala através de uma tradução), e ao falar torna expressão que dá conta desse absoluto e não per
se nãoEu, tal como uma obra ‘perde a sua singu mite apontar para um significado único ou expõe
laridade’ desmultiplicada em interpretaçõestra demasiado certas características (ao construir a
duções sucessivas, que “devem ser prosopopeia necessária à alegoria), o que acrescen
imediatamente repetidas” – ao falar, a obra mo ta um suplemento de ocultação no mesmo gesto em
difica e enriquece a tradução, mas ao falar pela que se procura desocultar. Por isso, na alegoria final
tradução tornase um Eu que não pode dizer ‘eu’, da obra (Broch, 1987, vol. II: pp. 276277), o uni
que portanto só pode desaparecer para poder verso desaparece perante o Verbo, “dissolvido e
falar, sendo a tradução a sua voz ‘própria’, a me anulado no Verbo, mas no entanto nele contido e
diação impossívelmasnecessária. nele guardado, aniquilado e novamente criado”, tal
Hermann Broch diz, citado por Hanna Arendt como uma tradução. O despojamento do Eu para
(1966: 27), que a supressão do tempo é o espaço, é chegar ao ‘ser verdadeiro’ das coisas é tal que o Poe
atingir “uma simultaneidade que eleva toda a su ta não era capaz de reter o Verbo, “e não o devia re
cessão e a faz entrar numa justaposição, na qual o ter; o Verbo tornarase para ele inconcebível e
fluxo temporalmente estruturado do mundo e da inexprimível pois estava para lá da linguagem”.
sua riqueza em experiências se apresentaria como
o aperceberia o olho de um Deus que abraçasse tu João Pedro Aido
do ao mesmo tempo.” Esta teologia é representa
da linguisticamente no estilo da velhice de A
APP, Palavras revista em linha, 12018 138
BIBLIOGRAFIA
Arendt, Hanna (1966). “Introduction.” In Création Littéraire et Connaissance. Paris: Gallimard, pp. 743. Trad. de
A. Kohn, Dichten und Erkennen, ed. H. Arendt, Zürich: RheinVerlag, 1955.
Benjamin, Walter (1923). “Die Aufgabe des Übersetzers.” In T. Rexroth (ed.). Gesammelte Schriften. Frankfurt:
Suhrkamp, 1980, vol. 10, pp. 921. Trad. de H. Zohn, “The Task of the Translator.” In H. Arendt (ed.). Illumi
nations. Essays and Reflections. New York: Schoken Books, 1985, pp. 6982.
Broch, Hermann (1955). La Mort de Virgile. Paris: Gallimard. Trad. de A. Kohn, Der Tod des Vergil, s/ editor, s/
data.
______ (1966a). “Quelques Remarques à Propos de la Philosophie et de la Technique de la Traduction.” In Créa
tion Littéraire et Connaissance. Paris: Gallimard, pp. 289308. Trad. de A. Kohn, Dichten und Erkennen,
ed. H. Arendt, Zürich: RheinVerlag, 1955.
______ (1966b). “Le Style de l’Âge Mythique.” In Création Littéraire et Connaissance. Paris: Gallimard, pp. 257274.
Trad. de A. Kohn, Dichten und Erkennen, ed. H. Arendt, Zürich: RheinVerlag, 1955.
______ (1976). Der Tod des Vergil. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag.
______ (1987). A Morte de Virgílio. Lisboa: Relógio d’Água, 2 vol.. Trad. de M. A. Silva Melo, Der Tod des Vergil,
Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, s/ data.
Yates, Frances (1996). The Art of Memory. Chicago: The University of Chicago Press.
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Qual é a sua definição de uma
revista em linha?
em linha, loc. adv. INF 1 ligado direta ou remotamente a um
computador e pronto para uso (dizse de sistema, equipamento ou
dispositivo) 2 disponível para acesso imediato por um computador
(dizse de dado ou arquivo) <dados em l.> <arquivo em l.> 3 entre
ou em ligação com (sistemas de processamento e/ou transmissão de
dados) <mantevese em l. até receber a resposta>
Palavras revista em linha
Uma nova linha de força que entra em linha
de conta, na sua linha do horizonte. Em linha
direta consigo.
140
T. S. Eliot : A Terra Sem Vida ou A Terra Devastada?
“Nam Sibyllam quidem Cumis ego ipse oculis firmado em entrevista: «Eu sei lá o que é que “in
a
meis vidi in ampulla pendere, et cum illi pueri tenção” quer dizer! Uma pessoa quer é verse livre
dicerent: Σίβνλλα τί ϴέλεις; respondebat illa: de alguma coisa que lhe pesa no peito. Não sabe
άπο ϴανεΐν ϴέλω.” mos que coisa nos pesa no peito antes de a conse
«Um dia vi, com os meus próprios olhos, a Si guirmos tirar de lá1.» .
bila de Cumas aprisionada. Afastando a temática das cicatrizes da guerra, o
Perguntaramlhe os rapazes “Sibila, o que poema modernista expressa uma crise de início de
pretendes?”, respondeu ela “Quero morrer”.» século com uma composição inovadora, obtida
através da multiplicidade fragmentada de perspe
(Epígrafe de The
tivas (collage), de
Waste Land, ex
estilos, de con
certo do Satíri
fluência de géne
con de Petrónio)
ros e de
E m 1922, já em
Inglaterra, T.
S. Eliot publica
distanciamento da
elocução poética,
conjunção que
The Waste Land, destaca The Waste
um dos mais belos Land de um con
poemas do moder junto de poemas
nismo. Ezra do modernismo.
Pound, então radi A crise cultural
cado em Londres, da Europa e a crise
revê o texto de Eli depressiva de Eliot
ot, reduzindoo a coincidiram na génese do poema, mas a sua arte
menos de metade na sua extensão. Para Pound fi revelase na mestria pela qual o autor conseguiu
ca a dedicatória na abertura do poema, expressão fundir as duas experiências numa unidade emoci
que, no século XIII, Dante havia destinado ao tro onal onde a sociedade e o indivíduo, a história e o
vador Arnaut Daniel de Riberac : Il miglior fabbro homem, o cultural e o natural, o objetivo e o subje
o melhor criador. tivo, são rasgados pelos conflitos que nos inícios
Publicado quatro anos após a Grande Guerra, do século começaram a dar forma à nossa contem
o poema começa por ser considerado imagem de poraneidade2.
um conflito bélico que devastou a Europa. O autor São inúmeros os desafios colocados pela tradu
acaba por contradizer tal senso comum partilha ção poética, tornandose fundamental estabelecer
do por leitores de poesia e críticos literários, tendo
1 Cunha, Gualter. A Terra Devastada. Lisboa: Relógio D’Água, p. 9.
2 Idem, p. 10.
3 Mounin, Georges. Les Problèmes théoriques de la traduction. Paris: Gallimard.
141 APP, Palavras revista em linha, 12018
percursos que contemplem a cultura a que a mes tam pela edição bilingue, o que se afigura uma es
ma se destina. colha de sensibilidade literária, tendo em
As diferenças entre culturas constituem bar consideração o facto de ser a língua original do po
reiras à tradução, no entender de Georges Mou ema dominada pela grande maioria dos destinatá
nin3. rios.
O poema de Eliot resolve o conflito da distân Não nos propomos aqui a cotejar as edições re
cia cultural por se situar numa latitude partilhada feridas, tarefa exaustiva e fastidiosa para o leitor,
em acontecimentos sociais e com referentes cultu cabendo a mesma num estudo especializado. Co
rais comuns . Na primeira edição, o autor deixa mo ponto de partida, deixamos a referência aos di
notas sobre a multiplicidade de referências com as ferentes títulos escolhidos pelos tradutores –
quais o texto vai sendo construído: a lenda do Gra Maria Amélia Neto , na primeira edição mencio
al; citações bíblicas; fragmentos de Les Fleurs du nada, e Gualter Cunha, na mais recente : A Terra
Mal de Baudelaire; Dante; Ovídio, entre tantas Sem Vida e A Terra Devastada.
outras. Limitamonos a apresentar a comparação de
Sendo os referentes culturais utilizados por um fragmento do poema, ficando a liberdade da
Eliot comuns ao ocidente, servirá tal ideia para sensibilidade estética a cargo dos destinatários.
contradizer a posição extrema dos defensores da
intradutibilidade em poesia. Consi
deraos Mário Laranjeira os deten 1. The Burial of the Dead
tores de uma ideologia de base April is the cruellest month, breeding
dualista, que opõem conteúdo a for Lilacs out of the dead land, mixing
ma , autor a tradutor, proclamando Memory and desire, stirring
a superioridade do texto original .4 Dull roots with spring rain.
Durante anos, e ainda haverá es Winter kept us warm, covering
Earth in forgetful snow, feeding
ta prática entre alguns editores, a
A little life with dried tubers.
tradução de poesia foi confiada a po
Summer surprised us, coming over the Starnbergersee
etas, provavelmente no receio de ser
With a shower of rain; we stopped in the colonnade,
desvirtuado o texto original. Se a And went on in sunlight, into the Hofgarten,
tradução se circunscrevesse a uma And drank coffee, and talked for an hour.
linguagem básica e essencial, os tex Bin gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.
tos ficariam limitados à incapacida And when we were children, staying at the archduke’s,
de de gerar sentidos. My cousin’s, he took me out on a sled,
Entre duas edições portuguesas And I was frightened. He said, Marie,
conhecidas, a da Ática, datada de Marie, hold on tight. And down we went.
1963 e intitulada A Terra Sem Vida In the mountains, there you feel free.
e a da Relógio D’Água , de 1999, com I read, much of the night, and go south in the winter.
o título A Terra Devastada, mais de
T. S. Eliot, The Waste Land, Faber and Faber
três décadas as separam. Ambas op
4 Laranjeira, Mário. Poética da tradução – do sentido à significância. S. Paulo: Editora da Universidade de S. Paulo.
APP, Palavras revista em linha, 12018 142
1. O Enterramento dos Mortos
Abril é o mais cruel dos meses, gerando
Lilases na terra morta, misturando
A memória e o desejo, atiçando
Raízes inertes com a chuva da primavera.
O inverno mantevenos quentes, cobrindo
A terra com a neve do esquecimento, alimentando
Um pouco de vida com tubérculos secos.
O verão surpreendeunos, ao passarmos por Starnbergersee,
Com um aguaceiro; parámos na colunata
E seguimos já com sol, para Hofgarten.
E tomámos café, e conversámos uma hora.
Bin gar keine Russin, stamm’aus Litauen, echt deutsch.
E quando éramos pequenos e estávamos em casa do arquiduque,
Meu primo, ele levoume num trenó,
E eu assusteime. Ele disse, Marie,
Marie, segurate bem. E fomos por ali abaixo.
Nas montanhas, aí sentimonos livres.
Eu leio quase toda a noite e vou para sul no Inverno.
T. S. Eliot, A Terra Sem Vida , Edições Ática
I. O Enterro dos Mortos
Abril é o mês mais cruel, gera
Lilases da terra morta, mistura
A memória e o desejo, agita
Raízes dormentes com chuva da Primavera.
O Inverno aconchegounos, cobriu
A terra com o esquecimento da neve, alimentou
Uma pequena vida com bolbos ressequidos.
O Verão apanhounos de surpresa, veio por sobre o Stambergersee
Com um aguaceiro súbito; parámos na colunata,
E seguimos, já com sol, para o Hofgarten,
E tomámos café e ficámos uma hora a conversar.
Bin gar keine Russin, stamm' aus Litauen, echt deutsch.
E quando éramos pequenos, e ficámos em casa do meu primo,
O arquiduque, ele levoume a andar de trenó
E eu apanhei um susto. Disse, Marie,
Marie, segurate bem. E fomos por ali abaixo.
Nas montanhas, aí sim sentimonos livres.
Leio, quase toda a noite, e vou para o sul no Inverno.
T.S. Eliot, A Terra Devastada, Relógio D’Água
143 APP, Palavras revista em linha, 12018
Regressando à epígrafe do poema – o diálogo sejo, mas a profetiza acaba por não cumprir a pro
entre os jovens e a encarcerada Sibila de Cumas, messa de amor, ficando a viver a punição de uma
poderemos aproximar Eliot do visionário e do vida longa, à qual é negada juventude. No Satíri
profeta, que se preocupa, em primeira instância, con, a sibila acaba convertida em atração turística:
com o seu compromisso para com a escrita poéti vive aprisionada, marcada pela velhice e a aguar
ca. A figura desta sibila associase à oposição ferti dar o final dos seus dias, à semelhança da terra
lidade/esterilidade, a perpassar The Waste Land. árida de um continente em crise.
Apolo pretende premiar a Sibila de Cumas em
troca do amor que lhe exige, ela pedelhe, como Teresa Vieira da Cunha
recompensa, a vida perene. Élhe concedido o de
BIBLIOGRAFIA
Eliot, T.S. (1963). A Terra Sem Vida. Lisboa. Edições Ática, 1.ª edição (trad. de Maria Amélia Neto).
______ (1999). A Terra Devastada. Lisboa. Relógio D’Água, 1.ª edição (trad. de Gualter Cunha).
APP, Palavras revista em linha, 12018 144
Textos sobre tradução
1. Sobre a tradução1 como a rima, a aliteração e o ritmo do verso na lín
Reúne três ensaios interrelacionados. O pri gua de chegada.
meiro, “Desafio e prazer da tradução”, trata do A verificação da exatidão de uma tradução re
próprio conceito e da sua dificuldade teórica que quereria um terceiro termo de comparação numa
se verifica ser constantemente contornada na prá língua que teríamos de supor “perfeita" ou “pura”
tica, ou, mesmo, ignorada, pois nenhuma língua como dizia Walter Benjamin no seu ensaio sobre
está tão encerrada em si própria que não se “A tarefa do tradutor”. É porque não existe um ab
confronte com outras. soluto linguístico que nos temos
Mas a maneira como se faz a de contentar com traduções sem
equivalência entre enunciados pre imperfeitas, sempre a neces
de línguas diferentes revela fre sitar de ser substituídas por
quentemente indecisões entre outras melhores ou mais adequa
várias opções ou a falta de alter das aos novos tempos. Por isso,
nativas satisfatórias. Um dos surgem em cada época novas ver
motivos por que isso acontece é a sões dos textos principais na nos
correspondência semântica sa cultura.
entre unidades lexicais de lín Quando uma língua recebe
guas diferentes variar com os um novo texto, não fica indife
contextos de tal maneira que so rente. Pelo contrário, surgem no
mos frequentemente surpreen vas estruturas sintáticas, novos
didos com a dissociação ou termos lexicais e novas aceções
mesmo oposição de sentido para as palavras existentes. Paul
entre expressões que tínhamos Ricoeur chama hospitalidade lin
considerad0 equivalentes. guística a esta disponibilidade
A complicar a tarefa da para acolher outros textos. No
tradução, temos a polissemia e as conotações. As caso do Alemão, a tradução da Bíblia por Lutero
sim não chegamos nunca a uma equivalência per correspondeu a um momento refundador da lín
feita porque a palavra ao assumir um certo gua.
sentido num texto não se esquece dos outros sig No segundo ensaio, “O paradigma da tradu
nificados possíveis, contaminando a interpreta ção", Ricoeur volta à explicação da traduzibilida
ção. Esse problema aumenta na tradução de de. Se a possibilidade de traduzir implica a
textos poéticos em que se pretende não só traduzir existência de um fundo comum, esse não será cer
o sentido mas também o jogo entre o significado e tamente uma língua perfeita, a que existia antes
o significante, com a reprodução de jogos de som do pecado ou do erro de nos queremos aproximar
1 Ricoeur, Paul (2005). Sobre a tradução. Lisboa: Cotovia. (Título original: [2004] Sur la traduction. Paris: Bayard).
145 APP, Palavras revista em linha, 12018
de Deus, essa não seria a língua falada antes da “bota”, “sapato”, “ténis” e “sapatilha”. Mas as lín
confusão das línguas instaurada na Torre de Ba guas têm recursos que nos permitem ultrapassar
bel. Na falta de acesso a essa língua perfeita, temos os mal entendidos, como por exemplo, através da
de nos contentar com a possibilidade prática da reformulação, dizer o mesmo com outras pala
tradução e de pôr nesse lugar a questão da fideli vras, com outras construções frásicas, com defini
dade ou da traição ao original. ções e perífrases que são, ao fim e ao cabo,
A tese da impossibilidade, isto é, a afirmação traduções. O crescimento linguístico de cada um
do intraduzível está presente na hipótese etnolin de nós depende deste exercício constante da tra
guística de Sapir e Whorf que, obcecados com as dução. Por isso, parafraseando Husserl, o estran
dificuldades da tradução, consideram cada língua geiro Fremd é todo o outro, tenha ou não a
como um universo fechado (em termos lexicais, mesma língua, na medida em que a intercompre
semânticos e morfossintáticos), nas quais os indi ensão não está garantida entre os falantes de uma
víduos estariam enclausurados ao ponto de a sua certa língua.
experiência do real ser limitada pela língua. Como Traduzir implica mais do que a procura do
traduziríamos as diferentes palavras para “neve” equivalente semântico de uma expressão, pois,
nas línguas esquimós? Como traduzir uma pala por vezes, para salvar a intenção comunicativa, o
vra que numa dada língua tanto designa o cinzen tradutor tem de trair o sentido próprio das pala
to como o azul? Exemplos no plano do léxico vras a favor dos meios utilizados na sua língua pa
abundam. A palavra “bois” em francês pode signi ra realizar o ato de fala que se quer traduzir. A
ficar “madeira”, mas arrasta consigo o significado língua não serve só para comunicar conteúdos se
de “bosque”, ao passo que a palavra “madeira” em mânticos, mas também para realizar ações como:
português esqueceu o bosque para se centrar na advertir, zangarse, insultar, pedir autorização,
ideia genérica de "matéria”, dado o seu correspon autorizar, elogiar, seduzir, iludir, ordenar, menos
dente latino, “materia”. prezar, ridicularizar, etc.
Também aqui, a dificuldade da teoria contra No último dos três ensaios, “Uma passagem,
cena com o desmentido categórico da prática com traduzir o intraduzível”, Ricoeur toma este último
a verificação de encontros entre as línguas mais aspeto que referi, isto é, o de o sentido das frases
distantes que ocorrem em indivíduos bilíngues e não ser redutível ao das palavras que as constitu
em atos de tradução corriqueiros e quotidianos. em. De facto, as frases vivem em enunciados tex
Além disso, as fronteiras linguísticas são porosas tuais e discursivos que formam atos com
com dialetos de transição nas fronteiras geográfi intenções significativas que podem subverter o
cas e entre as línguas oficiais das administrações sentido próprio das palavras.
coloniais e as das várias comunidades linguísticas. Assim, a tradução revelase para Ricoeur uma
Toda a nossa história linguística é feita destas sín atividade de grande complexidade, cujo exercício
teses impuras. implica uma teorização permanente. O aterse ao
Surgem dificuldades similares também entre significado de cada palavra pode resultar numa
os falantes de uma mesma língua. Vejamse, por traição ao original na medida em que se pode per
exemplo, as divergências na utilização de pala der a intenção, o jogo poético original incluindo a
vras: em que contextos podemos usar as palavras tensão entre sentido e intenção, por um lado, e ri
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ma e ritmo, por outro. mento, começam a chover as críticas e a
Nestes textos, Ricouer sintetiza várias contri desenvolverse a polémica que ficou conhecida co
buições que importa aqui registar como elemen mo a “Questão do Fausto”. Nas palavras de Graça
tos para leituras posteriores. Desde logo, a obra de Barreto, a versão de Feliciano de Castilho falhava
Antoine Berman, L’Épreuve de l’étranger, que enquanto “tradução de uma ideia”. Adolfo Coelho
trata da Alemanha romântica do princípio do sé critica problemas de fidelidade e de linguagem.
culo XIX, o já referido ensaio de Walter Bejamin e Outros autores chamam a atenção para a ignorân
o trabalho do escritor Franz Rosenzweig que disse cia linguística de Castilho como uma das razões
que “traduzir é servir a dois senhores: o estrangei para o fracasso da sua edição, feita a partir da ver
ro na sua obra e o leitor no seu desejo de apropria são francesa de Nerval, o que tornava a versão de
ção" (p. 11). Desenvolvendo o seu Castilho uma pseudotradução.
trabalho no âmbito da fenomeno Nada que o próprio não tivesse
logia, Ricoeur combina aqui a he publicamente registado e, em
rança de Husserl com a linguística defesa da sua tradução da
contemporânea de Saussure, Ben tradução, devemos aqui deixar
veniste e Chomsky, referindose escrito que o próprio Goethe
também à história e crítica literá elogiava a versão de Neval que
ria de Schleiermacher e a Steiner preferia ao seu próprio original.
de que destaca Aprés Babel. Em todo o caso, já tinha havido,
2. Apuntes de Historia de la uns anos antes, a tradução de
Traducción Portuguesa2 Agostinho de Ornellas4,
comprovadamente feita a partir
Carlos Castilho Pais aborda a
do alemão, mas a que faltava
história da tradução em Portugal
qualidade literária, na opinião de
dando atenção especial à reflexão
muitos.
a que a atividade de tradução deu
Carlos Castilho Pais
origem.
desenvolvou a questão com mais
Destacase nesta obra a análise
profundidade noutra obra que editou: António
da questão do Fausto. A tradução do poema de
Feliciano de Castilho, o Tradutor e a Teoria da
Goethe por António Feliciano de Castilho
Tradução (Ed.), Coimbra, Editora Quarteto,
apareceu em em 1872. Inicialmente, a obra é mui
2000. Professor da Universidade Aberta, elegeu a
to bem recebida por pessoas importantes da cena
tradução como tema central do seu labor:
literária nacional como Antero de Quental3 e Ca
• Teoria Diacrónica da Tradução Portuguesa –
milo Castelo Branco, apesar da questão do “bom
Antologia (Séc. XVXX), Lisboa, Universidade
senso e bom gosto” que uns anos antes tinha opos
Aberta, 1997.
to Feliciano aos outros dois. Num segundo mo
2 Pais, Carlos Castilho (2005). Apuntes de Historia de la Traducción Portuguesa, Universidad de Valladolid, Vertere.
3 Na valorização que faz da tradução de Feliciano de Castilho, Antero de Quental diz que “Traducir un poema es, sobre todo, tradu
cir el estilo”, traduzido para o espanhol na pág. 165 da obra que leio neste artigo.
4 Paulo Quintela reconheceu algum valor à edição de Ornelas de que preparou uma edição (cf. http://
tambemdeesquerda.blogs.sapo.pt/27782.html)
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• "Aspectos de la traducción oral en Portugal en Virtual Camões, nº 1, 2002.
el siglo XVI”, in José António Sabio Pinilla e M. • “Para uma Crítica da Tradução”, revista Tra
Dolores Valencia (Eds.) Seis Estudios sobre la ducción & Comunication (Universidad de Vigo),
traducción en los siglos XVI y XVII, Granada, 2003, vol. 4, pp. 530.
Editorial Comares, 2003. • Coordenou O Língua: Revista Virtual sobre
• “A tradução portuguesa de Le Juif Errant, Tradução.
um caso singular da tradução do século XIX por • Mantém uma crónica sobre tradução em to
tuguês”, série Estudos de Tradução da revis dos os números do Magazine/PHILOS, desde De
ta Discursos (Universidade Aberta), nº1, Outono zembro de 2005.
2001, pp.4353. Luís Filipe Redes
• “Nomear o Intérprete”, O Língua: Revista
Virtual sobre Tradução, Instituto Camões, Centro
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A Ilíada de Homero
1 Homero, Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço (2005). Lisboa: Livros Cotovia, 7.ª edição, 2017.
2 Lourenço, Frederico (Tradução e adaptação), Richard de Luchi (Desenhos) (2014). A Ilíada de Homero adaptada para jovens.
Lisboa: Livros Cotovia.
149 APP, Palavras revista em linha, 12018
e, no seu comportamento exemplar, honra Tróia e No Canto I da versão em verso, a decisão de
a vida dos troianos, colocandoos muito além do Apolo de pôr fim à epidemia, expressa em Assim
seu próprio bem. disse, orando; e ouviuo Febo Apolo. vaise con
Poder comparar estas duas versões da tradu solidando em sucessivos versos e estrofes. No tex
ção da Ilíada é um privilégio para qualquer leitor to em prosa, a decisão é claramente explicitada, no
da obra. No texto em prosa correm rápidos a frase, último parágrafo da primeira parte do Capítulo 1,
o período e o parágrafo. No texto em verso, suce Assim rezou e Apolo ouviuo. A terrível epidemia
demse os cantos com estrofes regularmente pon chegou ao fim.
tuadas de símiles − Tal como o fogo violento A Ilíada contanos uma história de gregos e
incendeia uma enorme floresta/ no cume da troianos, onde heróis e semideuses, a raça de ho
montanha e de longe se avistam as labaredas − / mens que viveu na estação do outono, acabaram
assim do bronze incontável daqueles que mar por morrer, vítimas das armas. Sabemos que par
chavam/ subia pelo ar o fulgor resplandecente tiram para a morada de Hades, deus do mundo in
até ao céu. − e de paralelismos discursivos. Eis co ferior e dos mortos. Contudo, Perséfone, que aí
mo falou a deusa Hera à deusa Atena: Mas vai tu encontra o marido na estação do outono, há de re
agora por entre as hostes dos Aqueus vestidos de gressar em cada primavera para o ciclo anual das
bronze./ Com as tuas palavras suaves refreia ca colheitas que alimentam as raças de outros ho
da homem;/não deixes que eles arrastem as naus mens que têm vindo a habitar a terra. À semelhan
recurvas para o mar!/; e eis como Atena retomou ça do que acontece no mito, onde o destino retira,
este mesmo discurso junto de Ulisses: Mas vai tu mas deixa a promessa de restituição, poderemos
agora por entre as hostes dos Aqueus; não fiques projetar novos leitores e novos elos da Ilíada,
para trás./Com as tuas palavras suaves refreia acrescentando etapas no processo de transmissão
cada homem;/não deixes que eles arrastem as da cultura ocidental.
naus recurvas para o mar!/ Filomena Viegas
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