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Português-12º ano

O texto de reflexão
O texto de reflexão é o que permite exprimir análises, considerações e avaliações sobre
um assunto. (...) A base do texto de reflexão encontra-se na prática de questionar, de tentar
saber os porquês e de submeter o assunto ou as ideias a uma avaliação.
Em geral, o texto de reflexão implica uma abordagem e ponderação sobre o assunto,
tendo em atenção as situações, as causas e consequências, os prós e os contras, a necessidade
de encontrar argumentos para justificar o juízo crítico formulado. Neste sentido, pode
confundir-se com a dissertação na medida em que ambos permitem o questionamento e a
manifestação explícita de um julgamento. O texto de reflexão, porém, tem um carácter mais
pessoal de opinião e apreciação, enquanto na dissertação é valorizada a impessoalidade, sendo
a conclusão pretendida o resultado do encadeamento lógico das ideias.

Vasco Moreira e Hilário Pimenta, in Exame Nacional 2006 – Português 12º ano, Porto Editora

Quando era pequeno – muito pequeno, talvez oito ou nove anos – lembro-me de estar
deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura
do David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica
batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de
índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o
acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, havia uma índia muito bonita – uma “skaw”, na
literatura do Far-West – que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando
das suas feridas e vigiando a seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado
e inconsciente guerreiro: “não te deixarei morrer, David Crockett!”
Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase
obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era
o David Crockett, que queria correr mundos e riscos, viver aventuras e desvendar Tenessees.
Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria
sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a
mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: “não te deixarei morrer, David
Crockett!” E, só por isso, eu sobreviveria a todos os combates. Banal, elementar.
Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os
combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi
que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim
a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos
e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: uma espécie de pureza inicial, um excesso
de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para
sempre. Esse era o mundo que eu tinha entrevisto nesse dia longínquo da minha infância e que
me cabia tentar defender o resto da minha vida. Então, eu era antes a índia, que não podia
deixar que se apagasse essa imagem e o seu sentido e que teria de repetir incontáveis vezes ao
mais fundo de mim mesmo – lá onde jazia, inconsciente, o David Crockett – que não o deixaria
morrer.

Miguel Sousa Tavares, Não te deixarei morrer, David Crockett, Ed. Oficina do Livro

Competência: produção escrita (texto de reflexão)

Na sequência da leitura deste texto e ainda da análise de alguns poemas de Fernando


Pessoa ortónimo, elabora uma reflexão pessoal, num texto bem estruturado de cem a
duzentas palavras, sobre a infância, idade de ouro do ser humano.

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