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A dor de Pensar

Em Fernando Pessoa observa-se a dialética da sinceridade/fingimento


que se liga às da consciência/inconsciência e do sentir/ pensar. Há assim uma
conceção dinâmica da realidade poética que, pela união de contrários, permite
criar linguagens e realidades em si diferentes da linguagem do artista e da sua
vida, ao mesmo tempo que fornece ao leitor objetos de identificação e valores
que se universalizam e adquirem intemporalidade.
Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar.
Gostava, muitas vezes, de ter a inconsciência das coisas ou de seres comuns
que agem como uma «pobre ceifeira» ou que cumprem apenas as leis do
instinto como o «gato» que brinca na rua.
Com uma inteligência analítica e imaginativa a interferir em toda a sua relação
com o mundo e com a vida, o Eu lírico tanto aceita a consciência, como sente
uma verdadeira dor de pensar, que traduz insatisfação e dúvida sobre a
utilidade do pensamento.
Impedido de ser feliz, devido à lucidez, procura a realização do paradoxo
de ter uma consciência inconsciente. Mas ao pensar sobre o pensamento,
percebe o vazio que não permite conciliar a consciência e a inconsciência. O
pensamento é a faculdade que permite ao ser humano ter um conhecimento
intelectual do universo que o rodeia. Porém, a inteligência culmina, para
Pessoa, na constatação de que, efetivamente, é impossível ao ser humano
alcançar o conhecimento absoluto e provoca, no poeta, a “dor da universal
ignorância” que obsta à sua felicidade, pelo conhecimento das limitações que
caracterizam a nossa espécie.
Fernando Pessoa vive a dicotomia que consiste na necessidade de
percepcionar o mundo de forma racional, inteligível e a certeza de que essa
forma de captação da dor real não lhe permitirá desvendar o segredo, a razão
da existência da realidade que se apresenta ao ser humano, de acordo com a
sua capacidade de percepção dessa mesma realidade, o que provoca o seu
sofrimento e a sua angústia metafísica.
Apesar de reconhecer que só a ausência de interrogação conduzirá à
felicidade, porque o conhecimento da essência das coisas é inacessível,
Pessoa não renuncia à sua lucidez, ainda que tenha consciência de que a
questionação e a capacidade analítica não o conduzirão à verdade.
O pensamento racional está na origem do ser incapaz de
verdadeiramente sentir, sensitivamente, instintivamente, como quem descobre
o mundo sem preconceitos, sem nada dele saber.”O que em mim sente ‘ sta
pensando”. O poeta concebe a constatação amarga que parece reforçar a tal
dor de pensar, de ser lúcido ao dizer “ a ciência pesa tanto e a vida é tão
breve!”. Ser inconsciente, mas sem deixar de ser consciente, é impossível. O
poeta deseja ser feliz só que a felicidade não se coaduna com reflexão,
pensamento, consciência, racionalidade, daí essa impossibilidade ser geradora
de uma boa parte da angústia que lhe oprime a alma.

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