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OS DISPUTE BOARDS E OS CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS: SÃO OS DBS UMA BOA SOLUÇÃO


PARA DISPUTAS SUJEITAS A NORMAS DE ORDEM
PÚBLICA?

OS DISPUTE BOARDS E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: SÃO OS DBS


UMA BOA SOLUÇÃO PARA DISPUTAS SUJEITAS A NORMAS DE ORDEM
PÚBLICA?
Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 38/2013 | p. 131 - 147 | Jul - Set / 2013
Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação | vol. 6/2014 | p. 1145 - 1162 | Set / 2014
DTR\2013\7878

Gilberto José Vaz


Pós-graduação em Economia e especialização em Administração de Contratos (Londres). Formação
em Direito e Engenharia Civil. É instrutor (licenciado) da FDC-BH e professor palestrante na
Pós-graduação GVLAW/FGV e PUC-Minas. É mediador pela Fundación Libra e Chair pela
DRB-Foundation. Atua como árbitro da CCI-Paris e faz parte das listas de árbitros da CAM-CCBC,
Fiesp, Crea-MG e Camarb, da qual é diretor. É representante da DRB Foundation no Brasil e
membro fundador do IBDiC.

Pedro Augusto Gravatá Nicoli


Mestre e Doutorando em Direito pela UFMG. Bolsista na modalidade Capes/Reuni. Professor da
UFMG. Membro da lista de árbitros da Camarb. Advogado.

Área do Direito: Administrativo; Arbitragem


Resumo: Os Dispute Boards (DB) - modelo de solução alternativa de controvérsias, surgido na
indústria da construção na década de 70 - constituem-se essencialmente de juntas de profissionais
capacitados e imparciais formadas, em geral, no início de um contrato para acompanhar seu
progresso e resolver disputas que venham a surgir. Pelas suas características e íntima relação com
o mundo da construção, os DBs podem ser utilizados em contratos de obras dos quais sejam parte a
Administração Pública, desde que respeitadas algumas balizas normativas especiais que se colocam
quando o Estado é parte em relações contratuais. Diante da especialidade, celeridade e função
essencial na prevenção de litígios, os DBs podem ser um instrumento de profunda utilidade nas
complexas relações contratuais em um modelo de Administração Pública eficiente.

Palavras-chave: Dispute Boards - Contratos administrativos - Construção - Ordem pública.


Abstract: The Dispute Board (DB) - model of alternative dispute resolution, emerged in the
construction industry in the 70s - are essentially joints of professionals trained and impartial formed, in
general, at the beginning of a contract to monitor your progress and resolve disputes that may arise.
Due to its characteristics and intimate relationship with the world of construction, the DBs can be used
in works contracts which are part of the Government, subject to compliance with some special
normative goals that arise when the State is a party to the contractual relations. Given the expertise,
speed and essential role in the prevention of disputes, the DBs can be an instrument of profound
utility in complex contractual relations in a model of efficient public administration.

Keywords: Dispute Boards - Public Contracts - Construction - Public Order.


Sumário:

1. INTRODUÇÃO - 2. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO, LEGALIDADE E AUTORIZAÇÃO


PARA OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE DISPUTAS - 3. OS MODELOS DE
DISPUTE BOARDS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - 4. OS DISPUTE BOARDS E A
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA - 5. CONCLUSÃO - 6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INTRODUÇÃO

A indústria da construção – matriz do surgimento dos chamados Dispute Boards – relaciona-se


intimamente com a esfera pública. Grandes obras de engenharia, como empreendimentos de
infraestrutura, têm, via de regra, algum grau de vinculação com o Estado, seja por meio de
contratações diretas, financiamentos ou esquemas de parceria entre a Administração Pública e os
particulares. Tal condição é facilmente constatável no contexto dos países da América Latina que, ao
longo do século XX e no transcurso do século XXI, vêm consolidando um processo significativo de
urbanização e industrialização, com reflexos em vultosas obras de infraestrutura, como estradas,
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usinas de geração de energia, sistemas de saneamento, entre muitas outras.

Assim, para uma reflexão juridicamente situada a respeito da adequação do método dos Dispute
Boards (DBs) às ordens jurídicas latino-americanas, especialmente considerada a raiz
romano-germânica dos sistemas normativos da região, é preciso questionar a adequação do formato
ao especial regime a que se submete o Estado quando de sua atuação. As vantagens típicas desse
método alternativo de solução de controvérsia podem, em princípio, contribuir para uma maior
eficácia dos chamados contratos administrativos. Contudo, a forma como os DBs se operacionalizam
pode eventualmente levantar questionamentos, sobretudo quando considerados os parâmetros
normativos atinentes à atividade da Administração Pública.

A título introdutório, lembre-se que um Dispute Board é, numa descrição simplificada, uma junta de
profissionais capacitados e imparciais formada, em geral, no início de um contrato para acompanhar
seu progresso e resolver disputas que, eventualmente, venham a surgir ao longo de sua execução.
Essa junta emite recomendações e/ou decisões em face de disputas que são a ela submetidas,
apresentando-se, com cada modelo de Dispute Board adotado, uma equação diferenciada de
obrigatoriedade para as partes.

Nesse sentido, a definição de Arnoldo Wald:

“Os Disputes Boards (DB) são painéis, comitês ou conselhos para a solução de litígios cujos
membros são nomeados por ocasião da celebração do contrato e que acompanham a sua execução
até o fim, podendo, conforme o caso, fazer recomendações (no caso dos Dispute Review Boards –
DRB) ou tomar decisões (Dispute Adjudication Boards – DAB) ou até tendo ambas as funções (
Combined Dispute Boards – CDB), conforme o caso, e dependendo dos poderes que lhes forem
outorgados pelas partes.”1

Assim, é da essência do instituto a manifestação de um consenso entre as partes para a constituição


de uma junta para prevenir e solucionar as controvérsias de algum contrato. O grau de
obrigatoriedade associado à manifestação desta junta diante de algum conflito eventualmente
instalado é, igualmente, fruto da convergência das vontades das partes contratantes.

A concepção e o desenvolvimento dos Dispute Boards estão intimamente ligados aos contratos de
construção, em decorrência de aspectos múltiplos. O fato de tratar-se de acordos de trato sucessivo,
com tempos de execução especialmente dilatados, já faz desses contratos um locus privilegiado
para o aparecimento de controvérsias. Alie-se isso à complexidade e multiplicidade dos saberes
técnicos envolvidos numa obra, além da influência inarredável de vários fatores naturais de
previsibilidade quase sempre problemática, e o resultado não poderia ser outro que não o surgimento
de disputas recorrentes.

A história da práxis internacional na indústria da construção revela que, até a década de 50, a
informalidade, a parcialidade e o desequilíbrio imperavam na solução alternativa de controvérsias.
Os ônus das disputas surgidas durante a execução de contratos de obras eram, em última instância,
suportados pelo construtor. Ao surgir um conflito, o contratado submetia suas demandas à
apreciação do contratante, sem, normalmente, ter o direito de paralisar suas atividades. Esse último,
apesar de ser parte diretamente interessada na controvérsia, julgava a questão, aprovando as
alterações e as restituições que entendesse pertinentes.

Apesar do patente desequilíbrio dessa fórmula, ela vigorou absoluta no cenário internacional como
regra de solução não judicial de conflitos dessa natureza até metade do século XX, inclusive no que
diz respeito aos contratos públicos de construção. E vale frisar que, em muitos países, como é o
caso dos latino-americanos, tal diagrama de composição é ainda largamente empregado nos
contratos de construção e também de concessão.

Após a Segunda Guerra Mundial, os contratos de obra tornaram-se mais complexos, em função do
surgimento de novas variáveis como, por exemplo, a necessidade de avaliação dos impactos
ambientais. Verificou-se, também, um desgaste de algumas práticas tradicionais de solução de
controvérsias marcadas pelo desequilíbrio e pela parcialidade.

Foi então que a indústria da construção passou a buscar formas mais sensíveis de composição de
conflitos para os contratos de obra. Em um primeiro momento, a figura do Engineer, profissional ou
empresa contratada pelo dono da obra (por vezes o Poder Público) para acompanhamento técnico e
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gerenciamento da implantação, foi, e continua sendo, utilizada para o encaminhamento e ou solução
das controvérsias, ficando o proprietário com papel de autoridade superior para recurso. A prática,
contudo, logo foi (e continua a ser) alvo de questionamentos, pela possível falta de imparcialidade e
de isenção que o método permite.

Nesse cenário, a arbitragem, técnica alternativa de solução de controvérsias mais difundida na


atualidade, foi adotada e desenvolveu-se muito. Anos depois foi a vez dos Dispute Boards
conquistarem seu espaço. Em 1975, o procedimento de DB foi utilizado experimentalmente para
acompanhar a execução do grandioso projeto de construção do segundo furo do Eisenhower Tunnel,
no estado americano do Colorado, com absoluto sucesso. A partir de então, o método veio ganhando
alguma relevância, com utilização em alguns projetos, sobretudo nos Estados Unidos, sendo que sua
adoção pelas partes contratantes era objeto de negociações específicas, nem sempre fáceis, pois os
proprietários relutavam em abrir mão do seu tradicional poder.

Nessa época, os primeiros DB eram juntas de especialistas com notoriedade e conhecimento do


objeto da obra ou serviço. Não havia regras ou procedimentos rígidos a serem seguidos e as partes
não eram obrigadas a aceitar a opinião dessa junta. Ao final dos anos 80, com o maior
desenvolvimento da disciplina de análise de riscos, as disputas de contratos passaram a ser vistas
sob um prisma mais abrangente o que, acreditamos, contribuiu para uma maior penetração dessa
técnica. Os proprietários, sobretudo os da iniciativa privada, passaram então a compreender que a
não solução ou a protelação da solução de disputas surgidas na implantação de um empreendimento
acabava por, na maior parte das vezes, encarecer o custo final das obras.

O próprio histórico dos primeiros desenvolvimentos do instituto confirma, assim, a íntima relação que
este tem com as obras que envolvem de alguma maneira a Administração Pública. Os grandes
investimentos que estão naturalmente associados às intervenções e empreendimentos relacionados
às funções administrativas – como a garantia de uma infraestrutura adequada – tornam os contratos
administrativos um espaço privilegiado para o surgimento e desenvolvimento do modelo, conduzindo
a uma série de questões jurídicas.

Essas questões estão essencialmente vinculadas à posição especial que o Estado ocupa nas
relações jurídicas que estabelece, em virtude da implementação do chamado interesse público. Há,
sobretudo nos países de civil law, diversos princípios e regulamentos especiais que relativizam ou
confinam a autonomia da vontade da Administração Pública que, mesmo quando estabelece
relações contratuais, é alçada a uma condição diferenciada. Assim, cumpre questionar a
compatibilidade do formato com essa regulação especial a que se submetem os chamados contratos
administrativos.

2. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO, LEGALIDADE E AUTORIZAÇÃO PARA OS


MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE DISPUTAS

Em sua atuação, a Administração Pública tende a ser vinculada por uma principiologia especial que
conforma a atividade administrativa à implementação do chamado interesse público, que está
consolidado em sede normativa constitucional e infraconstitucional. Sobre o chamado regime jurídico
administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que este se delineia em função da
consagração de dois princípios básicos: o da “supremacia do interesse público sobre o privado” e o
da “indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos”.2 Para o autor “todo o sistema de
direito administrativo (…) se constrói sobre os mencionados princípios”.3

O primeiro princípio “proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência


dele sobre o do particular, como condição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste
último”. O segundo “significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade –
internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por
inapropriáveis”.4

O consectário básico desse direcionamento é o que se conhece por princípio da legalidade estrita.
Na definição de Hely Lopes Meirelles, o princípio da legalidade “significa que o administrador público
está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem
comum, e deles não pode se afastar ou desviar”.5 Significa dizer que “na Administração Pública não
há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei
não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.6

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Assim, para que se possa proceder ao adequado enquadramento dos DBs nas ordens jurídicas em
que há tal posicionamento diferenciado da Administração Pública, é preciso relembrar algumas das
diferenças mais pronunciadas entre os regimes de contratação público e privado.

Como visto, em relação aos contratos privados vige o princípio da autonomia da vontade das partes,
segundo o qual ao particular é permitido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Essa autonomia da
vontade poderia ser tão ampla quanto aquela usufruída no regime da common law, não fosse pela
profusão de leis editadas em nosso país, que torna difícil existir matéria que ainda não tenha sido
objeto de regulamentação legal.

Contudo, em geral vigora para os contratos privados ao menos uma liberdade formal mais ampla,
não havendo, na maior parte das hipóteses de contratação, procedimentos ou formalidades
específicas a serem cumpridas. E, uma vez exercida a autonomia da vontade, dentro dos estreitos
limites deixados ao alvedrio das partes pela lei, estas estarão irremediavelmente atadas ao que
contrataram, em obediência ao princípio do pacta sunt servanda.

Os contratos públicos, por sua vez, contrariamente aos contratos privados, estão adstritos à
observância do referido princípio da legalidade, segundo o qual à Administração Pública só é
permitido fazer aquilo que a lei expressamente autorizar. Consequentemente, os contratos públicos
só poderão conter cláusulas que tenham sido prévia e expressamente contempladas em autorização
legislativa. Da mesma maneira, terão de cumprir a risca os muitos e detalhados procedimentos
previstos em lei para serem observados antes, durante e após a contratação, revestindo-se de um
acentuado grau de formalidade.

Outro aspecto relevante, que diferencia o contrato administrativo dos ajustes privados, é o fato de
que, em nome da preservação do interesse público, conta esse com as chamadas cláusulas
exorbitantes, que conferem à Administração Pública as prerrogativas de, a qualquer tempo,
modificarem unilateralmente as suas cláusulas de serviço ou rescindirem a avença antes de
concluído o seu objeto e que, ainda, impedem que o contratado possa fazer uso da exceção do
contrato não cumprido, paralisando a execução contratual em virtude de inadimplemento, a não ser
em hipóteses legais muito bem delimitadas.

E ao Poder Público podem ser atribuídos inúmeros outros poderes e prerrogativas, tais como, por
exemplo, prazos dilatados para se defender nas ações judiciais,7 sendo que, por outro lado, os
direitos a serem exercidos em face do Estado tendem a prescrever em prazos específicos, mais
curtos.

Esse regime jurídico especial, orientado pelo princípio da legalidade e pela supremacia do interesse
público, contempla desdobramentos normativos que podem gerar potenciais incompatibilidades (ou
ao menos questionamentos) com o modelo dos Dispute Boards, sobretudo nas versões que agregam
obrigatoriedade e definitividade às manifestações das juntas.

É importante noticiar que já existe um debate estabelecido na comunidade jurídica mundial e


latino-americana acerca da possibilidade do emprego de técnicas alternativas de resolução de
disputas em contratos que envolvam a Administração Pública. O caso da ordem jurídica brasileira é
emblemático, podendo aplicar-se de modo conexo ao contexto da América Latina. No Brasil, para
que se possa falar em regularidade da atuação administrativa e em compatibilidade do instituto com
os contratos da Administração Pública, há, antes de mais nada, que se verificar a existência de uma
autorização legal.

No caso da arbitragem, por exemplo, a autorização advém do próprio texto da Lei 9.307/1996, que
regula detalhadamente o instituto no país. Outros países como Peru, México, Colômbia e Chile têm,
igualmente, leis próprias regulando a arbitragem, que podem, em princípio, funcionar como
autorização legal para a implementação deste método.8

A jurisprudência brasileira, em linha com os textos legais, caminha no sentido de reconhecer a


validade dos procedimentos de arbitragem que envolvam a Administração Pública, desde que lidem
com interesses patrimoniais disponíveis. Isso porque as arbitragens no país, por expressa disposição
de lei, são adstritas a questões que não se relacionem diretamente com interesses indisponíveis.

Em suma, quando se trata de arbitragem, como o método alternativo ao Poder Judiciário mais
solidamente estabelecido no plano internacional e nas ordens jurídicas ao redor do mundo, o
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caminho está colocado de maneira mais clara. Tende-se a admitir que a Administração Pública, por
expressa disposição de instrumentos legais, pode, em tese, se submeter ao método de maneira
consensual. Aliás, esta é a moderna leitura que se tem feito do próprio princípio da legalidade, que
passa a ser percebido de maneira mais ampla e vinculada ao cumprimento das finalidades do
Estado, superando os formalismos e se expressando como juridicidade. Na lição de Maria Sylvia
Zanella Di Pietro:

“No (…) Estado Democrático de Direito pretende vincular a lei aos ideais de justiça, ou seja,
submeter o Estado não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito, abrangendo todos
os valores inseridos expressa ou implicitamente na Constituição.”9

Em relação a outros modelos alternativos de solução de disputas, dentre os quais os Dispute Boards,
é importante verificar outras disposições legais que eventualmente possam cumprir a função de
autorização para o método. Nesse sentido, para o caso brasileiro, é fundamental a análise da Lei
8.666/1993, que em seu art. 42, § 5.º estabelece:

“Art. 42. (…) § 5.º Para a realização de obras, prestação de serviços ou aquisição de bens com
recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação
estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte, poderão ser admitidas, na
respectiva licitação, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou tratados
internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, bem como as normas e procedimentos daquelas
entidades (…)” (redação da Lei 8.883, de 1994).

Significa dizer que a norma geral dos contratos administrativos brasileiros (a Lei 8.666/1993) admite
que as regras de instituições financiadoras internacionais se incorporem aos editais de maneira
válida.

Nesse contexto, mais do que em qualquer outro momento histórico, a engenharia de financiamento
tem sido posta em evidência, sendo que não só o capital privado, nacional e estrangeiro, mas
também, e principalmente, os recursos provenientes das grandes agências e organismos
internacionais financiadores, tais como o Banco Mundial ou Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), passaram a assumir
uma relevância cada vez maior para o desenvolvimento de negócios no país.

Como consequência natural desse afluxo de recursos externos para a América Latina, as condições
previstas nos regulamentos e cadernos de normas e procedimentos das agências multilaterais de
financiamento para a formatação das contratações também passaram a ser impostas, quer em
virtude de as agências multilaterais exigirem a adoção de suas próprias regras, como condição
obrigatória para a concessão de seus empréstimos, quer porque o capital privado estrangeiro
também se acha mais afeito aos padrões internacionais de contratação, sentindo-se mais confortável
para investir o dinheiro em projetos contratados segundo os modelos testados, aprovados e
adotados pelos grandes organismos financiadores.

Registre-se que, no caso brasileiro, a referida norma (Lei 8.666/1993), para autorizar a opção
extravagante, ainda exige que a aplicação das normas alienígenas seja condição para a concessão
do financiamento, que estas não conflitem com o princípio objetivo do julgamento, e que os motivos
para a excepcionalidade sejam objeto de despacho motivado do órgão licitante.

As normas de contratação da maioria esmagadora das agências financiadoras preveem, como


cláusulas obrigatórias nos contratos de grandes empreendimentos, não só a cláusula
compromissória de adoção de procedimento arbitral – prática esta que, hoje, já se encontra
absolutamente difundida em nosso país –, como, ainda, cláusulas que prevejam outros mecanismos
alternativos de solução de disputas inter partes, de conhecimento e aplicação ainda bastante
incipientes no Brasil.

De fato, na Europa e nos Estados Unidos da América, regiões em que a economia passou por
excepcional dinamização, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, a pressão da prosperidade
e dos negócios realizados a pleno vapor determinou, em paralelo à aplicação do instituto da
arbitragem, a procura, pelo próprio mercado, de alternativas cada vez mais expeditas para a solução
de problemas contratuais.

Assim, numa obra pública financiada pelo Banco Mundial, por exemplo, as condições do
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Procurement of Works poderão ser praticadas. E a regra do Banco Mundial prevê Dispute Boards
para contratos de financiamento maior do que US$10 milhões. Assim, em princípio, o Dispute Board
seria validamente admitido em contrato administrativo.

Importante, também, analisar no cenário brasileiro o art. 23-A da Lei de Concessões (Lei
8.987/1995), inserido pela Lei 11.196/2005:

“Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para
resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser
realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996.”

Assim, também para os contratos de concessão, existe autorização expressa de utilização de


métodos alternativos de solução de controvérsias. O mesmo vale para as parcerias público-privadas,
vez que a Lei 11.079/2004, em seu art. 11, estabelece:

“Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a


submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3.º e 4.º do art. 15, os
arts. 18, 19, e 21 da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: (…)

III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser
realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996,
para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.”

No cenário brasileiro, portanto, pode-se afirmar em termos gerais que existe autorização legal para
que a Administração Pública possa solucionar suas controvérsias através de métodos alternativos.

3. OS MODELOS DE DISPUTE BOARDS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como visto, são muitos os modelos de Dispute Boards existentes no mundo, que variam em relação
à obrigatoriedade e definitividade das manifestações proferidas pela junta. A própria raiz consensual
do método, sua deliberada tentativa de se manter afastado da processualização e do formalismo que
atingiram de certo modo métodos como a arbitragem, fazem com que a multiplicidade de formatos
seja uma decorrência da própria autonomia das partes. Assim, as partes constroem em conjunto o
tipo de junta que melhor atenderá às necessidades do negócio que estabelecem.

Existem, nesse sentido, alguns protótipos principais de Dispute Boards, que seguem as regras e
orientações de diversas instituições. A diferença crucial entre tais modelos reside justamente na
obrigatoriedade10 agregada às manifestações do Dispute Board, que podem ser: (a) vinculativas
desde a emissão, (b) vinculativas depois de escoado determinado prazo ou (c) não vinculativas.
Existem, ainda, outras peculiaridades como, e.g., o número de membros na junta. Nesse contexto,
as recomendações de algumas instituições têm sido decisivas para a implantação e definição da
forma de funcionamento dos Dispute Boards em diversos países, inclusive os da América Latina.
Além da ICC e da Dispute Resolution Board Foundation, merecem destaque a atuação do Banco
Mundial, do Fidic (Fédération Internationale des Ingénieurs-Conseils) e da UK Institution of Civil
Engineers.

A experiência do Banco Mundial, aliás, é especialmente importante para a história dos Dispute
Boards, com destaque para o contexto dos países latino-americanos. A atuação da instituição em
sede de DB remonta à construção da hidroelétrica El Cajon em Honduras, na década de 80, quando,
pela primeira vez na sua história, o Banco recomendou a adoção de um modelo de junta de
resolução de conflitos em um contrato, o que se deu com extremo sucesso. A partir de então, o
Banco Mundial veio ampliando o uso do método, o que, com o suporte da Dispute Resolution Board
Foundation, desembocou na consolidação, em seu Procurement of Works atual, da obrigatoriedade
de Dispute Boards para muitos dos projetos que financia, em observância a determinadas faixas de
preço.

Para a reflexão específica aqui proposta – qual seja, o uso dos Dispute Boards nos contratos
celebrados pelo Estado – os modelos que preveem tão somente recomendações, não vinculativas e
não definitivas parecem não suscitar grandes controvérsias. A Administração Pública, nesses casos,
acata a recomendação do Dispute Board tendo em vista os próprios princípios que devem orientar
sua atuação.

Assim, por exemplo, deverá cumprir a recomendação de um Dispute Board que determine o
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reequilíbrio econômico-financeiro de um contrato administrativo, vez que se trata de princípio de
observância obrigatória pela Administração. A própria Administração, nestes casos, avaliará a
juridicidade da recomendação e, caso esta se revele como consentânea ao regime
jurídico-administrativo, será acatada.

Caso contrário, pode ser a recomendação do Dispute Board não acatada e questionada perante o
Poder Judiciário ou Tribunal Arbitral, sem afronta aos parâmetros do Direito Administrativo. Assim,
nestes modelos de Dispute Board, o cumprimento advirá da própria consistência técnica e jurídica da
recomendação, o que também será válido nos contratos administrativos.

Observe-se que, neste caso, não está a Administração transigindo com direitos indisponíveis, mas
tratando de direitos exclusivamente patrimoniais. Ao acatar a recomendação de um Dispute Board, a
Administração poderá apenas fazer cumprir o que determina o próprio direito administrativo, ao
estabelecer que a atuação administrativa deve se dar com observância à juridicidade das condutas.

Evita-se, assim, a nociva prática do litígio pelo litígio, em que a Administração Pública acumula
conflitos sem a tentativa de solucioná-los. De modo que o acatamento de uma recomendação de um
Dispute Board poderá se dar por um ato administrativo irrepreensível em relação a todos os seus
elementos. Quanto ao sujeito, será a autoridade contratante, que tem poderes naquela circunstância.
A finalidade será manter o equilíbrio econômico-financeiro, retificar ilegalidades, etc. A forma é
aquela prevista em contrato e na lei (escrita, via de regra). O motivo será justamente existência dos
pressupostos fáticos que ensejaram a emissão da recomendação pelo Dispute Board. E, por fim, o
objeto é o efeito jurídico de acatar a recomendação, atendendo àquilo que ela sugere.

Quanto aos modelos que estabelecem decisões vinculativas dos Dispute Boards, existem dúvidas.
Não há, como no caso da arbitragem, instrumento legal específico que assegure a obrigatoriedade e
juridicidade dessas decisões extraestatais. Assim, uma cláusula que estabeleça ser final a decisão
de um Dispute Board pode, em tese, ser questionada em face dos princípios que regem a
Administração Pública.

Isso porque, diferentemente do que ocorre com as decisões emanadas do juízo arbitral, cuja
obrigatoriedade no cumprimento é prevista em expressa disposição legal, contida no art. 31 do
Diploma 9.307/1996, não há instrumento legal específico que assegure a executoriedade das
decisões finais extraestatais provenientes dos demais mecanismos alternativos de solução de
controvérsias, aí incluídos os Dispute Boards.

Por tal razão, uma cláusula que estabeleça ser final a decisão de um Dispute Board poderia ser
tomada como incompatível com o princípio da legalidade que rege a Administração Pública.

Nesse mesmo diapasão, as decisões finais e mandatórias dos Dispute Boards ainda poderiam ser
desafiadas face a conflitos com inúmeros outros preceitos legais de ordem pública, tais como, por
exemplo: (a) prazos estendidos de defesa garantidos à Administração Pública pelo CPC
(LGL\1973\5), os quais, prima facie, não poderiam ser derrogados pelos prazos de manifestação
estabelecidos nos procedimentos de DB dos organismos internacionais; (b) leis de procedimento
administrativo que eventualmente prevejam o poder-dever do Estado de analisar pedidos dentro de
passos procedimentais específicos, que, a princípio, não se coadunariam com a relativa
informalidade das normas procedimentais dos DBs, traço que, aliás, é justamente o que confere
agilidade e eficácia a esse método de solução de controvérsias; e (c) normas prescricionais
especiais, que não poderiam ser derrogadas por prazos prescricionais estabelecidos em
procedimentos de DBs, como é o caso, por exemplo, dos exíguos 84 dias franqueados pelo Banco
Mundial para que a parte descontente com as decisões do Dispute Board notifique a outra parte de
sua intenção de instaurar procedimento arbitral.

Todas essas circunstâncias aqui expostas levam a crer que o modelo de DB mais adequado ao
regime jurídico administrativo dos países de civil law, especialmente no contexto latino-americano,
seja o de emissão de decisões não vinculativas, o qual aparelhará a Administração Pública com a
possibilidade de, ela própria, verificar a juridicidade da manifestação emitida diante de regras
jurídicas às quais se encontra agrilhoada, podendo acatá-la em caso de conformidade com as
mesmas ou simplesmente rejeitá-la e submetê-la ao Juízo Arbitral ou ao Poder Judiciário, em caso
de desconformidade com o ordenamento jurídico, sem quaisquer afrontas aos parâmetros do direito
administrativo.

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Não fora só isso, ainda é preciso lembrar que a falta de costume e intimidade com esse mecanismo
específico de solução de controvérsia trará uma natural desconfiança inicial e, portanto, a adoção de
DBs com poderes de mera recomendação, em contratos públicos, será recebida com menor
resistência não só pela Administração Pública contratante, como também pelos órgãos de controle
do Estado, tais como as Procuradorias, os órgãos do Ministério Público e os Tribunais de Contas dos
Estados e da União Federal, fator que, consequentemente, tranquilizará o Administrador Público,
sempre temeroso da responsabilização por danos eventualmente causados ao Erário.

4. OS DISPUTE BOARDS E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

Os desenvolvimentos do direito administrativo permitem afirmar que a atualidade nos coloca diante
de um modelo muito diferente de Administração Pública. Os expedientes de consenso – desde as
múltiplas formas de parceria com a iniciativa privada até os mecanismos de solução de disputa –
desenham uma atuação estatal mais dinâmica. Nesse sentido diz Odete Medauar:

“A atividade de consenso-negociação entre Poder Público e particulares, mesmo informal, passa a


assumir papel importante no processo de identificação de interesses públicos e privados, tutelados
pela Administração. Esta não mais detém exclusividade no estabelecimento do interesse público; a
discricionariedade se reduz, atenua-se a prática de imposição unilateral e autoritária de decisões. A
Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer melhor os problemas e aspirações
da sociedade. A Administração passa a ter atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de
interesses entre várias partes ou entre estas e a Administração. Daí decorre um novo modo de agir,
não mais centrado sobre o ato como instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse
público, mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Passa a ter relevo o momento do
consenso e da participação.”11

Nesse contexto, consolida-se um princípio jurídico essencial na determinação da legitimidade ou não


de expedientes a serem adotados pelo Estado no exercício da função administrativa: o princípio
constitucional da eficiência. No Brasil, o princípio tem status constitucional, albergado no art. 37 da
CF/1988 (LGL\1988\3), e é definido nos seguintes termos por Alexandre de Moraes:

“O princípio da eficiência é o que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a
persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra,
transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela
adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos
públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.”12

Esse mandamento normativo determina diretamente a análise da aplicabilidade dos mecanismos


alternativos de solução de controvérsias na Administração Pública. Isso porque uma das principais
características desses métodos é, em face da geralmente morosa prestação da jurisdição pelo
Estado, oferecer a celeridade, dimensão central na eficiência. A prevenção e solução expedita de
litígios tem evidente conexão com esta realidade jurídica, razão pela qual aponta Onofre Alves
Batista Jr.:

“Em síntese, é do espírito da CRFB/1988 a necessidade de serem buscadas soluções consensuais e


pacíficas. (…) daí, é do espírito constitucional a determinação de soluções por meio de arbitragens,
transações etc. (…) A própria qualificação que a CRFB/1988 realiza do Estado como “Democrático
de Direito”, social em seu desiderato, implica a aceitação de instrumentos consensuais que permitam
à Administração Pública o cumprimento de tarefas que essa nova concepção impõe. Os contratos
administrativos alternativos surgem como necessidade derivada para a realização das incumbências
que a própria CRFB/1988 colocou aos cuidados da Administração Pública.”13

As estatísticas coletada pela Dispute Resolution Board Foundation ajudam a elucidar o potencial de
eficiência do modelo de DBs na prevenção e solução de litígios. No quadro abaixo, vê-se a grande
eficácia do método e seu alcance no contexto norte-americano:14

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OS DISPUTE BOARDS E OS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS: SÃO OS DBS UMA BOA SOLUÇÃO
PARA DISPUTAS SUJEITAS A NORMAS DE ORDEM
PÚBLICA?

O grande sucesso do modelo, que catalisa a resolução expedita de conflitos nos contratos em que os
DBs operam, é um fator que deve ser juridicamente considerado para as relações também da
Administração Pública. Todo o con- junto de dados existentes é claro: DBs são rápidos,
especializados, imparciais e evitam litígios. Um Estado eficiente e voltado constitucionalmente para a
resolução justa e célere das controvérsias em que se envolve contratualmente pode encontrar nos
Dispute Boards um caminho não só juridicamente permitido, mas também uma forma privilegiada de
dar concreção a um mandamento essencial de sua operação.

5. CONCLUSÃO

A introdução dos Dispute Boards na América Latina deve ser considerada um avanço em termos de
prevenção, de solução de controvérsias e de composição de conflitos contratuais. Vale frisar que o
resultado dos primeiros passos dados pode ser extremamente positivo a longo prazo, por implantar
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OS DISPUTE BOARDS E OS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS: SÃO OS DBS UMA BOA SOLUÇÃO
PARA DISPUTAS SUJEITAS A NORMAS DE ORDEM
PÚBLICA?
um maior equilíbrio entre as partes em contraposição ao método extrajudicial tradicionalmente
utilizado nos contratos de construção, principalmente nos administrativos, no qual o contratado
acaba por submeter suas demandas ao julgamento do próprio contratante. Da mesma forma,
apresentam-se diversas e evidentes vantagens, em face da diminuição ou mesmo eliminação de
litigância nos tribunais estatais.

Essas práticas tradicionais ainda representam influência nociva sobre os contratos de obra e
concessões, uma vez que o fluxo de caixa do contratado pode vir a ser fortemente impactado pela
demora na solução de uma disputa, dificultando a recuperação de sobrecustos em prazos razoáveis
e instaurando, desde o início do contrato, um panorama de insegurança. A consequência dessa
constante oneração do contratado, pela previsibilidade do desbalanceamento das metas e
expectativas contratuais, é um aumento no preço das propostas, alimentado pelo quadro de risco. Ao
estabelecer uma maior segurança nas contratações, com uma alocação dos riscos contratuais mais
equilibrada, a implantação dos Dispute Boards pode, então, estimular maiores investimentos em
infraestrutura e custos mais competitivos.

Nossa opinião, em face de tudo isso, é que há um inegável potencial de utilização dos Dispute
Boards na realidade jurídica latino-americana, o que torna extremamente bem-vinda a iniciativa de
estudar esse mecanismo e os problemas que ele pode gerar. E em tempos de crise do
funcionamento expedito do Poder Judiciário não parece difícil prever um crescimento exponencial
desse meio alternativo de solução de conflitos. Os custos de implantação e de manutenção de um
Dispute Board, contudo, sinalizam que tal crescimento concentrar-se-á sobretudo nos contratos de
trato sucessivo de médio e grande porte. A experiência internacional em sede de DRB credibiliza
ainda mais tal previsão, apontando tais Dispute Boards como uma promessa consistente. E, em
nosso entender, com o fito de evitar-se questionamentos quanto às decisões dessas juntas em face
da legislação dos países latino-americanos, a não obrigatoriedade coloca-se, nesse momento, como
um caminho preferencial equilibrado, juridicamente irretratável, que garante a adesão e segurança
no cumprimento das disposições através da confiança e credibilidade dirigidas ao próprio Dispute
Board.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros,
2007.

BATISTA JR., Onofre Alves. Transações administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

CAIVANO, Roque J. La obsolescencia de la legislación argentina sobre arbitraje es cada vez más
evidente. Revista del Colegio de Abogados de la Ciudad de Buenos Aires. t. 70. n. 1. p. 63-73.
Buenos Aires: Colegio de Abogados de la Ciudad de Buenos Aires, ago. 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: Emenda Constitucional n. 19/98. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 1999.

WALD, Arnoldo. A arbitragem contratual e os Dispute Boards. Revista de Arbitragem e Mediação.


vol. 6. p. 9. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2005.

1 WALD, Arnoldo. A arbitragem contratual e os Dispute Boards. RArb 6/18.

2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 55.

3 Idem, p. 56.

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OS DISPUTE BOARDS E OS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS: SÃO OS DBS UMA BOA SOLUÇÃO
PARA DISPUTAS SUJEITAS A NORMAS DE ORDEM
PÚBLICA?

4 Idem, p. 69 e 73.

5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.
89.

6 Idem, ibidem.

7 É o caso do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) brasileiro, cf. art. 188.

8 Para um catálogo detalhado dos desenvolvimentos das legislações nacionais na América Latina,
cf. CAIVANO, Roque J. La obsolescencia de la legislación argentina sobre arbitraje es cada vez más
evidente. Revista del Colegio de Abogados de la Ciudad de Buenos Aires, t. 70, n. 1, p. 66-67.

9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

10 Nas regras da International Chamber of Commerce (ICC Paris), por exemplo, são previstas três
modalidades de Dispute Boards. Os Dispute Review Boards, que emitem recomendações não
obrigatórias em um primeiro momento, que se tornam vinculativas a partir do escoamento do prazo
de 30 dias sem manifestação de insatisfação de nenhuma das partes. Já os Dispute Adjudication
Boards emitem decisões que vinculam as partes desde o recebimento, sendo mantido tal caráter
obrigatório mesmo que um dos contratantes expresse sua insatisfação. Por fim, existem os
chamados Combined Dispute Boards que emitem ora recomendações, ora decisões, dependendo de
determinadas circunstâncias.

11 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 211.

12 MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: Emenda Constitucional n. 19/98. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 1999. p. 30.

13 BATISTA JR., Onofre Alves. Transações administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p.
462-463.

14 Dados disponíveis em: [www.drb.org/database_intro.htm]. Acesso em: 30.10.2012.

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