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b) A dor de pensar – Livro de Exame

Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar. Gostava, muitas vezes, de ter
a inconsciência das coisas ou de seres comuns que agem como uma “pobre ceifeira” ou que cumprem
apenas as leis do instinto como o “Gato que brincas na rua”.

Com uma inteligência analítica e imaginativa a interferir em toda a sua relação com o mundo e
com a vida, o “eu” lírico tanto aceita a consciência como sente uma verdadeira dor de pensar, que
traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do pensamento. Impedido de ser feliz, devido à lucidez,
procura a realização do paradoxo de ter uma consciência inconsciente. O pensamento racional não se
coaduna com o verdadeiro sentir.

Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade.
Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência. Diz ele no
Livro do Desassossego, do heterónimo Bernardo Soares, “Para se ser feliz é preciso saber-se que se é
feliz. Não há felicidade em dormir sem sonhos, senão somente em se despertar sabendo que se dormiu
em sonhos. A felicidade está fora da felicidade”. E acrescenta “Não há felicidade senão com
conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se
passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em
tudo. Não saber, porém, é não existir”.

A consciência da efemeridade, porque o tempo é um fator de desagregação, cria o desejo de ser


criança de novo; a nostalgia da infância como um bem perdido leva-o à desilusão perante a vida real.

Ao não conseguir fruir a vida por ser consciente e ao não conseguir conciliar o que deseja ou
idealiza com o que realiza, sente-se frustrado / angustiado, o que traduz o drama de personalidade do
ortónimo que, tal como os heterónimos, é também uma construção em relação à pessoa real que é
Fernando Pessoa, conservando, contudo, deste o seu nome.

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