Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
www.bocc.ubi.pt
Comida, Identidade e Comunicação 3
www.bocc.ubi.pt
4 Carla Pires Vieira da Rocha
algumas regiões do país ou mesmo a outros bém se inscreve como um importante instru-
continentes. mento de comunicação.
Como se observa, o contexto contemporâ-
neo envolvendo a alimentação, também con-
templa alguns paradoxos. Diante de tal cons-
2 A comida como meio de
tatação, Montanari (2001) explora a relação
entre a cozinha internacional e a cozinha comunicação
de território. Valendo-se de uma análise
das épocas antiga e medieval, o autor ob- A comida pode ser vista como um impor-
serva que havia a ideia de se construir um tante meio para se comunicar valores, sen-
modelo universal de consumo, em que to- tidos e identidades. Comer é um ato sim-
dos pudessem se reconhecer. Em tal mo- bólico que não está restrito à necessidade de
delo, estariam plantadas as raízes do que se suprir nutrientes. As profundas transfor-
conhecemos por cozinha internacional. Já mações em nível global vêm alterando pro-
na época atual, regida pela globalização dos fundamente os padrões alimentares; a in-
mercados e dos modelos alimentares, vigo- tensificação das trocas culturais, reconfigura
raria um novo cuidado em relação às cul- os repertórios alimentares e também o seu
turas locais, representado pela invenção de consumo. Neste contexto, assim como um
“sistemas” (grifo do autor), como seria a co- elemento-chave para a constituição de iden-
zinha de território. No entanto, Montanari tidades, a comida pode ser pensada como um
faz questão de deixar claro que não se pode meio de comunicação.
dizer que tais sistemas tenham nascido do A importância dos meios comunicacionais
zero, uma vez que as diferenças locais sem- para a humanidade não reside apenas nas
pre existiram. suas funções de armazenar e transmitir in-
Considerando o que foi abordado até aqui, formações; a própria adjetivação do termo
é possível dizer que a relação entre comida já demonstra o seu papel fundamental como
e identidade está inserida em um amplo uni- instrumento de comunicação entre as pes-
verso permeado por questões sociais, políti- soas. Concebida nesta mesma condição, a
cas, econômicas e culturais. Num mundo comida atua em sentido idêntico: além de
cada vez mais regido por um processo glo- um meio de transmissão de valores simbóli-
balizador, essa relação vai ganhando novos cos e significados diversos, ela é um instru-
contornos; evidencia-se uma redefinição na mento comunicativo. É sabido, por exemplo,
oferta e consumo de alimentos, alinhada com que é muito mais fácil entrar em contato com
um amplo desenvolvimento da indústria ali- a cultura do outro compartilhando o seu ali-
mentar. Deste modo, há uma reconfiguração mento, do que falando a sua língua.
da noção de identidade, por meio de um pro- Em face da sua especificidade, os meios
cesso dinâmico, caracterizado pela fluidez e permitem diferentes formas de comuni-
mobilidade. Nesta perspectiva, como vere- cação. Ao telefone, falamos geralmente
mos a seguir, além de consistir em um eixo com um único interlocutor; já pela In-
de afirmação de identidades, a comida tam- ternet, esse número tende a ser multi-
www.bocc.ubi.pt
Comida, Identidade e Comunicação 5
www.bocc.ubi.pt
6 Carla Pires Vieira da Rocha
Bibliografia
A comida faz parte de um universo com-
plexo que excede as suas funções biológicas,
para alçar-se como um elo significativo na CARNEIRO, H. (2003), Comida e so-
constituição identitária dos diferentes povos. ciedade: uma história da alimentação,
O alimento serviu de impulso às grandes 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
transformações sociais ao longo da história.
Na contemporaneidade, com o acirramento ELIAS, N. (1994), O processo civilizador,
dessas transformações, a relação entre co- V.1, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
mida e identidade ganha outra dimensão. FLANDRIN, J-L (1998), “A humanização
Neste mundo cada vez mais globalizado, das condutas alimentares”, in FLAN-
há uma intensificação das trocas culturais e DRIN, J-L. MONTANARI, M. História
econômicas, o que determina uma reconfi- da Alimentação.6 ed. São Paulo: Es-
guração dos padrões alimentares e do seu tação Liberdade, p. 26-35.
consumo. A par disto, considera-se uma mu-
dança no que concerne à questão das identi- HALL, S. (2002), A identidade cultural na
dades, que passam por um processo de des- pós-modernidade. 7 ed. Rio de Janeiro:
centramento. DP&A.
O alimento está relacionado à produção
de sentidos diversos, envolvendo questões LÉRY, J. (1941), Viagem à terra do Brasil.
sociais, políticas, econômicas e culturais. São Paulo: Martins Ed.
www.bocc.ubi.pt
Comida, Identidade e Comunicação 7
LÉVI-STRAUSS, C. “O triângulo
culinário”, in SIMONIS, Y. Intro-
dução ao estruturalismo: Claude
Lévi-Strauss ou “a paixão do incesto”.
Lisboa: Moraes, p.169-176.
www.bocc.ubi.pt