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A Dor de Pensar

A inteligência lembra uma varinha de condão: graças a ela, tudo o que dormia o
sono do nada, incluindo o próprio Homem, acorda para a existência. Ser é ser objecto
de conhecimento. A mesma varinha, porém, por um uso intenso e persistente, acaba
por esvaziar a realidade das coisas, fá-las regressar ao nado de onde vieram. É um
instrumento de destruição que vitima aquele que o maneja, lhe provoca a dor de
“universal ignorância”, a sensação de tactear nas trevas, e ao mesmo tempo o cansa, o
corrói, mina as condições elementares de felicidade.

Fernando Pessoa foi dos que sofreram com o terrível paradoxo. Vocacionado
para o exercício exaustivo de uma inteligência esquadrinhadora (…) experimentou a
par do orgulho de conhecer afirmando-se contra a voragem, a pena mais frequente de
lhe ser inacessível a felicidade dos que não conhecem. O privilégio de uma
extraordinária lucidez paga-se caro. (…) Enfim, o tema é a cada passo retomado na
poesia ortónima: “Doo-me até onde penso,/E a dor é já de pensar”. Não vale mais o
bem-estar físico do gato que brinca, obediente às leis universais do instinto? Para quê
esta trituração mental que não conduz a nada?

Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Verbo

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