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CAPRICHOSO2022

“PUNHOS ERGUIDOS AQUI.


DE BRAÇOS DADOS ATÉ O FIM.
LIBERDADE É ARTE
QUE TRIUNFA E VOA”

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SUMÁRIO
05. 19.
P A L AVRA DO P RESI DEN TE A L U TA N A PO E SI A DO S CO R PO S : UM
T E AT R O CA PR I CHO S O
07.
U MA GRA N DE FES TA P OP UL A R 21.
C O M T O D A A N O S S A MUS I CA LI DA DE
11.
U M BOI P RA DEP OI S DA P A N DEM I A 23.
A N O S S A I NDUME NTÁ R I A E
13. C E N O G R A FI A
CU LTURA Q UE RES I STE
26.
15. N O S S O S I T E NS
C EDEM C A P RI C H OSO
53.
17. A L U TA I NDÍG E NA
CA PRI C H OSO: FES TI VA L DA
S UP ERA Ç Ã O
77. 55.
BAN D E I R AS DO PO V O NE G R O

57.
D AS M U L H E R E S AM AZ Ô N I D AS

63.
NOITE A

77.
NOITE B

93.
NOITE C

106.
G L O S S ÁR I O

108.
BI BL I O G R AF I A
63. 110. 93.
FICHA TÉCNICA

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PALAVRA DO
PRESIDENTE
“VAMOS AO FESTIVAL DO REECONTRO”

Minha vida foi forjada no antigo reduto da Francesa. Minha história


foi moldada a partir desse povo Caprichoso que trabalha, luta e celebra a
força da cultura popular. Trabalhadores que formam a nação azul e branca
e que me fizeram respeitar e amar nossa gente. Foi esse povo que me deu
forças para estar à frente do Boi Caprichoso e lutar por eles.
Assumi o Boi em um momento difícil, quando o mundo precisou parar.
Mas nossos artistas precisavam viver e não podíamos recuar. Em silêncio,
gerimos problemas antigos, superamos obstáculos que se arrastavam no
tempo e conseguimos amparar e valorizar nossos trabalhadores, mesmo
sem nossa maior festividade folclórica, o Festival de Parintins.
Somos “Cultura que Resiste” e todo o trabalho realizado ao longo da
pandemia da Covid-19 comprova essa força. O Boi Caprichoso sempre
foi o boi de todos, brinquedo tecido pelo povo negro, aguerrido, como
as mulheres da nossa Amazônia e forte como todos os que compõem a
nossa comunidade: gays, indígenas, quilombolas e muitos mais – todos
artistas e torcedores que agigantam a nossa arena sagrada. Vozes que
voltam a falar e cantar para nunca mais ficarem em silêncio. Tenho orgulho
de poder trabalhar e representar todas essas pessoas que constroem
nosso touro negro.
Chegamos ao Festival do reencontro, do abraço. As arquibancadas
antes vazias cedem espaço para o canto da vitória da vida, rompendo
o silêncio quase ensurdecedor de dois anos. Tenho a certeza que não
segurarei a emoção ao ouvir o coro da galera azulada entoar: “está de
volta meu touro aguerrido..., está de volta o azul minha cor, está de volta
o meu grande amor”.
O Boi Caprichoso é lição de amor, é superação, é a alegria bradada
por um povo festivo que resiste às adversidades e em junho se veste de
esperança para cantar pela vida da floresta, sua cultura e pelos povos que
nela vivem. Encantem-se com a força da nossa luta em poesia. Venham
com a gente celebrar a força da cultura popular do boi negro de Parintins.

JENDER LOBATO
P R E S I D E N T E D A A S S O C I A Ç Ã O C U LT U R A L
BOI-BUMBÁ CAPRICHOSO

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UMA GRANDE
FESTA POPULAR
O Festival dos Bumbás de Parintins ergue-se no cenário da
cultura popular contemporânea com imensa força, beleza e criatividade.
Desenvolvimento ímpar e espetacular dos festejos do boi, os bumbás
dialogam também com diversas festas: as cirandas, as tribos, os pássaros,
os cordões de bicho, outros bois, os carnavais entre tantas. A organização
do festival em torno da rivalidade dos dois bumbás produziu muitas artes.
Toadas e alegorias, figurinos e bailados, encenações dramáticas inovam
e surpreendem.
O prazer da festa se associa à produção de espetáculos grandiosos
e participativos num teatro de arena a céu aberto. A beleza une-se à
emoção. Tradições míticas, lendas folclóricas, nativas e ribeirinhas ganham
dimensão poética e transcendente em defesa de civilizações milenares e
do meio ambiente amazônico. São muitos os saberes e fazeres reunidos.
É grande o empenho, é grande a expectativa: – “Vem brincar de boi!
Chegou a hora. Vem se emocionar conosco. As cores emblemáticas
são o azul e o branco. É o Boi Caprichoso! O touro negro com a estrela
prateada na testa, potente e gracioso que a todos encanta.

DRA. MARIA LAURA VIVEIROS DE CASTRO CAVALCANTI


PROFESSORA TITULAR DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)

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UM BOI PARA DEPOIS


DA PANDEMIA
Sobrevivente e renascidos, chegamos ao Festival Folclórico de
2022 em busca do reencontro com a galera, do abraço carinhoso dos
torcedores, do olhar encantado das crianças. E, enfim, o nosso Boi-Bumbá
se reencontra com a arena do Bumbódromo, com a sua galera animada,
com a gente que cruzou céus e rios para ver de novo o touro negro evoluir,
arrebatando corações.
No percurso, tantas vezes doloroso, marcado pelas perdas e
despedidas, nos reencontramos também com a nossa história, com o
legado da gente simples e dos muitos artistas populares que nos permitiram
chegar até aqui. Revisitamos nossas origens, debatemos nossas identidades,
buscamos recompor nosso passado através de tudo aquilo que resistiu
ao tempo e a umidade dessa nossa região.
Tornados patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional em 2018, fizemos nossa lição de casa e
investimos na preservação e salvaguarda de nossos acervos e dos nossos
saberes/fazeres. Revisitamos a trajetória de folguedo feito de muitas
mãos e gerações, que foi se tornando nesse percurso algo muito sério
e grandioso. Fonte de renda e vitrine para centenas de pessoas. Espaço
de sociabilidade e lazer para milhares. Uma referência para os bairros da
Francesa e do Palmares, elemento central de nossa identidade para mais
da metade do povo dessa ilha às margens do Rio Amazonas.
Temos no futuro não apenas o desafio de vencer um campeonato,
mas a missão de orgulhar toda uma nação que “vibra e canta” junto
com a gente a cada rufar de tambor e que tem nos acompanhado a
cada chamado. Nenhum de nós será o mesmo depois da pandemia e há
certamente um novo futuro a ser imaginado. O que nos dá força nesse
caminho é sabermos que somos muito e, portanto, fortes.

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CULTURA QUE
RESISTE
“Meu povo já não canta | Meu tambor já parou | No orvalho da ilha |
Minha voz serenou Só resta a saudade | Do rufar do tambor | Da lua que descansa |
Pro Boi Caprichoso Mostrar seu valor”

Durante décadas o Bumbá azul e branco de Parintins se despedia do


público cantando a esperança de voltar, “se Deus quiser”, no próximo ano.
Com a Pandemia, porém, já não tinha mais som, não tinha mais
bandeirolas azuis e brancas nem Boi brincando nas ruas. Calaram-se não
apenas os instrumentos da Marujada, mas também as vozes de muitos de
nossos companheiros de luta. Marujeiros, como a dona Chica, que brigava
para estar na primeira fila de ritmistas. Cantores e dançarinos, artistas e
sócios torcedores apaixonados. O Curral Zeca Xibelão, sempre aberto
para a comunidade foi lacrado, muitas luzes se apagaram.
Nos dias mais doloridos, sempre que possível, o Boi estava ali, para
a despedida final, para um último afago, feito à distância, como que um
aceno de que o amor devotado era também correspondido.
Para que ninguém se afundasse em tristeza, mesmo nesses tempos
de futuro incerto e céu nublado, convidamos nossa gente para brincar de
Boi: “arreda o sofá e vem dançar”, convidava nosso Levantador de Toada,
nas lives realizadas aos sábados ou domingos de manhã.
Nosso curral virou QG, não mais para a produção de fantasias, como
em outros tempos, mas para receber doações e fazer chegar alimento
nas mesas das famílias de nossos artistas, todos muito afetados pela
interrupção do circuito das festas populares nas quais trabalhavam. Também
abrimos oficinas para capacitá-los na captação de recursos da Aldir Blanc,
além de outras ações que visavam atender nossa gente, afetada também
por uma das maiores enchentes da história de Parintins.
O nosso “Boi de Rua” teve que ser visto pela televisão e nas poucas
vezes que estivemos no Bumbódromo para alguma transmissão foi
impossível não se emocionar ao ver as arquibancadas vazias e escuras.
Mas sempre mantivemos acesa a esperança de voltar. Desse desejo surgiu
nosso lema: “Caprichoso é cultura que resiste!” E aguentamos firmes até
podermos estar aqui, de volta.

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CEDEM
CAPRICHOSO
Em agosto de 2020, durante uma live que celebrava o Dia Nacional
do Folclore, surgiu a ideia de criarmos um setor específico no Bumbá azul
e branco para cuidar das ações de preservação e salvaguarda desse que
é nosso maior patrimônio: do Boi Caprichoso.
Com a pandemia de Covd-19 e a necessidade de distanciamento
social, várias de nossas atividades tiveram que ser interrompidas, inclusive
o trabalho nos galpões de alegoria e a preparação para as apresentações na
arena do Bumbódromo. Muitos artistas buscaram, então novas ocupações
e sabíamos da necessidade de manter alguns espaços funcionando, como
um aceno de que o Boi Caprichoso, apesar de todas as dificuldades pelas
quais estávamos passando continuava em pé: cultura que resiste!
Com a aprovação da Lei Aldir Blanc, concorremos e fomos
contemplados em editais da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do
Governo do Estado do Amazonas, como o Prêmio Feliciano Lana, o Prêmio
Encontro das Artes e, mais recentemente, o Prêmio Amazonas Criativo.
Assim, surgiu o Centro de Documentação e Memória (CEDEM
Caprichoso). Nele, estruturamos várias frentes de trabalho: 1) montagem
de um espaço para recepção, higienização, catalogação e disponibilização
de acervos relacionados à história da nossa associação cultural; 2) a
estruturação de um programa de história oral, que já produziu mais de
100 entrevistas com os guardiões da memória, dirigentes, itens, artistas e
torcedores apaixonados pelo Caprichoso; e 3) a montagem de um espaço
memorial que conta parte da história do touro negro de Parintins, desde
quando o folguedo acontecia nas ruas e quintais até o formato atual.
Paralelamente, passamos a trabalhar em uma coleção de livros que
registra os saberes e fazeres da nossa gente, em especial aqueles ligados
mais diretamente ao Festival de Parintins. Já publicamos: “O livro da toada:
uma antologia Caprichoso” e a coletânea “Os Bois-Bumbás de Parintins:
novos olhares”. E agora, essa história em quadrinhos que você tem nas
mãos. Em breve, novos lançamentos!

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CAPRICHOSO: FESTIVAL
DA SUPERAÇÃO
Sobrevivente e renascidos, chegamos ao Festival Folclórico de
2022 em busca do reencontro com a galera, do abraço carinhoso dos
torcedores, do olhar encantado das crianças. E, enfim, o nosso Boi-Bumbá
se reencontra com a arena do Bumbódromo, com a sua galera animada,
com a gente que cruzou céus e rios para ver de novo o touro negro evoluir,
arrebatando corações.

No percurso, tantas vezes doloroso, marcado pelas perdas e


despedidas, nos reencontramos também com a nossa história, com o
legado da gente simples e dos muitos artistas populares que nos permitiram
chegar até aqui. Revisitamos nossas origens, debatemos nossas identidades,
buscamos recompor nosso passado através de tudo aquilo que resistiu
ao tempo e a umidade dessa nossa região.

Tornados patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional em 2018, fizemos nossa lição de casa e
investimos na preservação e salvaguarda de nossos acervos e
dos nossos saberes/fazeres. Revisitamos a trajetória de folguedo
feito de muitas mãos e gerações, que foi se tornando nesse
percurso algo muito sério e grandioso. Fonte de renda e vitrine
para centenas de pessoas. Espaço de sociabilidade e lazer
para milhares. Uma referência para os bairros da Francesa e
do Palmares, elemento central de nossa identidade para mais
da metade do povo dessa ilha às margens do Rio Amazonas.

Temos no futuro não apenas o desafio de vencer um


campeonato, mas a missão de orgulhar toda uma nação que
“vibra e canta” junto com a gente a cada rufar de tambor e
que tem nos acompanhado a cada chamado. Nenhum de nós
será o mesmo depois da pandemia e há certamente um novo
futuro a ser imaginado. O que nos dá força nesse caminho é
sabermos que somos muito e, portanto, fortes.

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A LUTA NA POESIA DOS CORPOS:


UM TEATRO CAPRICHOSO
Em “O Bumba-Meu-Boi, manifestação de teatro popular do Brasil”, a socióloga
Maria Isaura Pereira de Queiroz remonta, citando Théo Brandão, cinco diferentes
danças dramáticas brasileiras. Uma delas é o Reisado, de onde, segundo a autora,
os bumbás, nos mais diferentes cadinhos brasileiros, têm sua origem, inclusive o
“Boi-Bumbá, na Amazônia”.
Em Parintins, o cortejo era a forma de representação que os brincantes dos
bumbás se utilizavam para expressar os elementos constitutivos de seu teatro:
saindo pelas ruas da ilha, seus amos entoavam cantos, versos e “desafios” ladeados
pelo som forte dos batuques. Os “desafios” eram compostos por versos ou cantos
de afronta, sempre enaltecendo um boi e rebaixando o outro, onde, segundo os
antigos, muitas vezes se chegavam às vias de fato. Com o surgimento do Festival
Folclórico de Parintins, as contendas se arrefeceram dando espaço à luta pelo belo,
pelo primor estético, mas não só; o que importava era ser “mais bonito” que o
contrário, “mais empolgante” que o outro, ter “as melhores toadas” e danças e ritmo...
Do cortejo para o tablado da JAC e desta para a arena do bumbódromo,
o espaço de representação e o espírito da rivalidade moldaram um novo teatro.
O Boi Caprichoso continua vivo e “verdadeiro”, como o são os mitos, e agora,
espetacular. Foram incorporados novos elementos cênicos e personagens, novas
influências e tecnologias, e um público cada vez maior, exige um experimento
estético compatível com uma nova dinâmica de apresentação, onde a surpresa e
o impacto, a ousadia coreográfica e a variação melódica das toadas, compassadas
e vibrantes, sintetizam o espetáculo. A iluminação funciona não como elemento
decorativo, mas partícipe da cena, um ator a contracenar com o jogo de movimentos
produzidos pelas personagens e alegorias. As coreografias fundamentam-se ainda
mais nas pesquisas temáticas e de movimento privilegiando o gesto concentrado
de cada intérprete e a potência das células em coletivo. As cênicas de ritual, figura
típica regional e lenda buscaram nas técnicas de interpretação oriundas do teatro
popular, o fundamento para as suas pesquisas e jogos dramáticos. A partir do
laboratório e do improviso, a vivência das tantas experiências do caboclo amazônico
foi personificada nos corpos dos atores produzindo um corpo-memória, um corpo-
identidade, afinal, a relação com a água, com a terra e com a mata são estímulos
revividos no ato criativo trazidos da infância e vivência de cada um. Do cortejo ao
espetáculo, a representação dramática de um povo simples e altaneiro, uma dinastia
Caprichoso. Prestem atenção.

MÁRCIO BRAZ
AT O R , D I R E T O R D E E S P E TÁ C U LO S , I L U M I N A D O R , P R O F E S S O R ,
C I E N T I S TA S O C I A L E P R O D U T O R C U LT U R A L . É M E M B R O D O
CONSELHO DE ARTES DO BOI BUMBÁ CAPRICHOSO

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COM TODA A NOSSA


MUSICALIDADE
Quando pensamos na música do Caprichoso, auditamos a Amazônia Profunda, somos
tomados pelas transformações que a Terceira Amazônia nos faz. Esta musicalidade consolida
uma diversidade que não é ímpar, nem é par, ela é lindamente múltipla, inclusiva, coletiva,
colaborativa, é sabedoria ancestral, é experienciação do presente.
Não se coaduna com as duas primeiras interpretações de Amazônia: a Amazônia inventada
no Velho Continente, pelos viajantes e pelos anseios da recepção por relatos ora fantásticos, ora
descritivos; e a Amazônia binomial e que enquadra tudo ou como civilizado ou como bárbaro,
tradicional ou moderno.
Se em tempos antanhos o desprezo e o preconceito com esta manifestação cultural foi a
tônica, que impunha aos brincantes um sentimento de menos valia e um julgamento de menor
valor cultural, hoje é exatamente essa potência que transformou, ressignificou, construiu um dos
traços distintivos mais importantes para o orgulho na pertença de ser Caprichoso. O orgulho
manifesto na toada que canta “a nossa festa, nosso ritmo, nossa dança. Nossa toada, tocada e
cantada de um jeito caboclo” (Viva a Cultura Popular).
Esse processo é lindo: construído nos fundos dos quintais, debaixo das mangueiras, gravados
no princípio em fitas K7 com todos os sons amazônicos ao fundo (não raro uma ave se agregava
nas gravações). Isso construiu o processo comunicacional da renovação dos repertórios musicais
do Boi Caprichoso – uma complexa rede de difusão da música antes dos Festival, que também
faz chegar a muitos cantos do país e do mundo a corporeidade intimamente conectada a estas
músicas, compondo um sistema agora indivisível entre sonoridades e corporeidades.
Com as redes de sociabilidades consolidadas a musicalidade do Boi Bumba Caprichoso
consolidou tanto os elementos fixos (o dó, ré, mib do Amo do Boi) como os variáveis. A esplendida
sonoridade plena, profunda e visceral da Marujada, é exemplo dessa conexão de padrões rítmicos
fixos com variáveis e não mensuráveis pela tradição. Os marujeiros constroem através dos
movimentos corporais um gingado, um balanço, um swing que é singular no resultado musical. A
batida dura que agride a pele do instrumento foi trocada por um potente trabalho de qualidade
tímbrica e movimentação corporal. Escrever isso em uma partitura tradicional não é plenamente
possível, as micro variações de agógica (perfeitamente sincronizada por serem orgânicas) são
obtidas pelas técnicas do corpo, que transpõem qualquer dureza impositiva.
São as gentes afroeuroameríndias – com suas dores e ancestralidades que constroem a
sintonia que capta, amplifica e conduz à catarse. Sonoridades das múltiplas Amazônias que se
fundem: dos Andes, dos beiradões, dos dabucuris, dos paredões, formando essa música do
Caprichoso... Aquele antigo binômio tradição e inovação não cabe nesse sistema musical da
complexidade, das epistemologias do Sul. A música que hoje ouvimos é sempre a música de hoje
com toda a dinâmica da cultura, do local, do tempo, das pessoas que a produzem. Mas nunca
deixa de carregar tudo o que a antecedeu. É como o próprio Boi: “feito... Pra ser do povo!”

DR. JOÃO GUSTAVO KIENEN


P I A N I S TA E E D U C A D O R M U S I C A L . P R O F E S S O R A DJ U N TO E D I R E TO R D A
FAC U L DA D E D E A RT E S DA U N I V E R S I DA D E F E D E R A L D O A M A ZO N A S ( U FA M )

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A NOSSA INDUMENTÁRIA
E CENOGRAFIA
Homens e mulheres de imaginação indomável, os figurinistas e
alegoristas parintinenses inovam e surpreendem a cada Festival. As
soluções criativas adotadas vão muito além da mera interpretação do
assunto inspirador das vestimentas dos itens e brincantes ou de um cenário
a ser construído para que o Boi (estrela maior do espetáculo) se apresente.
Na arena do Bumbódromo as alegorias acontecem, desvelam outros
universos prenhes de possibilidades, se transformam para o surgimento
de um novo item ou apenas para o delírio da galera.
Para além dos “artistas de ponta” – como são designados os chefes de
equipe que tem a expertise e o gabarito de assinar as principais fantasias
e as gigantescas alegorias – um conjunto de protagonistas anônimos se
soma nesse coletivo que sempre exige algum mergulho (mais ou menos
profundo) no universo onírico. Para agradar, eles ousam, e os resultados
tem enchido os olhos de gerações. Joãozinho Trinta já havia se encantado
com a maestria dos parintinenses nos anos 1980, assim como as novas
gerações de carnavalescos e de profissionais do cinema e do showbusiness
continuam sendo arrebatados pelos movimentos e pela grandiosidade
que veem que é produzido aqui, no meio da Amazônia.
Mergulhados em uma poética que não se resume nem no apego
fácil à tradição nem no simples desejo de inovação, os artistas visuais do
Caprichoso ressignificam seu meio: reinterpretam a natureza, subvertem
paisagens, despertam os seres fantásticos que habitam o fundo dos rios
e ventre das matas e revelam os tipos humanos que compõem a floresta
e o vasto imaginário em torno dela.
Movimentos, metamorfoses e visualidade grandiloquente fazem,
assim, parte de uma gramática visual que os parintinenses dominam como
ninguém. Eles extraem da força, do tamanho da mata e dos segredos que
ela ainda guarda o que de mais exuberante há no universo amazônico. É a
obsessão pelo alumbramento e pelo êxtase, em contraponto ao utilitarismo
e comedimento do “real”. Surpreendam-se com as viagens desse povo que
não podia ser designado de outra forma: “caprichoso”!

DR. JOÃO GUSTAVO MELO


J O R N A L I S TA E P E S Q U I S A D O R S O B R E A S
ESCOLAS DE SAMBA CARIOCAS

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Ministério do Turismo e Maná Produções Apresentam:
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Maná Produções: Agência Ocial dos Bois de Parintins

Nossos Patrocinadores:

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NOSSOS ITENS

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ITEM 01 - APRESENTADOR

EDMUNDO ORAN

A história pessoal do nosso apresentador é exemplo do quanto as oportunidades podem


mudar o curso de uma vida e do poder transformador da arte. Há cerca de 25 anos, o Boi
Caprichoso criou a Escola de Artes Irmão Miguel de Pascale, e de lá pra cá permitiu que muitos
jovens parintinenses sonhassem com um futuro melhor.
Nascido no Palmares, bairro tradicional da periferia e nascedouro cultural do Boi Caprichoso,
Edmundo Oran ingressou ainda curumim nas turmas de iniciação musical da nossa escolinha e com
carisma, alegria e desenvoltura, aos 12 anos, tornou-se apresentador mirim do Boi Caprichoso.
Anos mais tarde, consagrou-se como apresentador oficial do Touro Negro de Parintins. Aqui,
fez-se campeão, eclético e amado por nossa galera.

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ITEM 02 - LEVANTADOR DE TOADAS

PAT R I C K A R A Ú J O

O nosso jovem Levantador de Toadas, Patrick Araújo é expressão da Amazônia paraense.


Afrodescendente, de 23 anos, foi revelado em festivais de cultura popular da região Norte. Mas
foi em Parintins, no Curral Zeca Xibelão, que o menino do belo canto encontrou o terreno fértil
para florescer seu talento musical. É uma nova voz na floresta! Corajoso, vai enfrentar como item
individual, logo na sua estreia, o quarteto do boi contrário. Forjado na luta, o Boi Caprichoso
confia no talento de seu Levantador e lhe confere a missão de dar voz, canto e vida às poéticas
toadas do espetáculo Amazônia, nossa luta em poesia.

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ITEM 03 - MARUJADA DE GUERRA

A Marujada de Guerra é a mais contagiante percussão do Festival! A harmonia dos mais


de 420 homens e mulheres manuseando os seus instrumentos musicais é admirável. O som
coletivo emanado dos cerca de 120 surdos, 100 repiques, 100 caixinhas, 50 palminhas e 50
rocares, energiza as toadas e dá vida ao espetáculo.
O seu batuque é herança musical de índios e negros, somados e transformados pela
riqueza desse Brasil de muitos sons. Tem pitadas dos muitos imigrantes que aqui chegaram
e banharam-se em nossos rios ancestrais, fazendo nascer (na dor e no amor, nos embates e
parcerias) um batuque que toca para os orixás, assim como toca para a Virgem do Carmo nos
dias de festa. Uma rítmica que mantém viva, de geração em geração, a toada de Boi-Bumbá.

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ITEM 04 - RITUAL INDÍGENA

É a recriação, na arena do Bumbódromo, do universo espiritual dos povos indígenas,


sobretudo através da figura do Pajé na sua interação com plantas, animais e seres sobrenaturais.
Nele, são retratadas diferentes cosmologias ameríndias, bem como os ritos através dos quais
elas se mantêm vivas entre os diferentes povos.
Nesse Festival, que marca o reencontro do Boi Caprichos com esse universo repleto de
transes e belezas, recriamos os rituais presentes nas etnia Tuparí (em Rondônia), entre os Waiana-
Apalai (situados na fronteira com a Guiana e o Suriname) e o conhecido Reahú praticado pelos
Yanomami (que vivem na fronteira da Venezuela).

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ITEM 05 - PORTA-ESTANDARTE

M A R C E L A M A R I A LVA

A nossa Porta-estandarte, Marcela Marialva, é amazonense e desde 2017 carrega a missão


de ostentar o estandarte azul e branco na arena. Invicta, tem sido chamada pela nossa galera
de “furacão”, tamanha a força e a expressividade de sua dança.
Esse item foi se transformando ao longo dos muitos anos da brincadeira – das antigas
porta-bandeiras com seus saiões rodados para o formato atual. Tem servido, nos últimos 20 anos,
para que Caprichoso levante suas bandeiras em prol da cultura e da tradição do Boi-Bumbá em
Parintins, da sócio-biodiversidade amazônica e das lutas dos povos da floresta.

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ITEM 06 - AMO DO BOI

HERLAND PENA, O “PRINCE DO BOI”

Figura tradicional do Auto do Boi, o Amo é o dono da fazenda, o versador do lugar, ágil
repentista que acompanha o Caprichoso em suas andanças culturais. Durante suas performances,
é ele quem entoa versos para o touro amado, para a sinhá (sua filha) e em desafio ao boi contrário.
Prince do Boi se encaixa perfeitamente nesse item. Primeiro, por sua vasta experiência
musical, que retoma nossa herança nordestina, com os vaqueiros e cantadores, e a atualiza em
contexto amazônico, nos quais muitas sonoridades de fundiram. É ele quem melhor entoa os
aboios, tangendo o touro amado e o único a saldar o Boi com seu berrante.

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ITEM 07 - SINHAZINHA DA FAZENDA

VA L E N T I N A C I D

Na dramaturgia do Boi-Bumbá de Parintins, a Sinhazinha é a filha querida do dono da


fazenda – personagem que incorpora a singeleza da menina da fazenda, da mademoiselle, que
é também proprietária afetiva do brinquedo de pano.
Bisneta do cearense Roque Cid, fundador do Boi Caprichoso, a lindíssima Valentina Cid
ocupa seu lugar na linhagem de sinhazinhas da nação azul e branca e leva adiante o Item 07,
que já foi defendido por sua mãe.

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ITEM 08 - RAINHA DO FOLCLORE

CLEISE SIMAS

A nossa Rainha do Folclore, Cleise Simas, é parintinense e há muitos anos dançarina do Boi
Caprichoso. Desde 2018, defende esse item, que sintetiza a diversidade de valores presentes nas
manifestações populares brasileiras. Mulher e mãe, ela segue invicta na arena do Bumbódromo
e, como tantas outras, não se deixa vencer pelas adversidades da vida. Encarna a diversidade
dos valores expressados na cultura popular brasileira, da mesma forma que assume toda a luta
e poesia que compõem o cotidiano da gente simples do Palmares e da Francesa, redutos da
nação azul e branca em Parintins.

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ITEM 09 - CUNHÃ-PORANGA

MARCIELE ALBUQUERQUE MUNDURUKU

Nossa Cunhã-Poranga, Marciele Albuquerque, é a maior representação indígena no Festival


Folclórico de Parintins. É descendente do povo Munduruku, de Juruti, e integra as frentes de
lutas do seu povo na Marcha das Mulheres Indígenas, realizada todos os anos em Brasília.
É símbolo de luta e poesia, capaz de evidenciar, ao mesmo tempo, o caráter aguerrido das
valentes e destemidas cunhãs e toda a sua beleza. É a moça mais bonita da aldeia, a guerreira
exemplar, a guardiã de sua gente e exibe toda a sua destreza através de sua dança.

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ITEM 10 - BOI-BUMBÁ EVOLUÇÃO

Em Parintins, o Boi-Bumbá, brinquedo popular feito de madeira, espuma, veludo e cetim,


é um artefato que – desde o início – ganhou vida nas mãos de gerações de artesãos. Com o
passar dos tempos, incorporou novas tecnologias manuais, adquirindo movimentos semelhantes
ao de um boi real. Mas como a arte não é um fenômeno alheio à vida, aos anseios humanos e
aos sonhos que nos movem, aqui essa dança dramática se ressignificou. E, de vilão da vida real,
o Boi transformou-se em herói amado e, “mais que um ser do folclore”, tornou-se ainda ativista
e defensor das lutas e causas dos povos da floresta.
Pioneiro e inovador, há três décadas o Caprichoso condena e denuncia em suas apresentações
aqueles que quererem transformar a Amazônia em lucro e deserto.
O “Tripa do Boi”, que é quem lhe dá vida e movimento, é Alexandre Azevedo, um jovem
que cresceu em meio a essa brincadeira popular. Seu pai, Marquinhos, foi “tripa” por mais de
30 anos e confecciona, ainda hoje, no ateliê da família, o nosso boi de pano.

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ITEM 11 - TOADA: LETRA E MÚSICA

A toada é o som que embala os Bois de Parintins. Luís da Câmara Cascudo definia esse
gênero como uma “cantiga ou canção breve, em geral de estrofe e refrão, em quadras, cujos
temas principais eram líricos (sentimentais) ou brejeiros (jocosos)”. Mas em Parintins, ela se
modificou: ganhou novas sonoridades e acordes, abraçou uma diversidade de outros gêneros
musicais e tornou-se música popular apreciada em toda a região Norte.
Na arena do Bumbódromo, as toadas são o fio que conduz o espetáculo. Elas cantam
aquilo as alegorias, as indumentárias e a cênica narram visualmente. E em 2022 são elas que
demonstram como nossa luta pela Amazônia se traduz em poesia.

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ITEM 12 - PAJÉ

E R I C K B E LT R Ã O

Há mais de 20 anos, Erick Beltrão atua como coreógrafo e dançarino do Boi Caprichoso.
Nascido no coração do Palmares, bairro reduto do Boi Caprichoso, esse artista sempre alimentou
o sonho de atuar como Pajé e, por conta de seus méritos artísticos, o momento chegou!
Agora, ele é o pajé que dança e protege a nação azul e branca dos maus espíritos; que
restitui a ordem e o equilíbrio das coisas, cura os corpos e terra, afastando as ameaças e adiando
o fim do mundo.

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ITEM 13 - TRIBOS INDÍGENAS

São representações artísticas dos povos indígenas do Brasil no Festival Folclórico de


Parintins. Retratam, por um lado, a diversidade étnica e cultural existente entre os povos
originários em nosso país, cada qual com seus adornos, sua arte plumária e pintura corporal.
Mas permitem também entrever as lutas atuais de muitas etnias: território, língua e dignidade
são pautas que se levantam por meio dos cantos e danças encenadas pelas tribos do Caprichoso
na arena do Bumbódromo.
A beleza desse nosso item está na sincronia dos movimentos, na ousadia na dança, na
reconstrução de diferentes padrões culturais através das coreografias, das cores e formas com
que as “tribos” se pintam, se vestem e celebram. Uma explosão de cores e movimentos.

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ITEM 14 - TUXAUAS

“Valentes, guerreiros, tutores”, guardiões e protetores, os tuxauas são lideranças étnicas ou


clânicas. Em diferentes contextos, estiveram à frente das lutas em defesa dos direitos coletivos
de sua gente e da floresta. Foram eles que primeiro se puseram na resistência e que perderam
a vida na lâmina dolorosa e assassina das espadas europeias.
A dança e a indumentária dos tuxauas do Caprichoso é uma reverência à ancestralidade
dos povos indígenas amazônicos. Um brado que reafirma, através da poesia, que vidas indígenas
importam! Os nossos brincantes que incorporam o item Tuxaua são: Edson Reis, Wilker Sá e
Jaberson Souza. Parintinenses que, na dança, expressam a força desses bravos homens que
dão suas vidas, se preciso for, em defesa da gente-floresta.

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ITEM 15 - FIGURA TÍPICA REGIONAL

O processo de regionalização do Brasil consolidou representações e imaginários sobre os


tipos sociais que vivem e trabalham em cada canto do país. E o Boi Caprichoso tem homenageado,
ao longo dos anos, muitos desses sujeitos que habitam as áreas mais distantes da Amazônia.
Em 2022, no espetáculo Amazônia, nossa luta em poesia, homenageamos os caboclos, essa
formação étnica e culturalmente mista e sincrética, adaptada às formas de vida na Amazônia.
Nas três noites se sucedem o caboclo ribeirinho – guardião das águas, o caboclo das matas –
guardião da floresta e o brincador de boi – que é o caboclo parintinense.

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ITEM 16 - ALEGORIAS

Segundo Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, uma das mais importantes estudiosas
do Festival de Parintins, a “‘Alegoria’ é um termo nativo que designa uma categoria de objetos da
cultura popular contemporânea cujo destino é o consumo ritual”. Em Parintins, elas “são fei¬tas
para serem vividas, apreciadas e consumidas no ato mesmo de sua apre-sentação festiva; existem
para a fruição daquilo que fazem acontecer de modo eficaz. São enormes objetos que operam
como verdadeiras entidades em seus contextos rituais, deslocando o sentido e os limites do
humano em direções inesperadas. São, em especial, uma festa dos olhos; solicitam o olhar, um
olhar sinestésico e integrado à corporalidade”. Tem vida efêmera, mas marcante. Se transformam
ao longo do espetáculo, na medida em que tudo se revela na arena, como surpresa e novidade.
São cenários grandiosos que emolduram a narrativa do Bumbá.
Frutos do trabalho de artistas visuais que comandam grandes equipes compostas de
escultores, soldadores, pintores e tecelões, quase todos sem nenhuma formação acadêmica. Mais
de 300 homens e mulheres que produzem a partir do chão da vida um dos maiores espetáculos
da cultura popular brasileira.

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ITEM 17 - LENDA AMAZÔNICA

O que para muitos são lendas, histórias imaginadas que ilustram a cultura de um povo, para
os povos originários são parte viva de sua experiência. Cosmologias que orientam o cotidiano e
as festas, o que se pode experimentar e o que se deve evitar. No contato interétnico, algumas
versões se cristalizaram e passaram, daí em diante, de geração em geração, algumas chegaram
a ser registradas de forma escritas, outras tantas permaneceram apenas na tradição oral.
Para o espetáculo Amazônia, nossa luta em poesia, o Boi Caprichoso reconta, pelas mãos
de seus artistas, as lendas amazônicas: Kaa’poranga – a guardiã da floresta, da etnia Maraguá,
Os trilhos da morte, que repercute o imaginário dos habitantes do vale do Guaporé sobre a
estrada de ferro Madeira-Mamoré; e Pássaro primal – que narra o surgimento das aves tradição
do povo indígena Kayapó.

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ITEM 18 - VAQUEIRADA

Item coletivo formado por 40 homens, sendo 20 moradores do bairro do Palmares e 20


da comunidade do Parananema, área rural de Parintins. No contexto do nosso Bumbá, são os
guardiões do Boi e remetem à cena bucólica do pasto, onde se tange a boiada. Adentram a
arena convidados pelo “aboio tradicional” do Amo – uma espécie de canto de trabalho, saudação
cantada e finalizada pelo berrante. É quando os vaqueiros do Caprichoso, portando suas lanças
alusivas à luta pela preservação da biodiversidade na Amazônia, chegam bailando em sincronia,
para reencontrarem, depois de dois anos sem Festival, o garrote mais amado da galera.
Há décadas, quem confecciona os cavalinhos folclóricos da nossa vaqueirada é o Mestre
Tristeza, um artesão de notório saber, que tem se esforçado para passar adiante suas técnicas,
em um exercício de salvaguarda desse patrimônio imaterial brasileiro.

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ITEM 19 - GALERA

É a representação coletiva da imensa nação azul e branca que move o Boi Caprichoso
através das gerações. O amor do povo-floresta expressado em alegria e êxtase. Nas três noites
de Festival, as arquibancadas do Bumbódromo viram praça, rua e território, onde as multidões
se emocionam e cantam a resistência pela vida da Amazônia, seus povos e sua cultura.
A galera azul e branca vem de todos os lugares... cruzam céus e singram rios para, em
solo parintinense, dar vida ao coro mais apaixonante e criativo dessa festa. Não são somente
espectadores, interagem com adereços e coreografias a todo instante, fazendo parte do espetáculo.
É a torcida mais campeã do Festival, consenso até no boi contrário.
Abram seus corações para receber toda a energia dessa gente repleta de amor. Aqui, “o
canto da galera na ilha vai ecoar”. Com vocês, a galera do Boi Caprichoso, o Boi de Parintins, o
Boi da Amazônia.

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ITEM 20 - COREOGRAFIA

O espetáculo todo é coreográfico. Ora marcado tecnicamente pelo coreógrafo, ora


absolutamente espontâneo pela energia da sua execução que impele todos a dançar o “dois
pra lá, dois pra cá”. Em Amazônia, nossa luta em poesia, a coreografia traz em sua composição
toda a força desses encontros e desencontros que fizeram desse território um lugar de muitas
gentes, vindas da floresta e das cidades – com origens e culturas diversas. Apresentamos danças
cerimoniais, assim como elementos de vários folguedos que foram incorporados ao longo dos
anos no jeito caboclo de dançar dos parintinenses e de produzir o espetáculo que se tornou o
Festival.
Aqui, um simples gesto de tecer um cesto, ou mesmo remar, torna-se uma célula coreográfica
que alcança desenvolvimento e completa a ação de um coletivo, que baila e encena. Já as
representações empregadas nos quadros de lenda e ritual vêm de pesquisas e se fundamentam,
como recriação, nos ritos praticados pelos vários povos indígenas. Em Parintins, o cuidado com
a grandiosidade do espetáculo passa essencialmente pelo desenho coreográfico.

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ITEM 21 - ORGANIZAÇÃO DO CONJUNTO FOLCLÓRICO

Harmonia, sincronia e sensibilidade de todos os coletivos do Boi-Bumbá e a expertise de


fazer o espetáculo fluir. Tudo isso sem perder a alegria, pondo em diálogo os itens individuais e
coletivos, as alegorias, a cênica, a dança e uma beleza estética inigualável. A organização do nosso
conjunto folclórico rendeu em Parintins uma expressão que hoje significa beleza e excelência: “é
padrão Caprichoso”! Uma construção coletiva que, como tudo no bumbá azul e branco, surge
de muitas mãos. Para produzir cada noite do espetáculo, são necessários meses de dedicação
de centenas de trabalhadores, empenhados para que tudo saia conforme o planejado e resulte
em uma festa que agrada o olhar e aquece a alma da gente simples do lugar. Intenso trabalho
da criatividade popular, que faz dessa celebração festiva uma das mais importantes do Brasil.

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Pixbet e Caprichoso:
de Brasileiros para Brasileiros!

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CANTAMOS A
CULTURA AMAZÔNICA,
A POÉTICA DO IMAGINÁRIO CAPRICHOSO
Com poesia, arte e imaginário, o Boi Caprichoso clama do coração
da Amazônia para o coração do mundo o amor e a luta pela defesa dos
povos da floresta e ribeirinhos, da ecologia e da vida.
Nada no mundo pode justificar que deixemos de lado a poesia,
a arte e o imaginário, como armas de luta pela verdade e a justiça. O
necessário é que imaginário, arte e poesia, sejam as formas de lutar, com
as armas da sensibilidade artística, por justiça, verdade e respeito, pelo
“mundamazônico”.
Pela dramaturgia composta de poesia, arte e imaginário, o Boi
Caprichoso, do palco ribeirinho de Parintins, diante do rio Amazonas que
desagua no mar, também faz desaguar no oceano eletrônico do mundo
o seu amor pela Amazônia, pelos povos da floresta e ribeirinho, pela
natureza sublime. Amor para ser por todos compartilhado e defendido.
Caprichosamente!

DR. JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO


ESCRITOR E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL
D O PA R Á ( U F PA ) , E X - S E C R E TÁ R I O D E E D U C A Ç Ã O E D E
C U LT U R A E T U R I S M O D O E S TA D O D O P A R Á

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A LUTA INDÍGENA
Em meados dos anos 1980, o Boi Caprichoso começou a introduzir em suas
toadas as primeiras palavras e expressões indígenas. Tratava-se, àquela altura, de
um misto de ousadia e sensibilidade, que conferia um rosto nativo a essas canções
(em suas primeiras aventuras no mercado fonográfico), ao mesmo tempo em que
afinava o projeto do Bumbá à luta por direitos que desaguou na Constituição de
1988.
Aos poucos, tuxauas, caruanas, curumins e centenas de outras palavras do
léxico indígena passaram a entrar na arena no Bumbódromo e a serem cantadas
por torcedores e brincantes do Boi, espalhados pela Amazônia e pelo Brasil.
Era o início de uma lenta transição da representação romantizada e folclórica
dos povos nativos para uma postura crítica e engajada, que impactou na plástica,
nas coreografias e nas narrativas do festival, antes fortemente marcadas pela
ambientação rural e católica que caracteriza o Auto do Boi (uma fazenda com sua
festa de santo).
Nas duas décadas que se seguiram, vozes indígenas, de lideranças e intelectuais
de várias etnias, ajudaram a desenhar projetos inovadores, empenhados em
descolonizar o imaginário e dar visibilidade às causas e lutas indígenas da atualidade.
O Caprichoso levou para arena um rico repertório de cosmologias e rituais indígenas
baseados em etnografias. No campo da estética, assumimos aqui, mais do que
em qualquer outro espaço público, as linguagens do perspectivismo ameríndio,
lançando para dentro do transe xamânico dos pajés milhares de expectadores,
enredados em araras, onças e serpentes. Educamos para outras sensibilidades que
estão muito além da razão ocidental.
Denunciamos vários massacres de povos e culturas, criticamos a invisibilidade
das causas indígenas na sociedade nacional e clamamos pela demarcação das terras
indígenas, sabendo que nelas se preserva a natureza e a vida. Temos orgulho de ter
assumido, ontem e hoje, a luta dos nossos ancestrais contra a opressão e a busca da
terra sem males. E também de termos nos lançado na aventura de oferecer a todo
o mundo um pouco da alegria e da beleza desses povos, com releituras cuidadosas
da arte plumária e do grafismo indígena que se tornaram uma marca do nosso Boi.
De cara pintada e alma azulada seguimos aguerridos nessa luta. Compreendemos
que hoje, mais do que nunca, os indígenas nos oferecem lições e alternativas
importantes para reconstruir o Brasil e para edificarmos, juntos, uma nação que
abrace todos os seus filhos e lhes restitua o direito à cidadania e à esperança de um
mundo melhor. Estamos do lado dos nossos povos nativos e renascidos. “Sangue
indígena: nenhuma gota a mais” e “Demarcação já” também são os lemas que o
Caprichoso, com muito orgulho, traz em sua história.

MS. DIEGO OMAR DA SILVEIRA


HISTORIADOR E ANTROPÓLOGO.
P R O F E S S O R D A U N I V E R S I D A D E D O E S TA D O D O A M A Z O N A S

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AS BANDEIRAS
DO POVO NEGRO
Povo negro! Povo que viveu e sofreu! Povo que reascendeu!
Neste Brasil tão plural, assim como um baobá – forte e robusto, “árvore
da vida” –, também estão fincadas as raízes históricas de um povo preto, que,
vindo de longe, foi arrancado do ventre da África à força para tornar-se mão
de obra nessas terras. Aqui vivemos a dor, o sofrimento, o pesadelo de viver
escravizados.
Silenciados, ficamos, por muito tempo, reduzidos a este lugar: o do genocídio,
do horror, às vezes indizível, que separou pais e filhos, irmãos de cor e de alma.
Nossa imagem foi deturpada, reduzida a estereótipos, esvaziava.
Mas nosso povo também fez do Brasil a sua morada, plantando aqui
nossa cultura e regando cada espaço de vida com nossas fontes ancestrais de
conhecimento. Sementes de liberdade, espalhadas ao vento e que não tardaram
a chegar na Amazônia, lugar por nós habitado e que passou também a viver em
nós.
Sobrevivemos e nos misturamos, somamos, transformamos. Há muito de
nós nas comunidades indígenas e ribeirinhos, assim como há muito de nossos
saberes na várzea e terra firme. Como os migrantes nordestinos, que traziam o
sangue de nossa gente nas veias, nós negros também fomos responsáveis por
moldar essa Amazônia, hoje de tantas gentes e culturas. Nosso som, nosso sabor,
nosso gingado fez nascer aqui essa mistura bonita e alegre, calejada pelo calor
e pelo sol, mas vibrante como o raiar esperançoso de cada novo dia.
Boi preto, de negro, da negritude, o Caprichoso foi muitas vezes rechaçado
pela elite. Vítima de chacotas (como o “xô urubu!” ou o “aqui preto não entra”)
que hoje levariam seus autores – ou agressores – à cadeia, por racismo. Herdou
seu nome de um quilombo e passou a orgulhar-se de seu couro negro, que no
brinquedo popular foi substituído pelo veludo reluzente. Honrou a padroeira e
aos santos juninos, assim como aprendeu a prestar oferendas a seus orixás e às
entidades dos terreiros nos quais brincava. Recuperou suas origens encantadas
e trouxe de volta os sons e os gingados que marcaram suas origens.
E assume hoje a responsabilidade de cantar na arena a Amazônia do povo
negro, a poesia do povo negro e suas lutas. Assim como o Boi-Bumbá Caprichoso,
o povo negro “também é feito de lembranças e lutas”... e de história que “ganham
a vida nesse chão”.
FÁBIO GONÇALVES MODESTO
J O R N A L I S TA . PA I F R A N C I S C O D O B O I -
BUMBÁ CAPRICHOSO

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DAS MULHERES
AMAZÔNIDAS
A luta pelo rio é nossa, das mulheres indígenas.
A luta contra o garimpo e as invasões de nossa terra também é
nossa. A luta por vida digna para o nosso povo, do mesmo jeito, é nossa.
A gente protege a Amazônia porque ela é nossa vida – a floresta, os
bichos, as águas.
Quando eu era jovem, não podia falar nas reuniões da nossa gente...
eu queria me manifestar, mas minha mãe dizia: não, você é mulher. Mas
eu vi minha aldeia minha gente ser oprimida pelo agronegócio, o rio ficar
turvo por causa dos agrotóxicos. E aquele mundo foi ficando pequeno
pra mim. Comecei a sair e ver que as mulheres tinham voz. Ia em outras
reuniões e me perguntavam o que eu queria reivindicar... e fui aprendendo
a debater. Nas manifestações eu vi que podia colocar minha opinião, até
que os caciques me escolheram como a primeira representante mulher
do meu povo.
Mas eu queria mais, queria trabalhar com a mulheres. Os homens
não permitiam, mas eu me encontrava com elas mesmo assim. Conversava
e via muito bem que elas sabiam de todas as lutas: do território e até de
políticas públicas. E foi enfrentando resistências que conseguimos fazer
nossos encontros. Se eu tivesse desistido, eu não era hoje uma liderança
– estava em casa cuidando dos meus filhos. Mas eu nunca desisti e agora
o movimento é grande e sinto que todo mundo apoia.
Minha luta não é só minha, é por todos os parentes, pelo meu
povo, pra que a gente não passe mais dificuldades e humilhação. É pelo
território e pelo rio. Pela preservação da nossa vida e da natureza. Eu não
falo como os brancos, falo com o coração. Para que ninguém tenha que
falar pela gente. Porque a gente tem que defender nossos direitos. Sei
que tem problemas, já invadiram minha casa, mas é preciso ter coragem,
como mulher e como indígena.
Por isso vim aqui, em Parintins, pra participar com o Boi Caprichoso.
É a nossa voz em defesa da Amazônia que chega a mais gente, que
sensibiliza as pessoas para as nossas causas. É bom caminhar de mãos
dadas e saber que a gente tem parceiros e parceiras porque a luta não
é fácil. Mas a gente segue em frente! Me sinto como uma árvore, com
raízes fortes, que vai dar frutos... nossa luta frutifica.
ALESSANDRA KORAP MUNDURUKU
L I D E R A N Ç A I N D Í G E N A E AT I V I S TA S O C I A L E G A N H A D O R A
D O P R Ê M I O D E D I R E I T O S H U M A N O S R O B E R T F. K E N N E D Y,
E M 2 0 2 0 , P E L A D E F E SA D O S E U T E R R I TÓ R I O, N O PA R Á .

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O BOI-BUMBÁ CAPRICHOSO,
EM 2022, APRESENTA
A AMAZÔNIA, NOSSA LUTA EM POESIA

Eldorado, paraíso perdido, inferno verde, terra da promissão, pulmão do mundo, pátria
das águas e espelho da vida. São muitas as referências e estereótipos sobre a mais importante
floresta tropical do planeta. Resultados de missões, expedições e de curiosos olhares sobre
esse território prodigioso. Tantos avanços e mistérios desvelados pela ciência e por inquietos
navegadores na busca de curas para as doenças, de antigas fórmulas farmacêuticas, de novas
descobertas científicas. Também na gana de explorar, saquear e se apropriar das nossas riquezas.
E assim, a Amazônia foi inventada e reduzida a dualismos, geografismos e biologismos,
nos quais o critério para marcação de seu território deixaram de lado a cultura dos povos e
comunidades tradicionais da região, as relações entre as pessoas e a natureza, os pertencimentos
dados pela terra, as autodefinições e a sua história social.
Entre a ciência e a exploração desmedida da Amazônia, existe um olhar mais profundo,
verdadeiro e transcendental. Um olhar da própria floresta, de seus mitos e ritos, de seus povos
originários e tradicionais: indígenas, quilombolas, ribeirinhos e caboclos. Gente das águas e
da floresta, que possui um olhar que observa, comunica, que se reconhece na terra; terra que
é planta, bicho e gente. Essa gente-floresta que habita nas cabeceiras e “centrões”, sobre as
águas ou até mesmo debaixo delas. Essa gente-cunhantã que corria nas capoeiras e subia nas
árvores para se jogar nos beiradões. Essa gente ribeirinha moldada de chão, esmaltada pelo sol.
Gente-memória, que carrega tantas histórias... do seu povo, de seres encantados, de deuses
que se fundem com própria natureza. Mas principalmente gente-luta, armada de poesia.
Nela, o poder da encantaria faz morada na mãe do corpo e se traduz na dança de terreiro,
rua e curral, no bailar festivo do dois pra lá e dois pra cá, no sorriso da criança e no brinquedo
de São João. Esse entrelaçar de corpos e vida forja a identidade Caprichoso, que em 108 anos
de histórias sagrou-se detentor de uma arte de luta, resistência e revolução pelo saber popular,
unindo cantos, danças e visualidades. Poesia que se reflete nas gigantes alegorias, nas mágicas
indumentárias, na paleta de cores a alegrar tecidos e formas – um milagre amazônico na ilha de
Parintins, a ecoar pelo mundo a importância de sua preservação e a defesa de suas tradições.
Caprichoso... boi negro, preto, feito de pano e espuma, de esperanças e lutas, que mais
uma vez, reforça sua identidade altaneira, nesse território que é nosso corpo e nosso espírito,
nossa sede e vida... Amazônia, nossa luta em poesia.

CONSELHO DE ARTE DO BOI-BUMBÁ CAPRICHOSO


E R I C K Y N A K A N O M E , E D WA N O L I V E I R A , E D WA N D E R B AT I S TA , M Á R C I O B R A Z ,
D I E G O O M A R D A S I LV E I R A , S O C O R R O C A R VA L H O , R O N A L D O B A R B O S A ,
Z A N D O N A I D E B A S TO S , J A I R A L M E I D A , PA U LO V I C TO R C O S TA E A D R I A N O
AGUIAR

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MINISTÉRIO DO TURISMO
E BOHEMIA APRESENTAM

O SABOR QUE
MOVE TRADIÇÕES

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NOITE A

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NOITE A
AMAZÔNIA-FLORESTA:
O GRITO DA VIDA
“A floresta está doente”. Uma doença que apavora, que espanta, que
preocupa. Fauna, flora, rios, lendas e mitos...gente. Um repertório vivo
de seres e imaginários que lutam, clamam, gritam pelo seu território, sua
morada, seu jeito de existir, de pertencer. De viver. O maior bioma do
planeta é também o mais ameaçado. Hordas de garimpeiros, pecuaristas,
madeireiros, agentes torpes do agronegócio, liderados por uns e outros,
de aqui e de outrora, que insistem em serem chamados de humanos.
Essa Amazônia não nos é estranha porque somos parte dela e
ela, parte de nós. É nosso corpo que grita, que chora, com cada árvore
derrubada, cada rio poluído e cada voz calada, censurada, violentada por
assassinos de lutas.
O Boi Caprichoso foi o pioneiro, no festival, a exaltar a biodiversidade
amazônica e a denunciar os agentes da destruição. Ao lançar o canto
do Uirapuru, em 1992, inauguramos uma nova era inspirando até o boi
contrário a seguir a mesma sistemática.
Assim, em “Amazônia-Floresta: o grito da vida”, a poesia amazônica
torna-se manifesto onde vida e imaginário formam um corpo uno, um
corpo-floresta, uma gente-Caprichoso, unidos em defesa de nosso
território, nossa morada, nosso ar, nosso tudo. A luta dos seres-floresta.
O vagalume que cintila sua luz sobre a escuridão dos tempos e
que abre a nossa apresentação, nos serve de farol e guia a espelhar sobre
a tez das águas do rio Amazonas um grito pela vida.

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NOS SONHOS DOS ARTISTAS CABOCLOS DE PARINTINS, A POESIA É UM PÁSSARO QUE VOA ACIMA
DE QUALQUER ESCURIDÃO E LÁ DISSEMINA AOS VENTOS SEMENTES ILUMINADAS DE VERBOS
QUE, COMPREENDIDOS, SERÃO FUTURAS ÁRVORES COM FOLHAS, FRUTOS E SABORES DE NOVAS
CONSCIÊNCIAS. O BOI CAPRICHOSO, VESTIDO COM O ESPÍRITO DE LUTA E POESIA CONVIDA TODOS OS
HOMENS E MULHERES DO PLANETA TERRA PARA ECOAREM, JUNTOS, UM GRITO DE RESISTÊNCIA PELA
VIDA DA AMAZÔNIA: TERRA-FLORESTA.

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LENDA AMAZÔNICA
ITEM 17
KA’APORANGA, A GUARDIÃ DA FLORESTA

O que para muitos são lendas, histórias imaginadas que ilustram


a cultura de um povo, para os povos originários são parte viva de sua
experiência. Cosmologias que orientam o cotidiano e as festas, o que se
pode experimentar e o que se deve evitar.
Contam os Maraguá, do rio Abacaxis, no município de Nova Olinda
do Norte, que para cada recanto da floresta existe uma entidade, com a
missão de zelar pela vida. Esses protetores são mães/pais espirituais, que
cuidam das árvores, animais, águas e todas as demais formas de vida. Na
regência suprema de todos esses seres encantados, está Ka’aporanga –
tão verdejante como as samaumeiras, mas tão letal como as serpentes e
os bravos felinos. Primogênita do grande Deus Monâg, ela tem a missão
de proteger e guardar a Amazônia de todos os perigos.
Quando a natureza está ameaçada, eis que surge das entranhas da
mata a poderosa sentinela mítica, sempre acompanhada de outras criaturas
sagradas: o Mapinguarí, o Juma, o Bicho-Folharal e o Curupira, que são
capazes de enlouquecer para sempre aqueles que ousam desrespeitar e
agredir o equilíbrio sagrado da natureza. Garimpeiros, biopiratas, navegantes
desavisados, retratem-se das suas agressões ou a Ka’aporanga, que hoje
o Boi Caprichoso traz como lenda amazônica, vai engoli-los!

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CELEBRAÇÃO
INDÍGENA
A CRUELDADE DO CONQUISTADOR – O ROUBO DA TERRA

O processo de invasão da Amazônia é um dos capítulos mais


sangrentos e vergonhosos da história. Conquistadores de diferentes nomes
e nacionalidades, como Vicente Pinzón, Diego de Lepe, Diogo Nunes,
Francisco Pizarro e Francisco de Orellana aqui aportaram, fétidos, sedentos
por tesouros, glórias e territórios. Armados com arcabuzes, com espadas e
com a cruz, dominando sanguinários cães mastins e álanos, aterrorizaram
e assassinaram incontáveis povos que tinham apenas dois destinos: a
conversão forçada à nova fé e a obediência ao Rei ou o extermínio! Assim,
a grande floresta testemunhou a edificação do Império Espanhol, símbolo
do início do genocídio/etnocídio dos povos originários e da exploração
predatória da natureza nas Américas.
Nesse momento, o Boi Caprichoso retrata a primeira resistência à
sede de destruição que os europeus fizeram aportar por aqui. Avançamos
no tempo para mostrar a violência e o sofrimento que vieram com as
grandes embarcações e que deixaram feridas, ainda abertas, sobre a
Amazônia, o Brasil e todo o continente. Nesses séculos, o que veremos
são as trincheiras de luta, construídas pelos povos ancestrais. Seu desejo
e teimosia de resistir ou (re)existir.

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FIGURA TÍPICA REGIONAL


ITEM 15
O CABOCLO RIBEIRINHO

O processo de regionalização do Brasil consolidou representações e


imaginários sobre os tipos sociais que vivem e trabalham em cada canto
do país. E o Boi Caprichoso tem homenageado, ao longo dos anos, muitos
desses sujeitos que habitam as áreas mais distantes da Amazônia. Hoje,
saudamos o caboclo ribeirinho.
Num extrato da sua própria experiência, Seu Ignácio Pereira, do rio
Tapajós, nos conta que: “é do rio que tiro a comida pra sobrevivência da
família. Aqui o rio manda na vida! O Tapajós é irmão de muitos outros rios:
o Amazonas, o Madeira, o Purus, o Xingú. Lá bem no fundo deles moram a
Yara e o Boto encantado. Mas o homem não quer saber disso. Quer saber
do ouro que também tem na beira do rio e que dá muito dinheiro. É por
isso que hoje a água do lago está avermelhada da cor da lama, por causas
do mercúrio”. Com sua voz já calejada, e tomado por uma grande tristeza,
o ribeirinho relatou a sua experiência a um repórter na região de Alter-
do-Chão, quando no fim de novembro de 2021, as águas amanheceram
tomadas por uma lama.
A Amazônia é a mátria das águas e é nela que estão localizados 65%
dos mananciais de águas doces do país – 20% da água potável do planeta.
Águas que abraçam, nutrem e fertilizam tudo ao seu redor, tanto nas
várzeas como nas terras firmes. Mas que correm perigo. É nesse ambiente
líquido e onírico que o Boi Caprichoso mergulha para ecoar um grito em
defesa das águas amazônicas, reverenciando o caboclo ribeirinho como
seu principal guardião.

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RITUAL INDÍGENA
ITEM 4
TUPARÍ: SUCAÍ, O TARUPÁ DA FRIAGEM

Os tarupás são entidades sobrenaturais maléficas que incidem sobre


as questões climáticas para maltratar a humanidade. Na crença Tuparí, o
canto e o assovio do curupira são os prenúncios de que Sucaí – o tarupá
que afugenta o sol e faz a temperatura baixar – está a caminho da floresta.
Então, é chegado o momento de acender as fogueiras e celebrar o ritual
onde serão repassados os ensinamentos que protegem o povo da ação
letal da friagem.
Somente o Pajé tem o poder de avistar o perigo e proteger o seu
povo da morte.
Na escuridão, iluminados apenas pelas chamas ardentes de uma
fogueira, ele aspira o rapé (mistura feita de sementes de angico e tabaco)
e inicia o cerimonial, entoando os cantos que clamam por proteção e
bênçãos. Mas, no processo ritual, uma indígena Tuparí aculturada se
insurge, negando a crença de seu povo, e se recusa a inalar o alucinógeno.
O velho xamã a adverte que a negação à ciência da floresta, legada por
seus ancestrais, a fará morrer precocemente. Mesmo diante da profecia,
ela não recua.
Então, em meio a ventanias e raios, o povo Tuparí sente chegar
as brumas e, com ela, um frio que castiga toda a floresta. A mulher em
convulsão térmica devora partes do próprio corpo, iniciando sua jornada
rumo a patokbiá: a aldeia dos mortos. O Pajé, em transe, vibra o seu maracá
e afugenta o frio de Sucaí, livrando o restante de seu povo do morticínio,
em um ritual que atualiza a centralidade do equilíbrio climático também
para os povos originários.

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Apoiadora oficial do Bumbá

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NOITE B
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NOITE B
AMAZÔNIA-ALDEIA:
O BRADO DO POVO
A dor e a brutalidade que nos formaram e nos fizeram reconhecer
como povo-floresta, encontrou na estrela do Boi Caprichoso, o terreno fértil
para o florescimento da nossa identidade cultural amazônica, multiétnica,
banhada em rios de esperança e resistência.
Muitos vieram para explorar, mas muitos outros vieram para cá
encontrar uma terra de esperança para seus sonhos: japoneses fugidos das
dores da guerra, italianos dos horrores do fascismo, judeus em busca da
sua Eretz (Terra Prometida), africanos desejando singrar rios de liberdade.
Todos, entrelaçando-se, originaram uma cultura plural que, apesar das
dores, na poesia do Boi Caprichoso é levante, manifesto, é festança
multicultural.
O Caprichoso é um boi negro, preto, de origens nordestinas. Roque
Cid, nosso fundador, imigrante, vindo do Crato, no Ceará, foi também um
desses, atraído pelas oportunidades geradas nos seringais amazônicos.
Em suas vidas forjaram um pertencer regional ressignificando saberes e
fazeres; uma pluralidade étnica mesclando-se com o elemento nativo,
criando uma nova relação expressa na música, na culinária, nas crendices,
na arte e na cultura popular.
Em “Amazônia-Aldeia: o brado do povo” vamos apresentar as
lutas constantes dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia.
Resistir é reexistir. É trazer os sons dos muitos batuques emanados pelos
mestres griôs brasileiros homenageados em nossa Marujada de Guerra,
cuja cadência dá vida e voz às toadas caprichosas e altaneiras do Boi da
Francesa e do Palmares.
Mas resistência também é tradição. E tradição é herança, como as
brincadeiras de boi no Brasil, que unificam um país trabalhador e rico em
suas manifestações, onde o sorriso vai além de simbolizar o existir: o riso,
o nosso riso, é mais que “um ser do folclore”, é um álibi político.

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Ó, CRIADOR! | O SENHOR NUM ESTALO DE DEDOS | JUNTOU TODAS AS RAÇAS


SACUDIU TODO MUNDO NO SEU MARACÁ DE CABAÇAS | TROUXE MUITAS CULTURAS DE POVOS PRA CÁ
NASCEU, CRESCEU, REPRODUZIU | É SÓ MOLHAR A RAIZ PRA UMA BELA TOADA NASCER
ESSA É A FÓRMULA DO BOI | O ANTÍDOTO DO BOI | TEM MAGIA NO BOI BUMBÁ

TOADA: BATUQUE, RAÇA E COR. CAETANO MEDEIROS, 2021

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FIGURA TÍPICA REGIONAL


ITEM 15
O CABOCLO DA MATA

O caboclo da mata vive em simbiose com seu meio. Para ele, a


floresta não é um recurso a ser explorado, mas um ente vivo com o qual as
relações são recíprocas e fraternas. Ele aprendeu com seus antepassados
uma ética do cuidado, que impõe também o respeito a tudo aquilo que
vive. Seres humanos e não-humanos, mas que têm força e vontade, e
que, por isso, não se pode controlar.
Samuel Benchimol já assinalava em seus livros que a sociodiversidade
dos povos que vieram para Amazônia produziu no seio da grande floresta
caboclos muito peculiares: os quilombolas dos castanhais do Rio Erepecuru;
os coletores de incenso do Pau-Rosa do Rio Parú e do leite da Sucuba, no
Amapá; os caboclos paneleiros do Mocambo, diferentes em seus fazeres
e únicos na forma de tratar o barro e as águas que lhes presenteiam com
a sua matéria prima; entre tantos outros. Todos acreditam que na mata
vivem também milhares de seres encantados, aos quais se deve deferência
e temor.
“Ainda quando curumim, ia com meu pai, cedo, para as matas. E
lá pude aprender que andiroba é bom pra inflamação, que a seiva do
jenipapo é um santo remédio pra anemia, que a envira-taia serve pra
defumar a casa pra espantar maus espíritos e o mal olhado contra os
recém-nascidos. A floresta me dá tudo... é como uma mãe pra nós. Eu
tenho medo que a ambição dos madeireiros, dos garimpeiros possa acabar
com tudo isso, porque se a floresta morrer, a gente morre também”. Quem
nos fala aqui é o seu Antônio Conceição, um caboclo da mata, morador
da Comunidade Sabina, no Rio Mamurú. Um caboclo da mata como os
que o Boi Caprichosos homenageia hoje.

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EXALTAÇÃO
FOLCLÓRICA
BOI DE QUILOMBO

Nesse momento, em seus rios de poesia, o Boi Caprichoso retrata o


legado sociocultural dos povos africanos na Amazônia. Herança que foi por
muito tempo renegada ou escamoteada, sob a alegação de que pequenos
contingentes de escravizados não teriam deixado traços marcantes por aqui.
Pesquisas mais recentes têm revelado, no entanto, que esse número está
nas dezenas de milhares de negros embarcados para a região amazônica
entre os séculos XVII e XIX. Eles vieram de Guiné-Bissau, de Angola e
de Costa da Mina e trouxeram costumes, crenças, sabores, línguas e
tradições que foram incorporados à vida amazônica de distintas formas.
Atualmente, segundo dados da Fundação Cultural Palmares, existem 406
comunidades quilombolas nos estados do Amapá, Amazonas, Maranhão e
Pará. Visibilizar essa contribuição nos parece fundamental, tanto para uma
melhor compreensão da identidade cultural dos povos-floresta, quanto para
fazer justiça àqueles que abraçaram esse novo território como sendo seu.
Em nossa viagem onírica, o Boi negro de Parintins, como tantas
outras manifestações culturais, chega à floresta numa barca-quilombo,
onde é saudado pela pororoca do Rio Amazonas. Ao som de atabaques
e agogôs, Yemanjá (a rainha do mar) se reconhece em Yara e entrega as
sementes culturais de seu povo a Nossa Senhora da Conceição, padroeira
de Manaus, que também é Oxum nos muitos terreiros de candomblé, mina
e umbanda presentes na capital e no interior do estado. Essas sementes
culturais germinadas brotam como flores mistas, onde tem de tudo um
pouco: gente preta, guerreira e bela, de canto nagô e fala Iorubá. Dor,
sofrimento e saudades, mas também a alegria e o colorido dos Boi-Bumbá,
do carimbó, do tambor de crioula, do lundu e da capoeira. O gosto do
vatapá e do caruru e a devoção a São Benedito, padroeiro do quilombo
urbano da Praça 14 em Manaus, onde o nosso Boi Caprichoso foi batizado.
Um viva à afro-Amazônia! Viva os quilombolas de Manaus, de
Barreirinha e de Oriximiná! Viva o Boi-Bumbá Caprichoso: Boi de negro!

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LENDA AMAZÔNICA
ITEM 17
OS TRILHOS DA MORTE

É nesse cenário alegórico que apresentamos, como lenda amazônica,


“Os trilhos da morte”. A narrativa resulta do processo de construção da
ferrovia Madeira-Mamoré (1907-1912), que fez permanecer no imaginário
das populações do Vale do Guaporé, no estado de Rondônia, impressões
sobre o desastre humano que ela representou e histórias de visagens que
nunca abandonaram os batentes da estrada de ferro engolida pela mata,
transformada em cemitérios para abrigar os restos mortais dos infelizes
aventureiros, que nunca retornaram para suas casas. Não à toa, quando
inaugurada, ela recebeu o título nada honroso de “ferrovia do diabo”.
Com o colapso da economia da borracha, a estrada de ferro foi
esquecida e transformou-se em sinônimo de abandono e fracasso. A
floresta foi, de novo, reocupando tudo. Conta a lenda que, em noites de
luar, nos trechos que ainda restam dos 360 km de ferrovia, ouvem-se
brados, gemidos e sussurros. É a agonia das almas dos operários, gritos de
pavor ressoando da multidão de fantasmas que marcham atormentados
por entre os trilhos da Mad Maria. Presos aos dormentes, as visagens
tentam achar uma saída daquele inferno verde e debatem-se em vão
para se protegerem das nuvens de insetos que sobrevoam o lugar, dando
origem a uma procissão de espectros errantes com bolsas e malas nas
mãos. O silêncio só se restabelece ao fim da madrugada, quando surge,
deslizando sob os trilhos, iluminada apenas pelas chamas de fogo que
flamejam das suas rodas, a “Maria fumaça” enfurecida! Os mais antigos não
hesitam em afirmar que “não é apenas um trem, é uma quimera de ferro,
de corpo sinistro, que lança fumaça de enxofre no ar, para mais uma vez
tragar a vida daqueles espíritos de homens e mulheres que a esperam”,
ainda esperançosos de encontrar algum descanso.

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RITUAL INDÍGENA
ITEM 4
WAYANA-APALAI

Os Wayana e os Apalai são povos de língua karib que habitam a


região de fronteira entre o Brasil (Rio Parú de Leste, Pará), o Suriname
(rios Tapanahoni e Paloemeu) e a Guiana Francesa (alto Rio Maroni e seus
afluentes Tampok e Marouini). Conta-se que, no princípio, eram um povo
único. Viviam separados pelas águas do igarapé Axiki, afluente do Parú,
mas nutriam entre si um ódio devastador, devido a estranhas mortes
de membros de suas aldeias. Não sabiam que Tuluperê – a fera de duas
cabeças – era quem os estava dizimando, pouco a pouco. Certo dia, as
duas nações marcaram de se encontrar para estreitar os laços, dirimir os
conflitos e expandir os contatos culturais, mas foram surpreendidos por
Tuluperê e sua legião de entes malignos.
O ser maléfico possuía uma arara mítica que a avisava quando as
duas nações se aproximavam do derradeiro encontro. Entre o desespero
e a aflição, os Wayana e os Apalai travaram, então, um duelo mítico com
a fera, unidos sob a liderança do poderoso pajé Apalai. Apenas juntos
puderam derrotar Tuluperê, e de sua pele herdaram os grafismos que
ainda hoje remetem ao que estava gravado sobre o couro desse ser mítico.
Desde então, as duas nações unificaram-se, retornando à denominação
de um só povo: os Wayana-Apalai.

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MOMENTO TRIBAL
RITO DE RESISTÊNCIA
MULHERES-FLORESTA: AS GUARDIÃS DA VIDA

Por meio da oralidade, soubemos de nossos antepassados que


no noroeste da Amazônia, entre os povos Tariana, as mulheres de Izi –
“o sol” – rebelaram-se contra as imposições do patriarcado do tuxaua
Jurupari. Cortaram seus cabelos a golpes de sílex, desceram o rio e se
estabelecerem às margens do rio Nhamundá, onde edificaram o matriarcado
das Icamiabas (adoradoras da lua, lideradas por Conorí). Em suas festas
cerimoniais, elas invocavam a força do jaguar-rei e em seus transes
ritualísticos metamorfoseavam-se em mulheres-jaguatiricas, mulheres-
onças, guardiãs ancestrais do fogo, das águas e de toda a natureza.
Essas mulheres guerreiras empoderadas aparecem em relatos de
muitos cronistas e viajantes que por aqui passaram. Mantiveram-se no
lendário, mas também na memória oral das comunidades ribeirinhas e
no imaginário dos povos-floresta. E hoje, no manifesto poético do Boi
Caprichoso, são reverenciadas como as guardiãs que inspiram as lutas de
mulheres indígenas tão fortes como Tuíra Kayapó, Célia Xacriabá, Sônia
Guajajara, Sâmela Sateré, Alessandra Kabá, Teporí Yawalapiti e a nossa
Cunhã-poranga, Marciele Albuquerque Munduruku. Elas têm construído
novas trincheiras de batalhas, em diálogo tanto com os feminismos quanto
com os movimentos e associações indígenas. Viva a luta das mulheres
indígenas, quilombolas, pescadoras, extrativistas, que unidas são sentinelas
da resistência! Elas mantêm a floresta de pé! Elas têm reflorestado as
mentes e as matas!

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NOITE C
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NOITE C
AMAZÔNIA-FESTEIRA:
O CLAMOR DA CURA
Em “Amazônia-Festeira: o clamor da cura” vamos mostrar as raízes
identitárias do Boi Caprichoso, nossos mitos fundadores, desde Roque
Cid - o primeiro - passando pelos “donos” do Boi, aqueles que botavam
o brinquedo junino nas ruas de Parintins. Vamos homenagear a arte do
caboclo parintinense, o jeito Caprichoso de existir e de fazer, o saber de
uma gente aguerrida, que transforma sonhos e lutas em poesia.
Nesta noite, o Boi Caprichoso reafirma o seu desejo pujante de
salvaguardar a terra-floresta, suas gentes, humanas e não-humanas e a
cultura que, pela genialidade do artista parintinense, aqui floresceu e faz
reverberar um canto poético, popular, clamando reconhecimento, igualdade
e justiça social para os povos-floresta.
A beleza das formas dispostas nas alegorias e fantasias, a força
das vozes poéticas, a harmonia vibrante das cores e o ritmo pulsante da
marujada formam um teatro Caprichoso, um conjunto folclórico aguerrido,
a cura do mundo pela cultura popular, pela arte, um caminho de luta
dedilhado pelo traçar dos artistas parintinenses.
Hoje, o Bumbódromo é praça, rua e tribuna, onde o Povo Caprichoso,
de punhos erguidos, de braços dados com as massas reivindicam, em
arte e poesia, novos pensamentos, novas atitudes. Nosso compromisso
é lutar para mantermos a Amazônia-Floresta livre das garras nocivas do
capital assegurando-a para as futuras gerações e para o bem de toda a
humanidade.
Nossa história é nossa luta e resistência forjada por um povo simples,
trabalhador, que se agiganta na arte há mais de um século, e onde a vida
reflete, na harmonia dos seres, o ímpeto criativo de nossa gente.

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A TOADA, POESIA, ALEGRIA | TRADIÇÃO DO NOSSO AMOR


TRAZ CONSIGO A LEVEZA DA LUZ | QUE A ALMA DA VIDA ALUMIA | PRA FALAR DO AMOR, DE TUDO
DE UM AMOR QUE É PRECISO APRENDER | E FELIZ PARA SEMPRE VIVER
EU SOU, SOU CAPRICHOSO ATÉ MORRER...

TOADA: MEU AMOR É CAPRICHOSO. CHICO DA SILVA, SILVANA SILVA, ANDRÉA SILVA, 2002

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FIGURA TÍPICA REGIONAL


EXALTAÇÃO FOLCLÓRICA
ITEM 15
O BRINCADOR DE BOI | VIVA A CULTURA POPULAR

Nas asas do tempo e com os pés descalços a trilhar os caminhos


de chão batido das vielas da Francesa e dos tucumanzais1 do que veio
a ser o bairro do Palmares, a brincadeira de Boi-Bumbá se formou em
Parintins, imortalizando personagens que ficaram marcados na memória
de várias gerações. E para ser brincante no “Boi de antigamente” era
preciso ter coragem para enfrentar as elites hipócritas e os estereótipos
vigentes, já que o som e a dança que vinham das ruas eram vistos como
“coisa de pretos vadios” ou “algazarra de gente que não tem o que fazer”2.
Eram lamparineiros, como o Lioca – que iluminavam a brincadeira com
a luz cambaleante das lamparinas – músicos e artesãos que produziam
um batuque animado e as figuras jocosas do Seu Gigante e dona Aurora
(bonecões que acompanhavam a brincadeira). No início, os brincantes
eram quase todos homens, já que festa era vista como inadequada e
perigosa para as mulheres, uma vez que era regada a pinga com limão e
sal, entre outras beberagens. Foi somente aos poucos que as mulheres
foram conquistando seu espaço na festa e, até mesmo, assumindo o
protagonismo na confecção de vários setores do Boi.
Por isso, muitos desses nossos caboclos e caboclas, que cresceram
participando das festas do Caprichoso se reconhecem na toada de Adriano
Aguiar, intitulada Paixão de uma Nação. Nela, está nossa trajetória, de
quem já fez de tudo no Bumbá: já foi vaqueiro, tocou e tambor e foi
marujeiros, ficou na “fila da galera pra subir na arquibancada”. Já foi da
“da Raça Azulada, da rapaziada do galpão”, já foi artista e “brincante do
boi campeão”! Empurrou alegoria, pintou-se “de índio pra dançar na tribo
do Boi”, recortou estrelas e bandeirolas, andou “nas ruas da cidade junto
com o Boi” e até carregou tuxaua – tudo pra ficar perto do touro amado.
Em Parintins, o Boi Caprichoso é cultura que resiste!
Áreas dominadas pelas palmeiras que fornecem o Tucumã, fruto muito apreciado em Parintins.
1

Descrições das reações das elites locais à brincadeira de Boi estão em BRAGA, Sérgio Ivan Gil. Os
2

Bois-Bumbás de Parintins. Rio de Janeiro: FUNARTE; Manaus: Museu Amazônico: Valer, 2002.

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CELEBRAÇÃO
INDÍGENA
AMAZÔNIA: NOSSO CORPO, NOSSO ESPÍRITO

“A Terra está doente”, dizem as mulheres indígenas em marcha. E


junto com ela, adoecem também a fauna, a flora, os mitos e modos de vida
das comunidades tradicionais. Nesse contexto, a Amazônia está vendo
a memória de suas gentes se perder. Aquilo que foi transmitido dos pais
e mães para os seus filhos, vai virando cinzas e o futuro desvanece. Os
pertencimentos e identidades se vão com a perda da língua, dos sabres,
dos territórios invadidos e saqueados pelos donos do poder. Mais do que
nunca, a terra onde se planta e onde se pisa, tal como a Terra, como planeta
que habitamos como morada comum, carece de um novo significado. Na
chave de leitura que nos é fornecida pelas mulheres indígenas, ele é corpo
(nosso corpo) e espírito de todos nós.
Por isso o Boi Caprichoso se coloca também nessa luta. Nossa
arma? É o folclore e a poesia. Nossa força vem da música que entoamos
e das artes que produzimos. Nosso escudo? É a galera que não larga esse
Boi, faça sol ou faça chuva. Lutamos pela vida na Amazônia e, portanto,
contra a opressão. Lutamos contra a violência que se volta contra nossa
gente-floresta que tem sido, ao longo de séculos, gente-resistência. Afinal,
é lutando por aquilo que é nosso que mostramos aquilo quem somos:
gente-Caprichoso.
No Festival que não aconteceu em 2020 e 2021, sustentamos como
tema Terra: nosso corpo, nosso espírito. E, nesse momento, retomamos
esse mesmo brado para apresentar nossa celebração indígena, conduzida
pelo Pajé. Nela, reverenciamos alguns dos povos que habitam o Parque do
Xingú: Kamaiurá, Yawalapíti, Mehinako e Parakanã. Eles que defendem as
terras dos invasores e dos muitos males associados às ideias de progresso
e desenvolvimento e fornecem ao mundo lições de como preservar a
natureza, adiando o fim do mundo.

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LENDA AMAZÔNICA
ITEM 17
O PÁSSARO PRIMAL E O NASCER DAS AVES

Os Kayapó consideram a floresta como um espaço mágico, onde


homens, animais e espíritos convivem, trocam conhecimentos e travam
lutas constantes pelo domínio da natureza. Conta uma história tradicional
desse povo que, num tempo muito antigo, os primeiros
kayapós viviam sob o constante perigo do ataque letal de um gavião
de tamanho colossal, que diariamente revoava no espaço da aldeia a
procura de carne humana para satisfazer o seu apetite voraz. Certo dia,
um grasnar aterrador ecoou no ar. Era a o pássaro primal que, de forma
súbita percebeu um curumim aprendendo a tecer um cesto de tucum. Em
um voo rasante ele cravou suas garras nas costas do menino e o levou
para ser devorado no seu ninho sombrio, localizado no alto dos paredões
de pedra.
Para pôr fim ao martírio, os homens mais sábios da aldeia escolheram,
então, criar dois redentores submersos na água – Kukrut-Kako e Kukrut-
Uíre. Muitas luas se passaram até que eles pudessem emergir. E, quando
saídos da água, todos perceberam que tinham se tornado grandes e fortes
guerreiros, que haviam recebido muita força das águas.
Eles confeccionaram lanças com o osso dos grandes felinos, bordunas
de pedras e os primeiros grandes arcos e flechas. Pintaram-se com a tinta
escura do jenipapo e, sentido preparados para a derradeira batalha contra
aquela ave de rapina que ameaçava o futuro de sua gente, dirigiram-se
às proximidades da morada da grande fera. Atraíram-na com flautas que
imitavam o seu canto e quando ela se descuidou desferiram contra ela
golpes de borduna e cravaram em seu peito a lança sagrada. Em êxtase
e possuídos de uma força tamanha, sopraram sob o corpo agonizante do
pássaro primal, fazendo suas plumagens desprenderem-se de seu corpo e
se espalharem pelo céu, dando nascimento a uma infinidade de pássaros
coloridos. Era o milagre da vida vencendo a morte!

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RITUAL INDÍGENA
ITEM 4
YANOMAMI REAHÚ, FESTA DA VIDA-MORTE-VIDA

Para os Yanomami, a volta de um indivídui para o Hutukara, o céu de Omame,


onde viverá o descanso eterno, depende da festa Reahú, pois esse é um rito
onde a coletividade se despede e apaga todos os vestígios que podem prender o
espírito do falecido a este plano. Ele também o imortaliza na ingestão dos ossos
carinhosamente reduzidos a pó e adicionados ao mingau de banana consumido
por toda a aldeia. É como se o falecido passasse a morar, agora, no corpo de cada
um de seus parentes.
Mas este momento de fragilidade emocional, também é o momento oportuno
para os ataques dos Xawaripes – espíritos maléficos que também habitam a Urihí.
Por isso é importante que o pajé conduza o processo, através rezas e orações
destinadas ao hecuras (os espíritos do bem) para que a sua presença proteja o
espaço da aldeia e a crie harmonia no xabono para os yanomamis se despedirem
do/a falecido/a em um ambiente livre de hostilidades espirituais.
Conforme nos contou Kopenawa, com luz no olhar e uma voz levemente
rouca, ao ser dado como morto, o corpo é despido de seus trajes e adornos, que são
queimados juntos com seus arcos, flechas e demais objetos pessoais. Em seguida,
é colocado na posição fetal em um cesto tecido de tucum e conduzido por seus
parentes até a floresta, onde é amarrado a uma arvore para dissecar por várias luas.
No tempo certo, os parentes o recolhem o e o desossam num jirau construído com
galhos de árvores e, após isso, queimam os restos de matéria do corpo no mesmo
jirau. Depois depositam os ossos a um em outro cesto e o entregam nas mãos da
viúva (se o falecido for casado). Ela o conduz, acompanhada de uma procissão, até
o pátio do xabono, onde é feita a última despedida dos familiares e parentes. Os
cantos proferidos pelas mulheres reproduzem falas da vitória da vida sobre a morte,
onde peribo (a lua) e puriwari (as estrelas) são testemunhas onipresentes.
Nesse meio tempo entre a morte, o dissecamento do corpo e a desossamento,
os guerreiros realizam caçadas coletivas para alimentarem nos últimos dias de festa os
convidados do Reahú. Ao chegar o grande dia, o chefe religioso ordena a construção
da fogueira e realiza junto com a comunidade a cremação dos ossos. Em seguida
recolhe as cinzas e os ossos maiores são pilados, para em seguida
serem adicionados ao mingau de banana e serem ingeridos por toda a
comunidade. Assim, o Yanomami vai para o céu, livre da maldição dos
xawaripes e os hecuras dançam até o amanhecer do dia, celebrando
a vitória da vida sobre a morte, pois o yanomami tem que estar forte
para lutar contra os napês, os brancos que querem destruir a Urihi.

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GLOSSÁRIO
Ajuricaba: líder da nação indígena dos Cutucurim: ave grande, o mesmo que guística Jê que vive em aldeias dispersas ao
Manaó no início do século XVIII. Revoltou-se harpia. longo do curso superior dos rios Iriri, Bacajá,
contra os colonizadores portugueses, ne- Davi Kopenawa – xamã e liderança do Fresco e de outros afluentes do caudaloso
gando-se a servir como escravo, tornan- povo Yanomami. Presidente da Hutukara: Rio Xingu.
do-se um símbolo de resistência e liberdade. Associação Yanomami e ativista na defesa Kokati: rio de águas douradas onde
Anhangá: espírito protetor da floresta, dos povos indígenas e da floresta amazônica. cresceram os guerreiros gigantes.
geralmente materializado em morcego. Enawenê-Nawê: povo indígena da língua Kuyuri: ser dotado de luz onde antes
Apiauá: Homem, na língua geral. Aruak que habita uma única grande aldeia havia apenas a escuridão; de fala mágica
Aruak ou Aruaque: povos indígenas da próxima ao rio Iquê, afluente do Juruena, no onde antes só havia silêncio; e de um fluido
família linguística Aruak, presentes na Améri- noroeste de Mato Grosso – entre o cerrado fértil que antes era inerte.
ca do Sul e do Mar do Caribe. e a Amazônia. Macucauá: dardo feito de taboca. Varie-
Assurini: povo indígena da família lin- Espinhel: armadilha de pescaria feita dade de inambú ou perdiz amazônica.
guística Tupi-Guarani que habita os estados com longa corda e anzóis. Mademoiselle: palavra francesa que des-
do Tocantins e Pará. Francesa: bairro da cidade de Parintins igna senhorita ou menina moça.
Atabaque: tambor alto e afunilado, cob- que margeia a lagoa que leva o mesmo Mamoré: curso de água da bacia do rio
erto na extremidade mais larga por uma pele, nome; berço e tradicional reduto do Boi- Amazonas que nasce na Bolívia e que, na
raramente dupla, cuja tensão é obtida com Bumbá Caprichoso. altura do município de Nova Mamoré (es-
uso de cavilhas ou de cordas e cunhas, e que Gazumbá: compadre de Pai Francisco e tado de Rondônia), forma o rio Madeira.
é percutido com as mãos ou com varetas. Mãe Catirina. No “Auto do Boi” acompanha Mani-Mani: nome do rio localizado na
Atroarí: povo indígena da família lin- o casal de protagonistas no séquito do boi frente da aldeia dos mortos segundo a cren-
guística Karib que habita a terra indígena de pano. ça Tupari.
Waimiri-Atroarí, nos estados do Amazonas Haximu: aldeia na fronteira do Brasil com Maninha Xucuru: primeira mulher a fazer
e Roraima. a Venezuela, atacada por garimpeiros em parte da Articulação dos Povos Indígenas
Banto: grupo etnolinguístico da África 1993. O episódio foi amplamente divulgado do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
meridional bastante influente no Brasil. O na época, tendo em vista a crueldade dos (APOINME)
termo também designa uma área cultural invasores, que mataram idosos, mulheres Mapinguari: ser da floresta, presente em
de onde provém algumas das tradições re- e crianças. algumas mitologias indígenas e incorporado
ligiosas afro-brasileiras. Hekura: pajé curador e protetor do ao folclore. É representado como tendo sido
Camaroeira: Pescadora de camarões de mundo ou espíritos benfazejos que auxil- um índio que descobriu o segredo da imor-
água doce dos lagos amazônicos. iam os xamãs nos rituais de cura dos índios talidade, mas que teve que pagar o preço
Caribe ou kara’ib: sábio, inteligente; Yanomani. de ser transformado em um animal horrível
pertencente a etnia que habita as Antilhas. Hixkaryana: povo indígena da família e fedorento, que vaga pelos castanhais e
Caruanas: forças viventes do fundo das linguística Karib que habita os estados do devora vivo os homens que encontra pelo
águas, que regem a vida e são incorporados Amazonas e Pará. caminho. É visto como protetor da mata.
nas pajelanças caboclas na crença Aruã. Horokota: cabaças onde as cinzas dos Maracá: chocalho; instrumento ritu-
Chicão Xucuru: militante indígena que mortos são armazenadas para o povo alístico utilizado pelos pajés nas cerimônias
se tornou referência nas lutas do povo in- Yanomami no rito Reahú. religiosas.
dígenas Xukuru. Foi assassinado a tiros na Hwama: como os Yanomami referem Maraká’yp: mestre de música.
manhã de 20 de maio de 1998, em Pesque- seus visitantes de aldeias próximas Maromba: assoalho suspenso, usado
ira, estado de Pernambuco. Jurupari: herói na cultura dos povos do dentro das casas de palafitas durante as
Congá: altar onde ficam as imagens de alto rio Regro; ficou conhecido como legis- grandes enchentes.
santos e orixás nas religiões afrobrasileira; lador da floresta. Monãg: deidade indígena do povo
lugar sagrado. Ka’aporanga ou Ka’apora’rãga: espírito Maraguá.
Çukuywera: espírito das serpentes, ma- protetor da floresta que transita entre o Munduçara: governador, na língua geral
terializado em cobra grande. mundo físico, a mata, e mundo dos espíritos Nagô: nome dado aos iorubanos ou
Curupira: entidade sobrenatural con- (Angaretama). Está presente na cosmologia a todo negro da “Costa dos Escravos” ou
hecida por ser o guardião da floresta e por dos Siriwá Tawató, do Estado do Amazonas Costa da Mina, que falava ou entendia o
punir aqueles que entram na mata para der- e no imaginário do caboclo amazônico. Iorubá. Amplos contingentes de negros es-
rubar árvores ou caçar animais. Kayapó: povo indígena da família lin- cravizados nagôs chegaram ao Brasil entre

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GLOSSÁRIO
os séculos XVIII e XIX, principalmente na fins coletivos; mutirão. Tupã: Deus. Provém de tu, artigo grego,
Bahia. Querimbauá: valente guerreira do povo e pauá, todo. Túba, pai, e pauái, de todos.
Naílton Pataxó: um dos caciques do Pos- Manaó. Pai de todos, na língua geral.
to Indígena Caramuru, na Bahia. Resistiu Raoni: é uma das mais importantes e Tupari: povo indígena da família lin-
por longo período às investidas do Estado conhecidas lideranças indígenas do Brasil. guística Tupari que habita o sul do estado
e do capital até a retomada das terras de Pertence ao povo Kaiapó e desde os anos de Rondônia, mais precisamente nas Áreas
seu povo. 1970 participa de atividades que visam sen- Indígenas Rio Branco e Rio Guaporé.
Ocara: espécie de praça da aldeia indí- sibilizar o país e o mundo para a importância Tupinambá: povo indígena que por vol-
gena; espaço entre ocas. da preservação dos territórios e das culturas ta do século XVI habitou em praticamente
Õkãpomaí: bravos guerreiros, aquelas indígenas, em especial dos povos do Xingu. toda a costa brasileira desde o Recôncavo
que desafiam o desconhecido. Reahú: ritual funerário dos Yanomami, Baiano até ao atual Rio de Janeiro. Muito
Pabid: morador da aldeia dos mortos. no qual se procede a cremação e posteri- combativos, os Tupinambás empreenderam
Condição que o indígena Tupari alcança ao ormente o consumo ritual das cinzas, mis- enorme diáspora em direção a Amazônia
morrer. turadas em um mingau. e deixaram suas marcas em vários outros
Pachamama: Terra-mãe; é considerada Rocar: É um instrumento de percussão. povos com quem travaram contato
mais que uma divindade; ela é a natureza O som alto e dominante deste instrumento Tupinambarana: pertencente ou rela-
que cria e recria os elementos da vida e o é ouvido muito bem mesmo com o som de tivo aos Tupinambaranas; etnia da nação
ser humano é parte integrante dela. todos os outros instrumentos da bateria. É tupinambá; denominação dada à ilha onde
Pai Francisco: Personagem masculino do importante para o balanço da bateria. hoje está localizada a cidade de Parintins.
“Auto do Boi” que, para satisfazer o desejo Sapopema: raiz colossal da árvore Sa- Uaxi: chocalho, na língua geral.
de sua companheira mata o boi para tirar-lhe maumeira ou Sumaumeira, usada como Uinxis: espíritos que auxiliam a pa-
a língua. instrumento de comunicação na primeva jelança, na crença Kaxinawá.
Paricá: substância alucinógena extraí- amazônica. Upeiú ou Apeiú: soprar, tocar, na língua
da da árvore do paricazeiro, utilizado pelos Sateré: povo indígena da família linguísti- geral.
velhos pajés em suas viagens ao mundo ca Tupi-Guarani que habita os estados do Urihi ou Urihi-wapoë: como são chama-
sobrenatural. Amazonas e Pará. dos os garimpeiros pelos Yanomami: os
Parintintin: povo indígena de língua Siloca: antiga brincante do Boi Capricho- comedores de floresta, comparados como
Tupi-Guarani que habita o sudeste do es- so, mestra de antigas brincadeiras de um bando de porcos-queixada sobrenatu-
tado do Amazonas, entre os rios Madeira Parintins. rais, destruidores do solo e da mata.
e Marmelos; antigos habitantes da ilha de Sucaí: dono da friagem; senhor do vento Urutágua: também conhecido como
Tupinambarana nos primeiros tempos da para os Tupari. Urutau, Urutaí e Mãe-da-lua, noturna.
colonização Tacaçauá: vibrante, na língua geral. Wai’á-toré: cerimônia da dança sagrada
Patobkiá: pajé superior e cacique da Tapira’yawara: espírito protetor dos fe- realizada por diversos povos indígenas, es-
maloca dos mortos para o povo Tupari. linos, materializado em certas espécies de pecialmente por algumas etnias renascidas
Paulinho Guajajara: guardião da floresta, onça. no nordeste do Brasil.
responsável por fiscalizar e denunciar in- Tarrafa: malhadeira de pesca com peso Waurã: na língua Maraguá significa
vasões da mata; era conhecido como Lobo. nas extremidades, usada nas pescarias bicho, no sentido de monstro, animal so-
Foi assassinado a tiros na Terra Indígena amazônicas. brenatural.
Arariboia, no estado do Maranhão. Tarupás: espíritos malignos para o povo Waurá-Anhangá: mãe da mata, materi-
Paxo Hutukarari: Espírito do macaco Tupari. alizada em gavião.
quatá, gigantesco primata que habita o peito Tauá: taba, aldeia. Wayana-Apalai: os Wayana e os Apalay
do céu e ajuda a sustentá-lo; visto somente Tiapu: música, canção, na língua geral. são povos de língua karib que habitam a
pelos pajés Hekura. Tipití: prensa ou espremedor de palha região de fronteira entre o Brasil (rio Paru
Penaçauá: centro, esquina, ângulo, es- trançada, usada para secar e escorrer os de Leste, Pará), o Suriname (rios Tapanahoni
quadro. produtos derivados de raízes, principalmente e Paloemeu) e a Guiana Francesa (alto rio
Pirarara: bagre de grande porte, protag- os da mandioca. Maroni e seus afluentes Tampok e Marouini).
onista de inúmeras narrativas das pescarias Tuluperê: fera mítica que habitava os Xabirë ou xabori: espíritos auxiliares dos
amazônicas. aningais do rio Paru. Contam os antigos que pajés.
Puxirum: reunião de comunitários para era um lagarto descomunal de duas cabeças. Xapiripë: como os povos Yanomami

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GLOSSÁRIO
chamam os espíritos ou ancestrais animais caracterizada pela fumaça das poluições e cachorro do mato.
que se apresentam aos xamãs dançando e epidemias que assolam os Yanomami. Yukatã: primogênita; primeira mulher
cantando. Seus corpos translúcidos estão Yakalitis ou Yakayretis: espíritos que, presente nas crenças Munduruku.
sempre belamente adornados e brilham. segundo a cosmogonia Enawenê-Nawê, Zagaia: instrumento artesanal utilizado
Dançam sobre um chão de espelhos que habitavam o mundo subterrâneo. nas pescarias amazônicas
reflete luz. Xapirië é luz que dança e canta. Yakoãnahi: pó mágico conhecido como Zoé: povo indígena da família linguística
Xapono ou Shabono (também conhecido “rapé” que ajuda os pajés a terem conta- Tupi-Guarani que habita a terra indígena
por Yano ou Xapono): é uma casa comu- to com o mundo dos espíritos durante os Zoé nos rios Erepecuru, Cuminapanema e
nitária usada pelos índios Yanomami, coberta rituais. Curuá, no estado do Pará.
nas laterais e aberta no centro. Yanawy: Espírito protetor dos cachor-
Xawara: entidade sobrenatural maléfica ros para o povo Maraguá, materializado no

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CAPRICHOSO2022

BIBLIOGRAFIA
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YAMÃ, Yaguarê; YAGUAKÃG, Elias; GUAYNÊ, Uziel; WASIRY GUARÁ, Roni. Maraguápéyára. Manaus: Valer, 2006.

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FICHA TÉCNICA
PRESIDENTE ADMINISTRADOR DE GALPÃO DE CONSELHO DE ÉTICA
Jender Lobato ALEGORIAS Clotilde Valente/ Socorro Lopes/ Alcifran
Ronaldo Medeiros Ramos/ Claudomiro Picanço Carvalho
VICE-PRESIDENTE Filho/ Fernando Silva/ Lolo/ Socorro
Karu Carvalho ADMINISTRADOR DE GALPÃO DE Pimentel
FIGURINOS
DIRETORA SECRETÁRIA Yasmin Amorim CONSELHO MUSICAL
Aurilene Figueiredo Mauro Antony
ADMINISTRADORA DE ALMOXARIFADO
DIRETOR FINANCEIRO Igor Reis CEDEM
Jenner Azêdo Diego Omar
COORDENADOR DE MARUJADA –
DIRETOR ADMINISTRATIVO PARINTINS ASSESSORIA DE IMPRENSA
Diego Mascarenhas Thiago Benoliel/ Diego Lopes Carlos Alexandre/ Alan Coelho Das
Chagas/ Analu Vieira/ Arleison Cruz/
DIRETOR DE PATRIMÔNIO COORDENADOR DE MARUJADA – Efraim Rocha Da Graça/ Eldiney Alcântara/
Alciney Vieira MANAUS Gerlean Brasil/ Glen Dinelly/ Josias Silva/
Rogério De Jesus Kamila Reis/ Marcos Felipe/ Marilza
DIRETOR COMERCIAL Mascarenhas/ Michel Amazonas/ Pedro
Leandro Carvalho CONSELHO DE ARTE Coelho/ Wesley Paiva/ Natália Andrade
Presidente: Ericky Nakanome
DIRETORA SOCIAL Membros: Socorro Carvalho/ Ronaldo ARENA 2022
Adriana Cruz/ Rosa Cursino Barbosa/ Zandonaide Bastos/ Jair
Almeida/ Edwan Oliveira/ Adriano Aguiar DIREÇÃO GERAL DO ESPETÁCULO
DIRETOR DE EVENTOS / Diego Omar/ Márcio Braz/ Paulo Victor Conselho de Arte
William Muniz/ Benedita Mafra Costa/ Evander Batista
DIREÇÃO DE CENOTÉCNICA
DIRETOR DE ARQUITETURA E DESENHISTAS Zandonaide Bastos
URBANISMO Antônio Fuziel/ Denner Silva/ Kedson
Augusto Rubens Oliveira/ Igor Viana/ Gilson Siqueira/ DIREÇÃO DE ROTEIROS E TEXTOS
Hiago Repolho Conselho de Arte
DIRETOR EXECUTIVO PESQUISA
Osmar Andrade SECRETÁRIO Conselho de Arte
Fábio Modesto
MADRINHA DO BOI DIREÇÃO DE ARENA E FIGURINO
Odinéa Andrade ASSESSORIA TÉCNICA Edwan Oliveira
Neandro Marques/ Larissa Andrade
PADRINHO DO BOI DIREÇÃO COREOGRÁFICA
Acinelson Vieira DESIGN GRÁFICO Jair Almeida
Paulo Victor Costa/ Marcelo Ramos Júnior
PROCURADOR COORDENAÇÃO E LOGÍSTICA DE
Délio Diniz CONSELHO FISCAL ALEGORIAS
Jucielle Cursino/ Marcan Uchoa/ Neto Paulo Victor Costa/ Zandonaide Bastos
CONTADOR Cardoso/ Carlos Caita/ Norma Elaine/
Márcio Ribeiro Clovis Jr. DIREÇÃO MUSICAL – ARENA
ADMINISTRADOR DE CURRAL Adriano Aguiar/ Bennet Carlos/ Neil
Maria Auxiliador (Dora)/ Tarcísio Coimbra Armstrong

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FICHA TÉCNICA
TRILHA SONORA – ARENA Wallace Guerreiro/ Waldir Santana/ REVISTA CAPRICHOSO 2022 –
Bennet Carlos William Muniz EXPEDIENTE
CONCEPÇÃO DO PROJETO GRÁFICO
MÚSICOS DE ARENA – BANDA OFICIAL COORDENAÇÃO DE ITENS Brono Costa e Rodrigo Abreu
Neil Armstrong Queiroz Natividade/ Cynara Carmo/ Thalyson Souza/ Edinalda
Bennet Carlos/ Márcio Moura Aguiar/ Sampaio DIREÇÃO DE ARTE
Dilermando Valerio Pinto/ Marlon Santos Brono Costa e Rodrigo Abreu
Soares/ Anderson José De Azevedo Farias/ COMPOSITORES
Neil Armstrong Queiroz Natividade Júnior/ Amaury Vasconcelos/ Caetano Medeiros/ DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL
Venâncio Lucas Queiroz Natividade/ Vitor/ Carlos Costa/ Chico da Silva/ Fellipe Brono Costa e Rodrigo Abreu
Moisés Azevedo Colares/ Laureano Tavares Salviano/ Frank Ricardo/ Gean Souza/
Neto/ Danilson/ Jedel Gomes Salgado/ Geovane Bastos/ Guto Kawakami/ DESENHOS
Gean Marcos Do Carmo Araújo/ André Henrique Gomes/ Higor Medeiros/ Hugo Antônio Fuziel/ Denner Silva / Kedson
Luiz Pinheiro De Sousa/ Manoel Vicente Levy/ João Leão/ Juarez Lima Filho/ Oliveira/ Igor Viana/ Gilson Siqueira
Castro Pereira Júnior/ Nelcimara Alves Judson Souza/ Júnior Dabela/ Kamila
De Lima/ Luana Barbosa Da Silva/ Jorge Azevedo/ Klinger Lyra/ Laércio Bentes/ PESQUISA
Henrique Pampolha De Souza/ Waldner Da Ligiane Gaspar/ Mailzon Mendes/ Edvander Batista/ Ronaldo Barbosa/ Ericky
Silva Souza/ Cirleane Ferreira De Souza/ Malheiros Júnior/ Marcley Pantoja/ Miguel Nakanome/ Zandonaide Bastos/ Diego
Cassio Gonçalves/ Gabriel De Sousa Lima/ Oliveira/ Paulo Victor Carvalho/ Ricardo Omar/ Márcio Braz
Giovanny Conte De Melo Andrade/ Eliziel Fabio/ Roberto Junior/ Rodrigo Bitar/
Lourenço Dos Santos/ Igor Lima Brasil/ Serginho Cid/ Sinny Lopes/ Tássio Alecrim/ TEXTOS
Alessandro Silva Dos Santos/ Celson Junior Uendel Pinheiro/ Vanessa Aguiar/ Victtor Edvander Batista/ Diego Omar/ Márcio
Nascimento De Oliveira/ Carlos Alberto Schaefer/ Yomarley Holanda/ Yrá Tikuna Braz/ Ericky Nakanome
Marinho De Souza/ Luziene Lins
COREÓGRAFOS GLOSSÁRIO
REGÊNCIA MARUJADA DE GUERRA Marcos Falcão/ Neto Beltrão/ Nathaly Ericky Nakanome/ Edvander Batista/ Fábio
Márcio Cardoso/ Vitor Hugo Costa/ Jorge Fontinelle/ Sandro Modesto/ Neandro Marques/ Márcio
Assayag/ Samuel Gomes/ Erick Beltrão/ Braz/ Diego Omar
ARTISTAS DE ALEGORIA Jair Almeida/ Felipe Monteiro/ Fabiano
Aldenilson Pimentel/ Alex Salvador/ Algles Baraúna/ Erivan Tuchê/ Rilque Cézar/ FOTOGRAFIAS
Ferreira/ Francivan Cardoso/ Geremias Ralcy Douglas/ Eglison Colares/ Cleomiro Daniel Brandão/ Bruno Zanardo/ Michel
Pantoja/ Jucelino Ribeiro/ Kennedy Prata/ Filho/ Robson de Araújo/ Dino Lopes/ Amazonas/ Pedro Coelho/ Glen Dinely/
Márcio Gonçalves/ Marialvo Brandão/ Denny Sullivan/ Weldson Rodrigues Widger Frota/ Alexandre Vieira/ Jordy
Marlúcio Pereira/ Franciney Meireles/ Neves
Claudenor Alfaia/ Ozéas Bentes/ Paulo ITENS INDIVIDUAIS
Pimentel/ Roberto Reis Apresentador: Edmundo Oran REVISÃO
Levantador de Toadas: Patrick Araújo Carlos Alexandre Ferreira
FIGURINOS E INDUMENTÁRIAS Amo do Boi: Prince do Caprichoso
Adriano Canto/ Alcenildo Silva/ Altemar Tripa: Alexandre Azevedo FINALIZAÇÃO
Cruz/ Antônio Carlos/ Ary Carlos/ Beto Sinhazinha da Fazenda: Valentina Cid Brono Costa e Rodrigo Abreu
Cruz/ Diego Cruz/ Dorico Farias/ Edson Porta-Estandarte: Marcela Marialva
Warner/ Enisson Menezes/ Fabson Rainha do Folclore: Cleise Simas JORNALISTAS RESPONSÁVEIS
Rodrigues/ Felipe Souza/ Francivan Cunhã-Poranga: Marciele Albuquerque Carlos Alexandre Ferreira – MTE-720
Cardoso/ Lup Design/ Júnior Lobato/ Pajé: Erick Beltrão Neandro Marques dos Santos
Juracy Modesto/ Kaleb Aguiar/ Kildary Mãe Catirina: Ádria Barbosa Fábio Gonçalves Modesto
Ferreira/ Leandro Souza/ Mário Oliveira/ Pai Francisco: Fábio Modesto
Neto Machado/ Otavio Muniz/ Paulo Gazumbá: Kelisson Castro
Rojas/ Raimundo Campos/ Rell Tavares/
Roberto Reis/ Saluilson/ Sabazinho
Cardoso/ Tarcísio Gonzaga/ Tárzio Cruz/

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