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2) Discuta o significado, as problemáticas e as desconfianças do chamado Boom

latino-americano.

Entre as décadas de 60 e 70, na América Latina, surgiu um fenômeno literário que


ficou conhecido como Boom latino-americano. Em um espaço de uma década, uma série de
escritores latino-americanos começaram a ter suas obras lidas além do continente americano.
Os autores mais conhecidos e que costumam ser relacionados com o fenômeno são: Gabriel
García Márquez, Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa e Carlos Fuentes. O auge do boom pode
ser localizado no ano de 1967, quando o primeiro publica seu maior sucesso “Cem anos de
solidão” e Miguel Ángel Asturias ganha o Prêmio Nobel de Literatura. Por trás desse sucesso
literário, há uma série de fatores econômicos, culturais e sociais que trespassam a América
Latina nesse período e contribuem decisivamente para que se estabeleça. Entretanto, estas
mesmas condições geradoras também transformam-se, com o passar dos anos, em uma série
de fatores que causam o declínio e, consequentemente, seu “fim”. O Boom, apesar de ter
vários aspectos positivos e ser bastante aclamado, com bastante mérito, também possui seus
problemas e polêmicas. Com base no texto de Angel Rama, essas questões serão analisadas
para pôr em perspectiva a conjuntura e o significado do fenômeno na América Latina.
Durante o período de sua extensão, o Boom foi recheado de polêmicas e debates,
principalmente na sua própria definição. Já foi classificado de invenção editorial e até como
uma mera coincidência, mas estas perspectivas ignoram todo o contexto de desenvolvimento
na América Latina que gerou um novo público leitor e consequentemente transformou o
mercado literário.
O fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX foram marcados por
profundas mudanças sociais no continente latino-americano. Houve um expressivo aumento
populacional devido a fluxos migratórios vindos principalmente da Europa, reformas sociais
de vários países com o desenvolvimento e expansão da educação e uma industrialização pós-
guerra que permitiu, dentre muitas outras coisas, o avanço dos meios de comunicação. Estas
mudanças deram origem a um novo público consumidor literário, que foram “abastecidos”
através do trabalho de pequenas editoras privadas e outras financiadas por seus respectivos
governos. RAMA as define como “editoras culturais”, pois as mesmas, em determinados,
buscaram apostar na publicação de livros que provavelmente teriam pouco sucesso comercial
devido a qualidade artística envolvida, contrariando a lógica padrão de mercado. Assim,
tornaram-se peças fundamentais no estabelecimento da nova narrativa latino-americana. Com
a atenção que o continente adquiriu do resto do mundo devido a Revolução Cubana, esses
livros acabam quebrando as fronteiras continentais.
Com o passar dos anos o Boom foi sendo envolvido em novas lógicas de mercado. Ser
escritor, que antes era mais uma ocupação secundária, profissionalizou-se, graças às vendas
cada vez maiores, e permitiu aos escritores viver de seus livros e da publicidade em volta de
si. Essa visibilidade tornou-se possível graças ao papel das revistas e o avanço das
comunicações de massa, que transformaram os autores em personalidades midiáticas.
Entretanto, os royalties das vendas desses livros não permitiam nada além de um sustento
moderado, salvo algumas exceções, e acabavam requerendo algumas outras tarefas para
complementar o rendimento. Sem contar que o próprio ato da escrita agora era influenciado
pela demanda do mercado. Os autores poderiam se encontrar na situação de lançar novos
livros sem estar totalmente satisfeitos com o resultado para poder cumprir prazos de
produção. As editoras culturais não foram capazes de bater de frente com a produção das
multinacionais e acabaram, ou declarando falência, ou sendo absorvidas pelas mesmas; e as
demanda por novas obras tornou-se muito maior que a oferta, lançando o mercado literário,
no que foi definido por RAMA, como niilismo da moda, ou seja, as editoras tornavam-se
obcecadas em achar novos autores e novas tendências para suprir esse cenário, o que
ocasionava num sentimento de genericidade que gerou muitas críticas ao Boom.
Mas como são definidos os principais nomes do Boom? RAMA apresenta três critérios
que geralmente são utilizados para listar e ranquear os autores pertencentes ao fenômeno; eles
são: distintivo, quantitativo e qualitativo. Estes critérios complementam ou excluem-se
dependendo da visão da pessoa estabelecendo-os, portanto acaba sempre sendo uma visão
bastante arbitrária. O primeiro, faz uma distinção de gênero literário; Pablo Neruda vendeu
suas obras tanto quanto qualquer outro autor latino-americano, mas devido a um foco
exclusivo na narrativa seu não nome não é nem considerado. O segundo mede exclusivamente
a vendagem, mas não faz sentido avaliar qualquer obra apenas pela sua quantidade de
exemplares vendidos, portanto é conciliada com os outros dois critérios. O terceiro utiliza do
juízo de valor da qualidade, julgando méritos intrínsecos à obra. A conclusão tirada a partir
destes critérios é que o mesmos demonstram um exclusivismo e elitismo severo ao tentar criar
uma hierarquia entre as diferentes produções e seus autores.
O Boom foi um fenômeno de extrema importância para a formação de uma identidade
latino-americana de sua época e que ainda é influente nos dias atuais. Um continente passando
por fortes convulsões sociais e transformações teve sua essência muito bem representada na
produção literária. Estas mesmas transformações foram a base para tornar possível o próprio
Boom, que apresentou a América Latina para o mundo. Apesar de bastante criticado, possui
um saldo positivo pela importância da introdução da latinidade no cenário internacional e que
traz a atenção mundial a suas causas. Também representou uma profunda mudança na forma
como funciona o mercado literário e trouxe novos parâmetros para seu funcionamento,
principalmente na imagem do escritor, que tornou-se uma pessoa pública de bastante
influência. Entretanto, como denunciavam seus críticos, foi sendo apropriada pela lógica de
mercado e publicidade, tendo sua mensagem distorcida e dilacerada, apenas para no seu “fim”
tornar-se uma sombra do que já foi e abrir espaço para uma nova geração de autores latino-
americanos.

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