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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mazzotta, Marcos J. S.
Educação especial no Brasil: história e políticas públicas /Marcos
J. S. Mazzotta. — 6. ed. — São Paulo : Cortez, 2011.

Bibliografia
ISBN 978-85-249-1709-7

1. Educação especial - Brasil 2. Educação especial - História


3. Educação e Estado - Brasil 4. Política e educação - Brasil I. Título.

11-02447 CDD-371.90981

índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Educação especial 371.90981
M arcos J. 5. M azzotta

EDUCAÇÃO
BSPECIAC
NO BRASÍE
HISTÓRIA E POEÍTICAS PÚBEICAS

6 edição
-

/£iC D RT€Z
W 6 D IT O R O
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: história e políticas públicas
Marcos J. S. Mazzotta

Capa: aeroestúdio
Revisão: José Alessandre da Silva Neto
Composição: Linea Editora Ltda.
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização
expressa do autor e do editor.

© 1995 by Autor

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(í mail: cortez@cortezeditora.com.br
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Impifsso no Brasil - setembro de 2011


Dedico este livro

a todos os que, direta e indiretamente, participaram de


minha formação e atuação profissional;

aos meus alunos, portadores de deficiência ou não, de edu­


cação especial, de 1° e 2 ° graus e de cursos superiores de
graduação e pós-graduação;

a todas as pessoas com as quais tive o privilégio de conviver.


/EiCORT€Z
'&GDITORP 7

Sumário

lu iio d u ç ã o ................................................................................................ 11

CAPÍTULO I
Atendimento educacional
aos portadores de deficiência...................... 15

CAPÍTULO II
I iKlórla da Educação Especial no Brasil........ 27

« i ■■i>*il(mIs3 IMS ! a 1956 — iniciativas oficiais e


i .=n= iihijpB ihol,idas.................................................................. 28
! i \iy itiiim c u lti ,i ilclicicn tes v is u a is ........................ 34
- n !‘=!imrnlii n iluiicienles auditivos............... 36
= s =*- ‘ üiim^nlu a d clii iiMilvs físico s........................... 40
; * 5:-5=rihns=iihi rt ilid íi iuntcs m ontais......................... 44
? i íih r a |'Wi Iniciativas oficiais de
n im u i 52
8 MARCOS J.S. MAZZOTTA

CAPÍTULO III
Política Nacional de Educação Especial........... 71

1. Legislação e normas..................................................................71
1.1 De 1961 a 1971............................................................... 71
1.2 De 1972 a 1985..................................................................73
1.3 De 1986 a 1993..................................................................80
2. Planos Nacionais de Educação.......................................97
2.1 De 1962 a 1971............................................................. 97
2.2 De 1972 a 1985.................................................................. 98
2.3 De 1986 a 1993................................................................ 114

CAPÍTULO IV
Políticas estaduais e municipais de
educação do portador de deficiência............. 147

1. Considerações sobre as Constituições Estaduais


e a educação do portador de deficiência...........................147
2. Educação especial na política educacional do
Estado de São Paulo.............................................................. 154
2.1 Legislação e normas........................................................154
2.2 Planos educacionais e documentos oficiais .... 182
3. Alunos portadores de deficiência em uma rede
municipal de ensino................................................................205
4. Diretrizes para uma política municipal de
educação do portador de deficiência................................. 207

CAPÍTULO V
Conclusão................................................ 210

Bibliografia, 225
/21CORT6Z
V&eDITORfi 9

Prefácio

Este livro tem sua origem vinculada a persistentes dú­


vidas e reflexões que foram ocorrendo a partir do momento
em que iniciei meu trabalho de professor de classe especial
para deficientes mentais, em 1964. Desde então, buscando
um melhor entendimento do sentido da educação especial
no sistema escolar brasileiro, em minha trajetória profissional
fui reunindo documentos oficiais, textos legais, recortes de
jornais e revistas, anotações de seminários e conferências
sobre o assunto. Em diversos momentos este material foi
subsidiário de importantes discussões e decisões. No entan­
to, foi somente a partir de 1985, quando iniciei um estudo
científico sobre a formação de professores de educação espe­
cial, que todo o material, então reunido, foi retomado e ana­
lisado criticamente. Complementado com conhecimentos
mais recentes e atualizados, esse material forneceu elementos
substanciais para um trabalho de reconstrução da história da
educação especial no Brasil. A visão de conjunto, daí obtida,
propiciou a explicação das questões essenciais da formação
daqueles professores. O referido estudo, inspirado nos prin­
cípios metodológicos propostos por Lucien Goldmann, re­
sultou na tese de doutoramento intitulada Evolução da educa-
10 MARCOS J.S. MAZZOTTA

ção especial e as tendências da formação de professores de


excepcionais no Estado de São Paulo, apresentada, em 1989, à
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
. (FEUSP).
Parte deste trabalho constituiu o livro Trabalho docente e
formação de professores de educação especial, publicado em 1993.
A outra parte, relativa aos aspectos históricos e políticos, foi
incorporada em outro trabalho acadêmico que, intitulado
Políticas de educação especial no Brasil: da assistência aos deficien­
tes à educação escolar, apresentei, em abril de 1994, à FEUSP,
como tese de livre-docência em Educação Especial.
Este último trabalho compõe o presente livro. Nele estão
contempladas tentativas de esclarecimento e solução de
questões práticas e teóricas surgidas ou construídas no de­
correr de trinta anos de atividade no campo educacional.
Acreditando, como Norberto Bobbio, que "a atitude do
bom democrático é não se iludir com o melhor e não se re­
signar com o pior", espero que o conteúdo aqui apresentado
se torne objeto da análise criteriosa dos estudiosos interessa­
dos, a fim de que venha a ser aprofundado e ampliado com
outras contribuições.

São Paulo, abril de 1995.


Marcos José da Silveira Mazzotta
fêVPPjez
VÇFtí.lTORP 11

Introdução

A despeito de figurar na política educacional brasileira


t Irsde o final da década de cinquenta deste século até os dias
pl tiais, a educação especial tem sido, com grande frequência,
II ilerpretada como um apêndice indesejável. Numerosos são
• >N educadores e legisladores que a veem como meritória obra
de alguns "abnegados" que se dispõem a tratar de crianças
e jovens deficientes físicos ou mentais. O sentido a ela atri­
buído é, ainda hoje, muitas vezes, o de assistência aos defi­
cientes e não o de educação de alunos que apresentam neces­
sidades educacionais especiais.
Mesmo quando entendida como modalidade de ensino,
via de regra alvo de abordagens tecnicistas reducionistas, a
educação especial tem sido definida como simples opção de
11 létodos, técnicas e materiais didáticos diferentes dos usuais.11I.

I. No presente estudo educação especial é definida como a modalidade de ensi-


niuluese caracteriza por um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais
organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços
educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos cducandos que
,il u esentem necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das crianças
i' jovens. Tais educandos, também denominados de "excepcionais", são justamente
aqueles que hoje têm sido chamados de "alunos com necessidades educacionais
espedais". Entende-se que tais necessidades educadonais espedais decorrem da
12 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Nesse contexto, a educação especial no Brasil não tem


merecido a necessária atenção dos estudiosos, de modo a
empreenderem uma investigação científica de sua existência
enquanto elemento significativo da política educacional.
Ilustra tal afirmação o documento síntese,2 da Jornada de
Pesquisa em Educação Especial, realizada em 1986, no Rio
de Janeiro, que sugere como principais linhas de pesquisa as
seguintes: diagnóstico da deficiência mental educável, inte­
gração da pessoa deficiente, formação de recursos humanos,
currículos e programas em educação especial, prevenção da
excepcionalidade, relação criança-família-escola, reabilitação
e profissionalização.
Importante, também, é a constatação de que a todo mo­
mento surge um "pioneiro" com um discurso pretensamen­
te novo ou inovador, ignorando toda a trajetória desta mo­
dalidade de ensino, quer no âmbito da sociedade civil, quer
no da ação governamental.
Buscando obter elementos significativos para a melhor
compreensão e explicação das políticas públicas de educação
especial é que, em continuidade à pesquisa anterior,3 foi de­
senvolvido o presente estudo.
A fim de não comprometer a unidade e ao mesmo tem­
po possibilitar uma ampliação e aprofundamento da análise
sobre o assunto, parte dos resultados da referida pesquisa foi
retomada. Tal opção implicou uma revisão cuidadosa do que

defrontação das condições individuais do aluno com as condições gerais da educa­


ção formal que lhe é oferecida.
2. MEC/Secretaria de Educação Especial. Relatório Final da fornada de Pesquisa
em Educação Especial — CDPHA/Cenesp/lnep. Rio de Janeiro: MEC/Sespe, 1987.
3. MAZZOTTA, Marcos J. S. Evolução da educação especial e as tendências da for­
mação de professores de excepcionais no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado). São
Paulo: FEUSP, 1989.
t: ■Ã, At i | M<| C IAI NO BRASIL 13

havia HÍUO realizado, permitindo melhor compreensão e ex-


MLMi»,ão do conteúdo do período então contemplado. Ao
iiiAiiio tempo viabilizou um confronto com os novos ele-
menloM obtidos e analisados, dando-lhes uma significação
hihini icn que de outra maneira não teria sido alcançada.
Intendendo que "nunca se pode chegar a uma totalida-
d* que não seja ela mesma elemento ou parte",4 o objeto do
t=ã( iii Io foi analisado a partir de sua contextualização históri-
. a no cenário educacional brasileiro.
t aracterizando-se como pesquisa teórica, o estudo, além
»It ini orporar os conhecimentos adquiridos por este autor e
Iaodii/idos em trabalhos anteriores,5 envolveu a análise de
ohi as especializadas sobre o assunto, tanto estrangeiras como
na» (onais, de modo a consubstanciar a posição teórica espo-
o. Ia íí oportuno lembrar que "a escolha do objeto de pes-
qnisa e a extensão e profundidade com que a investigação
I >i o< nra penetrar na infinita teia causai são determinadas
pela;, idéias avaliativas que dominam o investigador e sua
ei it H a".'1
límbora alcançando os níveis municipal, estadual e fe-
.In al, o trabalho teve como objeto principal a política nacio­
nal de educação especial. Foram analisados textos legais,
planos educacionais e documentos oficiais, a fim de se iden-
iifíi ar o amparo legal e a posição assumida, nas políticas
p* li (racionais, nos diversos momentos da educação especial
...» lliasil até 1993.11

1 (iOl.DMANN, L. Dialética e cultura. Trad. Fernando H. Cardoso, Carlos


í Miillnhoe Giseli V. Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 13.
s Alguns dos trabalhos constam da bibliografia geral,
t. WFliliR, Max. In: PEREIRA, Luiz. Ensaios de sociologia do desenvolvimento. 3.
i.l s.in Paulo: Pioneira, 1978. p. 25.
14 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Foram obtidas outras informações através de jornais


oficiais, documentos técnicos publicados por órgãos federais
e estaduais, relatórios de pesquisas, relatórios de congressos
e seminários, conferências e outros, além de levantamentos
junto a instituições oficiais e particulares, direta e indireta­
mente envolvidas com a temática.
Pretende-se que os resultados deste estudo possam
subsidiar medidas que contribuam para a melhoria da ação
governamental na área da educação especial, além de ofere­
cer elementos para o desenvolvimento de pesquisas comple­
mentares sobre a educação (comum e especial) dos portado­
res de deficiências7**9 e dos alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais.

7. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS): "A deficiência diz respei­


to a uma anomalia da estrutura ou da aparência do corpo humano e do funciona­
mento de um órgão ou sistema, seja qual for a sua causa; em princípio, a deficiência
constitui uma perturbação do tipo orgânico". In: UNESCO. O correio da Unesco, ano
9, n. 3, p. 32, mar. 1981.

«
íi^CORTCZ
'5 CDITORO 15

CAPÍTULO 3

Atendimento educacional aos


portadores de deficiência

A defesa da cidadania e do direito à educação das pes­


soas portadoras de deficiência é atitude muito recente em
nossa sociedade. Manifestando-se através de medidas isola­
das, de indivíduos ou grupos, a conquista e o reconhecimen­
to de alguns direitos dos portadores de deficiências podem
ser identificados como elementos integrantes de políticas
sociais, a partir de meados deste século.
Ignorando sua longa construção sociocultural, muitos
têm sido os que entendem a situação atual como resultado
exclusivo de suas próprias ações ou de contemporâneos seus.
Em razão disso, é extremamente valioso clarificar alguns
momentos da evolução das atitudes sociais e sua materiali­
zação, particularmente aquelas voltadas para a educação do
portador de deficiências. Nesse sentido, cabe alertar que,
tanto na literatura educacional quanto em documentos téc­
nicos, é frequente a referência a situações de atendimento a
16 MARCOS J.S. MAZZOTTA

pessoas deficientes (crianças e/ou adultos) como sendo edu­


cacionais, quando uma análise mais cuidadosa revela tratar-se
de situações organizadas com outros propósitos que não o
educacional.

Buscando na história da educação informações signifi­


cativas sobre o atendimento educacional dos portadores de
deficiência, pode-se constatar que, até o século XVIII, as no­
ções a respeito da deficiência eram basicamente ligadas a
misticismo e ocultismo, não havendo base científica para o
desenvolvimento de noções realísticas. O conceito de dife­
renças individuais não era compreendido ou avaliado. "As
noções de democracia e igualdade eram ainda meras cente­
lhas na imaginação de alguns indivíduos criadores".1

Considerando que, de modo geral, as coisas e situações


desconhecidas causam temor, a falta de conhecimento sobre
as deficiências em muito contribuiu para que as pessoas
portadoras de deficiência, por "serem diferentes", fossem
marginalizadas, ignoradas.

A própria religião, com toda sua força cultural, ao colo­


rar o homem como "imagem e semelhança de Deus", ser
perfeito, inculcava a ideia da condição humana como incluin­
do perfeição física e mental. E não sendo "parecidos com
Deus", os portadores de deficiências (ou imperfeições) eram
postos à margem da condição humana.

Por outro lado, observa-se que um consenso social pes­


simista, fundamentado essencialmente na ideia de que a
condição de "incapacitado", "deficiente", "inválido" é uma
condição imutável, levou à completa omissão da sociedade 1

1. CRUICKSHANK, W. M. A educação da criança e do jovem excepcional. Porto


Alegre: Globo, 1974. p. 11. v. I.
!• •! it A(. A O ESPECIAL NO BRASIL 17

t-ÜV» relação à organização de serviços para atender às neces-


iiil.ules individuais específicas dessa população.2
Assim, somente quando o "clima social"3 apresentou as
M 11KI ições favoráveis é que determinadas pessoas, homens ou
m i i l l icres, leigos ou profissionais, portadores de deficiência ou
não, despontaram como líderes da sociedade em que viviam,
I tara sensibilizar, impulsionar, propor, organizar medidas para
0 atendimento às pessoas portadoras de deficiência. Esses lí­
deres, enquanto representantes dos interesses e necessidades
1 Ias pessoas portadoras de deficiência, ou com elas identifica­
dos, abriram espaços nas várias áreas da vida social para a
«t H istrução de conhecimento e de alternativas de atuação com
vistas à melhoria das condições de vida de tais pessoas.
Embora estas ações em nenhum momento tenham sido
nbra de um só homem, é importante conhecer algumas me­
dulas tomadas por alguns desses líderes que, de uma forma
nu de outra, tiveram importância decisiva na evolução da
educação especial.
Foi principalmente na Europa que os primeiros movi­
mentos pelo atendimento aos deficientes, refletindo mudan­
ças na atitude dos grupos sociais, se concretizaram em me­
didas educacionais. Tais medidas educacionais foram se
expandindo, tendo sido primeiramente levadas para os Es­
tados Unidos e Canadá e posteriormente para outros países,
inclusive o Brasil.
Uma investigação sobre estas medidas mostra que até o
linal do século XIX diversas expressões eram utilizadas para

2. MAZZOTTA, M. J. S. Fundamentos de educação especial. São Paulo: Pioneira,


NH2. p. 3.
3. Estou entendendo por clima social o conjunto de crenças, valores, idéias,
i onhecinientos, meios materiais e políticos de uma sociedade em um dado momen­
to histórico.
Itl MARCOS J.S.MAZZOTTA

referir-se ao atendimento educacional aos portadores de


deficiência: Pedagogia de Anormais, Pedagogia Teratológica,
Pedagogia Curativa ou Terapêutica, Pedagogia da Assistên­
cia Social, Pedagogia Emendativa. Algumas dessas expres­
sões, ainda hoje, são utilizadas, a despeito de sua improprie-
dade, segundo meu ponto de vista.
Sob o título de Educação de Deficientes encontram-se
registros de atendimentos ou atenção com vários sentidos:
abrigo, assistência, terapia etc. Daí dever revestir-se de extre­
mo cuidado a seleção das medidas e ações educacionais
destinadas aos deficientes.
No presente estudo, a análise criteriosa das informações
possibilitou constatar que a primeira obra impressa sobre a
educação de deficientes teve autoria de Jean-Paul Bonet e foi
editada na França em 1620 com o título Redação das letras e
arte de ensinar os mudos a falar. Constatou-se, também, que a
primeira instituição especializada para a educação de "sur-
dos-mudos" foi fundada pelo abade Charles M. Eppée em 1770,
em Paris.4 O abade Eppée inventou o método dos sinais, des­
tinado a completar o alfabeto manual, bem como a designar
muitos objetos que não podem ser percebidos pelos sentidos. Sua
obra escrita mais importante foi publicada em 1776 com o
título A verdadeira maneira de instruir os surdos-mudos.
Os trabalhos do abade Eppée tiveram muita projeção na
época e conduziram a realizações práticas pelo inglês Thomas
Braidwood (1715-1806) e pelo alemão Samuel Heinecke
(1729-1790). Ambos fundaram, em seus respectivos países,
institutos para a educação de "surdos-mudos". Heinecke
inventou o chamado método oral para ensinar os "surdos-mu­
dos" a ler e falar mediante movimentos normais dos lábios,

4. LARROYO, F. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 557. t. II.
11UJCAÇÀO ESPECIAL NO BRASIL 19

hoje denominado "leitura labial ou leitura orofacial". Tal


método veio em oposição ao método de sinais e desde aquela
época tem havido discussões e controvérsias sobre a valida-
t le de um e de outro método.
No atendimento aos deficientes da visão, deve ser des­
tacado o papel de Walentin Haiiy, que fundou vem Paris )o
lustitute Nationale des feunes Aveugles (Instituto Nacional dos
lovens Cegos), no ano de 1784. Naquela época Haüy já utili­
zava letras em relevo para o ensino de cegos, tendo merecido
a aprovação da Academia de Ciências de Paris. Por não se
caracterizar simplesmente como asilo, mas incluindo a
preocupação com o ensino dos cegos (principalmente a lei­
tura), o Instituto despertou reações bastante positivas e
marcou seu início com grande sucesso.

Com o passar dos anos o seu sucesso foi tão grande que Haüy
acabou sendo convidado a comparecer à corte de Luiz XVI
para fazer uma detalhada exposição quanto ao empreendi­
mento, um pouco antes da eclosão da Revolução Francesa que
desacelerou ou eliminou muito do que fizera antes a França
com o apoio da nobreza.
Mas, logo após a regularização da vida do país, novas escolas
para cegos foram abertas. E isso aconteceu também em diver­
sos outros países da Europa, quase todas elas seguindo o novo
modelo apregoado por Haüy. Os exemplos mais positivos
dessas escolas foram as de Liverpool em 1791, de Londres no
ano de 1799 e, já no século XIX, de Viena em 1805 e de Berlim
em 1806.5

Em 1819, esteve no Instituto Nacional dos Jovens Cegos,


em Paris, o oficial do Exército francês Charles Barbier com uma

5. SILVA, Otto M. da. A epopeia ignorada. São Paulo: Cedas, 1986. p. 256.
20 MARCOS J. S. MAZZOTTA

sugestão que julgava ser bastante útil aos professores e alunos.


Tratava-se de um processo de escrita, por ele idealizado,
próprio para a transmissão de mensagens no campo de ba­
talha à noite, sem utilização de luz para não atrair a atenção
dos inimigos. Tal processo de escrita, codificada e expressa
por pontos salientes, representava os trinta e seis sons básicos
da língua francesa. A ideia de Barbier despertou o interesse
de alguns professores e logo começou a ser utilizada pelos
alunos internados no instituto.
i r
'Em 1829, um jovem cego francês, Louis Braille( (1809­
-1852), estudante daquele Instituto, fez uma adaptação do
código militar de comunicação noturna (écriture nocturné),
criado por Barbier, para as necessidades dos cegos. De início,
tal adaptação foi denominada de sonografia e, mais tarde, de
braile. Até hoje não foi encontrado outro meio, de leitura e
escrita, mais eficiente e útil para uso das pessoas cegas. Ba­
seado em seis pontos salientes na célula braile, este "código"
possibilita sessenta e três combinações.

Cada célula braile precisa de um quarto de polegada, pou­


co mais de 6 milímetros de espaço na linha. Muita economia
de espaço tem sido feita, pela adição de novos aspectos ao
código original, sob a forma de sinais, abreviações e con­
trações.
Sistemas especiais de notação para a apresentação da Mate­
mática em braile tornaram possível à criança cega aprender
Aritmética pela escrita braile. Sistemas de notações para sím­
bolos científicos têm sido também desenvolvidos. A notação
musical em braile torna possível fornecer padrões musicais
para qualquer instrumento musical ou para a voz. De fato há
provas de que a intenção original de Louis Braille era fornecer
um meio tátil de notação musical. Uma forma mais abreviada
p f 'I IÇAÇAÜ ESPECIAL NO BRAS L 21

on contraída de braile é útil como taquigrafia para o estenó-


grafo cego ou para os apontamentos dos estudantes.6

Contando hoje com simbologia específica para Matemá-


iít a, Música, Química, Física, mais do que um "código", este
importante meio de leitura e escrita compõe o sistema braile.
Fm relação aos portadores de deficiência física, regis-
i i a se que em 1832 teve início em Munique, Alemanha, uma
t >1 >ra eficaz para a educação de deficientes físicos, com a fun­
dação de "uma instituição encarregada de educar os coxos,
UM m anetas, os paralíticos...".7
Também nesta época, começo do século XIX, iniciou-se
n atendimento educacional aos "débeis" ou "deficientes
mentais". O médico Jean Marc Itard (1774-1838) mostrou a
eilucabilidade de um "idiota", o denominado "selvagem de
Aveyron".
Reconhecido como a primeira pessoa a usar métodos
sistematizados para o ensino de deficientes ou retardados
mentais, Itard trabalhou durante cinco anos com Vítor, uma
< riança de doze anos, menino selvagem capturado na flores­
ta de Aveyron, no sul da França, por volta de 1800. Em 1801,
I mblicou em Paris o livro onde registrou suas tentativas e que
é lido como o primeiro manual de educação de retardados:
/ V Véducation d'un homme sanvage.

Sensorialista, organicista e médico, considerou o comportamen­


to do menino semelhante ao de um animal, devido à falta de
socialização e educação, resultante de viver sozinho na floresta
e, por isso, curável. Embora obtivesse algum sucesso na edu-

6. ASHCROFR, S. C. Crianças cegas e amblíopes. In: DUNN, L. M. Crianças excep-


. ionais. Seits problemas. Sua educação. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1971. p. 336. v. 2.
7. LARROYO, F. Op. cit., p. 627.
22 MARCOS J.S. MAZZOTTA

cação de Vítor, a maioria das autoridades foi levada a crer mais


tarde que o menino tinha retardamento mental grave e fora
abandonado pelos pais pouco antes da captura. Apesar disso,
a metodologia de ensino de Itard ainda hoje é moderna.
Itard obteve êxito em conseguir que o menino controlasse suas
ações e lesse algumas palavras. Para tanto, empregou uma
regra básica de aprendizagem, postulada por teóricos, tais
como Thorndike e Hull: "repetir experiência de sucesso". [...]
O trabalho de Itard mostra a eficácia da instrução individual,
da programação sistemática de experiências de aprendizagem
e da motivação e recompensas.
Eáivará Seguin (1812-1880), aluno de Itard e também médico,
prosseguiu com o desenvolvimento dos processos de ensino
para os gravemente retardados, a partir do ponto em que Itard
ficou. Em vez de trabalhar com um só menino, como Vítor,
estabeleceu o primeiro internato público da França para crian­
ças retardadas mentais, e imaginou pm currículo para elas.
Sua técnica era neurofisiológica, baseada na crença de que o
sistema nervoso deficiente dos retardados podia ser reeduca­
do pelo treinamento motor e sensorial. Desenvolveu amplos
materiais didáticos pedindo aos professores que seguissem
seus processos de treinamento sistemático, de modo também
sistemático. Usava, ainda, cores, música e outros meios para
motivar a criança.8

Em 1846, em Paris, Seguin editou seu livro Traitement


moral, hygièneet éâucation des idiots, sendo recebido com indi­
ferença. Apontado como pessoa de "caráter muito rígido",
colérico e pouco benevolente, emigrou para os Estados Uni­
dos, onde, em 1907, publicou seu segundo livro, Idiocxj and
its treatment by the physiological method. Nesta obra apresentou
um programa para escola residencial.

8. DUNN, L. M. Op. dt., p. 107-8. v. I.


ft< Ai 11 M'| ( |AI NO BRASIL 23

folia m i ). Guggenbiihl (1816-1863), médico que viveu na


incsin.i época que Segui n, embora não tenha obtido grande
ÍMln no seu trabalho com retardados mentais severos, tor­
nou f.e famoso por seu trabalho, em um internato em Aben-
tlbeiy, nos Alpes Suíços, baseado na combinação de tratamen-
(o médico e educacional, focalizando exercícios de
treinamento sensorial.
()utra importante educadora que contribuiu grandemen-
tr para a evolução da educação especial foi Maria Montessori
(1870-1956), médica italiana que aprimorou os processos de
llard e Seguin, desenvolvendo um programa de treinamento
para crianças retardadas mentais nos internatos de Roma.
Suas técnicas para o ensino de retardados mentais foram
experimentadas em vários países da Europa e da Ásia. Mon­
tessori enfatizou a "autoeducação" pelo uso de materiais
didáticos que incluíam, dentre outros, blocos, encaixes, re­
cortes, objetos coloridos e letras em relevo. Definiu dez regras
i le educação que parecia considerar adequadas tanto a crian­
ças normais em idade pré-escolar, como a crianças treináveis,
em idade escolar:1

1. As crianças são diferentes dos adultos e necessitam ser


tratadas de modo diferente.
2. A aprendizagem vem de dentro e é espontânea; a criança
deve estar interessada numa atividade para se sentir motivada.
3. As crianças têm necessidade de ambiente infantil que
possibilite brincar livremente, jogar e manusear materiais
coloridos.
4. As crianças amam a ordem.
5. As crianças devem ter liberdade de escolha; por isso neces­
sitam de material suficiente para que possam passar de uma
atividade a outra, conforme o índice de interesse e de atenção
o exijam.
24 MARCOS J.S. MAZZOTTA

6. As crianças amam o silêncio.


7. As crianças preferem trabalha r a brincar.
8. As crianças amam a repetição.
9. As crianças têm senso de dignidade pessoal; assim, não
podemos esperar que façam exatamente o que mandamos.
10. As crianças utilizam o meio que as cerca para se aperfei­
çoar, enquanto os adultos usam-se a si mesmos para aperfei­
çoar seu meio.9

Ainda na Europa, destaca-se Alice Descoendres (1928),


médica belga, que elaborou uma proposta curricular para os
retardados mentais Leves. Sua orientação era a de que as
atividades educativas deveríam ser desenvolvidas em am­
biente natural, mediante instrução individual e grupai, foca­
lizando deficiências sensoriais e cognitivas.
Nos Estados Unidos, a primeira escola pública para surdos
foi a American School, de West Hartford, Connecticut, fundada
em 1817, pelo reverendo Thomas H. Gallaudet. A primeira es­
cola canadense, a Institution Catholique des Sourds-Muets, para
meninos, foi fundada em Montreal em 1848.
Cinquenta anos depois de fundada a primeira escola
para crianças cegas, em 1784, na França, por Valentin Haiiy,
foram instalados os primeiros internatos para cegos nos Es­
tados Unidos. Em 1829, em Massachusetts, foi instalado o
New England Asylumfor the Blind, que começou a funcionar
com seis alunos em 1832. Neste mesmo ano, em Nova York
foi fundada uma escola para cegos, o New York Institute for
the Education of the Blind. A primeira escola para cegos intei­
ramente subsidiada pelo Estado foi a Ohio School for the Blind,
fundada em 1837. Este fato foi bastante importante, pois

9. Idem, p. 110.
ífilli At, AO ESPECIAL NO BRASIL 25

despertou a sociedade para a obrigação do Estado para com


à educação dos portadores de deficiência.
No ano de 1848, em Massachusetts, foi criado o primei-
lo internato público para deficientes mentais, introduzindo
0 método desenvolvido por Seguin. O responsável pela
orientação de tal escola foi Samuel Griâley Hozite.
Como lembra Cruickshank, "o período de 1817 a 1850,
no Este, foi de grande atividade em benefício das crianças
deficientes. Nesta época apareceram escolas para os cegos,
Niirdos e retardados mentais. Programas para a criança com
defeitos físicos ficaram para décadas posteriores".10
No período de 1850 a 1920, nos Estados Unidos, houve
n m aumento crescente das escolas residenciais, que eram
um modelo europeu. Na última década do século XIX, en-
1 retanto, as escolas residenciais não eram mais consideradas
instituições apropriadas para a educação do deficiente men­
tal. Passaram a ser vistas como instituições para tutela de
crianças e adultos sem esperança de vida independente e,
portanto, sem possibilidades de educação. Em razão disso,
começaram a ser desenvolvidos os programas de externato.
Assim é que, em 1896, foi aberta a primeira classe especial
diária para retardados mentais, em Previdence, Rhode Is-
land. Em 1900, em Chicago, criou-se a primeira classe para
cegos e a primeira classe de escola pública para "crianças
aleijadas". Em dez anos Newark, Nova York, Cincinnati,
Cleveland, Milwaukee e Racine abriram classes para cegos.
Em 1913 começou a funcionar em Boston a primeira classe
de "amblíopes".
Por volta de 1940, um anúncio publicado no Times de
Nova York pelo pai de uma criança com paralisia cerebral,

10. CRUICKSHANK, W. M. Op. cit., p. 12, v. 1.


26 MARCOS J.S MAZZOTTA

levou a uma organização dos pais destas crianças no sentido


de fundarem a New York State Cerebral Palsy Association. Nes­
ta associação, os pais levantaram fundos tanto para centros
de tratamento quanto para pesquisa, além de estimularem
organizações governamentais para uma nova legislação que
proporcionasse recursos para pesquisa, treinamento profis­
sional e tratamento.
Foi ainda Cruickshank quem fez a importante observa­
ção de que "até o crescimento em atitudes e o amadureci­
mento social serem 'experienciados' pela comunidade, os
pais não eram livres para expressar sentimentos reais a res­
peito do problema que enfrentavam diariamente. [...] Como
uma consequência do crescimento que foi 'experienciado'
imediatamente antes e durante a Segunda Guerra Mundial,
os pais através do país, no Canadá e alhures, começaram a
se organizar no interesse de seus próprios filhos".11
Da mesma maneira que os fundadores da New York Sta­
te Cerebral Palsy Association, por volta de 1950 os pais de
crianças com desenvolvimento mental retardado começaram
a se organizar. Até então, tais crianças, principalmente as
"retardadas mentais treináveis", eram excluídas da escola,
em virtude da existência de leis e regulamentos obstaculiza-
dores. Com o objetivo principal de proporcionar atendimen­
to a essas crianças e jovens nas escolas públicas primárias, os
pais de retardados mentais se organizaram na National Asso-
ciationfor Retardeá Chiláren (NARC ).
A Narc exerceu grande influência em vários países, ten­
do sido a inspiradora da criação das Associações de Pais e
Amigos dos Excepcionais (APAE) no Brasil.

11. Idem, p. 17.

4
• i f f fifíA
i 27

CAPÍ TULO SI

História da Educação
Especial no Brasil

Inspirados em experiências concretizadas na Europa e


Estados Unidos da América do Norte, alguns brasileiros
iniciaram, já no século XIX, a organização de serviços para
atendimento a cegos, surdos, deficientes mentais e deficien­
tes físicos. Durante um século, tais providências caracteriza­
ram-se como iniciativas oficiais e particulares isoladas, refle­
tindo o interesse de alguns educadores pelo atendimento
educacional dos portadores de deficiências.
A inclusão da "educação de deficientes", da "educação
dos excepcionais" ou da "educação especial" na política
educacional brasileira_jv_em a ocorrer somente no final dos
anos 1950 e iníçio da década de 1960 do século XX.
No presente estudo serão destacados dois períodos na
evolução da educação especial no Brasil, marcados pela na­
tureza e abrangência das ações desencadeadas para a educa­
ção dos portadores de deficiência:
28 MARCOS J.S. MAZZOTTA

I o) de 1854 a 1956 — iniciativas oficiais e particulares


isoladas e
T) de 1957 a 1993 — iniciativas oficiais de âmbito nacional.

I. Período de 1854 a 1956 — iniciativas oficiais e


particulares isoladas

O atendimento escolar especial aos portadores de defi­


ciência teve seu início, no Brasil, na década de 1950 do século
XIX. Foi precisamente em 12 de setembro de 1854 que a pri­
meira providência neste sentido foi concretizada por D. Pedro
II. Naquela data, através do Decreto Imperial n. 1.428, D.
Pedro II fundou, na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Ins­
tituto dos Meninos Cegos.
A fundação do Imperial Instituto deveu-se, em grande
parte, a um cego brasileiro, José Álvares de Azevedo, que estu­
dara no Instituto dos Jovens Cegos de Paris, fundado por
Valentin Haüy no século XVIII. Por ter obtido muito sucesso
na educação de Adélia Sigaud, filha do dr. José F. Xavier Si-
gaud, médico da família imperial, José Álvares de Azevedo
despertou a atenção e o interesse do ministro do Império,
conselheiro Couto Ferraz. Sob a influência de Couto Ferraz,
D. Pedro II criou tal instituto, que foi inaugurado no dia 17
de setembro de 1854, cinco dias após sua criação. Para diri­
gi-lo, foi nomeado o dr. Xavier Sigaud, cujo busto em már­
more se encontra no salão nobre daquela casa de ensino.
Em 17 de maio de 1890, portanto, já no governo republi­
cano, o chefe do governo provisório, marechal Deodoro da
Fonseca, e o ministro da Instrução Pública, Correios e Telé­
grafos, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, assinaram
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 29

o Decreto n. 408, mudando o nome do instituto para Institu­


to Nacional dos Cegos e aprovando seu regulamento.
Mais tarde, em 24 de janeiro de 1891, pelo Decreto n.
1.320, a escola passou a denominar-se Instituto Benjamin
Constant (IBC ), em homenagem a seu ilustre e atuante ex-pro­
fessor de Matemática e ex-diretor, Benjamin Constant Botelho
de Magalhães.
Foi ainda D. Pedro II que, pela Lei n. 839, de 26 de se­
tembro de 1857, portanto, três anos após a criação do Insti­
tuto Benjamin Constant, fundou, também no Rio de Janeiro,
o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.
A criação desta escola ocorreu graças aos esforços de
Ernesto Hüet e seu irmão. Cidadão francês, professor e diretor
do Instituto de Bourges, Ernesto Hüet chegou ao Rio de Ja­
neiro no final do ano de 1855. Com suas credenciais foi apre­
sentado ao marquês de Abrantes, que o levou ao Imperador
D. Pedro II. Acolhendo com simpatia os planos que Hüet
tinha para a fundação de uma escola de "surdos-mudos" no
Brasil, o Imperador ordenou que lhe fosse facilitada a im­
portante tarefa. Começando a lecionar para dois alunos no
então Colégio Vassimon, Hüet conseguiu, em outubro de
1856, ocupar todo o prédio da escola, dando origem ao Im­
perial Instituto dos Surdos-Mudos. Em 1957, ou seja, cem
anos após sua fundação, pela Lej_n. 3.198, de 6 de Julho,
passaria a denominar-se Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES ).
Importante salientar que desde seu início a referida
escola caracterizou-se como um estabelecimento educacio­
nal voltado para a "educação literária e o ensino profissio­
nalizante" de meninos "surdos-mudos", com idade entre 7
e 14 anos.
30 MARCOS J. S. MAZZOTTA

Em ambos os Institutos, algum tempo depois da inau­


guração, foram instaladas oficinas para a aprendizagem de
ofícios. Oficinas de tipografia e encadernação para os me­
ninos cegos e de tricô para as meninas; oficinas de sapata-
ria, encadernação, pautação e douração para os meninos
surdos.1
A despeito de se constituir medida precária em termos
nacionais (em 1872, com uma população de 15.848 cegos e
11.595 surdos, atendiam 35 cegos e 17 surdos), a instalação
do IBC e do Ines abriu possibilidade de discussão da educa­
ção dos portadores de deficiência, no I o Congresso de Ins­
trução Pública, em 1883, convocado pelo Imperador em
dezembro de 1882. Entre os temas do referido congresso fi­
gurava a sugestão de currículo e formação de professores para
cegos e surdos. O prestígio desses institutos, diretamente li­
gados ao governo central, pode ser evidenciado, por exem­
plo, pelos recursos financeiros a eles destinados. Em 1891
receberam juntos uma verba de 251.000$000 contos de réis,
quantia que ultrapassou os 221.000$000 designados para a
Escola Superior de Minas Gerais, em Ouro Preto. No ano
seguinte, o privilégio conferido ao ensino superior se fez
notar com a destinação de 203.380$000 à Escola de Ouro
Preto e de 173.765$000 aos dois institutos.12
Ainda no Segundo Império, há registros de outras ações
voltadas para o atendimento pedagógico ou médico-peda-
gógico aos deficientes. Em 1874 o Hospital Estadual de Sal-12

1. SUCOW DA FONSECA, C. História do ensino industrial no Brasil. Rio de Ja­


neiro: Senai/DN/DPEA, 1986. v. 1.
2. JANNUZZI, G. M. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Pau­
lo: Cortez, 1985.

4
ffrtit A t AO ESPECIAL NO BRASIL 31

vmlor, na Bahia, hoje denominado Hospital Juliano Moreira,


iniciou a assistência aos deficientes mentais. Sobre o tipo de
iariistência prestada, há, no entanto, informações insuficien-
feH para sua caracterização como educacional. Poderia tra­
tai’" se de assistência médica a crianças deficientes mentais e
não propriamente atendimento educacional; ou, ainda, aten­
dimento médico-pedagógico.
Alguns importantes indicadores do interesse da socie­
dade para com a educação dos portadores de deficiência, no
começo do século XX, são os trabalhos científicos e técnicos
publicados. Como exemplo cabe destacar que, em 1900, du­
rante o 4o Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, no
Rio de Janeiro, o dr. Carlos Eiras apresentou a monografia
intitulada Da educação e tratamento médico-pedagógico dos idio­
tas. Por volta de 1915 foram publicados três outros importan-
les trabalhos sobre a educação de deficientes mentais: a
educação da infância anormal da inteligência no Brasil, de autoria
do professor Clementino Quaglio, de São Paulo, e Tratamen­
to e educação das crianças anormais da inteligência e A educação
da infância anormal e das crianças mentalmente atrasadas na
América Latina, obras de Basílio de Magalhães, do Rio de Ja­
neiro. Na década de 1920, o importante livro do professor
Norberto de Souza Pinto, de Campinas (SP), intitulado In­
fância retardatária.
Na primeira metade do século XX, portanto, até 1950,
havia quarenta estabelecimentos de ensino regular manti­
dos pelo poder público, sendo um federal e os demais es­
taduais, que prestavam algum tipo de atendimento escolar
especial a deficientes mentais. Ainda, catorze estabeleci­
mentos de ensino regular, dos quais um federal, nove es­
taduais e quatro particulares, atendiam também alunos com
outras deficiências.
32 MARCOS J.S. MAZZOTTA

No mesmo período, três instituições especializadas (uma


estadual e duas particulares) atendiam deficientes mentais e
outras oito (três estaduais e cinco particulares) dedicavam-se
à educação de outros deficientes.3
Dentre os cinquenta e quatro estabelecimentos de ensino
regular e as onze instituições especializadas destacam-se: em
Santa Catarina, no município de Joinville, o Colégio dos
Santos Anjos, de ensino regular particular fundado em 1909,
com atendimento a deficientes mentais; no Rio de Janeiro (RJ),
a Escola Rodrigues Alves, estadual regular para deficientes
físicos e visuais, criada em 1905, a Sociedade Pestalozzi do
Estado do Rio de Janeiro, particular especializada, criada em
1948 para atender deficientes mentais; em Minas Gerais, na
capital Belo Horizonte, a Escola Estadual São Rafael, espe­
cializada no ensino de cegos, criada em 1925, e a Escola Es­
tadual Instituto Pestalozzi, especializada em deficientes au­
ditivos e mentais, criada em 1935 por influência dos trabalhos
da professora Helena Antipoff; na Bahia, criado em Salvador
em 1936, o Instituto de Cegos da Bahia, especializado parti­
cular; em Pernambuco, o Instituto de Cegos criado em 1935,
especializado particular, e a Escola Especial Ulisses Pernam­
bucano, estadual especializada em deficientes mentais, ins­
talada em 1941; no Rio Grande do Sul, em Canoas, o Instituto
Pestalozzi criado em 1926, particular, especializado em defi­
cientes mentais, em Porto Alegre o Grupo Escolar Paula So­
ares, estadual regular com atendimento a DM, criado em
1927, e o Instituto Santa Luzia, particular especializado em
deficientes visuais, criado em 1941; no Paraná, em Curitiba,

3. MEC/CENESP. Educação especial: cadastro geral dos estabelecimentos de


ensino especial, 1975. v. 2. Estão entre as instituições para deficientes mentais aque­
las que atendiam também outros tipos de alunos deficientes.
!■ >• <-aí.AO especial no brasil 33

»i Insliluto Paranaense de Cegos, estadual, especializado,


11 liulo em 1944; em São Paulo, na cidade de Taubaté, o Insti­
tuto São Rafael, particular especializado em deficientes visu-
ê\H, criado em 1940, em Lins, a Associação Linense para Cegos,
jwlicular especializada, criada em 1948, na capital, o Insti­
tuto listadual de Educação Padre Anchieta, estadual regular
t om atendimento a deficientes auditivos, criado em 1913, o
Instituto Santa Terezinha, particular especializado em defi-
i lentes auditivos, criado em 1929, a Fundação Dona Paulina
th* Souza Queiroz, particular especializada em deficientes
mentais, criada em 1936, a instituição especializada particu-
l.ir Lar-Escola São Francisco, criada em 1943 para atender
deficientes físicos, a Fundação para o Livro do Cego no Bra­
sil, especializada particular criada em 1946, as escolas esta-
• li mis regulares Grupo Escolar Miss Browne e Grupo Escolar
Visconde de Ttaúna, com atendimento a deficientes mentais,
1 1 indas em 1950.4
Seja por sua importância no momento mesmo de sua
i nação ou pela força que vieram a adquirir no seu funciona­
mento ou, ainda, pelo papel desempenhado na evolução da
educação especial, alguns destes estabelecimentos de ensino
e instituições especializadas, bem como outros que não cons-
l.i ram desta relação, devem ser mais bem conhecidos. A
abrangência e a atuação atual de tais estabelecimentos não
serão aqui contempladas, já que o propósito é o de ilustrar,
com sua instalação e características, a educação especial até
meados deste século.

4. Não foi possível obter dado diferenciado ou específico sobre a coincidência


on não da instalação do atendimento especial com a data de criação dos estabele-
i imentos e instituições aqui relacionados. A fonte desses dados foi MEC/CENESP,
np. dl.
34 MARCOS J.S. MAZZOTTA

jq- tfjb-

I. I Atendimento a deficientes visuais

A) Instituto Benjamin Constant (IBC)

O Instituto Benjamin Constant, sobre o qual já foram


dadas algumas informações, em 1942 editou em braile a Re
vista Brasileira para Cegos, primeira do gênero no Brasil. Ins­
talou em 1943 uma imprensa braile para servir principalmen­
te aos alunos do instituto. Posteriormente, pela Portaria
Ministerial n. 504, de 17 de setembro de 1949, passou a dis­
tribuir gratuitamente livros em braile às pessoas cegas que os
solicitassem.
Em 1946, por Portaria Ministerial n. 385, de 8 de junho,
o curso ginasial mantido pelo Instituto Benjamin Constant
foi equiparado ao ginásio de ensino comum. Diante disso,
três alunos cegos que o concluíram em 1949 puderam in­
gressar, já em 1950, em colégio comum, dando início ao
ensino integrado para cegos. Em 1947 o Instituto Benjamin
Constant, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do
Rio de Janeiro, realizou o primeiro Curso de Especialização
de Professores na Didática de Cegos. No período de 1951 a
1973, passou a realizar tal curso de formação de professores
em convênio com o Instituto Nacional de Estudos Pedagó­
gicos (INEP).5

B) Instituto de Cegos Padre Chico

O Instituto de Cegos Padre Chico é uma escola residen­


cial que atende crianças deficientes visuais em idade escolar.

5. LEMOS, E. R. Educação de excepcionais: evolução histórica e desenvolvimen­


to no Brasil. Tese (Livre-docênda). Rio de Janeiro: UFF, 1981.
ÉÕLJI A(, AO ESPECIAL NO BRASIL 35

Fundado em 27 de maio de 1928, na cidade de São Paulo,


recebeu o nome de Padre Chico em homenagem ao monse­
nhor Francisco de Paula Rodrigues. Para a construção do
Instituto, uma grande área do Alto do Ipiranga foi doada pelo
conde José Vicente de Azevedo.
Confiada a sua direção interna às Filhas da Caridade de
Hão Vicente de Paula, irmandade religiosa, a escola, desde
1930, conta com a participação do governo do Estado de São
Paulo, que mantém todo o seu corpo docente. As primeiras
atividades dos alunos foram orientadas pelo professor cego
Mauro Montagna, professor aposentado do Instituto Benjamin
t onstant, do Rio de Janeiro.
O ensino de leitura, através do braile, teve início com o
professor Alfredo Chatagnier.
Funcionando em regime de internato, semi-internato e
externato, o instituto mantém uma escola de I o grau, cursos
de Artes Industriais, Educação para o Lar, Datilografia, Mú­
sica, Orientação e Mobilidade, além de prestar serviços de
assistência médica, dentária e alimentar.

C) Fundação para o Livro do Cego no Brasil

Outra importante instituição de atendimento a deficien­


tes visuais, a Fundação para o Livro do Cego no Brasil (FLCB)
foi instalada em São Paulo no dia 11 de março de 1946. Sua
criação resultou dos esforços de Dorina de Gouvea Nowill,
professora de deficientes visuais que ficara cega aos dezes­
sete anos de idade. Contando com a colaboração de Adelaide
Reis de Magalhães e com o apoio de autoridades públicas do
Estado de São Paulo e da comunidade em geral, a Fundação
para o Livro do Cego no Brasil iniciou suas atividades com
o objetivo de produzir e distribuir livros impressos em siste­
36 MARCOS J.S. MAZZOTTA

ma braile. Posteriormente teve suas atividades ampliadas no


campo da educação, reabilitação e bem-estar social das pes­
soas cegas e portadoras de visão subnormal. Conforme dis­
punham seus estatutos, a Fundação para o Livro do Cego no
Brasil caracterizava-se como uma organização particular, sem
fins lucrativos e, em coerência com sua denominação, de
abrangência nacional. Declarada de utilidade pública federal
pelo Decreto n. 40.269, de 15 de fevereiro de 1957, obteve
também declaração como entidade de utilidade pública mu­
nicipal pelo Decreto n. 4.644, de 25 de março de 1960, e de
utilidade pública estadual pela Lei n. 8.059, de 13 de janeiro
de 1967.
Tendo como finalidade "a integração do deficiente visu­
al na comunidade comojpessoa autossuficiente e produtiva",
sua manutenção sempre se realizou mediante obtenção de
recursos públicos federais, estaduais e municipais, além de
doações da comunidade em geral. Em 1990 a fundação passou
a chamar-se Fundação Dorina Nowill para Cegos.

1.2 Atendimento o deficientes auditivos

A) Instituto Santa Terezinha

Por iniciativa do bispo Dom Francisco de Campos Barreto,


o Instituto Santa Terezinha foi fundado em 15 de abril de 1929
na cidade de Campinas (SP).
Sua fundação foi possível graças à ida de duas freiras
brasileiras para o Instituto dc Bourg-la-Reine, em Paris (Fran­
ça), a fim de se prepararem como professoras especializadas
no ensino de crianças surdas. Após quatro anos de formação,
as Irmãs Suzana Maria e Madalena da Cruz retornaram a
Campinas em companhia de duas freiras francesas, Irmãs
ií *1 It AC Aü ESPECIAL NO BRASIL 37

Nainl Jean e Luíza dos Anjos, dando início ao Instituto Santa


jtMvzinha.
Km 18 de março de 1933 o instituto foi transferido para
a cidade de São Paulo. Até o ano de 1970 funcionou em regi­
me de internato para meninas portadoras de deficiência
Auditiva. Em 1970 deixou de ser internato feminino e passou
a 1 uncionar em regime de externato para meninas e meninos.
N.i mesma ocasião, iniciou o trabalho de integração de alunos
def icientes auditivos no ensino regular.
De natureza particular, o Instituto Santa Terezinha é man-
(ido pela Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvá­
rio. Reconhecido como de utilidade pública federal, estadual
e municipal, mantém convênios com órgãos federais como a
I .egião Brasileira de Assistência (LBA); com órgãos estaduais
e municipais e com a CBM — entidade religiosa da Alemanha.
Considerado na área de educação especial como insti­
tuição especializada de elevada conceituação, o instituto
oferece aos.alunos deficientes auditivos, alémjdo ensino de
Io grau, atendimento médico, fonoaudiológico, psicológico
e social.

B) Escola Municipal de Educação Infantil e de 1o Grau para uj


Deficientes Auditivos Helen Keller

Instituída, em São Paulo, em 1951 pelo prefeito dr. Ar­


mando de Arruda Pereira, a Escola Municipal Helen Keller
foi instalada no bairro de Santana, em 13 de outubro de 1952,
como I Núcleo Educacional para Crianças Surdas.
Até obter sua atual denominação, passou por várias
reformas administrativas e consequentes alterações de deno­
minação.
38 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Nesta breve revisão histórica, é oportuno citar os nomes


que recebeu ao longo de sua existência: I Núcleo Educacio­
nal para Crianças Surdas (1952), Escola Municipal de Crian­
ças Surdas (1958), Instituto Municipal de Educação de
Surdos (1960), Instituto de Educação de Crianças Excepcio­
nais (IECE), (1967), Instituto de Educação para Crianças
Excepcionais Helen Keller (IECE Helen Keller), (1969), Es­
cola Municipal de Educação de Deficientes Auditivos Helen
Keller (EMEDA Helen Keller), (1976) e finalmente Escola
Municipal de Educação Infantil e de Io Grau para Deficien­
tes Auditivos Helen Keller.6
As atividades desenvolvidas por esta escola especial
levaram à criação em 1988 de mais quatro escolas municipais
de educação infantil e de Io grau para deficientes auditivos
na rede municipal de São Paulo.

C) Instituto Educacional São Paulo (IESP)

Fundado em 18 de outubro de 1954, o Instituto Educa­


cional São Paulo é uma instituição especializada no ensino
de crianças deficientes da audição. Sociedade civil, particular
e sem fins lucrativos, começou suas atividades no início do
ano de 1955, no bairro de Higienópolis, na cidade de São
Paulo (SP). Atendendo inicialmente cinco crianças com idades
entre 5 e 7 anos, seus três primeiros professores não eram
especializados, tinham formação em Curso Normal e eram
pais de alunos.
A primeira presidente do instituto foi Renata Crespi da
Silva, que permaneceu nesta posição até 1969. Em 1957 assu-

6. Informações extraídas de Balihiro, Clay R. et ai. Alguns aspectos históricos


atendimento educacional ao deficiente auditivo no estado de São Paulo. São Paulo: PUC-SP,
1984. (Mimeo.)
" > Mrt< IAI NO BRASIL 39

HUM rt tlii t»Çilo do Instituto Educacional São Paulo o professor


Milo IVi.uvhi, com formação especializada na Itália.
( mi i io escola especializada no ensino de surdos-mudos,
Hit t= Iteu o Registro n. 2.010/58 da Secretaria da Educação do
Nládn 1 1<* São Paulo, em 15 de setembro de 1958.
Ni > ano de 1962, foi transferida para o bairro de Indianó-
pnlis, ã Alameda dos Tupiniquins, n. 997, em prédio doado
pulo ei iláo prefeito de São Paulo dr. Fábio da Silva Prado, local
'Mi.le permaneceu até 1977. Ainda em 1962 instalou o curso
§íiyi»ial, passando a funcionar em regime de semi-internato.
1 im 1965, formou a sua primeira turma de curso ginasial.
No ano de 1967, o médico foniatra dr. Mauro Spinelli
àimimiu a direção do Iesp.
Em 12 de junho de 1969 o instituto foi doado à Fundação
Hll 11 \uilo, entidade mantenedora da Pontifícia Universidade
' alolica de São Paulo (PUC-SP). Apartir daí, além de atender
*i lanças com deficiência auditiva em regime escolar, passou
1 atender, em regime de clínica, crianças e adultos com dis-
hn biqs de comunicação. Nesta nova situação administrativa,
' • Instituto Educacional São Paulo ficou subordinado ao Cen-
* n»de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunica­
rão (CERDIC), hoje denominado DERDIC — Divisão de
Rtlucação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação,
”i gáo suplementar da PUC-SP.7
Prestando atendimento a deficientes da audiocomuni- /
' *ição, na área clínica e de educação escolar, a DERDIC 1^
lornou-se um dos importantes centros educacionais espe- í
« i.ilizados em pesquisa e ensino de deficientes da audioco-1
11 m nicação e fonoaudiologia.

7. BALIEIRO, Clay R. et al. Op. cit., p. 14-16.


40 MARCOS J.S. MAZZOTTA

13 Atendimento a deficientes físicos

A) Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

O atendimento especializado a deficientes físicos (não


sensoriais) com propósitos educacionais foi iniciado em São
Paulo na Santa Casa de Misericórdia. Em seu arquivo de rela­
tórios anuais foi possível encontrar registros indicando o
movimento escolar do período de l°/8/1931 a 10/12/1932.
A primeira professora primária estadual que ali trabalhou,
provavelmente no período de l°/8/1931 até 1953, quando se
aposentou, foi a professora Carmem Itália Sigliano, que era
lotada no Grupo Escolar Maria José, na Capital. Era secretá­
rio da Educação do Estado de São Paulo, em 1931, o professor
Lourenço Filho.
Em 1932 foi criada outra classe especial estadual, como
Escola Mista do Pavilhão Fernandinho, tendo como docen­
te a professora Carolina César do Amaral, que fora assistente
da professora Carmem Sigliano. Em 1948, para substituí-la,
foi nomeada Eámeia Maciel do Amaral, nora de D. Carolina,
que ali permaneceu até 1979. Uma terceira classe foi insta­
lada em 1948 com a nomeação de Francisca Barbosa Félix de
Souza, por Ato de 31 de agosto de 1948, publicado no Diário
Oficial do Estado de 3 de setembro de 1948. A referida pro­
fessora ali permaneceu até sua aposentadoria, em Io de
março de 1980.
Em 1950 e 1969, respectivamente, foram criadas mais
duas classes especiais para deficientes físicos junto ao Pavilhão
Fernandinho da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Tecnicamente, tais classes funcionam todas como classes hos­
pitalares ou, ainda, configurando a modalidade "ensino
hospitalar", isto é, mesmo não compondo grupo-classe, cada
professora tem uma programação de atendimento individu-
E IH K A (,A O ESPECIAL NO BRASIL 41

i ligado aos alunos que estão como pacientes do hospital. Em


I 'JH2 estavam funcionando, no Hospital Central da Santa Casa
It' M isericórdia de São Paulo, dez classes especiais estaduais,
administrativamente classificadas como escolas isoladas sob
jurisdição da 13a Delegacia de Ensino da capital.

B) Lar-Escola São Francisco

Fundado em Io de junho de 1943, o Lar-Escola São Fran­


cisco, particular, sediado em São Paulo, capital, foi reconhe-
eldo como de utilidade pública estadual pela Lei n. 3.354, de
30 de abril de 1956. Importante instituição especializada na
reabilitação de deficientes físicos, o Lar-Escola São Francisco
foi fundado por Maria Hecilda Campos Salgado, que em um
folheto informativo sobre a entidade diz:

A ideia nasceu numa ocasião em que fui ao Pavilhão Fernan-


dinho Simonsen para internar uma criança. Fiquei sabendo
pelos professores que os pequenos pacientes, ao receberem
alta, abandonavam o tratamento que, quase sempre longo e
dispendioso, não estava ao alcance dos pais.
Logo depois, trabalhando como voluntária junto ao Abrigo
de Menores, verifiquei haver, no meio de centenas delas, tre­
ze meninos fisicamente prejudicados e exigindo, mais que os
outros, cuidados especializados. Eram quase todos sem famí­
lia. Alguns "órfãos de pais vivos", todos revoltados, desam­
parados, infelizes. Queixavam-se de que os companheiros os
chamavam de "aleijados", "miseráveis”, "paralíticos", e que
a única coisa que poderíam fazer depois de adultos seria pedir
esmolas ou vender bilhetes.
Devido à complexidade dos problemas que apresentavam,
nenhuma instituição os recebia. Graças à compreensão dos
diretores e com o auxílio de outras voluntárias, consegui criar
no referido Abrigo de Menores, à Av. Celso Garcia n. 2.055,
42 MARCOS J.S.MAZZOTTA

uma classe onde essas crianças começaram a receber os cui­


dados que necessitavam.
Com o desenvolvimento do trabalho, decidiu-se a fundação
de uma entidade por ele responsável. Sob a invocação de São
Francisco, o "poverello" de Assis, criou-se um LAR para
aqueles que nunca o tinham tido; uma ESCOLA que lhes
abrisse um caminho que os levasse a ser cidadãos úteis e in­
dependentes, elementos positivos da coletividade.
Cuidou-se então do ESTATUTO que, registrado no Serviço
Social do Estado, passou a reger a nova instituição — obra
pioneira no Brasil, no campo da reabilitação dos incapacitados.

Em 1950, o Lar-Escola São Francisco tomou-se membro


da International Society for Rehabilitation ofCripples, atualmente
International Society for Rehabilitation of Disabled. Em 1958 a
diretora fundadora, com bolsa de estudos da Organização das
Nações Unidas (ONU), permaneceu seis meses estagiando
em centros similares nos Estados Unidos e Canadá, tendo
feito o curso de Counseling in Rehabilitation na Universidade
de Minnesota, em Minneapolis. Voltando dos Estados Unidos,
dona Maria Hecilda obteve da prefeitura de São Paulo um
terreno à Rua dos Açores, n. 310, no Jardim Lusitânia, local
onde ainda hoje funciona o seu principal centro.
Desde o início de seu funcionamento, o Lar-Escola São
Francisco mantém convênio com a Secretaria da Educação do
Estado, pelo qual tem assegurada sua equipe de professores.
Mantendo também convênio com a Escola Paulista de
Medicina desde 1964, aquela faculdade credenciou o Lar-Es­
cola como seu Instituto de Reabilitação, em nível universitário.

C) Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD)

A Associação de Assistência à Criança Defeituosa


(AACD) foi fundada em 14 de setembro de 1950. Mantene-
MJtit AOAO ESPECIAL NO BRASIL 43

dom de um dos mais importantes centros de reabilitação do


Hrnsil, teve como seu primeiro presidente e diretor clínico o
met I ieo dr. Renato da Costa Bonfim, que nestas funções perma­
neceu até 10 de junho de 1976, quando faleceu.
Instituição particular especializada no atendimento a
deficientes físicos não sensoriais, de modo especial portado­
res de paralisia cerebral e pacientes com problemas ortopé­
dicos, mantém convênios com órgãos públicos e privados,
nacionais e estrangeiros.
Em 1962, a AACD passou a manter intercâmbio cientí­
fico com a World Rehabilitation Fund (WRF) de Nova York.
Através deste intercâmbio com a WRF, a AACD vem reali­
zando cursos internacionais para a formação de técnicos em
aparelhos ortopédicos e membros artificiais.
A partir de 1966 vem mantendo convênio com a Secre-
I a ria de Educação do Estado de São Paulo para a prestação
ile serviços terapêuticos especializados (médico, psicoló­
gico, fonoaudiológico, de fisioterapia, terapia ocupacional
e serviço social), transporte especial dos alunos deficientes
I isicos e alimentação orientada. Por tal convênio, atende os
.ilunos de duas escolas estaduais que contam com unidades
ile classes especiais para deficientes físicos: Grupo Escolar
Ihienos Ayres, em Santana, e Grupo Escolar Rodrigues
Alves, na Avenida Paulista. Atualmente tais escolas deno­
minam-se Escolas Estaduais de Io Grau e não mais Grupos
Escolares.
Em 1976 as funções de diretor clínico da Associação de
Assistência à Criança Defeituosa foram assumidas pelo re-
nomado médico dr. Ivan Ferraretto.
Em 1979, o Serviço de Educação Especial da Coordena-
doria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da Secreta-
44 MARCOS J.S.MAZZOTTA

ria da Educação, propôs alteração do referido convênio


AACD/SE, tendo resultado em novo termo de convênio que
dá, aos serviços especializados prestados pela AACD, um
caráter de suporte ou suplementação da educação escolar.
A AACD mantém também convênio com a prefeitura
municipal de São Paulo para prestação de atendimento tera­
pêutico especializado a alunos da Escola Municipal de Io
Grau da Mooca.
Além desta importante atuação junto às escolas públicas,
a Associação de Assistência à Criança Defeituosa mantém em
seu Centro de Reabilitação um setor escolar que complemen­
ta o atendimento de pacientes da reabilitação que se encon­
tram em idade escolar.
Atendendo crianças e jovens deficientes físicos, a AACD
funciona em regime de internato, semi-internato e externato.

1.4 Atendimento a deficientes mentais

A) Instituto Pestalozzi de Canoas

Criado em 1926 por um casal de professores, Tiago e


Johanna Wiirth, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o
Instituto Pestalozzi introduziu no Brasil a concepção da "or-
topedagogia das escolas auxiliares" europeias. Em 1927 foi
transferido para Canoas (RS) como internato especializado
no atendimento de deficientes mentais. O Instituto Pestalozzi
funciona em regime de internato, semi-internato e externato,
atendendo parte de seus alunos mediante convênios com
instituições públicas estaduais e federais.
Inspirado na concepção da Pedagogia Social do educador
suíço Henrique Pestalozzi, o Instituto Pestalozzi do Rio Gran-
fõu i AÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 45

i tf do Sul foi "precursor de um movimento que, ainda que


rum divergências e variações, se expandiu pelo Brasil, e pela
América do Sul".8

B) Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais

O Instituto Pestalozzi criado em Belo Horizonte (MG) por


decreto de 5 de abril de 1935 pelo secretário da Educação dr.
Noraldino de Lima, tornou-se uma realidade no Estado de
Minas Gerais graças ao trabalho incessante e relevante da
professora Helena Antipoff, que, em 1932, com a colaboração
de suas alunas da antiga Escola de Aperfeiçoamento de Pro­
fessores Primários, fundara a Sociedade Pestalozzi de Minas
(ierais. Criado como órgão oficial da Secretaria da Educação
do Estado de Minas Gerais, o Instituto Pestalozzi contava
com professores pagos pelo governo estadual para atender
crianças mentalmente retardadas e com problemas de con­
duta. A orientação técnica da instituição era assegurada pela
Sociedade Pestalozzi.
Em 1940, a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais ins-
J talou no município de Ibirité, nos arredores de Belo Hori-
/ zonte, uma Granja-Escola na Fazenda do Rosário, propor­
] cionando experiência em atividades rurais, trabalhos
/ artesanais, oficinas e mantendo cursos para preparo de
pessoal especializado.
Em 1948, também por iniciativa de Helena Antipoff,
funda-se no Rio de Janeiro a Sociedade Pestalozzi do Brasil,
com a mesma filosofia de trabalho, intensificando, no então
Distrito Federal, a organização de serviços para deficientes
mentais.

8. WÜRTH, T. O escolar excepcional. Canoas: La Salle, 1983. p. 84.


46 MARCOS J.S. MAZZOTTA

C) Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro

A Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro


(SPERJ) foi fundada em 1948, com a denominação de Socie­
dade Pestalozzi do Brasil (SPB), assentada nas bases psico-
pedagógicas propostas por Helena Antipoff.
Caracteriza-se como instituição particular de caráter
filantrópico e destina-se ao "amparo de crianças e adolescen­
tes deficientes mentais, reeducando-os para uma possibili­
dade de vida melhor". Funciona em quatro regimes de
atendimento: residência, semirresidência, externato e ambu­
latório.
Pioneira na orientação pré-profissionalizante de jovens
deficientes mentais, foi responsável pela instalação das pri­
meiras Oficinas Pedagógicas para deficientes mentais no
Brasil.
Com atuação sempre apoiada pelos governos federal,
estadual e municipal do Rio de Janeiro, a SPERJ mantém
convênios com diversos órgãos públicos das três esferas
governamentais.
A despeito de sua principal característica ser de entida­
de assistencial, desenvolve também trabalho educacional
escolar.
A SPERJ foi a principal articuladora da fundação da
Federação das Sociedades Pestalozzi (FENASP) ocorrida em
27 de agosto de 1980.

D) Sociedade Pestalozzi de São Paulo

Fundada em São Paulo a 15 de setembro de 1952, carac­


teriza-se como entidade particular, sem fins lucrativos, de
utilidade pública federal, estadual e municipal.
IOUCAÇÀO ESPECIAL NO BRASIL 47

Por iniciativa do dr. José Maria de Freitas, então diretor do


Serviço Social de Menores da Secretaria da Justiça do Estado
de São Paulo, um grupo de médicos, assistentes sociais,
psicólogos e educadores foi estimulado a fundar a Socieda­
de Pestalozzi de São Paulo, nos moldes de suas congêneres
jtí instaladas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul.
A primeira diretoria da instituição, presidida pelo dr.
Antonio Carlos Pacheco e Silva, traçou um plano de ação
para os primeiros três anos de mandato. Do referido plano
constavam as seguintes metas:

a) fundação imediata de uma escola para os deficientes


mentais;
b) instalação de uma Clínica Psicológica para os exames de
orientação;
c) preparo de pessoal: professores e administração;
d) Escola de Pais, nos moldes da existente na França.9

Mediante convênio firmado entre a Sociedade Pestalozzi


de São Paulo e o Serviço Social de Menores, hoje FEBEM,
entrou em funcionamento a escola, no dia 3 de janeiro de
1953, atendendo trinta alunos excepcionais "menos dotados".
Tais alunos, todos do sexo masculino, tinham idades entre 7
e 14 anos e indicavam "possibilidade de aprendizado". Pelo
convênio celebrado com o Serviço Social de Menores, o go­
verno do Estado cedeu um prédio situado à Alameda Cleve-
land, n. 601, antiga residência da família Santos Dumont, para
funcionamento da escola. Além disso, passou a conceder
subvenção per capita e autorizar afastamento de funcionários

9. Folheto informativo da Sodedade Pestalozzi de São Paulo. H is tó r ic o , s.d.


48 MARCOS J.S MAZZOTTA

para auxiliar na assistência, educação e integração social dos


menores excepcionais.
Por não haver qualquer curso de formação de professo­
res especializados no ensino de deficientes mentais, a Socie­
dade Pestalozzi organizou seu primeiro Curso Intensivo de
Especialização de Professores, que até 1959 foi anualmente rea­
lizado.
Ao lado das duas classes especiais criadas, foi iniciada
a oficina pedagógica com áreas de marcenaria, cerâmica e " tra­
balhos manuais vários e simples".
No ano de 1953 foram também instaladas a Escola de
Pais, com a presença do médico francês dr. George Heuyer
e a Clínica Psicológica, esta localizada na Rua Luiz Coelho,
n. 103.
Em 1956 a Escola da Sociedade Pestalozzi foi registrada
na Secretaria de Estado da Educação sob n. 1.920, de 25 de
outubro de 1956, e a instituição registrada no INPS e no Mi­
nistério do Trabalho.
Em 1957, celebrou o primeiro convênio com o governo
federal, pelo qual obteve recursos financeiros para iniciar a
formação de uma biblioteca.
Em 1960, sua Clínica Psicológica mudou-se para a Rua
Cândido Espinheira, no bairro de Perdizes.
No ano de 1967, por aprovação da Câmara Municipal,
o prefeito Faria Lima cedeu à Sociedade Pestalozzi de São
Paulo um terreno situado à Avenida Morvan Dias Figueiredo,
onde ainda hoje está sediada.
A partir de 1970, por convênio com a Secretaria de Esta­
do da Educação, passou a ter professores estaduais colocados
à sua disposição.
Ü M Ji açAo especial no brasil 49

Dentre os importantes líderes da instituição figura o dr.


Mário Altenfelder, medico, e dona Agatha Maria D Ângelo,
insistente social que, tendo sido a diretora fundadora da
bit ola, ali atuou por cerca de 30 anos.

E) Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) do


Rio de Janeiro

No dia 11 de dezembro de 1954, foi fundada, na cidade


tio Rio de Janeiro, a primeira Associação de Pais e Amigos
dos Excepcionais (APAE). Dentre seus fundadores, conforme
artigo publicado na revista Mensagem da APAE, ano 6, n. 16,
estavam os seguintes nomes: Ercília Braga Carvalho, Acyr
(luimarães Fonseca, Henry Hoyer, Armando Lameira Filho,
Juracy Lameira e Alda Neves da Rocha Maia. Juntamente
com outros pais interessados, este grupo teve o apoio, estí­
mulo e orientação do casal norte-americano Beatrice e Geor-
ge Bemis, membros da National Association for Retarded
Children (NARC) organização fundada em 1950 nos Estados
Unidos. Uma vez criada, a APAE do Rio de Janeiro teve como
seu primeiro presidente o Almirante Henry Broaábent Hoyer.
Com o apoio do governo federal, através do Presidente Cas­
telo Branco, foi "adquirido um prédio, com boa área de ter­
reno, à Rua Bom Pastor, onde se encontra a sede da APAE.
I...] O desenrolar e a manifestação do movimento apaeano
induziram autoridades do Executivo e do Legislativo a tra­
tarem do problema do excepcional. Algumas leis foram vo­
tadas. Alguns governos passaram a conceder ajuda às APAEs
que se instalavam.10

10 . MENDES, Cal. Floriano Moura Brasil. Mensagem da APAE, ano 6, n. 16, abr./
jun. 1979.
50 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Em 1973, por ato do presidente Me'diei, a APAE-Rio re­


cebeu, em comodato, uma área na Rua Prefeito Olímpio de
Melo, onde instalou o Centro de Treinamento Profissional.
A criação da APAE-Rio foi seguida da fundação de várias
APAEs: Volta Redonda (1956), São Lourenço, Goiânia, Niterói,
Jundiaí, João Pessoa e Caxias do Sul (1957), Natal (1959),
Muriaé (1960), São Paulo (1961), contando hoje com uma
importante Federação Nacional das APAEs, com mais de mil
entidades associadas.

F) Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de


São Paulo

Embora extrapolando o limite cronológico fixado para


o registro das iniciativas oficiais e particulares do primeiro
período analisado, será aqui incluída a APAE de São Paulo.
Tal decisão se justifica por sua criação ter sido articulada no
período em questão, bem como por sua relevância na educa­
ção de deficientes mentais em âmbito estadual e nacional.
Tendo como objetivo "cuidar dos problemas relacionados
com o excepcional deficiente mental, a APAE de São Paulo foi
fundada no dia 4 de abril de 1961, como entidade particular,
assistencial, de natureza civil e sem fins lucrativos".11
"Entre seus fundadores encontravam-se D. Alda e dr.
Olímpio Estrázulas, D. Ruth e sr. Gilberto da Silva Telles, dr.
Acácio D'Ângelo Werneck, dr. Enzo Azzi e D. Olivia Pereira.
O primeiro presidente da APAE-SP foi o dr. Acácio
D'Ângelo Werneck, cujo mandato se deu no período de 1961
a 1 963.111

11. APAE de São Paulo, Centro de Habilitação APAE de São Paulo. Folheto In­
formativo, s.d.
liril' Aí, ÃO ESPECIAL NO BRASIL Sl

lím 1964 foi instalada a primeira unidade assistencial da


APAE, o Centro Ocupacional Helena Antipoff, em local ce­
dido pela Clínica Psicológica da Faculdade Sedes Sapientiae.
<) objetivo deste centro era proporcionar habilitação profis-
ijt >nal a adolescentes deficientes mentais do sexo feminino."12
"Para a instalação de seu Centro de Habilitação, a APAE
tveebeu, em comodato, do prefeito brigadeiro José Vicente
i !e I 'a ria Lima, um terreno da prefeitura de São Paulo, na Vila
Çlementino, medindo 5.481m2.
Fm 1967 foi fundada a Clínica de Diagnóstico e Terapêu-
llea dos Distúrbios do Desenvolvimento Mental (CLIDEME)
núcleo do que viria a ser o Centro de Habilitação da APAE
di> São Paulo. Naquele ano foi instalado, em terreno cedido
pela prefeitura municipal de São Paulo, o Centro de Treina­
mento Itaim (CTI), destinado ao atendimento de adolescentes
excepcionais deficientes mentais treináveis, de ambos os
nexos, em regime de semi-internato, para reabilitá-los a ad­
quirir hábitos, experiência e atividades indispensáveis ao
.ijustamento vocacional e profissional."13
No dia 22 de maio de 1971 a APAE-SP inaugurou o seu
Centro de Habilitação de Excepcionais, primeira unidade
multidisciplinar integrada para assistência a deficientes men­
tais e formação de técnicos especializados na área de defici­
ência mental.
Os Núcleos de Aprendizagem e Atividades Profissionais
(NAAPS) começaram a ser implantados em 1972. Atualmen­
te há cinco deles (Santana, Santo Amaro, Belém, Lapa e Ipi­
ranga), destinados à preparação de adolescentes deficientes

12. APAE dc São Paulo, Centro de Habilitação APAE de São Paulo. Folheto
Informativo, s.d.
13. Idcm.
Si MARCOS J.S. MAZZOTTA

mentais treináveis e educáveis, de ambos os sexos, para o


trabalho.
Desde 1971 a APAE-SP mantém um setor escolar para
deficientes mentais treináveis, de ambos os sexos. Em 1981 o
referido setor obteve autorização da Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo para funcionar como Escola de Edu­
cação Especial da APAE de São Paulo.
Para sua manutenção e ampliação de serviços, além de
verbas próprias de contribuição e doações, a APAE-SP firma
convênio com órgãos federais (MEC e CORDE), estaduais
(Secretaria da Previdência Social, Secretaria da Educação,
Secretaria da Ciência e Tecnologia) e municipais (Secretaria
da Educação).
Em decorrência de sua atuação, ao lado da APAE-Rio,
atualmente há 230 APAEs no Estado de São Paulo e 1.058 no
Pois, filiadas à Federação Nacional das APAEs. O primeiro
Presidente da Federação Nacional das APAEs foi o dr. Antônio
Clemente Filho, APAE-SP, com importante atuação na área de
educação de deficientes mentais no Estado de São Paulo e no
Brasil, tendo, inclusive, sido diretor executivo da CADEME,
TUe mais adiante será abordada.

2. Período de 1957 a 1993 — iniciativas oficiais de âmbito


nac ional . ^ ^0 u \ Xb

O atendimento educacional aos excepcionais foi expli­


citamente assumido, a nível nacional, pelo governo federal,
coÍTL a criação de Campanhas especificamente voltadas para
este fim.
A primeira a ser instituída foi a Campanha para a Educação
d° Surdo Brasileiro (CESB) pelo Decreto Federal n. 42.728, de
iilUI Al. AO ESPECIAL NO BRASIL 53

lilc* dezembro de 1957. As instruções para sua organização


g execução foram objeto da Portaria Ministerial n. 114, de 21
de março de 1958, publicada no Diário Oficial da União de 23
de março de 1958.
Instalada no Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), no Rio de Janeiro, tinha por ''finalidade promover,
por todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à
educação e assistência, no mais amplo sentido, em todo o
lerritório nacional".14
Podendo desenvolver suas ações diretamente ou me­
diante convênios com entidades públicas ou particulares, a
( ESB teve como primeira dirigente a professora Ana Rímoli
dc Faria Dória, então diretora do Instituto Nacional de Edu­
cação de Surdos.
Conforme observa Lemos,15 talvez por ter confundido
suas atividades com as do Instituto Nacional de Educação de
Surdos, alguns anos depois a Campanha foi desativada pela
supressão de dotações orçamentárias.
Em 1958, "por inspiração e ideia de José Espínola Veiga",
pelo Decreto n. 44.236, de Io de agosto, foi criada a Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, vin­
culada à direção do Instituto Benjamin Constant, no Rio de
Janeiro. Sua organização e execução foram regulamentadas
pela Portaria n. 477, de 17 de setembro de 1958.
No dia 29 de novembro daquele mesmo ano, pela Por­
taria n. 566, uma comissão diretora foi constituída sob presi­
dência do Ministro de Estado da Educação e Cultura, Clóvis
Salgado. Os demais integrantes da comissão eram: Wilton

14. Decreto n. 42.728/57, art. 2o.


15. LEMOS, E. R. Op. dt.
54 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Ferreira, José Espínola Veiga e Joaquim Bittencourt Fernandes


de Sá, representantes do Instituto Benjamin Constant, Rogé­
rio Vieira, representante do Conselho Regional para o
Bem-Estar dos Cegos, e Dorina de Gouvêa Nowill, da Fun­
dação para o Livro do Cego no Brasil.
Depois de um ano e meio de sua criação, a referida
Campanha sofreu algumas mudanças estruturais pelo De­
creto n. 48.252, de 31 de maio de 1960. Deixou de ser vin­
culada ao Instituto Benjamin Constant e com a denomina­
ção de Campanha Nacional de Educação de Cegos (CNEC)
passou a subordinar-se diretamente ao gabinete do minis­
tro da Educação e Cultura. Em 1962, assumiu o cargo de
diretora executiva da CNEC, a professora Dorina de Gouvêa
Nowill.

Com a criação da CNEC e as atividades então desenvolvidas,


como: treinamento e especialização de professores e técnicos
no campo da educação e reabilitação de deficientes visuais,
incentivo, produção e manutenção de facilidades educacionais,
incluindo equipamentos, livros, auxílios ópticos e material
para leitura e escrita, além da assistência técnica e financeira
aos serviços de educação especial e reabilitação,16 o Ministério
da Educação e Cultura procurou através dessa campanha

16. Entende-se por Reabilitação o processo de tratamento de pessoas portado


de deficiências que, mediante o desenvolvimento de programação terapêutica es­
pecífica de natureza médico-psicossocial, visa à melhoria de suas condições físicas,
psíquicas e sociais. Caracterizando-se pela prestação de serviços especializados, a
reabilitação se desenvolve necessariamente através de equipe multiprofissional.
Entre as atividades multidisciplinares requeridas, via de regra, encontram-se também
as educacionais. Neste caso os serviços educacionais se configuram como parte do
processo global de reabilitação e são desenvolvidos segundo os objetivos desta.
Com este mesmo significado há os serviços especializados que compõem a Habili­
tação. Emprega-se o primeiro termo para situações decorrentes de deficiência ad­
quirida durante o desenvolvimento ou na idade adulta e, o segundo, para situações
em que a deficiência está presente desde o nascimento.
IfjrtJnAí, Ao ESPECIAL NO BRASIL 55

oferecer maiores oportunidades de atendimento educacional


aos deficientes da visão.17

Uma outra campanha foi instituída em 1960, desta feita


pnr influência de movimentos liderados pela Sociedade Pes-
ialozzi e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais,
ambas do Rio de Janeiro. Com o apoio do então ministro da
Educação e Cultura, Pedro Paulo Penido, pelo Decreto n.
48.961, de 22 de setembro de 1960, publicado no Diário Oficial
iln União de 23 de setembro de 1960, foi instituída, junto ao
gabinete do ministro da Educação e Cultura, a Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CA-
DEME). O referido decreto dispôs que a CADEME seria
conduzida por uma comissão de três membros sob a presi­
dência do ministro da Educação e Cultura, que designaria
um dos membros para as funções de diretor executivo, res­
ponsável por sua administração e execução.
Definindo seu campo de ação, o referido decreto, no
artigo 3o, estabeleceu que:

ACademe tem por finalidade promover, em todo o território


nacional, a educação, treinamento, reabilitação e assistência
educacional das crianças retardadas e outros deficientes men­
tais de qualquer idade ou sexo, pela seguinte forma:
I — Cooperando técnica e financeiramente, em todo o território
nacional, com entidades públicas e privadas que se ocupem das
crianças retardadas e outros deficientes mentais.
II — Incentivando, pela forma de convênios, a'formação de
professores e técnicos especializados na educação e reabilitação das
crianças retardadas e outros deficientes mentais.
III — Incentivando, pela forma de convênios, a instituição de
consultórios especializados, classes especiais, assistência domi-

17. Idem, p. 68.


56 MARCOS J.S. MAZZOTTA

ciliar, direta ou por correspondência, centros de pesquisa e


aplicação, oficinas e granjas, internatos e semi-internatos, desti­
nados à educação e reabilitação das crianças retardadas e outros
deficientes mentais.
IV — Estimulando a constituição de associações e sobretudo de
fundações educacionais destinadas às crianças retardadas e
outros deficientes mentais.
V — Estimulando a organização de cursos especiais, censos e
pesquisas sobre as causas do mal e meios de combate.
VI — Incentivando, promovendo e auxiliando a publicação
de estudos técnicos e de divulgação; a organização de con­
gressos, conferências, seminários, exposições e reuniões des­
tinadas a estudar e divulgar o assunto.
VII — Mantendo intercâmbio com instituições nacionais e
estrangeiras ligadas ao problema.
VIII — Promovendo e auxiliando a integração dos deficientes men­
tais aos meios educacionais comuns e também em atividades
comerciais, industriais, agrárias, científicas, artísticas e edu­
cativas.
Parágrafo Io — A CADEME não levará a efeito, sob qualquer
forma, atividades puramente assistenciais, nem manterá ou
dirigirá diretamente serviços, limitando-se apenas à coopera­
ção técnica e financeira.
Parágrafo 2o — A CADEME dará prioridade às atividades de
educação e reabilitação de crianças e adolescentes sem preju­
ízo, entretanto, dos outros deficientes mentais (grifos meus).18

Com a instituição da CADEME, foi criado um Fundo


Especial, de natureza bancária, em conta no Banco do Brasil
S/A sob responsabilidade do diretor executivo. Tal Fundo
Especial deveria ser constituído por dotações e contribuições

18. Diário Oficial da Urtião, 23 set. 1960.


W Ã Q ISP EC IA L NO BRASIL 57

I Mt4vlntas nos orçamentos da União, estados, municípios e de


entidades paraestatais de economia mista; donativos, contri-
tuilçttes e legados particulares; contribuições de entidades
Piiltlicas e privadas, nacionais e estrangeiras; venda eventual
di* j nitrimônio da Campanha, além de dotações orçamentárias
ppíerentes a serviços educativos, culturais e de reabilitação.
Uma vez instituída a CADEME, o ministro da Educação
r ( iillura designou a primeira comissão diretora composta
por Fernando Luiz Duque Estrada (diretor executivo), Denis
Malta Ferraz e Helena Antipoff.
Em 1964, pela Portaria Ministerial n. 592, de 25 de agos­
to de 1964, foi designado diretor executivo da CADEME o
médico dr. Antonio dos Santos Clemente Filho, da APAE de São
Paulo. Em 1967, assumiu a direção executiva da CADEME,
o militar JoséM. Borba, conforme portaria publicada no Diário
Oficial da União de 29 de setembro de 1967.
'çv Em 1970, pela Portaria Ministerial n. 3.514, de 28 de
setembro, foi designada diretora executiva da CADEME a
psicóloga Sarah Couto César, da Sociedade Pestalozzi do Rio
de Janeiro.
Após a aprovação da Lei n.J5.692/71, que em seu artigo
9o previa "tratamento especial aos excepcionais", numerosas
ações passaram a se desenvolver com vistas à implantação
das novas diretrizes e bases para o ensino de Io e 2o graus.
No âmbito da educação especial, uma dessas ações pode ser
identificada no Parecer n^ 848/72, do Conselho Federal de
Educaçãp_(CFE), que teve como relator o conselheiro Valnir
Chagas. O referido parecer, que mais adiante será retomado,
registra uma solicitação do ministro da Educação e Cultura
ao Conselho Federal de Educação "no sentido de que forne­
ça subsídios para o equacionamento do problema relaciona-
58 MARCOS J.S. MAZZOTTA

do com a educação dos excepcionais". Tal solicitação minis­


terial, assentada em seis idéias básicas a respeito do assunto,
estava também acompanhada de carta do Presidente da Fe­
deração Nacional das APAEs, dr. Justino Alves Pereira, enca­
recendo ”a adoção de medidas urgentes para que também o
campo do ensino e amparo ao excepcional seja dinamizado
numa hora em que todos os outros setores educacionais são
reformulados e acionados".
Conforme comenta o próprio relator, "os dois documen­
tos se completam" e esta área, que "até há pouco era uma
atividade igualmente excepcional", tem sido objeto de aten­
ção do MEC e do Conselho Federal de Educação no sentido
de cercá-la de garantias que respondam por seu êxito. Para
ilustrar tal afirmação, destaca a Lei n. 4.024/61, que dedica
um capítulo à Educação de Excepcionais, e a Lei n. 5.692/71,
que coloca a questão como um caso do ensino regular. Além
disso, cita alguns pareceres do Conselho Federal de Educação
sobre diversos aspectos da educação especial e salienta a
"constituição, pelo sr. ministro, de um Grupo de Trabalho
que deverá reunir esses e outros elementos para delinear a
política e as linhas de ação do governo na área da Educação
de Excepcionais".
O grupo a que o relator se referia era precisamente o
Grupo-Tarefa de Educação Especial constituído por Portaria de
25 de maio de 1972. Gerenciado por Nise Pires, do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), e integrado pelas
diretoras executivas da Campanha Nacional de Educação de
Cegos e da Campanha Nacional de Educação e Reeducação
de Deficientes Mentais, além de outros educadores, o men­
cionado Grupo-Tarefa elaborou o Projeto Prioritário n. 35,
incluído no Plano Setorial de Educação e Cultura 1972/74.
Dentre os trabalhos do referido Grupo-Tarefa figura, também,
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 59

a vinda ao Brasil do especialista em educação especial nor­


te-americano James Gallagher, que em novembro de 1972
apresentou o Relatório de Planejamento para o Grupo-Tarefa de
Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura do Brasil
contendo propostas para a estruturação da educação especial.
Tal relatório integrou os estudos do Grupo-Tarefa, cujos re­
sultados contribuíram para a criação, no Ministério da Edu­
cação e Cultura, de um órgão central responsável pelo aten­
dimento aos excepcionais no Brasil, o Centro Nacional de
Educação Especial (CENESP).
O CENESP foi criado-pelo Decreto n. 72.425, do presi­
dente Emílio Garrastazu Mediei, em 2Lde julho dc 1973, com
a "finalidade de promover, em todo o território nacional, a
expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais".
Com sua criação, foram extintas a Campanha Nacional
de Educação de Cegos e a Campanha Nacional de Educação
e Reabilitação de Deficientes Mentais. Ao novo órgão, Centro
Nacional de Educação Especial, reverteu o acervo financeiro
e patrimonial, daquelas Campanhas. Também do CENESP
passou a fazer parte integrante o acervo financeiro, pessoal
e patrimonial dos Institutos Benjamin Constant e Nacional
de Educação de Surdos.
Logo após sua criação, foi nomeada diretora geral do
CENESP a até então diretora executiva da CADEME, Saralí
Couto César, que ali permaneceu até 1979.
Criado como órgão central de direção superior, com suas
atividades sob a supervisão da Secretaria Geral do Ministério
da Educação e Cultura e gozando de autonomia administra­
tiva e financeira, o CENESP teve sua organização, competên­
cia e atribuições estabelecidas no Regimento Interno aprova­
do pela Portaria n. 550, assinada pelo ministro Ney Braga em
29 de outubro de 1975.
60 MARCOS J.S. MAZZOTTA

A organização administrativa do CENESP era, conforme


o mencionado Regimento Interno, constituída por seis uni­
dades: Conselho Consultivo, Gabinete, Assessoria Técnica,
Coordenações (em número de sete, correspondendo cada
uma delas a uma determinada área de excepcionalidade),
Divisão de Atividades Auxiliares, Divisão de Pessoal e Órgãos
Subordinados (Instituto Benjamin Constant e Instituto Na­
cional de Educação de Surdos).
Sua finalidade e competências foram detalhadas no
Regimento Interno, artigo 2o e seu parágrafo único, nos se­
guintes termos:

Artigo 2o—O CENESP tem por finalidade planejar, coordenar


e promover o desenvolvimento da Educação Especial no pe­
ríodo pré-escolar, nos ensinos de Io e 2o graus, superior e su­
pletivo, para os deficientes da visão, da audição, mentais, fí­
sicos, portadores de deficiências múltiplas, educandos com
problemas de conduta e os superdotados, visando à sua par­
ticipação progressiva na comunidade, obedecendo aos prin­
cípios doutrinários, políticos e científicos que orientam a
Educação Especial.
Parágrafo único — Compete especificamente ao CENESP:
I — planejar o desenvolvimento da Educação Especial;
II — acompanhar, controlar e avaliar a execução de programas
e projetos de Educação Especial, a cargo de seus próprios
órgãos ou de terceiros, com assistência técnica ou financeira
do Ministério da Educação e Cultura;
III — promover ou realizar pesquisas e experimentação que
visem à melhoria da educação dos excepcionais;
IV — manter uma rede integrada e atualizada de informações,
na área da Educação Especial;
V — estabelecer normas relativas aos meios e procedimentos
de identificação e diagnóstico de excepcionais, tipo de aten­
dimento, métodos, currículos, programas, material de ensino,
tlüJÊAÇÁO ESPECIAL NO BRASIL 61

instalações, equipamentos e materiais de compensação, pro­


cedimentos de acompanhamento e avaliação do desempenho
do educando excepcional;
VI — prestar assistência técnica e financeira a órgãos da ad­
ministração pública, federais, estaduais, municipais, e a enti­
dades particulares, na área da Educação Especial;
VII — propor a formação, treinamento e aperfeiçoamento de
recursos humanos, na área específica de Educação Especial;
VIII — analisar, avaliar e promover, em articulação com os
órgãos competentes, a produção de material de apoio técnico
à Educação Especial;
IX — promover intercâmbio com instituições nacionais e es­
trangeiras e órgãos internacionais, visando ao constante
aperfeiçoamento do atendimento aos excepcionais;
X — divulgar os trabalhos realizados sob sua responsabilida­
de, assim como de outras fontes, que contribuam para o
aprimoramento da Educação Especial;
XI — promover e, se necessário, participar da execução de
programas de prevenção, amparo, legal, orientação vocacional,
formação ocupacional e assistência ao educando excepcional,
mediante entrosamento direto com órgãos públicos e privados,
nos campos da Saúde, Assistência Social, Trabalho e Justiça,
procurando envolver nessa programação, além dos alunos,
os pais, professores e a comunidade em geral.

Sediado no Rio de Janeiro à Avenida Pasteur, n. 350-A,


ao lado do Instituto Benjamin Constant, o Centro Nacional
de Educação Especial (CENESP) teve sua diretora geral subs­
tituída em 1979, com a nomeação da médica ára. Helena
Bandeira de Figueiredo, pelo presidente da República João
Baptista de Oliveira Figueiredo.
Em 15 de dezembro de 1981, a Portaria n. 696, do minis­
tro Rubem Ludwig, aprovou um novo Regimento Interno do
CENESP, revogando o anterior. Conservando basicamente as
62 MARCOS J.S. MAZZOTTA

mesmas competências e atribuições definidas no Regimento


anterior, as alterações principais foram quanto à supervisão
de suas atividades, que passaram a ficar sujeitas à nova Se­
cretaria de Ensino de Io e 2o graus, SEPS/MEC, e quanto à
sua organização administrativa, agora com sete unidades:
Conselho Consultivo, Diretor Geral, Departamento de Pla­
nejamento e Execução de Projetos, Departamento de Apoio
Técnico, Departamento Administrativo e Financeiro, Institu­
to Benjamin Constant (IBC) e Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES).
O CENESP teve ainda uma terceira diretora, dra. Lizair
G. Guerreiro, advogada, ligada à Sociedade Pestalozzi do Rio
de Janeiro, cujo mandato se estendeu de 1983 a 1986, quando
o órgão foi transformado na Secretaria de Educação Especial
(SESPE).19 Criada na estrutura básica do Ministério da Edu­
cação como órgão central de direção superior, a Secretaria de
Educação Especial manteve, basicamente, as competências e
a estrutura do CENESP, sendo extinto apenas o Conselho
Consultivo. A estrutura da SESPE passou a ter as seguintes
unidades: Subsecretária de Educação e Aprimoramento da
Educação Especial (Coordenadoria de Estudos, Pesquisas e
Inovações e Coordenadoria de Aperfeiçoamento e Atualiza­
ção), Subsecretária de Articulação e Apoio à Educação Espe­
cial (Coordenadoria de Apoio ao Sistema Público de Ensino
e Coordenadoria de Apoio às Instituições e Entidades Parti­
culares), Coordenadoria de Planejamento e Orçamento e
Divisão de Serviços Administrativos. O Instituto Benjamin
Constant e o Instituto Nacional de Educação de Surdos per­
maneceram como órgãos autônomos, vinculados à SESPE
para efeito de supervisão ministerial.

19. Decreto n. 93.613, de 21 de novembro de 1986. Legislação Federal, 1986. p.


1.163-1.164.
gJU(AÇAO ESPECIAL NO BRASIL 63

Com a'criação da SESPE, a Educação Especial a nível


Hiu ional, teve sua coordenação geral transferida do Rio de
Janeiro, onde sempre estivera localizada, para Brasília. No
novo contexto político, denominado "Nova República", foi
nomeado secretário de Educação Especial o dr. Romulo Galvão
de Carvalho,20 advogado, professor universitário e ex-deputa-
t!o federal pela Bahia, que até então não tivera qualquer
a Inação em Educação Especial.
A transferência do órgão específico de Educação Espe­
cial, do Rio de Janeiro para Brasília, parece ter contribuído
para romper ou diminuir, ainda que temporariamente, a
hegemonia do grupo que detinha o poder político sobre a
educação especial. Aos poucos, entretanto, alguns integrantes
do mencionado grupo transferiram-se para Brasília e manti­
veram-se ligados à educação de portadores de deficiência em
órgãos do,MEC e na CORDE.
Em 15 de março de 1990 foi reestruturado o Ministério
da Educação, ficando extinta a SESPE. As atribuições relativas
à educação especial passaram a ser da Secretaria Nacional de
Educação Básica (SENEB).
Aprovando a estrutura regimental do Ministério da
Educação, o Decreto n. 99.678, de 8 de novembro de 1990,21
incluiu como órgão da Seneb o Departamento de Educação
Supletiva e Especial (DESE), com competências específicas com
relação à Educação Especial. O Instituto Benjamin Constant
e o Instituto Nacional de Educação de Surdos ficaram vincu­
lados à SENEB, para fins de supervisão ministerial, manten­
do-se como órgãos autônomos.

20. MEC, Portaria de 14 de abril de 1987.


21. Diário Oficial da União, Seção I, p. 21.345-9,9 nov. 1990.
64 MARCOS j. $, MAiivíâ

No DESE a Coordenação de Educação Especial foi assuinM*


pela psicóloga Tânia Marilda Chaul SanfAna.
A seguir, serão transcritos os artigos 7o e 10 do meiuiii
nado Decreto n. 99.678, a fim de se visualizar, respectivaimm
te, a abrangência da SENEB e do DESE.

Artigo 7° —À Secretaria Nacional de Educação Básica compota


I — propor ao Ministro de Estado a política e as diretrizes para
o desenvolvimento da educação básica e da educação especial,
II — prestar cooperação técnica e apoio financeiro aos Sistemas
de Ensino na área da educação básica e da educação especial;
III — sugerir a política de formação do magistério para a
educação de menores até seis anos, para o ensino fundametn
tal e a política de valorização do magistério do ensino funda­
mental e do ensino médio;
IV — sugerir a política deformação e valorização do magistério para
a educação especial-,
fV ã— zelar pelo cumprimento dos dispositivos constitucionais
referentes ao direito à educação, inclusive no que tange à
destinação de recursos para a universalização da alfabetização,
para o ensino fundamental e para programas suplementares
de alimentação, de assistência à saúde, de transporte e de
material didático;
VI — criar mecanismos de articulação nas entidades, sistemas
de ensino e setores sociais;
VII produzir e divulgar documentação técnica e pedagógica re­
lacionada com a educação básica e a educação especial-,
VIII — elaborar propostas de dispositivos legais relativos à educa­
ção básica e à educação especial;
IX — incentivar e disseminar as experiências técnico-peda-
gógicas.
[...]
Artigo 10 — Ao Departamento de Educação Supletiva e Especial
compete:
. :-j llf i IÜ«A.11 65

i s j i l t s í i l i i i r a formulação
de políticas, diretrizes, estratégias e
: m MH iÜ piira o desenvolvimento do ensino supletivo e da educa­
da Mtá o npoiar as ações necessárias à sua definição, im-
plMueiiliiçao e avaliação;
M Fll K ii.tr os Sistemas de Ensino na formulação, implemen-
MÇlu e avaliação de políticas de formação e valorização do
migiMôi io, no âmbito da sua competência;
)U — viabilizar a assistência técnica e propor critérios para a assis-
léin ia financeira aos Sistemas de Ensino;
IV =- fomentar a geração, o aprimoramento e a difusão de
metodologias e tecnologias educacionais que ofereçam a me­
lhoria de qualidade e expansão da oferta dos serviços educa­
i lona is, no âmbito de sua competência;
V — propor e apoiar a articulação, com organismos governa­
mentais e não governamentais, nacionais e estrangeiros, bem
assim com organismos internacionais, objetivando fortalecer
a cooperação e o intercâmbio que contribuam para o desenvol­
vimento do ensino supletivo e da educação especial,
VI — promover a execução de programas de alfabetização e
de programas formais e não formais de educação básica para
jovens e adultos que não tiveram acesso à escola ou que dela
foram excluídos;
VII — contribuir para o aperfeiçoamento dos dispositivos legais
relativos ao ensino supletivo e à educação especial, promoven­
do ações que conduzam à sua observância. (Grifos meus.)

Até o final de 1991, passaram pelo DESE duas diretoras


e a Coordenação de Educação Especial foi desativada. Todas as
atribuições específicas da educação especial passaram, então,
a serem exercidas pela nova diretora do DESE, Maria Luiza
Mendonça Araújo,22 psicóloga e professora aposentada da
Universidade de Brasília.

22. Nomeada em 9 de janeiro de 1992 pelo ministro José Goldemberg, perma­


necendo até agosto de 1992.
66 MARCOS J.S. MAZZOTTA

No final de 1992, após a queda do presidente Fernando


Collor de Mello, houve outra reorganização dos Ministérios e
na nova estrutura reapareceu a Secretaria de Educação Especial
(SEESP), como órgão específico do Ministério da Educação e
do Desporto.23 Para conduzi-la foi nomeada Rosita Edler
Carvalho,24 psicóloga e professora universitária aposentada, que
atuara como técnica do CENESP no Rio de Janeiro e na SESPE
anterior, além da Coordenadoria Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), em Brasília.
Quanto à posição do órgão específico de educação espe­
cial na estrutura administrativa do MEC, fica patenteada uma
oscilação muito importante, no breve espaço de dois anos
(1990-1992). Tais alterações refletem, sem dúvida, opções
políticas diferentes que, por sua vez, criam desdobramentos
nos campos financeiro, administrativo e pedagógico.
Outro aspecto relevante para análise seria confrontar as
propostas e ações do MEC com as da CORDE, na medida em
que, como órgão federal, esta mantém estreita interface com
a educação especial. Identificar, igualmente, as vinculações
das lideranças deste órgão (CORDE), desde sua criação, com
os grupos da sociedade civil, contribuiría para consolidar o
quadro delineado a partir da ação governamental no âmbito
do MEC.
Uma vez reconstruída a trajetória da Educação Especial
no Brasil, em uma abordagem basicamente descritiva, é im­
portante assinalar que a análise crítica dos fatos e momentos

23. Lei n. 8.490, de 19 de novembro de 1992. Diário Oficial da União, ano XXXX,
n. 222, p. 16.061-4,19 nov. 1992.
24. Rosita Edler Carvalho fora nomeada, em 3/9/1992, diretora do DESE. Por
decreto de 25 de fevereiro de 1993 é nomeada Secretária de Educação Especial;
Diário Oficial da União, Seção II, p. 1.051, 26 fev. 1993.
iimi Ai. AO ESPECIAL NO BRASIL fi toH ( ti 67
mais significativos será apresentada, a seguir, sob a óptica
lias políticas públicas.
Ti também imperioso o esclarecimento de que os elemen-
Ioh criteriosamente recolhidos na extensa pesquisa empreen­
dida, vinculam-se à postura teórica esposada neste estudo.
Nela se inclui o entendimento de que, embora um homem
m izinho não possa construir uma obra social, alguns homens
v mulheres desempenham o importante papel de impulsio­
nadores do movimento de organização institucional do
rilondimento aos portadores de deficiências e/ou de neces-
HÍdades especiais.
Em razão disto foram destacados, no presente estudo,
alguns destes homens e mulheres cuja grandeza e oportuni­
dade de atuação, pessoal ou coletiva, fizeram-nos agentes
individuais desse processo histórico. O seu papel, portanto,
não pode ser diminuído ou ignorado. Fossem outros os
.1 gentes individuais, muito provavelmente outra teria sido
a trajetória da educação especial. E não se pode esquecer que
suas propostas, bem como suas ações políticas, decorrem de
condições sociais, econômicas e políticas historicamente
determinadas.
A título de ilustração, vale salientar o fato de que as
iniciativas governamentais sobre educação especial, de âm­
bito nacional, aparecem em um momento político tipicamen­
te populista (1955-1964). E, como lembra Fábio Comparato,

Os chefes populistas têm como ideia fundamental, como diretriz


básica, nunca afrontar os movimentos populares. Eles vão se
aproveitando das idéias que medram no povo, vão se utili­
zando dos movimentos populares para benefício pessoal, mas
nunca se manifestam claramente contra.25 (Grifos meus.)

25. COMPARATO, F. K. Educação, Estado e poder. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 65.
68 MARCOS J.S. MAZZOT1A

Outro fator relevante para uma investigação é a cons­


tância de vínculos de alguns grupos com a estrutura do poder
público, mesmo em períodos marcados por condições polí­
ticas diferentes. Assim, por exemplo, antes, durante e depois
da vigência do regime militar instaurado em 1964, a nível
nacional observa-se a continuidade da presença de certos
grupos na condução da política de educação especial.
A esse respeito cabe lembrar que

[...] em razão de seu caráter privado, os grupos de interesse


dispõem de um amplo poder político. Igrejas, sindicatos,
grupos econômicos com poder de pressão em geral, não
exercem somente uma influência direta sobre a opinião pú­
blica (por terem sob seu poder a imprensa, o rádio e setores
inteiros da administração), mas enviam, também, represen­
tantes aos conselhos de administração, comissões, órgãos
consultivos e comitês de especialistas, para não mencionar
as pressões sobre a distribuição de cargos em todos os níveis.
O mesmo Estado transmite aos grupos de interesse certas
funções.26
s
Estas e outras circunstâncias justificariam o desenvolvi­
mento de pesquisas com vistas ao melhor conhecimento das
implicações da atuação desses agentes individuais que exer­
ceram funções de liderança e sua contribuição para a cons­
trução da Educação Especial no Brasil.
Na medida em que se relacionem com os propósitos do
presente estudo, alguns aspectos desta atuação serão reto­
mados e analisados, especialmente os referentes à procedên­
cia e formação profissional daqueles líderes que aqui foram

26. HABERMAS, Jurgen. Participação política. In: CARDOSO, F. 11.; MARTINS


C. E. Política e sociedade. São Paulo: Nacional, 1981 . p. 382. v. 1.
ÉtH Ji AC A O ESPECIAL NO BRASIL 69

destacados. Tais circunstâncias, bem como o conjunto das


it ti u lições da sociedade, tornaram possível a concretização
das ações desses homens, transformando algumas delas em
reais forças sociais.
Historicamente, os pais têm sido uma importante força
nara as mudanças no atendimento aos portadores de defici­
ência. Os grupos de pressão por eles organizados têm seu
poder político concretizado na obtenção de serviços e recur-
Ht )s especiais para grupos de deficientes, particularmente para
deficientes mentais e deficientes auditivos.
Estudos realizados na Inglaterra27 afirmam que pais
de crianças "com necessidades especiais" usualmente ma­
nifestam preferência por recursos integrados na escola
comum. No Brasil, a despeito de figurar tal preferência, na
Constituição Federal e diversos textos oficiais, historica­
mente se observa a busca de organização de instituições
especializadas gerenciadas pelos próprios pais. Este é um
importante aspecto a ser pesquisado junto aos grupos de
pais a fim de consolidar a tão desejada parceria entre so­
ciedade civil e ação governamental. A relevância das ini­
ciativas particulares encetadas pelas associações de pais,
principalmente as Sociedades Pestalozzi e as APAEs, não
pode ser desconsiderada.
Por outro lado, mais recentemente se tem registrado a
organização dos movimentos de portadores de deficiência.
Tais grupos "têm levado suas necessidades ao conhecimento
dos organismos governamentais em todos os níveis da orga­
nização social e pouco a pouco vêm-se fazendo esforços para **1

27. HAGARTY; POCKLINGTON; LUCAS [1981]; ICEA [1985], citados por


I )ESSENT, T. Making the ordinary school special. London: Tine Falrner Press, 1987. p. 139.
70 MARCOS J.S. MAZZOTTA

assegurar que, de alguma forma, suas necessidades sejam


satisfeitas de modo mais eficiente".28
Reconhecer a evolução de atitudes dos não deficientes
e dos portadores de deficiência em busca do conhecimento e
aceitação mútua, bem como a importância da organização de
tais movimentos sociais, implica não cometer o equívoco de
concordar com posições tais como aquela segundo a qual
"quem entende de deficiente é o deficiente". Agindo segun­
do esta posição, tanto os "deficientes" quanto os "não defi­
cientes" solidificam, cada vez mais, a abordagem estática das
relações entre as pessoas e das pessoas com seu ambiente.
Reconhecer a importância da participação dos portadores de
deficiência no planejamento e na execução dos serviços e
recursos a eles destinados é, sem dúvida, um imperativo de
uma sociedade que pretende ser democrática. A capacidade de
pressão dos grupos organizados por portadores de deficiência
tem sido evidenciada na própria elaboração da legislação sobre
os vários aspectos da vida social, nos últimos dez anos no Bra­
sil. Exemplo maior está nas conquistas efetivadas na Constitui­
ção Federal de 1988 e nas Constituições Estaduais a partir dela.
Na área da educação não são, ainda, tão objetivos os resultados
de tais movimentos, mas em reabilitação, seguridade social,
trabalho e transporte elas são facilmente identificadas.
Além do que foi aqui delineado sobre a trajetória da
Educação Especial no Brasil; a compreensão e a explicação
dos eventos mais significativos deverá ser favorecida com o
aprofundamento da análise crítica das políticas públicas
nesta área.

28. VASH, C. L. Enfrentando a deficiência: a manifestação, a psicologia, a reabi­


litação. Trad. Geraldo J. Paiva, Maria S. F. Aranha, Carmem L. R. Bueno. São Paulo:
Pioneira, 1988. p. 61.
/&G0RT6Z
■aCDITORO 71

Política Nacional de Educação Especial

Como resultado da pesquisa


C A P Í T U Lrealizada
O I S 1 será fapresentada
&
•O
a seguir a interpretação das políticas públicas de educação
especial.
Cumprindo os objetivos do estudo pretendido, procu­
rou-se identificar as políticas da educação especial ao longo
de sua evolução. Nesse sentido, foi desenvolvida uma aná­
lise interpretativa das ações governamentais, procurando-se,
em um primeiro momento, compreendê-las, para, em segui­
da, explicá-las.
A perspectiva de análise adotada incluiu elementos
substanciais decorrentes de reflexões anteriores, além de
outros apreendidos na revisão da legislação e normas básicas
e dos planos educacionais referentes à educação especial.

I. Legislação e normas

/ . / De 1961 a 1911

Em decorrência da análise da legislação e normas, des­


taca-se, de início, a Leijie-Diretrizes e Bases daJEducação
72 MARCOS J.S. MAZIQfÜ

Nacional, Lei_n. 4.024/61, que, reafirmando o direito dos


excepcionais à educação, indica em seu artigo 88 que, pftm
integrá-los na comunidade, sua educação deverá, dentro do
possível, enquadrar-se no sistema geral de educação. Pode-st
inferir que o princípio básico aí implícito é o de que a educâ*
ção dos excepcionais deve ocorrer com a utilização dos mon-
mos serviços educacionais organizados para a população em
geral (situação comum de ensino), podendo se realizar atra­
vés de serviços educacionais especiais (situação especial de
ensino) quando aquela situação não for possível. Entretanto,
na expressão "sistema geral de educação", pode-se interpre­
tar o termo "geral" com um sentido genérico, isto é, envolven­
do situações diversas em condições variáveis ou, ainda, com
um sentido de universal, referindo-se à totalidade das situa­
ções. Nesse entendimento, estariam abrangidos pelo sistema
geral de educação tanto os serviços educacionais comuns
quanto os especiais.
Por outro lado, pode-se interpretar que, quando a edu­
cação de excepcionais não se enquadrar no sistema geral de
educação, estará enquadrada em um sistema especial de
educação. Nesse caso se entendería que as ações educativas
desenvolvidas em situações especiais estariam à margem do
sistema escolar ou "sistema geral de educação".
No artigo 89, dessa mesma lei, há o compromisso explí­
cito dos poderes públicos de dispensar "tratamento especial
mediante bolsas de estudos, empréstimos e subvenções" a
toda iniciativa privada, relativa à educação de excepcionais,
considerada eficiente pelos Conselhos Estaduais de Educação.
Nesse compromisso ou "comprometimento" dos Pode­
res Públicos com a iniciativa privada não fica esclarecida a
condição de ocorrência da educação de excepcionais; se por
serviços especializados ou comuns, se no "sistema geral de
» < üfl(IA L NO BRASIL 73

I4m içáo" ou fora dele. Esta circunstância acarretou, na rea-


M?t>lA, uma série de implicações políticas, técnicas e legais,
fy medida em que quaisquer serviços de atendimento edu­
ra ionul aos excepcionais, mesmo aqueles não incluídos como
mulfires, uma vez considerados eficientes pelos Conselhos
fllidiiais de Educação, tornavam-se elegíveis ao tratamento
paédal, isto é,bolsas de estudos, empréstimos e subvenções.
Aqui a mesma e velha questão da destinação das verbas
inibi iras para a educação, comum ou especial, agravada pela
{íidelinição da natureza do atendimento educacional.
A Lei n. 5.692/71, com a redação alterada pela Lei n.
0-14/82, que fixa as diretrizes e bases do ensino de Io e 2o
iiratis, defina o objetivo geral para estes graus de ensino (co-
ituim ou especial) como o de "proporcionar ao educando a
formação necessária ao desenvolvimento de suas potencia­
lidades como elemento de autorrealização, preparação para
o trabalho e para o exercício consciente da cidadania". Além
disso, no artigo 9o, a Lei n. 5.692/71 assegura "tratamento
especial" aos "alunos que apresentem deficiências físicas ou
mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto
ti idade regular de matrícula e os superdotados", de confor­
midade com o que os Conselhos Estaduais de Educação
definirem. Nestes termos, tanto se pode entender que tal
recomendação contraria o preceituado no artigo 88 da Lei n.
4.024/61, como também que, embora desenvolvida através
de serviços especiais, a "educação dos excepcionais" pode
enquadrar-se no "sistema geral de educação".

12 De 1972 a 1985

Esclarecendo o entendimento do Conselho Federal de


Educação a respeito do artigo 9° da Lei n. 5.692/71, o Conse-
74 MARCOS J.S. MAZZOTTÁ

lheiro Valnir Chagas1 diz que o "tratamento especial de forma


nenhuma dispensa o tratamento regular em tudo o que dei­
xe de referir-se à excepcionalidade". Complementando seu
esclarecimento, indica que

[...] uma atuação nacional para incremento desta linha de


escolarização deve fixar-se em três pontos fundamentais: (a)
o desenvolvimento de técnicas a empregar nas várias formas
de excepcionalidade; (b) o preparo, e aperfeiçoamento de
pessoal e (c) a instalação e m elhoria de escolas ou seções es­
colares especializadas nos diversos sistemas de ensino. Os
dois primeiros terão de apoiar-se grandemente sobre as uni­
versidades, cujos programas de ensino e pesquisa, à medida
que se amplie a oferta de educação para excepcionais, encon­
trarão um campo ideal para experimentação e prática nas
próprias escolas ou seções escolares especializadas que se
instalem.
Entretanto, sobretudo de início, não se há de desprezar nem
o acervo de soluções reunido até hoje, em iniciativas pioneira
cuja experiência cabe antes sistematizar e utilizar, nem muito
menos os recursos humanos formados em meio a dificuldade
e sacrifícios pessoais de toda ordem. Medidas especiais dever
ser previstas para esse aproveitamento a fazer-se pelo único
limite da autenticidade. Aliás, no citado Parecer n. 07/72, o
Conselho Federal de Educação já abriu claramente o caminhe
em tal direção.
O terceiro ponto — a instalação de escolas ou de seções esco­
lares especializadas, a cargo dos sistemas — repousa sobre os
dois anteriores: e os três, direta ou indiretamente, sempre
supõem a coordenação, o estímulo e a assistência do Ministé­
rio da Educação e Cultura. Esta Ação Nacional do MEC, razãi
da sua própria existência, abrangerá desde o estabelecimento

1. Parecer CFE n. 848 /72, aprovado em 10/8/1972.


V At) ISPECIAL NO BRASIL 75

tlt* condições que deem realidade à política mais agressiva e


orgânica em perspectiva, até a conjugação e racionalização
dos esforços regionais, o incentivo a novas iniciativas, o recla­
m o de providências e a oferta de reforços técnicos e financei­

ro s onde maior seja a carência de meios.2

Neste pronunciamento do Conselho Federal de Educa-


tji»está patenteada uma abordagem do "tratamento especial"
üuiio medida integrante de uma política educacional. Enten­
dendo a "educação de excepcionais" como uma "linha de
rgrolarização", portanto, como de educação escolar, o Con­
selho Federal de Educação assume seu papel normativo
himbém com relação a este campo. Todavia, como se poderá
notar em outras partes deste trabalho, o órgão federal res­
ponsável pela educação especial seguiu uma outra linha de
orientação.
Ainda do ponto de vista legal, estreitamente ligados aos
d ispositivos já destacados, há alguns artigos da Constituição
de 24/1/1967, com a redação dada pela Emenda Constitu­
cional n. 1, de 17/10/1969, e o artigo único resultante da
Fmenda Constitucional n. 12, de 17/10/1978.
No Título IV, Da Família, da Educação e da Cultura, os
artigos 175, 176 e 177 definem, respectivamente, que lei es­
pecial disporá sobre a educação de excepcionais; a educação
é direito de todos e dever do Estado, devendo ser dada no
lar e na escola; obrigatoriamente, cada sistema de ensino terá
serviços de assistência educacional que assegurem, aos alunos
necessitados, condições de eficiência escolar.
No Título III, Da Ordem Econômica e Social, o artigo único,
incluído entre os artigos 165 e 166, dispõe que

2. Idem, ibidem.
76 MARCOS J.S. MA/zona

É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição sod<


e econômica, especialmente mediante:
I — educação especial e gratuita;
II — assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica
e social do País;
III — proibição de discriminação, inclusive quanto à admissãi
ao trabalho ou ao serviço público e a salários;
IV—possibilidade de acesso a edifícios e logradouros público

Em 1977, pela Portaria Interministerial n. 477, de 11 de


agosto, os Ministérios da Educação e Cultura e da Previdência
e Assistência Social estabelecem diretrizes básicas para a ação
integrada, dos órgãos a eles subordinados, no atendimento a
excepcionais. Tal portaria foi regulamentada pela Portaria
Interministerial n. 186, de 10 de março de 1978.3 Destacam-se,
dentre os objetivos gerais delineados, os seguintes: "ampliar
oportunidades de atendimento especializado, de natureza
médico-psicossocial e educacional para excepcionais, a fim
de possibilitar sua integração social" e "propiciar continuida­
de de atendimento a excepcionais, através de serviço especia-

lizado de reabilitação e educação...". E definida também a
clientela dos serviços especializados de natureza educacional,
prestados por órgãos ou entidades ligados ao Centro Nacional
de Educação Especial (CENESP/MEC), dos serviços especia­
lizados de reabilitação da Fundação Legião Brasileira de As­
sistência (LBA/MPAS), dos serviços de saúde da Previdência
Social e dos serviços de reabilitação profissional do INPS/
MPAS. Em todos os casos a expressão genérica utilizada para
designar a clientela foi "os excepcionais".4

3. Diário Oficial da União, Seção I, Parte I, p. 3.999, 20 mar. 1978.


4. A distinção que se fez entre a clientela dos serviços educacionais especiali­
zados (CENESP) e dos serviços especializados de reabilitação (LBA) é a seguinte:
1: ÊIFÉi IA! NO UKASIL 77

t J HliMulimcnto educacional, como competência "do


I líU slr.ivés do CENESP, em ação integrada com outros
Mígfli *§ t Io setor da educação, é caracterizado como seguindo
ãtita linha preventiva e corretiva".5 Para o encaminhamento
ao# iei viços especializados de natureza educacional, é esta-
htim í*la a exigência de diagnóstico da excepcionalidade, a
iif leito, sempre que possível, em serviços especializados
Já I HA/MPAS". Onde não houver tais serviços, recomen-
•ifT se que sejam aproveitados "os serviços de natureza mé-
tiifo I >sicossocial e educacional oferecidos pela comunidade".
Regulamentando o atendimento educacional, a Portaria
n I H<) estabelece que o mesmo será prestado em estabeleci­
mentos dos sistemas de ensino (via regular), cursos e exames
supletivos adaptados, em Instituições Especializadas ou si­
multaneamente em mais de um tipo de serviço. Há também
Uma recomendação no sentido de que "sempre que possível,
àH c lasses especiais deverão ser orientadas por professor es­
pecializado...".
Em tais diretrizes fica patenteado um posicionamento
que atribui um sentido clínico e/ou terapêutico à educação
especial, na medida em que o atendimento educacional as-

pura os primeiros, "os excepcionais de diversas categorias e tipos (deficientes men-


tiiis cducáveis, deficientes mentais treináveis, cegos, portadores de visão subnormal,
surdos, parcialmente surdos, deficientes físicos, portadores de deficiência múltipla,
portadores de problemas de conduta, superdotados ou talentosos) que, tendo sido
ou não submetidos a tratamento de reabilitação, apresentam condições pessoais
necessárias à sua aceitação como beneficiários dos sistemas de ensino, via regular,
supletiva e/ou especializada"; para os segundos, "os portadores dc deficiência fí­
sica e/ou psíquica, congênita ou adquirida dentro da faixa etária limitada pelo final
do desenvolvimento, persistente, não evolutiva, que apresentem conjunto de alte­
rações provocadas por incapacidade, gerando desvio dos padrões médios, sem
prejudicar o alcance da meta mínima de reabilitação".
5. Artigo 3o da Portaria Interministerial n. 186.
78 MARCOS J.S. MAZZOTTA

sume o caráter preventivo,/corretivo. Não há aí uma caracterís­


tica de educação escolar propriamente dita. Mesmo o enca­
minhamento dos excepcionais ao "sistema educacional" fica
condicionado a um diagnóstico a ser realizado, sempre que
possível, em serviços especializados da LBA/MPAS. Esse
diagnóstico da excepcionalidade "deverá ser feito o mais cedo
possível, por equipe interprofissional especializada, que re­
alizará avaliação global do excepcional, utilizando procedi­
mentos e instrumentos da área biomédica, psicossocial e
pedagógica, que ofereçam garantias de rigor científico e ade-
quabilidade.6 Os elementos que compõem a argumentação
no sentido de abordagem terapêutica da educação especial,
são complementados pelas diretrizes a respeito dos profes­
sores de classes especiais. Conforme a Portaria Interministe-
rial n. 186, não há uma exigência de professor especializado
para classes especiais, mas uma recomendação ao nível do
"sempre que possível".
As observações aqui apresentadas não apontam, todavia,
a retirada ou diminuição da validade da política traçada nas
Portarias Interministeriais analisadas. Apenas registram sua
direção. Naquele momento, as diretrizes para uma ação in­
tegrada entre os Ministérios envolvidos representaram, por
certo, a busca de rumos e a delimitação de campos de atuação
governamental com vistas à melhoria do atendimento aos
excepcionais. Entretanto, tendo-se em conta que "a atitude
do bom democrático é a de não se iludir com o melhor e a de
não se resignar com o pior"7 e considerando-se os propósitos
do presente estudo, tais diretrizes básicas foram analisadas

6. Idem, artigo 5o, parágrafo I o.


7. BOBBIO, N. Ofiituro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 2. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 64.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 79

com vistas à identificação das tendências assumidas pela


educação especial e refletidas na política educacional. Nessa
medida, elas revelam uma tendência de configuração da
educação especial no campo terapêutico (preventiva/corre-
tiva) e não no pedagógico ou mais especificamente escolar.
Na verdade, é preciso reconhecer a dificuldade de con­
ciliar um modelo clínico ou médico-psicológico para a avaliação
e diagnóstico da excepcionalidade, com um modelo educacio­
nal para atendimento escolar. A utilização de um diagnóstico
classificatório para fins de encaminhamento e colocação es­
colar tem se constituído tarefa complexa no campo da edu­
cação especial, com implicações éticas, ideológicas e até pe­
dagógicas que acabam por comprometer sua validade.
Contudo, o que neste momento está sendo enfatizado não é
propriamente esta dimensão do diagnóstico clínico ou mé­
dico-psicológico para fins educacionais, mas a sua correspon­
dência, aparentemente harmoniosa, com o atendimento
educacional propriamente dito. Nos termos definidos pelas
Portarias Interministeriais analisadas, há fortes evidências
de que tanto o diagnóstico quanto o atendimento educacional
decorrem da opção por um "modelo clínico ou terapêutico"
para a prestação de serviços aos excepcionais.
A despeito da delimitação de campos de atuação do
Ministério da Educação e Cultura (CENESP) e do Ministério
da Previdência e Assistência Social (LBA e INPS), atribuin­
do-se ao primeiro o atendimento educacional e ao segundo
o atendimento médico-social e a reabilitação, há em ambos
um traço comum que os situa como o campo de ação preventiva
e corretiva.
Cabe aqui assinalar que ora os dispositivos legais refe­
rem-se aos "excepcionais", ora aos "deficientes". Ao assegu­
rar aos deficientes a educação especial os legisladores parecem
80 MARCOS J.S. MAZZOTTA

ter entendido existir uma relação direta e necessária entre


deficiente e educação especial Do meu ponto de vista, este é um
elemento fundamental cujo esclarecimento se torna indispen­
sável nos estudos para uma Política de Educação. Em alguns
de meus trabalhos8 tenho abordado esta questão como essen­
cial para a compreensão da educação especial.
Observa-se que através dos instrumentos legais não fi­
cam respondidas, implícita ou explicitamente, perguntas
centrais e fundamentais, tais como: O que é educação espe­
cial? A quem ela se destina?
Como será demonstrado mais adiante, mesmo nos pla­
nos nacionais esta indefinição é patente, gerando ambigui­
dades, controvérsias e incoerências que desfiguram qualquer
política de serviços

1.3 De 1986 a 1993

Continuando na análise da legislação e das normas bá­


sicas, em 1986, o Centro Nacional de Educação Especial,
então agonizante, edita a Portaria CENESP/MEC n. 69,9
definindo normas para a prestação de apoio técnico e/ou
financeiro à Educação Especial nos sistemas de ensino públi­
co e particular. Nota-se neste instrumento um certo avanço,
especialmente ao nível conceituai, quanto à caracterização
das modalidades de atendimento e da clientela a que se des­
tina. A Educação Especial é entendida como parte integrante
da Educação visando ao desenvolvimento pleno das poten­

8. MAZZOTTA, M. J. S. Fundamentos de educação especial São Paulo: Pioneira, 1982;


MAZZOTTA, M. J. S. Educação escolar: comum ou especial? São Paulo: Pioneira, 1987.
9. De 28 de agosto de 1986. Documenta, Brasília, n. 310, p. 192-196, out. 1986.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 81

cialidades do "educando com necessidades especiais". Apa­


rece aí, pela primeira vez, a expressão "educando com neces­
sidades especiais" em substituição à expressão "aluno
excepcional", que, daí para frente, é praticamente abolida dos
textos oficiais. Todavia, a nova expressão surge mais como
eufemismo do que, propriamente, como fruto de nova com­
preensão da clientela da educação especial. Mais adiante tal
observação se tornará mais clara.
Mantendo a tradição do CENESP/MEC, a referida por­
taria resguarda uma abrangência maior para a aplicação dos
recursos financeiros a serem repassados às instituições e
entidades particulares.10 Nas disposições gerais há indicação
de que as ações serão implementadas visando à intercomple-
mentariedade com o Ministério da Previdência e Assistência
Social.
Ainda em 1986, o Decreto n. 93.613, de 21 de novem­
bro, transforma o CENESP na Secretaria de Educação Especial
(SESPE), órgão central de direção superior, do Ministério da
Educação.
Em 5 de outubro de 1988 é promulgada a nova Consti­
tuição brasileira. Alguns de seus itens de maior importância
para o presente estudo serão analisados, a seguir, dentro da
mesma perspectiva utilizada até aqui.
Assim, no Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo II, Da
Seguridade Social, Seção IV, Da Assistência Social, o artigo 203
dispõe que, independente de contribuição à seguridade social,
a assistência social será prestada a quem dela necessitar.

10. As instituições e entidades particulares podem aplicar os recursos financei­


ros, a elas destinados, em ações que cobrem todas as permitidas às Secretarias de
Educação, além de outras, tais como: reforma e adaptação de instalações físicas e
realização de encontros, seminários e congressos, não incluídas para as Secretarias.
82 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Dentre seus objetivos, inclui no inciso IV "a habilitação e


reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promo­
ção de sua integração à vida comunitária”; inciso V, "a ga­
rantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovarem não
possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei".
No Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto,
artigo 205: "A educação é direito de todos e dever do Estado
e da família. Será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho"; artigo 208: "O dever do Estado com a edu­
cação será efetivado mediante a garantia de:
"I — ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclu­
sive para os que a este não tiveram acesso na idade própria;
"II — progressiva extensão da obrigatoriedade e gratui­
dade ao ensino médio;
"III — atendimento educacional especializado aos portadores
de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino [...];
"VII — atendimento ao educando, no ensino fundamen­
tal, através de programas suplementares de material didáti-
co-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde";
artigo 213: "Os recursos públicos serão destinados às escolas
públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, con­
fessionais ou filantrópicas definidas em lei..."
Ainda no Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VII, Da
Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, artigo 227, a edu­
cação figura como um dos direitos da criança e do adolescen­
te, que deve ser assegurado pela família, sociedade e Estado
com absoluta prioridade. No parágrafo Io desse artigo está
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 83

definido que o Estado, admitida a participação de entidades


não governamentais, promoverá programas de assistência
integral à saúde da criança e do adolescente, segundo deter­
minados princípios. Dentre eles, o de que

[...] serão criados programas de prevenção e atendimento


especializado para os portadores de deficiência física, sensorial oi
mental, bem como de integração do adolescente portador de
deficiência mediante o treinamento para o trabalho e a convi­
vência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos,
com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos

O parágrafo 2o estabelece que "a lei disporá sobre normas


de construção de logradouros e dos edifícios de uso público e
de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de ga­
rantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiências".
Numerosos são os aspectos relevantes para uma discus­
são destes itens. Todavia, respeitados os limites do presente
estudo, apenas alguns deles serão a seguir contemplados.
Além do ensino fundamental, em caráter obrigatório e
gratuito para todos, é colocado como dever do Estado o ofe­
recimento de programas suplementares necessários ao aten-

dimento do educando nesse nível da escolarização. E também
assegurado, preferencialmente na rede regular de ensino, o
atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência.
Aqui pode estar presente uma visão dinâmica ou não linear
da relação entre o portador de deficiência e a educação esco­
lar (comum ou especial). Pode, por outro lado, representar
uma visão estática, com a perseverança do legislador em es­
tabelecer relação direta entre atendimento educacional espe­
cializado (educação especial) e portador de deficiência. Na
84 MARCOS J. S. MAZZOTTA

medida em que se entender que as várias alternativas são


extensivas ao atendimento educacional dos portadores de
deficiência, estará sendo aplicado o primeiro tipo de visão
(Figura 3.1), que denomino visão por unidade (do educando
e/ou do atendimento educacional) ou dinâmica, por conter
as noções de tempo, mudança e flutuação. No caso da vin-
culação do portador de deficiência à educação especializada,
terá prevalecido o segundo tipo de visão (Figura 3.2), isto é,
por ãicotomia (do educando e/ou da educação) ou estática.
Nesta última circunstância, a relação definida será: educando
portador de deficiência necessariamente educação especial e edu­
cando normal necessariamente educação comum ou regular.
E importante reiterar a necessidade do esclarecimento
desses aspectos fundamentais, para a definição política e para
a ação governamental.
Quanto ao outro item destacado, percebe-se uma conti­
nuidade do compromisso, ou comprometimento, do poder
público com a iniciativa privada, na medida em que este
poderá destinar recursos públicos a escolas comunitárias, con­
fessionais ou filantrópicas. Se em relação ao ensino comum esta
alternativa pode significar entraves à melhoria da qualidade
do ensino na escola pública, na educação especial suas con­
sequências negativas tendem a se acentuar, haja vista que,
historicamente, os recursos públicos destinados à educação
especial têm sido canalizados, em elevadas parcelas, para a
iniciativa privada, ainda que de cunho assistencial.
Esta é, sem dúvida, uma outra grande questão cujo di~
mensionamento apropriado poderá conduzir a propostas
mais avançadas para a educação especial, ou mais condizen­
tes com as políticas preocupadas com justiça social. Eviden­
temente nelas deverão estar também prestigiadas as institui­
ções especializadas particulares, que tão relevante papel têm
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 85

FIGURA 3.1
Visão dinâmica, ou por unidade, da relação entre
o portador de deficiência e a educação escolar

SITUAÇÃO

de ensino-aprendizagem
EDUCANDO EDUCAÇÃO
(COMUM ou
ESPECIAL)

FIGURA 3.2
Visão estática, ou por dicotomia, da relação entre
o portador de deficiência e a educação escolar

desempenhado na educação especial. No entanto, sua pre­


sença e participação na garantia do atendimento educacional
especializado hão de ser incentivadas sem pôr em risco a
sobrevivência, a expansão e, sobretudo, a melhoria dos ser­
viços públicos nessa área.
Ainda com relação à legislação, é importante registrar a
Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que estabelece "normas
gerais para o pleno exercício dos direitos individuais e sociais
86 MARCOS J.S. MAZZOTTA

das pessoas portadoras de deficiência e sua efetiva integração


social". Em seu artigo 2o estabelece que, ao Poder Público e
seus órgãos, cabe assegurar, às pessoas portadoras de defici­
ência, o pleno exercício de seus direitos básicos. No inciso I
desse mesmo artigo, define as medidas a serem tomadas
pelos órgãos da administração direta e indireta na área da
educação:

a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial


como modalidade educativa que abranja a educação precoce,
a pré-escolar, as de Io e 2o graus, a supletiva, a habilitação e
reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências
de diplomação próprios;
b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas
especiais, privadas e públicas;
c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em
estabelecimentos públicos de ensino;
d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Es­
pecial a nível pré-escolar e escolar, em unidades hospitalares
e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou
superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência;
e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios
conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar,
merenda escolar e bolsas de estudo;
f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabeleci­
mentos públicos e particulares de pessoas portadoras de defi­
ciência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino,

Esta mesma Lei n. 7.853, nos artigos 10 e 11, reestrutura


a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Porta­
dora de Deficiência (CORDE) como órgão autônomo, admi­
nistrativa e financeiramente, com destinação de recursos
orçamentários específicos. No artigo 15 estabelece que a Se­
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 87

cretaria de Educação Especial (SESPE) do Ministério da


Educação será reestruturada, para atendimento e fiel cum­
primento do que dispõe.
Em 1990 a SESPE foi extinta, tendo suas atribuições sido
absorvidas pela então criada Secretaria Nacional de Educação
Básica (SENEB). Pelo Decreto n. 99.678, de 8 de novembro de
1990, a educação especial e a educação básica passam a ser
da competência da Seneb. Na estrutura da SENEB, o Depar­
tamento de Educação Supletiva e Especial (DESE) fica responsá­
vel por esta modalidade de ensino que, para gerenciá-la,
conta com uma Coordenação de Educação Especial, conforme já
exposto.
Esta alteração estrutural sugere a preocupação com o
favorecimento da integração da Educação Especial com os
demais órgãos centrais da administração do ensino. Pelo
menos por sua localização na estrutura do MEC, a Educação
Especial deixa de ser objeto de um órgão autônomo em rela­
ção aos níveis e demais modalidades de ensino. No entanto,
em 1992 nova organização do Ministério da Educação e Cul­
tura recoloca o órgão específico de educação no status de
secretaria. Confrontando tais modificações com o preceitua-
do no citado artigo 15 da Lei n. 7.853/79, pode-se indagar até
que ponto órgãos federais com atribuições relativas a porta­
dores de deficiências ou de necessidades especiais compati­
bilizam suas competências ou entram em conflito na definição
da estrutura do poder político nesta área. Põe-se entender,
também, que isto decorre da ausência de Política Social (in­
cluída aí a educacional) consistente para o atendimento dos
chamados portadores de necessidades especiais.
Na identificação e análise da legislação e das normas
relativas à educação de portadores de deficiência, é impor­
tante não deixar de incluir o Estatuto da Criança e do Ado-
88 MARCOS J.S. MAZZOTTA

lescente, estabelecido pela Lei n. 8.069, de 13 dc julho de


1990.11
De início, o Estatuto prescreve sua aplicação a crianças
(de zero a 12 anos incompletos), adolescentes (de 12 a 18 anos)
e, excepcionalmente, a pessoas entre 18 e 21 anos. Em seu
artigo 11, garante acesso às ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde, destacando, respectivamen­
te, nos parágrafos Io e 2o, que "a criança e o adolescente
portadores de deficiências receberão atendimento especializado"
e que a eles será garantido o fornecimento gratuito de medi­
camentos, próteses e outros recursos para tratamento, habi­
litação ou reabilitação. Com relação à educação, no artigo 54
* ^
dispõe que "E dever do Estado assegurar à criança e ao ado­
lescente: [...] atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino".
O inciso III do citado artigo 54 reproduz o que determi­
na a Constituição Federal de 1988. Em razão disso, as mesmas
observações já feitas com relação ao disposto no artigo 208
daquela Constituição, aplicam-se aqui.
Vale lembrar, no entanto, que este Estatuto é o conjunto
dos direitos e deveres legalmente estabelecidos para toda
criança e adolescente, portador(a) de deficiência ou não. No
que se refere à criança e ao adolescente portadores de defici­
ência, essa legislação significa um importante caminho para
o exercício de direitos até então presentes em "declarações"
genéricas e abstratas, mas muito poucas vezes praticados,
por falta de mecanismos eficazes.
Cabe destacar, ainda, que ele consolida antigas normas
que a experiência brasileira mostrou adequadas para a c o n -11

11. Legislação Federal, 1990. p. 849.


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 89

dição infantojuvenil, inovando com a introdução de princí­


pios criadores de uma nova condição para a melhoria do
padrão de vida dos brasileiros. São três esses princípios:

Io) O primeiro é o do respeito às peculiaridades da condição social,


econômica, ambiental (urbana ou rural) do povo brasileiro. E
isso só é possível através da municipalização do atendimento dos
direitos. De todo e qualquer direito...
2o) O segundo princípio é o da participação da popidação na
formulação das políticas assistenciais a que se refere o item
anterior...
3o) O terceiro princípio é o da cidadania da criança e do adoles­
cente, entendida esta como o poder de FAZER VALER a sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Os dois primei­
ros princípios existem para garantir que este não fique apenaí
no papel. O princípio da cidadania, por sua vez, garante que
todo aquele que o invoque possa exigir o respeito devido a
toda criança e a todo adolescente como sujeitos de direitos.
Crianças e adolescentes, portadores ou não de deficiência,
poderão se beneficiar desses princípios inovadores, desde qut
entidades representativas da sociedade civil participem da
formulação das políticas municipais através do funcionamen­
to do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Ado­
lescente e lutem sempre pelo exercício da cidadania que lhes
é inerente.12 (Grifos meus.)

Não é demais lembrar, aqui, que uma política social não


existe apenas dentro do Estado, como política pública. As
políticas públicas não são propriamente do Estado, mas atri­
buições provenientes da sociedade, que sustenta e mantém o

12. SÉDA, Edson. A condição dos portadores de defidència perante o Estatuto


da Criança e do Adolescente. In: APAE. Anais do XV Congresso da Federação Nacional
dasAPAEs. p. 100,30jun./3jul. 1991.
90 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Estado para tal; e somente se efetivam de alguma forma sob


pressão da sociedade.13 Por outro lado, "Se aceitarmos que o
objetivo próprio da política social seja a redução da desigual­
dade social e que a educação seja uma das variáveis consti­
tuintes deste esforço, ela será capaz de colaborar na obtenção
desta meta, se aparecer como sócia integrada no conjunto".14
Continuando a cronologia dos atos legais relativos à
educação especial, em 1991 é editada a Resolução n. 01/91,
pelo Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Tal Resolução condiciona o repasse do salário-edu-
cação à aplicação, pelos Estados e Municípios, de pelo menos
8% dos recursos educacionais no ensino especial.
Os limites do presente trabalho não comportam o apro­
fundamento de estudos sobre a aplicação dos recursos finan­
ceiros do MEC em educação especial, embora seja, também,
muito importante para a compreensão da ação governamen­
tal nesta área. Apesar disso, além da análise de vários planos
e projetos apresentada mais adiante, incluindo algumas con­
siderações sobre a previsão e uso de recursos financeiros
públicos nesta área, é oportuno registrar, aqui, pronuncia­
mentos e ações de autoridades do MEC, em 1992, a respeito
de verbas para a Educação Especial.
Cumprindo legislação federal sobre destinação e vincu-
lação de recursos financeiros para a educação, em 1992, o MEC
destinou recursos específicos para a Educação Especial. En­
tretanto, provando, da pior maneira, que a Educação Especial

13. DEMO, Pedro. Educação e política sodal. In: Cadernos de Pesquisa, São
Paulo, n. 69. p. 68-79, maio 1989.
14. DEMO, Pedro. Perspectivas da educação. In: FREITAG, Barbara et al. Polí­
tica educacional do governo. Conferência Brasileira de Educação, Io Anais... São
Paulo: Cortez, p. 12-36,1981.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 91

não está fora do contexto educacional, social e político brasi­


leiro, o presidente Fernando Collor de Mello, com exposição
de motivos dos ministros da Educação e da Economia, Fazen­
da e Planejamento, encaminhou projeto de lei ao Congresso
propondo alteração no orçamento de 1992. A alteração pro­
posta, através da Mensagem n. 37, de 1992, do Congresso
Nacional, implicava a retirada de setenta bilhões de cruzeiros
destinados à educação especial (Cr$ 46.157.000,00) e à erradi­
cação do analfabetismo e universalização do ensino funda­
mental, para serem utilizados na compra de ônibus escolares.
Tal projeto, como tantos outros que até motivaram a
instauração da famosa Comissão Parlamentar de Inquérito
— CPI do Orçamento — em 1993, "foi objeto de 1.380 (um
mil trezentos e oitenta) emendas, de cerca de cem deputados,
pedindo um ou mais ônibus para seus Estados. Nas referidas
emendas, os preços dos ônibus variavam de oitenta milhões
a quatrocentos milhões de cruzeiros".15 Contra o projeto foram
apresentadas apenas quatro emendas. Três delas de autoria
do deputado Flávio Arns (PSDB-PR), ex-diretor do Departa­
mento de Educação Especial da Secretaria da Educação do
Estado do Paraná e atual presidente da Federação Nacional
das APAEs, e uma da deputada Sandra Cavalcanti (PFL-RJ).
Chamado pela imprensa de "ônibus da alegria", tal projeto
teve como relator

[...] o deputado Luiz Girão (PDT-CE), que foi destituído pele


presidente da Comissão de Orçamento por ter pedido cem
ônibus para negociar, com os autores das emendas, os critéri
de distribuição dos veículos. Em seu lugar foi nomeado o

15. BALLERONI, Ediana. Plano do MEC cria "ônibus da alegria": projeto de


governo usa o dinheiro da educação de excepcionais para distribuir ônibus escola­
res. Folha de S.Paido, Caderno Cotidiano, p. 1, 30 jun. 1992.
92 MARCOS J.S. MAZZOTTA

deputado Aloizio Mercadante (PT-SP), que remeteu ao MEC


um requerimento de informações pedindo explicações sobre
os critérios para tirar dinheiro da educação de crianças excep
cionais para a distribuição de ônibus em um ano eleitoral.16

Na mesma reportagem, com a manchete "Plano do MEC


cria 'ônibus da alegria'", há pronunciamento do então secre­
tário da SENEB de que "os recursos mantidos para a educa­
ção de excepcionais (cem bilhões de cruzeiros) são mais do
que suficientes para as necessidades das crianças excepcio­
nais, pois apenas 23% do dinheiro destinado aos excepcionais,
em 1991, foram efetivamente usados". Tal afirmação, porém,
pode ser extremamente equivocada, pois é sabido o quanto
administradores incompetentes não conseguem aplicar bem
os recursos que são destinados às suas unidades. Não se pode
esquecer que antes de chegar às crianças excepcionais, sob a
forma de serviços educacionais, tais recursos financeiros são
designados aos órgãos públicos e instituições particulares
para serem aplicados segundo critérios de seus administra­
dores. Atente-se, também, para o fato de que a burocracia do
MEC, muitas vezes, somente viabiliza o repasse de tais re­
cursos em época que dificulta ou impossibilita a tão necessá­
ria aplicação. Liberada, às vezes, em novembro ou dezembro,
seu destino mais fácil passa a ser a devolução.
Expressando a vontade política da autoridade máxima
da educação brasileira naquele momento, o ministro da Edu­
cação disse textualmente: "Por mais simpatia que eu possa ter
para com as crianças deficientes, não dá para esquecer as crianças
brasileiras sem acesso ao I°grau".17 Como se, por serem porta­
doras de deficiências, tais crianças não fossem brasileiras, o

16. Idem, ibidem.


17. Idem, ibidem.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 93

mimstro as excluiu, sumariamente, da população para a qual


o Estado tem o dever indiscutível de garantir o ensino obri­
gatório. Além de desprezar os preceitos constitucionais, o
ministro ignorou assuntos que constituem área de competên­
cia do Ministério que dirigia.
Este pronunciamento discriminatório ilustra muito bem
como tem sido a vontade política dos governantes brasileiros
para com a educação dos portadores de deficiência, seja ela
comum ou especial.
Graças à mobilização da sociedade civil contra a propos­
ta do ministro, o referido projeto foi arquivado em 23 de se­
tembro de 1992.
Pouco depois do arquivamento do projeto "ônibus da
alegria", o Correio Braziliense, em edição de 28 de novembro
de 1992, à página 5, trouxe a manchete, em letras garrafais:
"Governo destinará verba do orçamento para APAEs". Por
tratar-se de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimen­
to da Educação (FNDE), cabe aqui o seu registro, na medida
em que vem corroborar constatações e conclusões já expres­
sadas neste trabalho. A mencionada reportagem, ilustrada
com fotografia do secretário executivo do FNDE, Maurílio
de Avellar, ao lado do deputado Federal Flávio Arns, presi­
dente da Federação Nacional das APAEs, informa que no dia
anterior (27/11/1992), em reunião com dirigentes das APAEs,
o secretário do FNDE anunciou "que o governo destinará
dois por cento de Cr$ 20 trilhões, orçamento previsto para o
FNDE em 1993, para as mil e duzentas APAEs de todo o país".
Continuando a análise da legislação, cabe salientar que
um dos mais importantes, ou o principal instrumento para
a educação brasileira atual é o Projeto de Lei n. 101, de 1993,
da Câmara Federal, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação
94 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Nacional (LDB).18 Aprovado pela Câmara Federal, este


projeto, originado do anteprojeto do deputado Jorge Hage
e que desde 1988 contou com a participação dos mais va­
riados grupos em sua elaboração, encontra-se no Senado
Federal.
Dele serão tomados para análise, no contexto do presen­
te trabalho, aqueles dispositivos que mais diretamente se
relacionem com a questão central em discussão.
Este projeto de LDB disciplina a educação escolar. No
Capítulo III, dispondo sobre o direito à educação e o dever
de educar, estabelece que "a educação, direito fundamental
de todos, é dever do Estado e da família, com a colaboração
da sociedade, cabendo ao Poder Público [...] observar moda­
lidades e horários compatíveis com as características da
clientela". Reiterando preceito constitucional, determina que
o dever do Estado com a educação escolar será efetivado
mediante a garantia de, dentre outros, "universalização da
educação básica em todos os seus níveis e modalidades [...],
atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, [...]
condições especiais de escolarização para os superdotados...
Em seu Capítulo V, regulamenta a organização da edu­
cação nacional. Define as instituições privadas de ensino,
contempladas no artigo 213 da Constituição Federal (comu­
nitárias, confessionais e filantrópicas), assinalando a obriga­
toriedade de comprovação de determinadas condições,
dentre as quais, as de ter objetivos educacionais, sem preju­
ízo das finalidades inerentes ao caráter confessional, filantró­
pico ou comunitário da instituição.

18. SENADO FEDERAL. Projeto dc Lei da Câmara n. 101, de 1993. Publicado


no DCN, Seção II, 28 maio 1993. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1993.
I DUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 95

No Capítulo VI, regulamenta a educação escolar e seus


níveis, dispondo que a Educação Básica compreende a educação
infantil, o ensino fundamental e o ensino médio e que a edu­
cação superior se realiza através do ensino, da pesquisa e da
extensão. Estabelece, ainda que "assegurados os padrões de
qualidade, a educação escolar pode adotar alternativas de
processos, estratégias e metodologias mais adequadas aos
seus objetivos, às características do educando e às condições dis­
poníveis, inclusive mediante a combinação com processos extraes-
colares." (Grifos meus.)
A Educação Infantil está contemplada no Capítulo VIII,
onde, inclusive, está disposto que "as instituições de educa­
ção infantil deverão atender crianças com necessidades de
cuidados especiais, após avaliação competente".
A Educação Especial mereceu o Capítulo XIV, que contém
três artigos. O artigo 78 define a Educação Especial como
"modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para educandos portadores de
necessidades especiais" (grifos meus) e detalha situações a
serem asseguradas para seu desenvolvimento. O artigo 79
dispõe sobre as garantias didáticas diferenciadas (currículo
e desenvolvimento curricular, qualificação de professores),
além de acesso aos programas sociais suplementares dispo­
níveis para o ensino regular. No artigo 80, reitera-se o aten­
dimento preferencial, aos educandos com necessidades es­
peciais, no ensino regular e sua ampliação, além de dispor
que os órgãos normativos dos sistemas de ensino deverão
estabelecer critérios para a caracterização das instituições
privadas sem fins lucrativos, especializadas e que atuam na
Educação Especial.
Além do que já foi destacado do Capítulo XIV, é opor­
tuno salientar, ainda, alguns pontos sobre o Projeto de LDB:
96 MARCOS J.S. MAZZOTTA

• menciona, explicitamente, portadores de deficiência,


superdotados e portadores de necessidades especiais, como
clientela que poderá demandar educação especial;
• situa a educação especial como modalidade de educação
escolar;
• reitera a preferência ao ensino regular para todos os
educandos, inclusive quando requerem atendimento
especializado, ao nível da educação básica;
• define as instituições privadas confessionais, comu­
nitárias ou filantrópicas, incluindo-as no sistema de
ensino somente quando tiverem objetivos educacionais;
• determina a caracterização das instituições privadas sem
fins lucrativos, especializadas e que atuam na educa­
ção especial, conforme critérios estabelecidos pelos
órgãos normativos dos sistemas de ensino;
• destaca, dentre as garantias didáticas diferenciadas, o
currículo, o desenvolvimento do currículo e a quali­
ficação dos professores.

Os parâmetros definidos neste projeto de lei colocam,


objelivamente, a educação especial no contexto da educação
escolar. Caso sejam aprovados e apropriadamente interpre­
tados, em muito contribuirão para consolidar a educação
especial como alternativa competente para a educação esco­
lar de um importante segmento da população brasileira. A
sua operacionalização deverá assegurar a coerência com os
princípios definidos. Vale lembrar que dentre os mais impor­
tantes elementos da organização da educação escolar (comum
()U i\sl >edal) destaca-se como fundamental o professor. Assim,
é oportuno reiterar que "garantir uma posição social e inte­
lectual condizente com a responsabilidade pública do pro­
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 97

fessor, constitui condição fundamental para que o país possa


ter uma escola que seja uma agência de construção da
cidadania".19

2. Planos Nacionais de Educação

2.1 De 1962 a 1971

A seguir serão apresentados os resultados da análise


referente aos Planos Nacionais de Educação.
De início, é importante lembrar que o primeiro Plano
Nacional de Educação, elaborado em 1962,20 resultou da inte­
gração dos três planos federais de normas para distribuição
dos fundos de ensino primário, médio e superior; não se
caracterizando, portanto, como um plano de diretrizes para
a educação. Através daquele plano, na revisão de 1965, foram
destinados 5% dos recursos do Fundo Nacional de Ensino
Primário para a "educação de excepcionais" e "bolsas de
estudos, preferencialmente, para assistir crianças deficientes
de qualquer natureza".
Em todo o período dos governos militares, de 1964 a
1985, a principal diretriz do processo de desenvolvimento
global foi o crescimento econômico. Assim, nos três Planos
Nacionais de Desenvolvimento (PND) as questões sociais não
foram encaradas como substantivas. Mesmo no III PND
(1980/85), em que o "governo conclama a sociedade a assu-

19. CUNHA, Célio da. LDB: uma comparação. Folha de S.Paiáo, Caderno 3, p.
2,23 nov. 1993.
20. Atendendo ao disposto na Lei n. 4.024/61, de Diretrizes e Bases da Educa­
ção Nacional, com vigência até 1970, esse plano sofreu uma revisão em 1965, prin­
cipalmente em decorrência da instituição do salário-educação em 1964.
98 MARCOS J.S. MAZZOTTA

mir suas responsabilidades na condução de seu destino"


persiste a linguagem econômica presente nos PND anteriores.
A esse respeito é oportuno retomar o que esclarece o
especialista em financiamento da educação, dr. José Carlos
de Araújo Melchior, professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo. Diz ele:

Quando a predominância do desenvolvimento se concentra


no crescimento econômico, os efeitos irradiadores e/ou mul­
tiplicadores tendem a não atingir, com eficácia igual, os uni­
versos político e social de um país. Consequentemente, a
educação, um dos componentes do universo social, foi preju­
dicada por essa orientação geral do processo de desenvolvi­
mento adotada entre nós.21

Feitas estas breves considerações, alguns indicadores


básicos da educação especial serão abordados com vistas à
compreensão e explicação da política federal para esta área.

2
.2 e1972 a
.D 1985

Em relação ao I PND (1972/74), no Plano Setorial de Edu­


cação e Cultura, os "excepcionais" são definidos como "os
mentalmente deficientes, todas as pessoas fisicamente preju-
d içadas, os emocionalmente desajustados, bem como os su­
perdotados, enfim, todos os que requerem consideração es­
pecial no lar, na escola e na sociedade". São apontadas como
diretrizes da educação especial a integração e a racionalização,
bem como definidas duas grandes linhas de programação:

21. MELCHIOR, J. C. A. O financiamento da educação no Brasil e a Revolução: 1965


a 1982. Tese (Livre-docência). São Paulo: FEUSP, 1986. 3 v.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 99

expansão das oportunidades de atendimento educacional


aos excepcionais e apoio técnico para que se ministre a edu­
cação especial.
No item referente à caracterização do problema da edu­
cação especial, nesse plano atrai atenção a afirmação de que
"a iniciativa particular tem a seu cargo a maior parte do
atendimento aos deficientes, ressentindo-se de falta de assis­
tência técnica e/ou financeira para maior produtividade do
trabalho desenvolvido". Como se verá adiante, tal afirmação,
ainda que sem respaldo em dados da realidade, será reitera­
da em todos os documentos oficiais e servirá de eixo para
toda a linha de ação do Ministério da Educação.
Em 1973, com a criação do Centro Nacional de Educação
Especial (CENESP) cria-se também um Fundo de Educação
Especial, de natureza contábil.22
Em 1977, o Ministério da Educação e Cultura elabora o
I Plano Nacional de Educação Especial para o triênio 1977/79,
em consonância com as diretrizes do II Plano Setorial de Edu­
cação e Cultura 1975/79. No item relativo à avaliação geral,
informa-se que o "atendimento educacional tem se concen­
trado a nível de Io grau, abrangendo cerca de 60% da popu­
lação escolar de excepcionais". O sistema público absorve
cerca de 60% dos 96.413 alunos que compõem a população
escolar de excepcionais, com expressiva participação do sis­
tema estadual, 78% do setor público, como demonstra o
Quadro 3.1.
Ainda no item sobre avaliação geral, os dados do Quadro
3.1 merecem a seguinte interpretação dos elaboradores do
Plano: "Conforme demonstram os dados do quadro — 62%

22. O Ccncsp foi criado pelo Decreto n. 72.425, de 3/7/1973.


100 MARCOS J S. MAZZOTTA

QUADRO 3.1
Excepcionais atendidos, por natureza da instituição e por
dependência administrativa, segundo as regiões — 197423

Estabelecimento de Ensino Regula r Instituição Especializada


Região
F E M P T F E M P T

Norte 43 371 6 28 448 - 52 - 313 365

Nordeste 171 2.566 3 520 3.260 226 2.200 47 4.988 7.461

Sudeste 8 27.811 450 383 28.652 836 6.750 2.057 26.598 36.235

Sul - 3.452 393 283 4.128 — 1.343 528 4.902 6.773

Centro-Oeste — 70 375 53 498 5.199 248 860 2.286 8.593

Total 222 34.270 1.227 1.267 36.986 6.261 10.593 3.492 39.081 59.427

F — Federal /E — Estadual /M — Municipal /P — Particular /T — Total


SEEC/MEC
F m ü t:

dos excepcionais são atendidos em instituições especializadas,


em sua maioria particulares, verificando-se a conveniência de
incentivar-se a integração desses alunos no sistema regular
de ensino, sempre que se fizer possível, e sem prejuízo da qua­
lidade do atendimento. "23 24 (Grifos meus.)
Como está posta, tal interpretação tem um sentido fala­
cioso na medida em que, além de induzir ao entendimento
de que a maioria dos excepcionais são atendidos em escolas
particulares, traz um sentido de valor que assinala, implici­
tamente, como de melhor qualidade o atendimento em insti­
tuições especializadas, portanto, em regime de segregação.
As diretrizes que nortearam tal plano foram: ação de exten­
são do acesso à educação (destacando-se o acesso a tratamento
diferenciado), ação otimizadora (aproveitamento dos recursos234

23. Plano Nacional de Educaçao Especial 1977/79, p. 12.


24. Idem, p. 11-2.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 101

disponíveis e integração sob o ângulo pedagógico-adminis-


trativo), ação preventiva (diagnóstico e atendimento precoces),
ação de aperfeiçoamento (do sistema educacional, com o máximo
de eficiência e o menor custo operacional possível) e ação
continuada (educação permanente).
No item em que são dimensionados os recursos finan­
ceiros para o financiamento desse Plano Nacional de Educação
Especial 1977/79, conforme se observa no Quadro 3.2, de um
montante de cento e quarenta e oito milhões e quatrocentos
e noventa mil cruzeiros, foram previstos 58,70% para as ins­
tituições privadas e 14,48% para os sistemas estaduais de ensino.
Tais recursos, 96% provenientes do Tesouro (ordinário não
vinculado e da cota-parte do salário-educação) e 4% de con­
vênio com órgãos federais, aplicavam-se também a outras

QUADRO 3.2
Recursos financeiros previstos para o Plano N acional
de Educação Especial 1977/79, por área de ação

Total 1977/79
Discriminação 1977 1978 1979
(Cr$ 1.000,000)

Cooperação técnica c financeira aos 6.830 7.170 7.520 21.520


sistemas estaduais de ensino

Cooperação técnica c financeira às 19.480 25.276 42.392 87.148


instituições particulares

Capacitação de recursos humanos 10.117 10.310 11.017 31.444

Reformulação de currículos 2.017 1.030 1.371 4.418

Organização e desenvolvimento de 840 860 880 2.580


serviço de educação precoce

Atendimento a educandos com 440 460 480 1.380


problemas de aprendizagem

Total 39.724 45.106 63.660 148.490

P o n te : P la n o N ac io n a l â e E d u c a ç ã o E s p e c ia l 1977179, p. 31.
102 MARCOS J.S. MAZZOTTA

quatro ações cujos resultados poderíam retornar tanto para


os sistemas estaduais como para as instituições privadas.
E oportuno aqui reiterar que, embora não se esteja em­
preendendo neste estudo um exame dos recursos financeiros
destinados ou aplicados à educação especial e sua significa­
ção no conjunto dos problemas governamentais na área de
educação, uma análise da previsão de tais recursos no Plano
Nacional e de suas justificativas põe a descoberto as priori­
dades determinadas e os rumos da política governamental
no período estudado.
Nesse sentido, merece destaque a ação contemplada com
mais da metade dos recursos financeiros previstos, ou seja, a
Cooperação Técnica e Financeira às Instituições Particulares. O
detalhamento de tal ação, sob a forma de Projeto Prioritário,25
delineia seus objetivos de modo a não deixar dúvidas:

Objetivo geral

Promover a expansão e melhoria qualitativa do sistema de


Educação Especial, através da assistência técnica e financei­
ra às instituições particulares que atendam aos deficientes
físicos, mentais, da visão, da audição, educandos com pro­
blemas de conduta, portadores de deficiências múltiplas e
superdotados.

Objetivo específico

Proporcionar assistência técnica e/ou financeira às instituições


privadas de atendimento a excepcionais para:

25. MEC/CENESP. Projeto Prioritário do Plano Setorial de Educação e Cultura


1977/1979: Assistênda Técnica e Financeira às Instituições Privadas na Área de
Educação Espedal. Brasília: DDD, 1976.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 103

— construção, ampliação, adaptação e/ou recuperação de


instalações físicas;
— equipamento escolar para oficinas pedagógicas, e, especia­
lizado, para Educação Especial;
— material didático e escolar para oficinas pedagógicas e de
compensação (prótese) para Educação Especial;
— manutenção das atividades das entidades;
— estabelecimento e/ou atualização de métodos, técnicas e
processos utilizados na identificação, diagnóstico, triagem e
encaminhamento dos excepcionais;
— acompanhamento e avaliação do aluno excepcional.2627

Importante ilustração das prioridades e rumos da polí­


tica governamental também se encontra em outra das ações
do Plano 1977/79, a Capacitação de Recursos Humanos, con­
templada como Subprojeto 13.6 do Plano Setorial de Educação e
Cultura 1975/79.27 Essa ação tem sua meta definida em termos
de "treinamento e aperfeiçoamento de pessoal docente e
técnico em vários níveis". Da maneira como está definida tal
meta, a sua compreensão ou avaliação se torna bastante di­
ficultada e se transforma em mera pretensão na medida em
que, colocando juntos docentes e técnicos, como alvos da ca­
pacitação, poderão ser consideradas válidas ou satisfatoria­
mente cumpridas ações que se voltem quer para uns, quer
para outros indistintamente. E parece ter sido isto o que
ocorreu. Veja-se, por exemplo, o elenco dos objetivos especí­
ficos do referido subprojeto. Embora se possa alegar a inexis­
tência do propósito de sua hierarquização, aparece em pri­
meiro lugar o objetivo: "treinar e/ou aperfeiçoar a equipe267

26. Idom, p. 15.


27. MEC/SG. Projeto Prioritário do PSECD 1975/1979: Capadtação de recursos
humanos para a educação especial. Brasília, parte 1, v. II, p. 356-365,1974.
104 MARCOS J.S. MAZZOTTA

técnica do CENESP e equipes estaduais responsáveis pelo


planejamento e coordenação da educação especial".
Por outro lado, para se detectar as tendências presentes
nas medidas governamentais em relação à pretendida capa­
citação de recursos humanos, necessária se faz a identificação
das metas do Subprojeto 13.6 e dos recursos a elas destinados
ou previstos para sua execução,28 conforme demonstrado no
Quadro 3.3.
A capacitação de recursos humanos, nos termos propos­
tos pelo CENESP, abrange as sete metas delineadas no Qua­
dro 3.3. De imediato pode-se inferir uma priorização de tais
metas, com destaque especial para a preparação de técnicos
dos órgãos centrais (metas 01 e 02), ou seja, CENESP e secre­
tarias estaduais de Educação. Mais adiante se verá a que
"técnicos" elas se referem e a possível importância a eles
atribuída a partir do tipo e do nível da preparação desejada.
A meta 03, referente à formação de professores para as uni­
versidades, prevê o preparo de vinte e quatro docentes me­
diante bolsas de estudos no exterior, sendo quatro em nível de
doutorado e vinte de mestrado. Os critérios para a execução
desta meta ficaram inteiramente sob responsabilidade do
CENESP, atendendo suas prioridades. Com relação à meta
04, não são especificadas que ações deveriam ser desenvol­
vidas e assumidas pelo CENESP na criação dos cursos de
licenciatura em Educação Especial. A meta 05, relativa a pes­
soal docente, privilegia as instituições privadas ao destinar 60%
dos recursos para capacitação de pessoal docente de tais
instituições e os restantes 40% para pessoal das secretarias
estaduais de Educação e do CENESP. O pessoal técnico que

28. MEC/CENESP. Projeto Prioritário do PSECD 1975/1979. Capacitação de


Recursos Humanos para a Educação Especial. Brasília: DDD, 1976.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 105

QUADRO 3.3
Metas do Subprojeto 13.6, discriminando pessoal a
capacitar e recursos financeiros no período 1975/79

Recursos
Metas Unidade Total financeiros
Número
(Cr$ 1.000,00) Total
de metas

I e IP I e II 1 II I II

01 Especialização e
atualização da equipe Técnico 49 11 1.510 395 1.905
técnica do CENESP

02 Especialização c
atualização das equipes
Técnico 112 194 2.147 1.401 3.548
técnicas das secretarias
de Educação

03 Especialização de pessoa 1
docente para Docente 20 4 1.584 333 1.917
universidade

04 Criação de cursos de
licenciatura na área de Curso 40 - 2.078 - 2.078
Educação Especial

05 Especialização,
aperfeiçoamento e
atualização de pessoal Docente 9.500 2.000 17.713 4.820 22.533
docente que atua na área
de Educação Especial

06 Especialização,
aperfeiçoamento e
atualização de pessoal Técnico 2.950 800 5.352 1.046 6.398
técnico que atua na área
de Educação Especial

07 Atualização de professor
eífc>ocente 6.500 - 1.736 — 1.736
de classe comum

1'otal 32.120 7.995 40.115

" No Projeto Prioritário as metas foram dimensionadas em dois blocos de atividades, I e II,
para efeito orçamentário.
106 MARCOS J.S. MAZZOTTA

atua na área de educação especial constitui a população-alvo


da meta 06. Há um esclarecimento de que este pessoal técni­
co inclui logopedistas, musicoterapeutas, fisioterapeutas e
outros especialistas nos diversos serviços de apoio técnico á
Educação Especial. Nesta meta os recursos estão distribuídos
na proporção de 50% para Instituições Particulares e 50% para
Secretarias Estaduais de Educação e CENESP. Na meta 07
está prevista a realização de cursos, com duração mínima de
trinta horas-aulas, voltados para noções gerais sobre a edu­
cação especial e destinados a professores de classe comum
de Ia a 4a séries do ensino de Io grau.
Os recursos financeiros previstos são oriundos do Tesou­
ro Ordinário não vinculado e de outras fontes. Informa-se que
para o bloco de atividades I, do total de Cr$ 32.120.000,00 (trin­
ta e dois milhões, cento e vinte mil cruzeiros), Cr$ 17.200.000,00
(dezessete milhões e duzentos mil cruzeiros) referem-se a
dotação orçamentária (Tesouro Ordinário) e Cr$ 14.920.000,00
(catorze milhões, novecentos e vinte mil cruzeiros) a recursos
suplementares a serem alocados para o projeto. Do bloco de
atividades II, num montante de Cr$ 7.995.000,00 (sete milhões,
novecentos e noventa e cinco mil cruzeiros), a importância
de Cr$ 2.398.000,00 (dois milhões, trezentos e noventa e
oito mil cruzeiros) refere-se ao Tesouro Ordinário não
vinculado e os restantes Cr$ 5.597.000,00 (cinco milhões,
quinhentos e noventa e sete mil cruzeiros) de outras fontes,
tal como USAID.
Das sete metas desse Subprojeto 16.3, somente as metas
04 e 07 não constam do bloco de atividades II, estando as
demais em atividades I e II.
A fim de que se possa melhor aquilatar a importância
das metas 01 e 02, enquanto indicadores da linha de ação
IDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 107

governamental, as informações básicas extraídas do Projeto


foram dimensionadas no Quadro 3.4.

QUADRO 3.4
Metas 01 e 02 — Capacitação de pessoal técnico dos órgãos
centrais, por nível de curso, bloco de atividade e modalidade

Nível Doutorado Mestrado Especialização4 Atualização44

Bloco
1 11 1 II 1 II 1 II Total
Modalidade' \

Bolsa no exterior 3 21 8 23 10 65

Bolsa no país 2 14 2 13 9 9 49

Curso no país 176 176

Subtotal 5 35 10 36 19 9 176

Total 5 45 55 185 290

4 Em cursos de diversas áreas: Planejamento, Informática, Administração, Educação, Serviço


Social etc.
44 Para áreas diversas: Orçamento, Informática, Educação Especial, Psicologia etc.
f o n t e dos ãtuios brutos: MEC/CENESP, 1976.

O Quadro 3.4 evidencia que dentre as cento e cinco bol­


sas destinadas a cursos de doutorado, mestrado e especiali­
zação, 62%, a maioria, portanto, referem-se a bolsas para
cursos no exterior, restando 38% de bolsas para cursos no país.
Chama a atenção a quantidade de técnicos cuja formação se
espera que ocorra no exterior, particularmente por se tratar
de pessoal de órgãos centrais — CENESP e Secretarias Esta­
duais de Educação. Dentre estes, 64% em nível de mestrado
e doutorado no exterior e 36% no país. Cabe aqui um ques­
tionamento: tal nível de formação é requerido para atuar em
órgãos da administração central? Cursos de especialização
não seriam suficientes?
108 MARCOS J.S. MAzzamm

Observe-se que, para os cursos de especialização fomm


previstas bolsas para diversas áreas, não diretamente classi­
ficadas como de educação especial. Caberia também pergwft*]
tar aqui se no Brasil não seria possível obter uma especial j*
zação de boa qualidade nas áreas citadas na nota.29
Mesmo no que se refere aos cursos de atualização, a
expectativa anunciada é a de que os mesmos ocorram em
diversas áreas, inclusive em Educação Especial, ou seja, não
necessariamente sobre ela.
Esse dimensionamento das metas 01 e 02 leva a crer que
houve uma previsão, supostamente arbitrária, das áreas de
concentração das bolsas e dos cursos, já que mesmo no de­
talhamento do Subprojeto não são explicitados os critérios
utilizados. Há informações sobre número de bolsistas para
cada esfera governamental. Dos duzentos e noventa técnicos
previstos, sessenta são do CENESP com bolsas para forma­
ção através de especialização, mestrado e doutorado, en­
quanto para estes mesmos cursos estão incluídos cinquenta
e quatro bolsistas das Secretarias Estaduais de Educação.
Para os cursos de atualização prevê-se a inclusão de nove
técnicos do CENESP e cento e setenta e seis das Secretarias
Estaduais de Educação.
Esta concentração de recursos financeiros na realização
de cursos de formação de alto nível para técnicos dos órgãos
centrais pode ser interpretada como evidência da centralização
do poder de normatização e execução, além de um possível sen­
tido de "premiação" dos supostos líderes nacionais e regio­
nais da educação especial, com formação e titulação que
seriam mais apropriadas à atuação universitária. O sentido

29. No Projeto Prioritário as metas foram dimensionadas em dois blocos d


atividades, I e II, para efeito orçamentário.
Ai) f SCGCIAL NO BRASIL 109

íifl juemiação é aqui enfatizado com o propósito de apontar


um desvio na aplicação de recursos financeiros que, desti-
Hínlns à capacitação de pessoal para a educação especial,
ã» rtl»ou se orientando para a alimentação da burocracia go-
V#rn.) mental, com perceptíveis prejuízos à educação de ex-
iejuionais. Ao mesmo tempo em que tal circunstância reve­
la excessiva centralização de autoridade e poder nos órgãos
i entrais, particularmente o CENESP, denota uma preferência
pela formação de Técnicos, em detrimento da formação de
docentes especializados. Neste sentido, pode estar aí implícita
uma abordagem do atendimento a excepcionais que, mais
do que a educação escolar, privilegia a assistência e/ou a
reabilitação onde é primária a importância do técnico e secundá­
ria a do docente.
Por outro lado, não há qualquer evidência de preocupa­
ção com a avaliação dos resultados de tais investimentos.
()nde foram alocados todos esses técnicos? Que retorno pro­
porcionaram ao país, especialmente aqueles que foram se
formar no exterior? O projeto não inclui critérios para este
tipo de avaliação. E, diga-se de passagem, em nenhum outro
documento oficial ou relatório do órgão há qualquer infor­
mação neste sentido. Por sua importância e abrangência, o
acompanhamento e controle da Capacitação de Recursos Hu­
manos para a Educação Especial deveríam, no mínimo, ter
produzido resultados amplamente divulgados, pelo menos
no âmbito das Secretarias Estaduais de Educação e outros
órgãos e instituições diretamente envolvidos com esta área
da educação.
Na verdade, tal atuação parece estar perfeitamente coe­
rente com a ação governamental geral do período, sob o
governo autoritário, portanto, de centralização do poder. Por
isso mesmo, é oportuno lembrar que
110 MARCOS J. S. MAZZOTTA

a exigência de publicidade dos atos de governo é importante


não apenas, como se costuma dizer, para permitir ao cidadão
conhecer os atos de quem detém o poder e assim controlá-los,
mas também porque a publicidade é por si mesma uma forma
de controle, um expediente que permite distinguir o que é
lícito do que não é.30

Outro plano nacional tomado para análise foi o Plano


de Ação da Comissão do Ano Internacional das Pessoas Deficien­
tes (AIPD), instituída em 1980 no Ministério da Educação e
Cultura.31
No mencionado Plano de Ação-AIPD, afirma-se que com
fundamento nas "novas tendências" de Integração e Norma­
lização são visados sete objetivos: conscientização, prevenção,
educação especial, reabilitação, capacitação profissional e acesso
ao trabalho, remoção de barreiras arquitetônicas e legislação. Não
há detalhamento dos recursos financeiros necessários, mas
uma apresentação dos projetos de 1981. Dentre eles, desta­
ca-se o de Apoio Técnico-Financeiro às Unidades Federadas e
Instituições Particulares, que inclui em sua justificativa o se­
guinte argumento: "Não obstante o ideal desse apoio ser
efetuado através das Secretarias de Educação, a atual fase
de desenvolvimento da Educação Especial ainda recomenda
o atendimento direto das Instituições Particulares pelo CENESP."
(Grifos meus.)
Mais tarde, em outubro de 1985, portanto, já na Nova
República, o CENESP-MEC elabora um plano intitulado
Educação Especial-Nova Proposta. Na sua apresentação indica-se

30. BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 2. ed.
Rio de janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 30.
31. A Comissão Nadonal do AIPD foi instituída pelo presidente da República
João Figueiredo, em 16/8/1980, pelo Decreto n. 84.914.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL III

"a necessidade urgente de redefinição da política para a


Educação Especial no Brasil”/ a fim de que o atendimento às
pessoas portadoras de deficiências, de problemas de condu­
ta e os superdotados seja compreendido como responsabili­
dade coletiva. São delineados alguns problemas básicos da
educação especial, dentre os quais se encontram os seguintes:
ausência de dados censitários que caracterizem a demanda
da educação especial; desequilíbrio evidente entre a deman­
da e a oferta das oportunidades educacionais; "desigualdade
na proporção do atendimento às diferentes categorias de
educandos especiais, bem como ausência de uma política de
atendimento à pessoa adulta com deficiência, à pessoa por­
tadora de deficiência mental profunda e à portadora de de­
ficiências múltiplaá" (grifos meus); concentração do atendi­
mento na faixa etária dos 7 aos 14 anos; limitada participação
da sociedade em geral na busca de soluções para os problemas
da educação especial.
Em seguida, declara-se que a Nova Proposta se inscreve
como dimensão da nova política social brasileira, pautando-se
na perspectiva de participação conjunta do governo e da
sociedade para o alcance da meta primordial da educação
especial: a universalização, através da democratização do
ensino. Seus princípios norteadores são: participação (envolvi­
mento de todos os setores da sociedade), integração (esforços
de todos para integrar na sociedade o educando com neces­
sidades especiais), normalização (possibilitar vida tão normal
quanto possível), interiorização (expandir o atendimento ao
interior e valorizar as iniciativas comunitárias relevantes) e
simplificação (opção por alternativas simples sem prejuízo dos
padrões de qualidade).
Em conformidade com seus princípios norteadores, são
apresentadas as seguintes linhas de ação:
112 MARCOS J.S.MAZZOTTA

— Liderar convocação nacional para a tomada de consciência


quanto à importância da educação especial [...]
— Buscar a garantia de maior volume de recursos para o fi­
nanciamento da Educação Especial, da ordem de 10% dos
recursos globais atribuídos à educação, nos níveis federal,
estadual e municipal.
— Lutar pela integração efetiva do ensino especial no quadro
do sistema geral de educação [...]
— Expandir ao máximo possível a oferta de educação especial
[•••]
— Assegurar a prevenção de deficiências, em todos os seus
aspectos [...]
— Lutar pela possibilidade de acesso da pessoa portadora de
deficiência aos diferentes espaços da comunidade [...]
— Apoiar o ensino regular [...]
— Promover a valorização dos recursos humanos que atuam
em educação especial [...]
— Desenvolver programas voltados para o preparo profissio­
nal das pessoas portadoras de características especiais e sua inte­
gração na força de trabalho...32 (Grifos meus.)

Cabe aqui salientar que esta Nova Proposta, mais do que


um plano de ação nacional, configura-se como um documen­
to oficial que traz um conjunto de diretrizes básicas, refletin­
do um encaminhamento político da educação especial.
Além do conteúdo distribuído sob vários títulos (justi­
ficativa, problemas, princípios, linhas de ação), na abordagem
que orienta a análise em curso, é relevante registrar, ainda
que brevemente, algumas palavras e expressões empregadas.
Os verbos lutar e assegurar, usados no detalhamento das linhas
de ação, podem estar refletindo um grande empenho ou es-

32. MEC/CENESP. Educação especial: nova proposta. Out. 1985. (Mimeo.)


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 113

forço. No entanto, como empregados, levam ao entendimen­


to subliminar de que se está diante de uma verdadeira batalha
em que a vitória se fará, provavelmente, pela coação, pela
força e não pelo convencimento ou pelo esclarecimento.
Neste caso, tem-se aí mais uma evidência do exercício do
poder,33 em seu sentido geral, mesmo na Nova Proposta, na
vigência da Nova República.
Expressões diversas são utilizadas com referência à po­
pulação a que se destina a Educação Especial: "educandos
especiais", "pessoa portadora de deficiência", "pessoas por­
tadoras de características especiais". Como a preocupação
presente nesta análise não se reduz ao âmbito da terminolo­
gia, é oportuno lembrar que "palavras, frases, fragmentos
semelhantes e mèsmo idênticos na aparência podem ter sig­
nificações diferentes quando se acham integradas em con­
juntos diferentes".34 E á precisamente no contexto dessa
educação especial que aí se propõe, situada no contexto geral
da educação neste determinado momento político e social,
que devem ser apreciadas tais expressões.
Nesse conjunto parece não mais caber a ambiguidade
que trazem e a significação difusa que consolidam. Todavia,
é preciso ter em mente que sua significação, por certo, refle­
te o entendimento daqueles que, na estrutura do poder cen­
tral, representam a visão dos grupos de interesse mais proe­
minentes naquele momento.
A aplicação prática de diretrizes caracterizadas pela
ambiguidade, tende a comprovar que elas se perdem no vazio

33. Segundo Max Weber, "poder significa a possibilidade de impor a própria


vontade, dentro de uma relação social, ainda que contra qualquer resistência, e qualquer
que seja o fimdamento dessa possibilidade" (WEBER, Max. A dominação. In: CAR­
DOSO, F. EL; MARTTNS, C. E. Política e sociedade. São Paulo: Nacional, 1981. p. 16. v. 1).
34. GOLDMANN, L. Dialética e cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 11.
114 MARCOS J.S. MAZZOTTA

da incompreensão e da inutilidade. Daí a importância de uma


clarificação da significação das palavras e expressões para
validar o conjunto do qual fazem parte e, então, configurar
condições favoráveis a uma ação realmente eficaz.

2.3 De 1986 a 1993

Continuando o estudo dos planos nacionais, no I Plano


Nacional de Desenvolvimento da Nova República (IPND/NR) de
1986/1989, encontra-se uma preocupação com o desenvolvi­
mento social, detalhando-se a questão social em "pobreza,
desigualdade e desemprego". A principal diretriz para a
educação é colocada em termos de "assegurar acesso a todos
a ensino de boa qualidade, notadamente o básico, enquanto
direito social, com base em soluções que traduzem os anseios
da coletividade". São aí delineados sete programas, incluin­
do-se o de "Redimensionar as modalidades supletiva e espe­
cial de ensino".
Em 29 de outubro de 1986,35 o presidente José Sarney
institui, no Gabinete Civil da Presidência da República, a
Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE). Tal medida veio concretizar a principal proposta
apresentada por um comitê nacional instituído por decreto
presidencial de 4 de novembro de 1985,36 "para traçar uma
política de ação conjunta, destinada a aprimorar a Educação
Especial e a integrar, na sociedade, as pessoas portadoras de
deficiência, problemas de conduta e superdotadas". A men­
cionada proposta constava do Plano Nacional de Ação Conjun­

35. Decreto n. 93.481, de 29/10/1986.


36. Decreto n. 91.872, de 4/11/1985, Diário Oficia! da União, n. 212,5 nov. 1985.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 11 5

ta para Integração da Pessoa Deficiente, concluído em julho de


1986.
O Plano Nacional de Ação Conjunta para Integração da Pes­
soa Deficiente está estruturado em quatro itens: Introdução,
Coordenação Nacional, Ações Prioritárias e Programa de
Ação.
No primeiro item destacam-se, dentre outros, os seguin­
tes aspectos:
• Em 1974 apenas 1,2% da população portadora de
deficiência em idade escolar era atendida. Em 1985 o
atendimento alcançou apenas 2,3% da população,
revelando um aumento muito pouco significativo.
• "As instituições particulares, responsáveis pelo maior
número de atendimento nas diferentes áreas, não
conseguiram o grau de integração desejável com as
Secretarias de Educação." (Grifos meus.)
• A oferta de serviços educacionais se concentra nas
capitais e centros urbanos, bem como nas regiões Sul
e Sudeste do país.
• A carência de especialistas e professores preparados
dificulta a ampliação dos serviços e a melhoria dos
existentes.
• O Programa de Assistência aos Excepcionais, desen­
volvido pela LBA/MPAS, "reveste-se de um caráter
repassador de recursos, através da compra de serviços
junto a entidades particulares".
• A regulamentação das Portarias Interministeriais ns.
477 e 186 apenas pela LBA e não pelo CENESP "oca­
sionou uma grande expansão dos serviços de atendi­
mento terapêutico, dificultando a integração social
116 MARCOS J.S.MAZZOTTA

das pessoas portadoras de deficiências, pela dissocia­


ção dos processos terapêutico e educacional".

Ainda no item "Introdução", há um dramático alerta


sobre a situação do portador de deficiência no Brasil, nos
seguintes termos: "Mais desassistido do que o brasileiro de
baixa renda, só o deficiente brasileiro de baixa renda!"
A seguir apresenta-se, de forma destacada, a recomen­
dação para "criação de uma coordenação nacional, para
planejar, estimular e fiscalizar as ações dos diferentes órgãos
governamentais...".
No segundo item, são delineados os objetivos da "Co­
ordenação Nacional" e definidas as suas estruturas básica e
complementar. Compondo a estrutura básica estão: coorde­
nador nomeado pelo presidente da República, subcoorde-
nadores representantes dos ministérios com envolvimento
direto e um Conselho Consultivo. Para a estrutura comple­
mentar há, dentre outras, a proposta de transformação do
Centro Nacional de Educação Especial em Secretaria de
Educação Especial.
No terceiro item são propostas trinta ações prioritárias,
retiradas de oitenta e nove ações constantes do quarto item
"Programa de Ação", previstas para médio e longo prazos.
A rubrica "atendimento educação" engloba catorze ações
numeradas de 41 a 54 no referido programa.
Esse Plano Nacional de Ação Conjunta foi acatado pelo
governo federal que, de imediato, passou a executá-lo. Prova
disso foram os atos de criação da Secretaria de Educação
Especial e da CORDE, ambas em 1986.
A fim de cumprir a atribuição de coordenar a Adminis­
tração Federal no "tratamento prioritário e adequado aos as­
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 117

suntos relativos às pessoas portadoras de deficiências, visando


assegurar a estas o pleno exercício de seus direitos básicos e a
efetiva integração social", a CORDE elaborou um Plano Na­
cional que foi aprovado pela presidência da República.37
Conforme ali enunciado, o objetivo específico do Plano
é o de implantar uma "Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência". Buscando a "ampliação
das atividades de prevenção e de atendimento e a efetiva
integração social das pessoas portadoras de deficiências" e
reiterando que sociedade e Estado compõem uma só realida­
de no ataque a este problema, são apresentados quatro Pro­
gramas de Ação: Conscientização, Prevenção de deficiências,
Atendimento às pessoas portadoras de deficiências e Inserção das
pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho.
O referido Plano, de maneira bastante apropriada, des­
taca que o atendimento às pessoas portadoras de deficiência
"só pode ser equacionado dentro do contexto geral das polí­
ticas sociais, e por meio dos sistemas básicos de saúde, edu­
cação, previdência e assistência". Aí está um princípio fun­
damental apontando uma opção política. Todavia, a
despeito de sua validade e do fato de incluir elementos ava-
liativos e linhas de ação referentes à educação, não se pode
perder de vista que tal plano se dirige às pessoas portadoras
de deficiência e não aos "excepcionais ou à clientela da edu­
cação especial". Nessa medida é que pode se constituir em
um dos referenciais válidos para o dimensionamento dos
aspectos essenciais da educação especial.
Em 1990 a Coordenação de Educação Especial, do De­
partamento de Educação Supletiva e Especial da SENEB/
MEC, elabora um documento intitulado Proposta do Grupo de

37. Publicado no Diária Oficial da União, seção I, p. 14.280-3,4 set. 1987.


118 MARCOS J. S. MAZZOTTA

Trabalho Instituído pela Portaria n. 6, de 22/8/1990, da SENEB,


que foi distribuído às Unidades Federadas. Como enunciado
no próprio texto, tal Proposta tinha como objetivo "coordenar
e promover a operacionalização das diretrizes básicas que
norteiam o atendimento educacional dos educandos que
apresentam necessidade educativa especial".
Na "Introdução" está o reconhecimento de que "o MEC
começa a encarar, pela primeira vez, a Educação Especial inserida
no contexto global da proposta de educação para todos, de manei­
ra que os problemas a ela relacionados sejam alvo da atuação
articulada de todas as suas Secretarias afins" (grifos meus).
Fica aí patenteado, em documento oficial do próprio Minis­
tério da Educação, que, até então, ou seja, 1990, a Educação
Especial esteve à margem do contexto da educação.38 No item
"Fundamentação Geral", o conceito de "excepcional"39 ado­
tado é, ainda, o mesmo expresso no Plano Setorial de Educação
e Cultura do I PND (1972/74), cujo sentido é eminentemen­
te social e não propriamente educacional. Está aí uma pri­
meira grande contradição com o proclamado no item "In­
trodução".
Ainda sobre o item "Fundamentação Geral", é impor­
tante destacar a visão reducionista da Educação Especial, ao
circunscrevê-la a uma questão de "metodologia de ensino".
Em diversos parágrafos tal posição está colocada. Todavia,

38. SENEB/MEC/DESE. Coordenação de Educação Especial. Proposta do Gru­


po de Trabalho Instituído pela Portaria n. 6 de 22/8/1990 da SENEB. Brasília: SENEB,
1990. p. 7.
39. "O termo excepcional é interpretado de maneira a incluir os seguintes tipos:
os mentalmente deficientes, todas as pessoas fisicamente prejudicadas, as emocio­
nalmente desajustadas, bem como as superdotadas, enfim, todos os que requerem
consideração especial no lar, na escola e na sociedade." (ANTIPOFF, Helena. In:
Boletim, Rio de Janeiro: Sociedade Pestalozzi do Brasil, n. 39, p. 8,1966.)
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 119

para exemplificar, é oportuno transcrever o primeiro pará­


grafo da página 17: "É ainda necessário que a educação es­
pecial seja parte integrante do sistema de ensino, só se dife­
renciando, metodologicamente, enquanto meio para atingir os
objetivos e finalidades da educação" (grifos meus). Merece
destaque, também, a reiteração de que "no Brasil a normali­
zação é o princípio que vem norteando a educação especial e
a integração, a alternativa adotada como meio para implemen­
tá-la" (grifos meus). Tal afirmativa carece de fundamento, a
não ser com relação ao reiterado discurso oficial, pois, como
já demonstrado, a ação governamental federal sempre esteve
direcionada para a segregação dos alunos em instituições
especializadas.
Partindo da fundamentação geral apresentada, propõe
as seguintes linhas básicas de ação a serem implementadas
pelas unidades federadas:
a) instrumentalização dos sistemas de ensino para via­
bilizarem o processo de integração do atendimento educa­
cional;
b) redimensionamento do processo de integração da
educação especial no âmbito dos sistemas de ensino;
c) institucionalização de mecanismos para a definição
da clientela;
d) institucionalização, nos sistemas de ensino, do aten­
dimento educacional aos educandos que apresentam algum
tipo de necessidade educativa especial, temporária ou per­
manente.
Na sequência dos planos educacionais, tem-se, ainda, o
_ _ f
Programa Setorial de Ação do Governo Collor na Area de Educação
— 1991/1995. Dentre as "Prioridades e Inovações", no item
2.4, dá "ênfase na educação especial". São aí destacados sete
120 MARCOS J.S. MAZZOTTA

subitens e nenhum deles contempla, de forma explícita, a


educação básica ou o ensino fundamental no âmbito da edu­
cação especial. Os aspectos abrangidos são: ações comunitá­
rias voltadas para a prevenção e desenvolvimento infantil,
informática na educação especial, informações sobre educa­
ção especial e reabilitação, apoio à pesquisa sobre educação
especial, apoio financeiro às instituições comunitárias, apoio
técnico e/ou financeiro para oficinas pedagógicas e pré-pro-
fissionalização, ações específicas com crianças de zero a 6
anos e com jovens de 14 a 17 anos.
Em 1992, a CORDE define a Política Nacional de Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência,10 norteando-se, também,
pelos princípios de normalização, integração, individualização,
simplificação e interiorização.
Apresentando as "dificuldades de um processo de integra­
ção", destaca que "os maiores óbices à integração dos porta­
dores de deficiência residem no preconceito e na gravidade dos
problemas sociais e atingem toda a sociedade brasileira". Cons­
tam, ainda, como dificuldades à integração:

— a desinformação por parte da comunidade em geral;


— a insuficiência de informações atualizadas relativas à pes­
soa portadora de deficiência;
— as atitudes de muitos portadores de deficiência, que prefe­
rem viver apenas com seus pares;
— as reações de negação à deficiência ou de superproteção
por parte das famílias;
— as características de muitas organizações de atendimento
às pessoas portadoras de deficiência que apelam para o assis-
tencialismo protecionista;40

40. MINISTÉRIO DA AÇÃO SOCIAL. CORDE. Política nacional de integração da


pessoa portadora de deficiência. Brasília: CORDE, 1992.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 121

— a falta de análise crítica e reflexiva acerca da integração,


envolvendo técnicos e portadores de deficiência;
— insuficiência de ações coordenadas dos serviços disponíveis
da comunidade, governamentais e não governamentais, acar­
retando pulverização de meios;
as ambiguidades na interpretação de textos dos documen­
tos legais referentes aos portadores de deficiência;
— a morosidade nas ações dos vários órgãos governamentais
- relativas ao atendimento das necessidades das pessoas por­
tadoras de deficiência;
— carência de recursos financeiros e materiais destinados ao
seu atendimento nas áreas de saúde, educação e trabalho,
primordialmente; e
— a insuficiência de recursos humanos devidamente qualifi­
cados para seu atendimento.41

Neste documento, em diversos itens fazem-se referên­


cias aos portadores de deficiência como portadores de necessi­
dades especiais. Usam-se, portanto, como sinônimas tais
expressões. Exemplificando, tem-se na definição dos obje­
tivos o seguinte: "apoio à formação de recursos humanos
para suprimento das necessidades de atendimento das
pessoas portadoras de deficiência e/ou necessidades especiais,
numa filosofia cuja atuação profissional seja orientada para
a concretização dos princípios da normalização e integração
social".42 Dentre as "Ações Estratégicas" para a área de edu­
cação destacam-se:

— formar e treinar multiplicadores para o atendimento edu­


cacional especializado;

41. Idem, p. 13.


42. Idem, p. 19.
122 MARCOS J.S. MAZZOTTA

— propor reciclagem de professores do sistema regular de


ensino, nos níveis estadual e municipal, visando ao cumpri­
mento da determinação constitucional do artigo 208;
— estimular a formação de "professores reabilitadores" e
"educadores infantis";
— fomentar a implantação de serviços de apoio aos educandos
com necessidades especiais;
— promover a especialização de professores para funções de
professor consultor e professor itinerante;
— implantar salas de recursos de apoio a portadores de ne­
cessidades especiais;
— difundir, através de alteração curricular nos cursos de
graduação, informações sobre portadores de deficiências;
— adequar os programas de capacitação profissional às espe-
cificidades do portador de deficiência em articulação com as
organizações públicas representativas;
— estimular a pesquisa, a investigação e aquisições científicas
que contribuam para o conhecimento e combate tanto às cau­
sas quanto aos efeitos das deficiências...43

Esta política, acompanhando de perto e cumprindo o


disposto no Plano Nacional de Ação Conjunta para Integração da
Pessoa Deficiente, elaborado pela CORDE em 1986, revela
amplo e preciso conhecimento da questão a ser equacionada.
Um importante indicador, para ilustrar tal afirmação, é o
dimensionamento lúcido das dificuldades a serem enfrenta­
das para viabilizar a almejada integração.
Com grande acerto, o documento esclarece que, por
constituir uma política social, requer intervenção do Estado
e da sociedade civil. Cabe lembrar, no entanto, que a própria
CORDE precisará pautar sua atuação dentro dos limites de

43. Idem, p. 19-20.


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 123

suas atribuições, a fim de se evitar duplicidade e conflito nas


decisões e ações dos órgãos federais e ao mesmo tempo ga­
rantir a coordenação e o apoio à execução dos programas e
propostas de tais órgãos, particularmente os de educação.
Ainda em 1992, o Departamento de Educação Supletiva
e Especial, do MEC, definiu as seguintes ações prioritárias
para 1992/93:

— promoção e apoio ao desenvolvimento de programas e


projetos de capacitação de recursos humanos na área de Edu­
cação Especial;
— apoio técnico e financeiro aos sistemas estaduais, munici­
pais e instituições filantrópicas no desenvolvimento da Edu­
cação Especial;
— implantação, gradativa, de serviços de atendimento a
crianças de zero a 6 anos com necessidades especiais onde eles
ainda não existam;
— conscientização da comunidade sobre os direitos do aten­
dimento educacional especializado aos portadores de neces­
sidades especiais, bem como da importância da prevenção de
deficiências;
— articulação com órgãos governamentais e não governamen­
tais para o aperfeiçoamento da Educação Especial desde a
pré-escola até a profissionalização, tendo como referência a
integração ao sistema regular de ensino;
— publicação e divulgação da revista Integração e outros
materiais que venham subsidiar o desenvolvimento da Edu­
cação Especial;
— apoio às inovações educacionais na área de Educação Es­
pecial.44

44. Araújo , M. L. Mendonça. A universidade deve ter uma participação efetiva


na busca de alternativas para o desenvolvimento da educação especial. MEC/SEF.
Integração, v. 4, n. 8, p. 3, jan./fev./mar. 1992.
124 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Outro documento oficial cuja análise contribui para a


compreensão da Política Nacional de Educação Especial é a
Proposta de Inclusão de Itens on Disciplinas acerca dos Portadores
de Necessidades Especiais nos Currículos dos Cursos de 2o e 3o
Graus.
Elaborado pela SEESP, em 1993, com a colaboração de
um grupo de trabalho composto por professores universitá­
rios, o mencionado documento tem a finalidade de oferecer
subsídios à ação do Conselho Federal de Educação para a
revisão dos currículos dos cursos de formação de educadores
e outros profissionais que atuam com pessoas portadoras de
deficiências.
Tal iniciativa, da mais alta importância, pleiteada há
tantos anos pelos educadores que atuam em educação es­
pecial, deve contar com o apoio dos principais órgãos pú­
blicos envolvidos com a questão da deficiência, a fim de se
obter o melhor resultado possível. O entrosamento em nível
federal é imprescindível para se evitar distorções e dupli­
cidade de ação governamental, particularmente com a
CORDE que, em sua política de integração da pessoa por­
tadora de deficiência, inclui, dentre suas ações estratégicas,
a seguinte: "difundir, através de alteração curricular nos
cursos de graduação, informações sobre portadores de
deficiências".45
Não entrando no mérito do conteúdo proposto, a busca
de articulação da Secretaria de Educação Especial do MEC
com o Conselho Federal de Educação já constitui um passo
importantíssimo para a melhoria da qualidade da educação

45. MINISTÉRIO DA AÇÃO SOCIAL. CORDE. Política nacional dc integração da


pessoa portadora de deficiência. Brasília: CORDE, 1992. p. 20.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 125

especial. Seja pela aproximação das posições assumidas nas


diretrizes dos dois órgãos federais de educação, seja pela
possibilidade de melhor situar a educação especial no con­
texto da educação escolar, do ponto de vista das políticas
públicas de educação, essa medida significa um grande avan­
ço. Haja vista as gritantes diferenças de posições entre tais
órgãos, na década de setenta, apontadas anteriormente nes­
te trabalho.
Dentre os planos educacionais segue-se o Plano Decenal
de Educação para Todos, elaborado pelo Ministério da Educação
e do Desporto, em 1993, tendo como cerne "o imperativo de
universalização com qualidade, aspiração maior da socieda­
de brasileira, com a consequente erradicação do
analfabetismo".46 Tal plano inclui, explicitamente, os portado­
res de deficiência como um dos segmentos, da clientela escolar,
merecedores de "atenção especial nos esforços para o alcan­
ce da universalização com qualidade e equidade". A postura
oficial, assumida neste Plano com relação aos portadores de
deficiência, parece estar coerente com a que denomino "visão
dinâmica" da relação entre tais educandos e a educação es­
colar. Seja quando aponta como importante a implementação
de "estratégias de ensino para atender às necessidades espe­
cíficas de aprendizagem do aluno especial",47 seja quando
enuncia a necessidade de esforços adicionais para a melhoria
do acesso e da permanência escolar, destacando a busca da
"integração à escola de crianças e jovens portadores de defi­

46. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Plano decenal de educação


para todos. Brasília: MEC, 1993. (Apresentação.) Este plano baseia-se nas posições
consensuais sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem, assinada em Jomtien, Tailândia, em março de
1990, durante a Conferência Mundial promovida pela ONU.
47. Idem, p. 32.

9
126 MARCOS J. S. MAZZOTTA

ciência e, quando necessário, o apoio a iniciativas de atendi­


mento especializado".48
Os princípios, como já mencionado, revelam uma "visão
dinâmica ou por unidade" dos educandos e da educação.
Entretanto, será, extremamente importante cuidar para que
as propostas e ações, do próprio MEC, não se mantenham
dentro da "visão estática ou por dicotomia" que tem sido
tradicionalmente assumida na política educacional brasileira,
particularmente pelos órgãos federais específicos.
Um dos mais importantes documentos oficiais foi ela­
borado pela Secretaria de Educação Especial e publicado em
dezembro de 1993, estabelecendo a Política Nacional de Edu­
cação Especial (PNEE). Tal política está definida, na Apresen­
tação, como "a arte de estabelecer objetivos gerais e especí­
ficos, decorrentes da interpretação de interesses,
necessidades e aspirações de pessoas portadoras de defici­
ências, condutas típicas (problemas de conduta) e de altas
habilidades (superdotadas), assim como de bem orientar
todas as atividades que garantam a conquista e a manuten­
ção de tais objetivos.49
Declara-se que tal Política visa a "garantir o atendimen­
to educacional do alunado portador de necessidades espe­
ciais" e que se "espera que, até o final do século, o número
de alunos atendidos cresça em pelo menos 25%, o que ainda
será muito pouco, face à demanda (estimada em cerca de 10%
da população, dos quais apenas cerca de 1% recebe atendi­
mento educacional). Para o êxito das ações, é indispensável
que os três níveis (Federal, Estadual E Municipal) do Gover­

48. Idem, p. 41.


49. MEC. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial.
Brasília: MEC/SEESP, 1993.
EPIJCAÇAO ESPECIAL NO BRASIL 127

no c a sociedade tomem parte dos trabalhos, somando esfor­


ços e recursos'7.50
Nesta "Apresentação" da PNEE, é apropriado apontar
t Iue a definição dada não se refere nem se restringe ao campo
educacional, podendo, portanto, chocar-se ou confundir-se,
no todo ou em parte, com outras políticas sociais, como por
exemplo a definida pela CORDE para os portadores de defi­
ciência ou de necessidades especiais.
O destinatário desta PNEE é apontado como sendo o
portador de necessidades especiais e não, propriamente, o alu-
nado que apresenta necessidades educacionais especiais. A meta
de ampliar em 25% o atendimento até o final do século, ou
seja, em um período de sete anos, demandaria uma justifica­
tiva explícita, mesmo porque está sendo apontada sua insu­
ficiência face à demanda.
Na "Introdução", informa-se que o conteúdo desta Po­
lítica se fundamenta na Constituição Federal de 1988, na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, no Plano Decenal de Edu­
cação para Todos!MEC e no Estatuto da Criança e do Adoles­
cente. Tal conteúdo distribui-se por seis capítulos: revisão
conceituai, análise da situação da educação especial no país,
fundamentos axiológicos, objetivo geral, objetivos específicos
e diretrizes gerais.
No Capítulo I é feita a revisão do conceito de Educação
Especial, de doze termos relativos à clientela da educação
especial e de onze que se referem às modalidades de atendi­
mento educacional. Sem avaliar o mérito de toda a revisão
empreendida no presente estudo, é relevante analisar a revi­
são de alguns desses conceitos.

50. Tdem, p. 1-2.

>
128 MARCOS J.S.MA2/MÍU

De início cabe destacar a definição dada à Educação Etíp&


ciai: "E um processo de desenvolvimento global das potendíi?
lidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas
ou de altas habilidades, e que abrange os diferentes níveis e
graus do sistema de ensino. Fundamenta-se em referenciais
teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas
de seu alunado. O processo deve ser integral, fluindo desde n
estimulação essencial até os graus superiores de ensino".5'
Como se pode observar, a Educação Especial é conceitu*
ada sob uma "visão estática", compreendendo uma relação
direta e necessária entre o portador de deficiência, condutas
típicas ou de altas habilidades e a educação especial. Nesse
sentido, supõe que todas as pessoas nestas condições reque­
rem a educação especial. Tal postura é inteiramente contrária
à proposta de integração, tão decantada nos textos oficiais
federais.
O Alunado da Educação Especial é definido como "consti­
tuído por educandos que requerem recursos pedagógicos e
metodologias educacionais específicas. Genericamente chamado
de portador de necessidades especiais, classifica-se em: por­
tadores de deficiência (mental, visual, auditiva, física, múlti­
pla), portadores de condutas típicas (problemas de conduta)
e os de altas habilidades (superdotados)".5152
Há aqui uma imprecisão que dificulta o entendimento,
pois, ao mesmo tempo em que se refere aos "educandos que
requerem recursos pedagógicos e metodológicos educacio­
nais específicos", afirma que são genericamente denominados
portadores de necessidades especiais.512

51. Idem, p. 5.
52. Idem, p. 6.
Ifült Af, AO ESPECIAL NO BRASIL 129

I ,ogo adiante define Pessoa Portadora de Necessidades Espe-


i lãk como sendo aquela que "necessita de recursos especiali-
iidos para superar ou minimizar suas dificuldades". Portan­
to, não se refere nem se restringe ao campo educacional. Do
pnnlo de vista do autor do presente trabalho, a expressão
apropriada para o alunado da Educação Especial, numa abor­
dagem "dinâmica", seria "educandos com necessidades edu-
i m ionais especiais". Em primeiro lugar porque não se enten­
de como uma pessoa possa portar necessidades, trazer consigo
on em si, mas entende-se que possa apresentar ou manifestar
necessidades especiais em determinadas situações. Observa-se
que, numa perspectiva "estática", entende-se que a deficiência,
ou, no caso, a necessidade especial, é inerente ao indivíduo,
enquanto, numa visão "dinâmica", tal circunstância se concre­
tiza na relação do indivíduo com o ambiente (no caso, o am­
biente educacional). Em segundo lugar, porque não se trata de
quaisquer necessidades, mas de necessidades educacionais.
Fica aqui patenteado, mais uma vez, o entendimento,
do órgão específico de educação especial do MEC, de que a
clientela da educação especial é a que "requer cuidados es­
peciais no lar, na escola e na sociedade", conforme já assumia
oficialmente o extinto CENESP em documento de 1974, rei­
terado pela SENEB no documento de 1990, anteriormente
analisado. Depreende-se que não se trata de uma clientela
com necessidades educacionais a serem atendidas por ações
educacionais formalmente organizadas, seja em programas
de educação escolar, de habilitação ou reabilitação. Trata-se
de clientela com necessidades especiais cujo atendimento
envolve, ou deve envolver, serviços especiais de saúde, jus­
tiça, transporte, bem-estar social etc., além dos educacionais.
Esquece-se, ou ignora-se, que é pelos serviços educacionais
especiais que a Educação Especial tem responsabilidade di­
130 MARCOS J.S. MAZZOITA

reta a cumprir, ainda que, evidentemente, sem desconsiderar


outras possíveis necessidades.
Dentre os termos específicos usados para os vários gru­
pos de alunos, observa-se que se substituiu a denominação
problemas de conduta por portador de condutas típicas e superdo­
tado por portador de altas habilidades. Da mesma forma, magi­
camente, a partir de 1986, desapareceu, dos textos e atos
oficiais federais, a expressão alunos excepcionais e em seu lugar
passou-se a empregar alunos portadores de necessidades especiais.
A este respeito, é preciso salientar que, mais do que mudar
os termos utilizados na literatura especializada (nacional e
estrangeira) e nos textos legais, o fundamental seria interpre­
tá-los o mais correta e profundamente possível no contexto
atual da educação. Tais alterações, que até sugerem desprezo
pelo conhecimento científico e pela reflexão crítica, têm con­
tribuído grandemente para o descaso, confusão e descrédito
na Educação Especial.
Em que pese o louvável esforço, dos atuais responsáveis
pela Educação Especial no MEC, para clarificar conceitual-
mente os principais elementos envolvidos no desenvolvimen­
to da Educação Especial, observam-se, nesta política, impor­
tantes indicadores da manutenção das principais posições
filosóficas e políticas desta área no Brasil, refletida na viscosidade
com relação ao passado, mesmo na busca de novos caminhos.
Além da visão estática da educação especial e de seu
alunado, conforme já apontado, ao definir as modalidades de
atendimento educacional como "alternativas de procedimentos
didáticos específicos e adequados às necessidades educativas
do alunado da educação especial e que implicam espaços
físicos, recursos humanos e materiais diferenciados,53 revela,

53. Idem, p. 11.


II ri It Ai, AO ESPECIAL NO BRASIL 131

nhMs uma vez, uma "visão reducionista" que restringe o


trabalho educacional Aos "procedimentos didáticos", esque-
temlo-se dos demais Aspectos envolvidos na organização do
rnsino, tais como os administrativos e disciplinares que, além
tia estrutura curricular, compõem a organização do trabalho
escolar. Por outro laAio, em diversas partes do texto, fica
subentendida a identificação da educação especial com
psicopedagogia,54 danado-lhe um sentido clínico e não peda­
gógico. Atenção espacial precisará ser dada a este ponto, a
lim de que na operacionalização da política, através da ação
governamental, prevaleça o caráter educacional, pedagógico,
tia educação especial e não o "psicopedagógico".
No Capítulo II, intitulado "Análise da situação da Edu­
cação Especial no Brasil", menciona-se apenas as últimas duas
décadas, com referências à Lei n. 5.692/71 e à Constituição
bederal de 1988, segnidas de evidente apologia ao CENESP
e à SEESP. Destaca-se, por exemplo, que a criação do CENESP
constituiu "um març0 das ações sistematizadas, visando à
expansão e melhoria do atendimento educacional prestado
no Brasil". Comete-se, aí, um equívoco, a não ser que se es-

54. Em 1990, a Assodação Brasileira de Psicopedagogia propôs a seguinte


definição: "Psicopedagogia é a área que estuda c lida com o processo de aprendi
zagem e suas dificuldades". Nj(l Brasil a Psicopedagogia tem sido interpretada, pela
quase totalidade dos que nela atuam, como trabalho clínico desenvolvido por pro­
fissionais espedalmente preparados (psicopedagogos) para atuarem com crianças
e jovens que apresentem problemas de aprendizagem, com vistas à sua "recupera­
ção" ou "reeducação". Nesta abordagem estão aqueles que se voltam, basicamente,
para as dificuldades ou distúrbios de aprendizagem, atribuindo-os, quase sempre,
a razões de ordem orgânica e que requerem intervenção terapêutica espedalizada.
Esta é a visão mais tradidonal e que tem se refletido em alguns planos e programas
de educação espedal propostos por órgãos federais de educação. Outros profissio­
nais focalizam mais o processo de aprendizagem do que, propriamente, as dificul­
dades. Neste caso cabe dtar Elde A. F. Salzano Masini, da FEUSP, particularmente
em seu trabalho intitulado Psicopedagogia na escola, apresentado na III Reunião
Anual da Associação Brasilçjra <je Psicopedagogia, em 1992, em São Paulo.
132 MARCOS J.S. MAZZOTTA

clareça que se trata das ações governamentais federais, pois


alguns Estados brasileiros já têm tal atendimento sistemati­
zado desde o início dos anos 1960, como é o caso de São
Paulo e Rio de Janeiro. Evidentemente, a criação do CENESP
impulsionou a instalação de serviços educacionais especiais
em diversos Estados, seja oferecendo orientação técnica, seja
dando apoio financeiro, ou ambos. Todavia, é questionável
que tenha propiciado a melhoria do atendimento educacional
prestado no Brasil.
No referido capítulo, há referências à busca da "opera-
cionalização do processo de integração escolar e no mundo
do trabalho" e à significativa atuação das organizações não
governamentais como grupos de pressão pela conquista de
direitos. Destacam-se, a seguir, vinte e duas "principais difi­
culdades para cuja remoção são estabelecidos os objetivos da
Política Nacional de Educação Especial".
A esperada "Análise da situação da Educação Especial
no Brasil" não se concretiza neste capítulo. Em vez de breves
referências históricas e ilações, teria sido mais apropriado
incluir considerações críticas sobre a política educacional,
face à natureza do documento em questão. Algumas afirma­
ções genéricas são feitas sem qualquer indicação de dados
que as sustentem. Apresenta um levantamento de dificulda­
des (vinte e duas), sem uma análise crítica que lhes dê signi­
ficado para subsidiar a pretendida Política Nacional de
Educação Especial.
O Capítulo III, dedicado aos "Fundamentos axiológicos",
apresenta oito princípios que norteiam a ação pedagógica.
Dentre eles estão os tradicionais princípios da Normalização,
Integração e Individualização.
No Capítulo IV está definido o "Objetivo geral da polí­
tica nacional de Educação Especial" nos seguintes termos:
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 133

"Fundamentação e orientação do processo global da educação


de pessoas portadoras de deficiências, de condutas típicas e
de altas habilidades, propiciando condições adequadas para
o desenvolvimento pleno de suas potencialidades, com vistas
ao exercício consciente da cidadania". Assim definido, o
objetivo geral parece estar coerente com a visão estática da
Educação Especial e de seu alunado. No entanto, poderá ser
interpretado dentro de uma perspectiva dinâmica, caso in­
clua, também, a possibilidade da educação comum para esta
mesma população. Se assim for, não há por que figurar no
contexto da política de educação especial, nestes termos, já
que deveria estar contido na política educacional mais ampla.
Em outra parte deste trabalho este mesmo ponto foi discuti­
do e analisado.
Implicitamente, tal objetivo pode sugerir que cabe à
Educação Especial, ou aos órgãos públicos responsáveis por
ela, fundamentar e orientar toda a educação de pessoas porta­
doras de deficiências, condutas típicas e de altas habilidades,
quaisquer que sejam as alternativas utilizadas (comum, es­
pecial ou supletiva). Aqui está uma consequência imediata
da imprecisão, também, da clientela ou alunado a que se
destina tal política. É oportuno reiterar, portanto, que o autor
do presente estudo entende que a clientela da educação es­
pecial é composta por educandos com necessidades educacionais
especiais que não são ou não podem ser bem atendidas nas
situações comuns de ensino, sem auxílios educacionais espe­
ciais, demandando situações especiais de ensino. Somente
na medida em que se entender que os "diferentes" ou os que
têm "necessidades especiais" constituem responsabilidade
direta da educação especial é que se poderá considerar apro­
priado o objetivo geral da PNEE tal como enunciado. E não
é esta a posição esposada neste estudo.
134 MARCOS J.S.MAZZOTTA

O Capítulo V contempla os "Objetivos específicos".


Dentre os quarenta e cinco itens detalhados como objetivos
específicos, encontram-se objetivos, procedimentos, recomen­
dações, condições etc. Além disso, há diversas repetições sob
formas diferentes, tais como: "provimento do sistema escolar
de aparelhos e recursos de apoio educativo às pessoas por­
tadoras de necessidades especiais", "provimento do sistema
escolar de recursos tecnológicos para o portador de deficiên­
cia física", "oferta de recursos instrucionais adaptados às
necessidades de portadores de deficiência física", "mobiliário
adequado às características do alunado da educação espe­
cial", e outros como: "ambiente educacional o menos restri­
tivo possível para o alunado da educação especial", "ingres­
so do aluno portador de deficiência e de condutas típicas em
turmas do ensino regular, quando possível".
Cabe observar, ainda, que alguns itens são tão amplos
que é de se estranhar sua caracterização como "objetivos
específicos", tais como: "desenvolvimento global das poten­
cialidades dos alunos" e "integração dos portadores de ne­
cessidades especiais à sociedade".
Se, por um lado, tão extensa relação de "objetivos" tem
o mérito de registrar aspectos que não devem ser subestima­
dos, esquecidos ou ignorados, por outro contribui para o
obscurecimento da importância dos objetivos específicos cujo
alcance seria fundamental no campo da educação, particu­
larmente da educação escolar ou do ensino que se desenvol­
ve em instituições próprias.
Aliás, a respeito do entendimento sobre educação esco­
lar, é oportuno lembrar, com Ferreira55 que, "além do que as

55. FERREIRA, Júlio R. Produção científica em educação espedal. In: UNIVER


SIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. Temas em educação especial. São Carlos:
UFSCar, 1990. p. 98.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 135

pesquisas têm revelado, os próprios documentos e normas


oficiais transmitem uma visão que parece passar ao largo do
conhecimento produzido e acumulado nos últimos anos no
Brasil; visão que, ao mesmo tempo, não parece contemplar
aqueles objetivos fundamentais da educação escolar" (grifos meus).
E, é importante que se diga, o desconhecimento da fun­
ção da escola, particularmente do ensino fundamental, tem
sido apontado como uma forte razão para tantos desacertos
na educação escolar brasileira. Com sua identidade desfigu­
rada ou diluída, a educação obrigatória no Brasil tem sido
interpretada

ora como simples política de proteção social numa perspecti­


va assistencialista, ora apenas como processo de formação de
consciência numa perspectiva ideologizante, ora como uma
vaga preparação para a vida, sem objetivar o que seria essa
preparação. É preciso de uma vez por todas entender que a
função principal da escola é ensinar e que, portanto, o resul­
tado que dela deve ser esperado, avaliado e cobrado é a
aprendizagem do aluno.56

Nesse mesmo sentido, é oportuno lembrar que há pelo


menos quarenta anos, em 1953, o professor José Querino
Ribeiro, em tese apresentada à Universidade de São Paulo,
ensinava que a "atividade específica da escola é a instrução siste­
mática e programada". Dizia também que

desde há muito, a escola não desempenha apenas as atividades


específicas. Ao mesmo tempo, e às vezes até com prejuízo delas,
desempenha também as supletivas, que são aquelas atividades
fora da instrução sistemática e programada, desenvolvidas

56. MELLO, G. N. Políticas públicas de educação. Estudos avançados. São Paulo:


USP, 1991. p. 20. (Série Educação para a Cidadania-I.)
136 MARCOS J.S. MAZZOTTA

para suplementar a ação das outras agências sociais educati­


vas, com mais ou menos legitimidade e consentimento delas.57

Na mesma linha de pensamento, outros educadores têm


destacado estes pontos essenciais para a compreensão da
escola. Esta postura, também assumida no presente trabalho,
coloca o processo de ensino-aprendizagem como o eixo da
organização da escola. Não desconsidera, entretanto, que

funções de outra natureza podem ser assumidas pela institui­


ção escolar, pela imposição de contingências históricas e so­
ciais, mas elas devem estar subordinadas à sua tarefa funda­
mental que é a gestão da relação pedagógica pela qual o
ensino e a aprendizagem se efetuam.58

À medida que a função da educação escolar for sendo


mais bem compreendida e explicada pela e para a sociedade
(civil e política), o entendimento do sentido da educação
comum ou regular e da educação especial irá se tornando
mais claro e generalizado. Em consequência, as políticas
públicas de educação tenderão a avançar no sentido de me­
lhor atender as necessidades de aprendizagem de todos os
brasileiros. Portanto, "a busca de alternativas na educação
precisa começar com um entendimento prévio sobre o que
entendemos por escola".59 Sendo a educação especial uma
modalidade de ensino, sua clara e precisa definição e opera-
cionalização implicam clareza e precisão no entendimento
da educação escolar. O próprio sentido da educação pode aí

57. RIBETRO, Josc Qucrino. Ensaio de uma teoria de administração escolar. Edição
revista, anotada e ampliada por João Gualberto de Carvalho Meneses. São Paulo:
Saraiva, 1978. p. 17.
58. MELLO, G. N. Op. dt., p. 20.
59. ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 2. cd. Rio de Janeiro: Vozes, 1973.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 137

ser clarificado e permitir a compreensão do significado da


educação especial em outras situações de educação formal
que não a escolar, como as que se dão, muitas vezes, em
programas ou serviços de Habilitação e de Reabilitação de
portadores de deficiência.
Retomando a discussão do Capítulo V, cabe destacar que
em alguns itens há referências ora a "sistema educacional", ora
a "sistema escolar" e até a "sistema regular de ensino". Esta
última expressão sugerindo, inclusive, que há um sistema es­
pecial de ensino paralelo ou separado. Nesse sentido, seria
apropriado ter esclarecido o significado destas expressões a fim
de que as proposições não venham a ser totalmente inócuas.
A partir do próprio significado de "educação" e de "sis­
tema de ensino", adotados no Projeto da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), aprovado pela Câmara
dos Deputados em 1993 e em tramitação no Senado Federal,60
pode-se aquilatar a importância e necessidade de se ter pre­
cisado a(s) dimensão(ões) da educação especial abrangida(s)
nesta Política Nacional de Educação Especial. No menciona­
do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tem-se:

Artigo Io — A educação abrange os processos formativos que


se desenvolvem na convivência humana, na vida familiar, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimen­
tos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifesta­
ções culturais.
Parágrafo Io — A presente lei disciplina a educação escolar
que se desenvolve, predominantemente, através do ensino,
em instituições próprias.

60. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei da Câmara n. 101, de 1993. Fixa diretri­
zes e bases da educação nacional.
138 MARCOS J. S. MAZZOTTA

Parágrafo 2° — A educação escolar deverá vincular-se ao


mundo do trabalho e à prática social.
Artigo 11 — Os sistemas de ensino da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios compreendem as redes de
instituições escolares públicas e privadas sob a respectiva ju­
risdição e os órgãos e serviços públicos de caráter normativo,
administrativo e de apoio técnico existentes em seu âmbito.

Perguntar-se-ia, então, a que "processos formativos" a


PNEE se refere? No caso da LDB, como se viu, está explici­
tado que as diretrizes ali fixadas se aplicam à "educação esco­
lar que se desenvolve, predominantemente, através do ensi­
no, em instituições próprias" (grifos meus). E esta PNEE,
aplica-se a todos "os processos formativos" ou apenas à
educação escolar; ou, ainda; à educação formal desenvolvida
no âmbito dos sistemas de ensino e dos serviços de Habilita­
ção e de Reabilitação? Parece-me que a opção mais apropriada
e abrangente teria sido esta última.
No Capítulo VI são estabelecidas as "Diretrizes gerais".
Embora com algumas repetições, pelo grau de detalhamento,
as trinta e seis diretrizes definidas compõem um conjunto
que permite identificar uma melhor configuração da educação
especial como educação e não como terapia, psicopedagogia,
assistência etc. No entanto, reiterando o que foi registrado há
pouco, é fundamental que se indique, com precisão, quando
se referem à educação escolar e quando se aplicam a outras
situações formais de educação, enquanto processo formativo,
como definidas no texto da LDB, a fim de que tenham a co­
erência e a eficácia esperadas.61

61. Cabe lembrar que o autor deste trabalho entende a Educação Especial com
o "conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar,
suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, para
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 139

Em relação aos documentos e planos educacionais an-


leriormente analisados, esta PNEE constitui um importante
avanço em direção à compreensão da educação especial no
contexto da educação, inclusive a escolar. Todavia, como já
apontado, traz, ainda, muito do caráter assistencial e tera­
pêutico, próprio da "educação de deficientes" do passado,
colocando a educação especial como uma transição entre a
assistência aos deficientes e a educação escolar.
A análise dos textos legais, planos educacionais e do­
cumentos oficiais revela, ainda, que, a partir de 1990, parti­
cularmente nos anos de 1992 e 1993, o MEC tem buscado
alternativas que viabilizem a inclusão de portadores de
deficiências, problemas de conduta (condutas típicas) e su­
perdotados (com altas habilidades) na rede regular de ensino.
Além dos materiais destacados e analisados anteriormente,
citam-se, como exemplos, documentos técnicos, como a men­
cionada Proposta de Inclusão de Itens ou Disciplinas acerca dos
Portadores de Necessidades Especiais nos Currículos dos Cursos
de 2o e 3o Graus (1993) e Encaminhamento de Alunos do Ensino
Regular para Atendimento Especializado — Diretrizes (1993), bem
como alguns eventos sobre o tema da "integração de porta­
dores de necessidades especiais" no ensino comum. Tais
medidas podem se configurar como indicadores de uma
tendência das ações governamentais para a educação escolar in­
tegrada. Entretanto, é de se esperar que, no conjunto das
ações do MEC, esteja o correspondente direcionamento dos
recursos financeiros e técnicos para a busca da integração,
de modo a não manter apenas o discurso nesta linha, en­

garantir a educação formal dos educandos que apresentam necessidades educacio­


nais muito diferentes das da maioria das crianças e jovens". In: MAZZOTTA, M. J. S.
Evolução da educação especial e as tendências da formação de proféssores de excepcionais no
estado de São Paido. Tese (Doutorado). São Paulo: FEUSP, 1989. p. 39.
HO MARCOS J.S.MAZZOTTA

quanto a prática se fixa na linha assistencial, terapêutica,


segregadora.
Cabe reiterar que, embora os esforços devam voltar-se
prioritariamente para as situações educacionais mais inte­
gradas no ensino regular, não se pode desmerecer ou menos­
prezar a relevância das situações educacionais mais segrega-
das, em determinadas circunstâncias, para diversos alunos.
Deve-se atentar para não se incorrer no equívoco de simples­
mente desacreditar e desativar serviços educacionais espe­
ciais apenas por se caracterizarem como segregados. Dura­
mente conquistados, principalmente pelos movimentos
conduzidos por grupos de pais, tais recursos precisam ter seu
valor e importância devidamente dimensionados. Nem figu­
rarem como prioridade da ação governamental, meramente
por tradição, tampouco serem sumariamente levados à ex­
tinção, por julgamentos apressados.
Uma Política Nacional de Educação Especial precisa, em
outras palavras, configurar um conjunto coerente de princí­
pios e propostas para a educação formal dos educandos que
apresentem necessidades educacionais especiais. Isto não
significa que, necessariamente, a política nacional deva estar
dimensionada em um determinado documento oficial, mas
que os princípios e propostas para a educação especial este­
jam coerentemente contemplados na legislação, nos planos
educacionais e nos documentos oficiais. O documento Polí­
tica Nacional de Educação Especial cumpriria melhor seu papel
como texto subsidiário às políticas educacionais.
Com exceção dos dois planos objetivamente voltados para
as pessoas portadoras de deficiência (AIPD/81 e CORDE/86),
os demais planos educacionais analisados, principalmente os
específicos de Educação Especial, não apresentam uma iden­
tificação precisa de seus destinatários.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 141

O estudo comparativo dos planos educacionais, buscan­


do conhecer a política de educação especial, possibilitou cons­
tatar a mesma ambiguidade presente na legislação e normas,
com relação à população alvo e aos propósitos governamentais.
Como dito anteriormente, embora não pretendendo perma­
necer em uma discussão meramente terminológica, o que in­
clusive poderia obscurecer outros elementos básicos do tema,
é oportuno lembrar que a significação e os efeitos das palavras
dependem do contexto em que elas se encontram. Nos vários
planos de educação especial algumas palavras-chaves são
utilizadas, com relação à clientela (deficientes, excepcionais,
educandos com necessidades especiais, educandos especiais,
portadores de deficiências, portadores de características espe­
ciais), às justificativas (tendências, diretrizes, princípios, obje­
tivos) e às ações (integração, normalização, prevenção etc.), de
tal modo que sua compreensão se torna difícil.
Além disso, em alguns planos o uso de sofismas acaba
por comprometer sua coerência interna e externa. Um exem­
plo está no Plano Nacional de Educação Especial 1977/79, quan­
do seus elaboradores fazem a interpretação do Quadro A,
conforme apontado anteriormente neste trabalho.
Diante de todas estas considerações e entendendo-se
por Política um conjunto coerente de princípios e propostas,
constata-se a ausência de uma "Política Nacional de Educa­
ção Especial". Os elementos que poderíam compor uma tal
política na verdade se encontram diluídos nas diversas po­
líticas públicas que, diga-se de passagem, a duras penas se
consegue descobrir e identificar. Mesmo consubstanciada
em documento oficial próprio: Política Nacional de Educação
Especial, MEC/SESPE, 1993, tal "política" continua inexis-
tindo por faltar-lhe precisão, coerência e clareza, conforme
foi demonstrado.
142 MARCOS J.S.MAZZOTTA

As principais tendências que caracterizam tais políticas


em âmbito nacional, até 1990, são: centralização do poder de
decisão e execução, atuação marcadamente terapêutica e assistencial
em vez de educacional, ênfase ao atendimento segregado realizado
por instituições especializadas particulares.
Nestes termos, as políticas públicas federais para o aten­
dimento educacional aos excepcionais, ou educandos com
necessidades educacionais especiais, além de não comporem
uma Política Nacional de Educação Especial, estão em total
desacordo com os princípios norteadores da posição teórica
esposada e apresentada neste estudo, calcada na visão dinâ­
mica da relação entre o portador de deficiência e a educação
escolar.
Em razão disto, reitero, a seguir, alguns pontos por mim
destacados em 1988, na V Conferência Brasileira de Educação
(CBE),62 que reputo como importantes para a construção de
uma política nacional de educação especial:

a) estruturas e concepções do passado não devem ser ignora­


das ou desprezadas, mas tampouco devem subsistir de modo
viscoso a ponto de impedir o surgimento de novos temas,
novas propostas e recursos de ação. Não ficar preso ao passa­
do, mas incorporá-lo na construção do novo é buscar sólidas
alternativas para melhores propostas;
b) a elaboração de leis, planos educacionais e políticas sociais
dentro de gabinetes, ainda que de "iluminados", sem a parti­
cipação da coletividade, não tem lugar nem valor numa so­
ciedade que busca posturas e meios democráticos;
c) as expressões e termos a serem empregados devem refletir
com clareza sua significação a fim de viabilizar a coerência

62. MAZZOTTA, M. J. S. Política nacional de educação especial. Cadernos CE­


DES, Educação Especial, n. 23, p. 5-16,1989.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 143

necessária à caracterização de uma política educacional e sua


melhor interpretação e aplicação nas situações concretas;
d) o estudo cuidadoso de critérios e mecanismos para aplica­
ção dos recursos públicos; o papel das instituições educacio­
nais públicas e particulares; o papel dos profissionais envol­
vidos, particularmente o professor e sua valorização, são
alguns dos elementos para a identificação dos meios necessá­
rios. Não é demais lembrar que meios e fins, com suas recí­
procas influências, constituem uma mesma totalidade;
e) o dimensionamento apropriado dos vários aspectos da
educação especial depende da correta percepção das diversi-
dades regionais, nos múltiplos fatores que definem a deman­
da e oferta de atendimento especializado.
E oportuno, também, salientar que medidas parciais, fragmen­
tárias e isoladas tendem a agravar ainda mais a situação
existente e contribuir para um distanciamento cada vez maior
das condições gerais da coletividade, imprimindo feições
peculiares a situações que, mais que especiais, são comuns; e,
mais do que individuais, são sociais. Caracterizar a educação
especial (política, administrativa e pedagogicamente) na edu­
cação e explicitar seu papel na educação escolar e na escola
pública, clarificando sua presença nas políticas sociais, signi­
ficará revelar a posição assumida pelo Estado na sociedade
democrática brasileira.
A necessária ação integrada somente se viabilizará mediante
uma política de serviços fundamentada na intercomplemen-
taridade das áreas de saúde, trabalho, justiça, previdência,
assistência, educação etc., diretamente dirigidas para a ques­
tão social. Nesse sentido é que transparece como indispensá­
vel a participação efetiva dos segmentos representativos da
sociedade civil na elaboração de propostas básicas para a
construção de consistentes pilares de uma política de educação
que tenha uma clara identidade no conjunto das políticas
sociais no Brasil.
144 MARCOS J.S. MAZZOT TA

Finalizando o estudo da política nacional de educação


especial, é fundamental retomar e destacar alguns dos ele­
mentos que subsidiam as perspectivas nesta área.
É oportuno lembrar que para o órgão específico de edu­
cação especial do MEC, como evidenciado em seus planos,
projetos e documentos oficiais, a clientela da educação espe­
cial, independentemente da denominação que tenha (porta­
dor de deficiência, excepcional, portador de necessidades
especiais), foi sempre entendida como composta por "[...]
todos os que requerem consideração especial no lar, na esco­
la e na sociedade".63
Tanto a CORDE quanto o MEC, este com algumas osci­
lações, utilizam os termos "portador de necessidades espe­
ciais" e "portador de deficiência" como sinônimos.
Como se observou, o sentido assistêncial e terapêutico atri­
buído à educação especial, pelo MEC, permaneceu explícito até
1990, quando, em documento oficial, se reconheceu que "pela
primeira vez, o MEC começa a encarar a educação especial
inserida no contexto global da proposta de educação para
todos". Daí em diante há alguns indicadores da busca de sua in­
terpretação como educação escolar.
A análise dos instrumentos legais e normativos, além
dos planos educacionais e documentos oficiais, especifica­
mente voltados para os portadores de deficiência e a educa­
ção especial, possibilitou constatar a manutenção das principais
posições filosóficas e políticas desta área no Brasil, refletindo a
viscosidade do apego ao passado mesmo na busca de novos
caminhos.

63. Definição de Helena Antipoff em Boletim da Sociedade Pestalozzi do Brasil,


Rio de Janeiro, n. 39, 1966, adotada pelo MEC desde o Projeto Prioritário n. 35 —
Educação Espedal — do Plano Setorial de Educação e Cultura —1972/74.
IIH (CAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 145

Por outro lado, a legislação e os planos nacionais relativos à


educação geral evidenciaram uma gradativa evolução ao contemplar
os direitos à educação dos portadores de deficiência. Tal evolução
deu-se no sentido de uma visão dinâmica da relação do por-
l.idor de deficiência com o sistema de ensino. Seguindo,
I >ortanto, trajetórias diferentes, pelo menos até final da déca­
da de oitenta, seria de se esperar a concretização do distan­
ciamento e até da marginalização da educação especial em
relação ao sistema de ensino.
Embora perseverando em uma visão estática da relação
entre o portador de deficiência e a educação escolar (deixan­
do subentendido que os portadores de deficiência necessitam
de educação especial) e caracterizando-se por uma visão reâu-
cionista da Educação Especial (entendida como mera questão
metodológica ou de procedimentos didáticos), a SEESP/MEC
tem elaborado documentos técnicos e tomado medidas que
podem estar apontando uma tendência das ações governamen tais
federais para inclusão da educação especial no contexto da educação.
Apoiando-se na Constituição Federal de 1988, no Esta­
tuto da Criança e do Adolescente (de 1990), no Projeto da
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (de 1993), e no
Plano Decenal de Educação para Todos (1993), o documento
mais recente da SEESP/MEC, Política Nacional de Educação
Especial, destaca a importância da participação conjunta, dos
três níveis governamentais (federal, estadual, municipal) e
da sociedade para a melhoria da educação dos portadores de
necessidades educacionais especiais. Dentre suas ações, a
busca de articulação com o Conselho Federal de Educação,
embora tardia, constitui importante passo para a melhoria
da educação especial, pois a aproximação das diretrizes dos
dois órgãos federais poderá favorecer a configuração da
Educação Especial no cenário educacional brasileiro.
146 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Tais iniciativas sugerem uma certa mudança da postura


administrativa do MEC, buscando diminuir a centralização t*
ampliar a participação nas decisões políticas sobre educação especial,
Este tipo de mudança, acompanhada da substituição da
visão estática da educação especial e seu alunado por uma
visão dinâmica, poderá conduzir à consolidação de uma
apropriada política nacional de educação especial.
CAPITULO I \/

Políticas estaduais e municipais de


educação do portador de deficiência

I. Considerações sobre as Constituições Estaduais e a


educação do portador de deficiência

A Constituição Federal de 1988 estabelece, explicitamen­


te, algumas garantias aos portadores de deficiência. Além
dos direitos assegurados a todos, há alguns dispositivos es­
pecificamente dirigidos a este segmento da população brasi­
leira. Tais dispositivos distribuem-se em três Capítulos: (II)
Da Seguridade Social, (III) Da Educação, da Cultura e do Despor­
to e (VIII) Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso-, todos
incluídos no Título VIII, Da Ordem Social.
No Capítulo II, o artigo 203 estabelece que "a assistência
social será prestada a quem dela necessitar, independente­
mente de contribuição à seguridade social", tendo como
objetivo, dentre outros, "a habilitação e reabilitação das pes­
soas portadoras de deficiência e a promoção de sua integra­
ção à vida comunitária".
148 MARCOS J.S. MAZZOTTA

No Capítulo III, o artigo 208 dispõe que o dever do Es­


tado com a educação será efetivado mediante a garantia de,
dentre outros, "atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino".
No Capítulo VII, o artigo 227 define que ”é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade", dentre outros, o direi­
to à educação. Para tanto, o Estado promoverá programas de
assistência integral à saúde da criança e do adolescente,
guiado por preceitos tais como: "criação de programas de
prevenção e atendimento especializado para os portadores
de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de inte­
gração do adolescente portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, a facilitação do
acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de
preconceitos e barreiras arquitetônicas"; "a lei disporá sobre
normas de construção de logradouros e dos edifícios de uso
público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a
fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência".
Em 1989 foi a vez dos Estados reescreverem suas Cons­
tituições. Embora não seja propósito deste estudo analisar
tais Constituições e tampouco as políticas estaduais, um le­
vantamento do que foi contemplado como garantias especiais
para os portadores de deficiência, particularmente no campo
da educação, poderá contribuir para se ter uma visão geral
dos desdobramentos dos preceitos constitucionais federais.
O ponto de referência para tal observação, encontra-se
no artigo 208, inciso III, da Constituição Federal (CF): "aten­
dimento educacional especializado aos portadores de defici­
ência, preferencialmente na rede regular de ensino". De re­
LUUCAÇÀO ESPECIAL NO BRASIL 149

cente estudo realizado por Oliveira e Catani,1 foram extraídos


alguns subsídios que, complementados com outras informa­
ções e considerações do autor do presente trabalho, cobrem
a maioria dos Estados brasileiros.
As Constituições do Acre (artigo 191, III), Paraíba (artigo
207), Piauí (artigo 217, X), Rio Grande do Norte (artigo 138, III),
Sergipe (artigo 217, III) e Tocantins (artigo 125, III) repetem a
formulação do artigo 208, III, da CE Bahia (artigos 247, III e
IV, 251) acrescenta atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a 6 anos de idade. Prevê também estimulação
precoce e profissionalização para os portadores de deficiência.
Paraná (artigo 179, IV) reitera a gratuidade. Minas Gerais (ar­
tigo 198, III e XIV) assegura, também, recursos humanos e
materiais adequados, atendimento diferenciado para super­
dotados e vaga em escola próxima à residência do aluno.
Alagoas (artigo 198, IV e XIII) e Goiás (artigo 157, III) também
garantem recursos humanos e materiais adequados. Maranhão
(artigo 223) acrescenta a estimulação precoce e o ensino pro­
fissionalizante. Pernambuco tem uma formulação um pouco
diferente, no artigo 179, II, pois assegura "educação especia­
lizada para indivíduos que apresentem condições excepcio­
nais de aprendizagem que dificultem o acompanhamento de
processo de educação regular a partir de zero ano, em todos
os níveis". Assegura, também, no artigo 192, a reserva de
vagas nos estabelecimentos de ensino. Mato Grosso do Sul
(artigos 190, IX, e 193) inclui a realização de exames preven­
tivos de deficiência visual e que os municípios, em colabora­
ção com o Estado, ofereçam ensino especial. Pará (artigo 276)
prescreve atendimento especializado, também, para os su­
perdotados, inclui a educação para o trabalho, preferencial­

1. OLIVEIRA, R. Portela de; CATANI, A. M. Constituições estaduais brasileiras e


educação. São Paulo: Cortez, 1993.
150 MARCOS J.S. MAZZOlfA

mente na rede regular de ensino, com os materiais e equipa*


mentos adequados. Assegura às instituições privadas
especializadas o apoio e acompanhamento do poder público.
Ceará (artigo 229) assegura a educação em todos os graus
escolares, em classes comuns ou especiais quando necessário.
Prescreve, ainda, que as bibliotecas públicas deverão contar
com centros de informações sobre assuntos relativos à defi­
ciência e acervos de livros em braile. Dispõe que toda entida­
de estadual de reabilitação deverá manter também cursos de
pré-escola e primeiro grau e profissionalizante. Garante a
provisão de meios para as entidades filantrópicas particula­
res e estabelece que anualmente o Estado realize campanhas
de conscientização e esclarecimento sobre os portadores de
deficiência. Espírito Santo (artigo 171) reafirma a obrigação
dos Poderes Públicos em garantir educação especial, até 18
anos de idade, para os que necessitarem de classes especiais,
unidades escolares com aparelhos e equipamentos para a
integração na rede regular de ensino; criação de programas
de educação especial em hospitais e congêneres de internação,
por prazo igual ou superior a um ano para portadores de
doença ou deficiência. Prescreve, ainda, que o Estado aplica­
rá, na educação especial, percentual dos recursos da educação.
O Estado do Rio de Janeiro (artigo 305, IV, V, e parágrafo
4o), além do previsto no artigo 208 (CF), prevê ensino profis­
sionalizante especializado na rede regular de ensino, matrí­
cula em escola pública mais próxima da residência do aluno,
atendimento aos superdotados, implantação, no prazo de doze
meses (artigo 46, parágrafo único, Disposições Transitórias),
de sistema braile em pelo menos um estabelecimento da rede
oficial de ensino em cada região fluminense, além de criação
da carreira de intérprete para deficientes auditivos; assegura,
também (artigo 335, II), aos portadores de deficiência, o direi-
Iftl IÇAÇÀO ESPECIAL NO BRASIL 151

In à assistência desde o nascimento, abrangendo estimulação


precoce, ensino de I o e 2o graus e profissionalizante, sem li­
mite de idade, obrigatórios e gratuitos.
A Constituição do Rio Grande do Sul (artigos 199, VII, e
214) garante o atendimento educacional aos portadores de
deficiência e aos superdotados, assegurando-lhes, também,
em qualquer idade, a educação especial; prevê a implantação
de programas governamentais para formação, qualificação e
ocupação dos deficientes e superdotados, bem como a cele­
bração de convênios com entidades particulares para com­
plementar o atendimento. Nas Disposições Transitórias (ar­
tigo 19) estabelece prazo de 120 dias para o Poder Executivo
propor Lei Ordinária criando loteria de números para apoiar
entidades comunitárias e públicas que se dedicam à educação,
recuperação e integração social do deficiente.
No Estado de São Paulo, a Constituição de 1989 inclui
dispositivos específicos, destinados a salvaguardar direitos
dos portadores de deficiência, no Capítulo III, Da Educação
da Cidtura e dos Esportes e Lazer (artigos 239, parágrafo 2°, 245,
parágrafo único, e 250, parágrafo 2o), e no Capítulo VII, Da
Proteção Especial (artigos 277, parágrafo único, 278, IV, VI, 279,
280 e 281). Dispõe que o Poder Público organizará o sistema
estadual de ensino abrangendo todos os níveis e modalidades,
incluindo a especial, e oferecerá atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmen­
te na rede regular de ensino; sempre que possível, a prática
de esportes individuais e coletivos será levada em conta em
face das necessidades dos portadores de deficiência. Assegu­
ra a especificidade do curso de formação do magistério, no
ensino médio, inclusive com formação de docentes para
atuarem na educação de portadores de deficiência. Estabele­
ce que as empresas e instituições que recebam recursos finan­
152 MARCOS J.S. MA7?Om

ceiros do Estado para realizarem atividades culturais, edu*


cacionais, de lazer e outras afins, prevejam o acesso e á
participação de portadores de deficiência; a promoção de
programas especiais, pelo poder público, admitindo-sc rt
participação de entidades não governamentais, com o pro*
pósito de integração social de portadores de deficiência,
mediante treinamento para o trabalho, convivência e facili-
tação do acesso aos bens e serviços coletivos. Além disso,
dispõe que os Poderes Públicos estadual e municipais deve­
rão assegurar condições de prevenção de deficiências; im­
plantar centros profissionalizantes para os que não possam
frequentar a rede regular de ensino e sistema braille em esta­
belecimentos da rede oficial de ensino, em cidade-polo regio­
nal. Assegura incentivos às empresas que adaptarem seus
equipamentos para o trabalho de portadores de deficiência;
garante acesso adequado aos logradouros e edifícios de uso
público e veículos de transporte coletivo urbano.
Alguns Estados não constam deste levantamento pelo
fato de não ter sido possível, neste momento, contar com as
informações necessárias. De qualquer modo, as informações
disponíveis são suficientes para se constatar a reprodução do
artigo 208 (CF) em todas as Constituições estaduais. Além
desse e dos demais conteúdos da Constituição Federal, alguns
Estados contemplaram outros aspectos em suas Constitui­
ções. Assim, encontram-se disposições referentes à garantia
de serviços educacionais especializados aos superdotados, a
crianças portadoras de deficiência em pré-escola a partir de
zero anos, serviços de estimulação precoce e profissionaliza­
ção, medidas de prevenção de deficiências (particularmente
a deficiência visual), apoio governamental às instituições
privadas, implantação de sistema braille em pelo menos um
estabelecimento regional, formação de docentes no ensino
médio para a educação de portadores de deficiência (SP),
w
ÜUÍ A(,ÀO ESPECIAL NO BRASIL 153

jiiHlituição de intérprete para deficientes auditivos (RJ), bi-


hliolecas públicas com centros de informação sobre deficiên­
cia e acervo de livros em braile (CE), realização de campanhas
Anuais (CE) e internação hospitalar por prazo de um ano para
portadores de doença ou deficiência (ES).
Pode-se observar que alguns desses aspectos não se
relacionam com a educação propriamente dita, mas se con-
liguram como culturais, sociais, assistenciais, médicos etc.
Kessalte-se, também, que o nível de detalhamento de alguns
deles é inapropriado a um texto constitucional; melhor fica­
riam em legislação complementar, regulamentando ou ope-
racionalizando dispositivos da Constituição. Na Constituição
do Espírito Santo, a garantia de internação hospitalar pode
induzir à confusão entre doença e deficiência. Na do Estado
de São Paulo, a garantia de formação de docentes no ensino
médio pode refletir desconhecimento da realidade do Estado
neste aspecto. Por um lado, pode-se ter ignorado que em 1989
já havia vinte e um cursos superiores de formação de profes­
sores especializados no ensino de portadores de deficiência,
nas diversas regiões do Estado de São Paulo;2 por outro lado,
não deixa claro se se trata de formar o professor de Ia a 4a
séries para atuar, também, no atendimento regular do porta­
dor de deficiência, no ensino comum, ou de formar profes­
sores especializados em educação especial, nos moldes do
que ocorria no Estado, até 1972.
Estes últimos pontos destacados servem de indicadores
da diversidade de entendimento dos legisladores sobre a
educação dos portadores de deficiência e a realidade de seu
atendimento. Está presente também a atuação de lobbies, ou a

2. MAZZOTTA, M. J. S. Evolução da educaçao especial e as tendências da formação


de professores de excepcionais no estado de são paulo. Tese (Doutorado). São Paulo: FEUSP,
1989.
154 MARCOS J.S. MAZZOTTA

influência exercida por grupos de pressão organizados por


pais e por portadores de deficiência. Diversas conquistas eslào
contempladas, mas sua eficácia dependerá, em grande parte,
de sua inclusão nos planos e ações educacionais compondo «1
política estadual de educação deste segmento da população,

2. Educação especial na política educacional do Estado de


São Paulo

2. I Legislação e N o rm as

No Estado de São Paulo, a preocupação com o atendi­


mento educacional especializado do aluno excepcional ou
com necessidades educacionais especiais parece ter sido
concretizada a partir de 1917. Naquele ano, pela Lei n. 1.879,
de 19 de dezembro, foi criada, na capital, a primeira "escola
de anormais". Há, no entanto, informações de que tal escola
não chegou a ser instalada.
Posteriormente, em 1930, por iniciativa do dr. Durval
Marcondes, foi criada e instalada no edifício da Inspeção
Médica Escolar, no largo do Arouche, uma "escola de anor­
mais", cuja regência foi atribuída ao professor Norberto de
Souza Pinto. Ao mesmo tempo, também na capital, foi insta­
lada uma "classe especial de anormais" no Grupo Escolar do
Belém, hoje EEPG Amadeu Amaral.

A) Período de 1933 a 1965

Excluídas algumas medidas isoladas para atendimento


a pequenos segmentos da clientela da Educação Especial,
conforme apontado no Capítulo II, já em 1933 observa-se uma
li il JCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 155

tomada de decisão política neste campo. Nascido sob a in-


lluência do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova sobre a
Reconstrução Educacional do Brasil, de 1932, o Código de Edu­
cação do Estado de São Paulo3 dimensionou os aspectos filo­
sóficos, sociais e técnicos de cada órgão ou serviço da estru-
lura administrativa que estabeleceu.
Em sua análise é preciso destacar, inicialmente, que o
listado de São Paulo, através deste Código de Educação de
1933, inclui a educação especializada no contexto da educação
em geral e, mais ainda, no âmbito da educação pública. Para a
realização da educação especializada são definidos nove tipos
de escolas especializadas autônomas como modalidades de
atendimento escolar aos deficientes físicos ou mentais, doen­
tes contagiosos e deficientes da fala. Há, também, a alterna­
tiva de educação especializada nos grupos escolares, através de
classes especiais, quando não for possível a instalação de es­
colas autônomas. Dentre as dez alternativas de organização
escolar para a educação especial, fica evidenciada uma prefe­
rência pelas escolas especiais. Entretanto, tais escolas deveríam
seguir os mesmos requisitos dos grupos escolares no que diz
respeito ao pessoal administrativo. A despeito dessa prefe­
rência inferida dos termos do artigo 824, parágrafo Io, fica
delineada a preocupação com a integração da educação es­
pecial, seja como modalidade da educação pública, seja como
modalidade de serviço especial nas escolas públicas comuns
ou grupos escolares.
É importante assinalar ainda a objetividade revelada no
estabelecimento das diretrizes sobre seleção dos alunos e na
caracterização dos diversos tipos de escolas.

3. Instituído pelo Decreto n. 5.881, de 21 de abril de 1993. São Paulo (Estado).


Coleção das leis e decretos do estado de São Paulo de 1933. 2. ed. São Paulo: Imprensa
Ofidal do Estado de São Paulo, 1935. p. 278. t. XLII.
156 MARCOS J.S.MAZZOTTA

Ao "Serviço de Higiene e Educação Sanitária Escolar'*


atribui a responsabilidade pela seleção dos alunos para as
diferentes escolas, com exceção das "escolas ortofônicas".
Especifica, a seguir, a finalidade de cada tipo de escola e sua
clientela. Para a organização das escolas para deficientes
mentais, define quatro princípios, dentre os quais se desta­
cam: "serão centros de alegria, arte e conforto, onde a edu­
cação e a therapeutica assumam importância maior do que
a instrução" e "a educação de anormaes terá caracter quanto
possível individual e será confiada a professores primários
que tenham preparo pedagógico especializado". Estabelece,
ainda, que no Instituto de Educação serão organizados, anu­
almente, cursos teóricos e práticos para candidatos ao m a­
gistério nas escolas e classes especializadas. Possibilita a or­
ganização de escolas especiais junto a hospitais de crianças
em idade escolar, para crianças que não possam frequentar
classes ou escolas comuns, "em consequência da longa hos­
pitalização a que sejam obrigadas".
Para o atendimento educacional aos alunos que neces­
sitem da educação especializada, não omitiu o referido Có­
digo de Educação a importância do professor. Tanto para
funções docentes quanto para a direção de unidade escolar é de­
finido o pré-requisito de que o candidato seja normalista.
A educação especializada, embora definida como edu­
cação escolar, revela um caráter médico-pedagógico no tipo
de atendimento proposto para as escolas especializadas au­
tônomas. O mesmo ocorre com relação às classes especiais,
que, a despeito de integrarem o sistema escolar, devem ser
confiadas a professores primários com preparo pedagógico
especializado e subordinar-se ao Departamento de Educação.
Quanto à concretização destas diretrizes e normas do
Código de Educação de 1933, não há informações e não con-
FPUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 157

siste objeto do presente estudo investigá-la mais a fundo. To­


da via, mesmo ao nível de propósitos proclamados, sua impor­
tância é incontestável enquanto manifestação e registro de uma
política educacional. Neste sentido, como se verá mais adian­
te, seus efeitos parecem ter sido fortes o bastante para marcar
os rumos da educação especial no Estado de São Paulo.
Por ocasião da promulgação do referido Código de
Educação, há registros de que duas classes para "débeis
mentais" foram instaladas em 1933, na capital, anexas à Es­
cola Normal Padre Anchieta. Isto se deu graças ao interesse
de Fernando de Azevedo, diretor geral do Ensino, e Antonio
de Almeida Júnior, chefe do Serviço de Higiene e Educação
Sanitária Escolar.
Em 1938, foi criada a Seção de Higiene Mental Escolar,
como unidade do Serviço de Saúde Escolar dirigido pelo
médico dr. Durval Marcondes. Dentre outras atribuições, à
referida seção cabia organizar a assistência médico-pedagó-
gica aos débeis mentais e promover a preparação e aperfei­
çoamento de técnicos especializados.
Até a primeira metade da década de sessenta, numero­
sos atos oficiais a respeito da educação de deficientes físicos
ou mentais indicam a assunção de responsabilidade pelo
Poder Público em relação a esta população. Durante este
período os atos de caráter normativo disciplinavam a educa­
ção de deficientes, de forma estanque, por área de deficiência.
Através da Lei n. 2.287, de 3 de setembro de 1953, o
governador Lucas Nogueira Garcez regulamentou a criação
de Classes Braille nos cursos pré-primário, primário, secun­
dário e de formação profissional em geral. Destinadas a
alunos cegos e "amblíopes",4 tais classes somente poderiam

4. Hoje denominados alunos com visão subnormal.


158 MARCOS J.S.MAZZOI fA

ser regidas por professores especializados no ensino de cegos. Pela


referida Lei, os alunos das Classes Braille deveriam frequen­
tar "as aulas comuns do respectivo curso, nas matérias cujo
aprendizado depende de visão" e, nas demais matérias, re­
ceber "assistência e orientação especiais do encarregado
dessas classes". Em 1955, pela Lei n. 24.714, de 6 de julho, o
governador Jânio Quadros autoriza a Secretaria de Estado
dos Negócios da Educação a contratar, sob a forma de con­
vênio, a Fundação para o Livro do Cego no Brasil (FLCB),
sediada em São Paulo, para executar a Lei n. 2.287, de 3 de
setembro de 1953.
Dispondo sobre condições para instalação e funciona­
mento de "Classes Braille'' e de "Conservação da Vista", o
Decreto n. 26.258, de 10 de agosto de 1956, estabeleceu que
as Classes Braille, para cegos, destinavam-se a crianças de 5
a 7 anos, para o curso pré-primário, e de 7 a 14 anos, para o
primário. Respeitadas as mesmas faixas etárias, as classes de
conservação da vista destinavam-se a "amblíopes". Por esse
decreto foi autorizada pela primeira vez a instalação de clas­
ses noturnas para adolescentes e adultos deficientes visuais,
para funcionarem em escolas estaduais com duas horas diá­
rias. Em tais classes deveria ser desenvolvido o programa
oficial do ensino primário, adaptado às exigências especiais
dos alunos cegos e "amblíopes". A instalação de classes para
cegos e "amblíopes" somente poderia ocorrer por proposta da
Delegacia de Ensino, devendo sua regência ser atribuída, ex­
clusivamente, a professores normalistas portadores de certificado
de especialização em ensino de cegos expedido pelo Instituto de
Educação Caetano de Campos.
Em 1960 o governador Carlos Alberto de Carvalho Pin­
to, pela Lei n. 5.989, de 20 de dezembro, aprova "o acordo
celebrado entre o governo do Estado de São Paulo e a Fun-
IPUC AÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 159

ilação para o Livro do Cego no Brasil". Mediante este acordo,


a Secretaria da Educação passa a oferecer recursos materiais,
financeiros ehumanos à FLCB, tendo esta "ampla autonomia
na organização e direção dos serviços escolares de educação
e ensino especializado de cegos e "amblíopes", competin­
do-lhe, privativamente, deliberar nos casos da proposta de
eliminação de educandos que se rebelarem contra o regime
disciplinar das unidades escolares". A duração do acordo foi
fixada em cinco anos, a partir de Io de janeiro de 1961, pror­
rogável por igual prazo.
Logo em seguida ao acordo com a Fundação para o Livro
do Cego no Brasil, a 26 de dezembro de 1960, a Lei n. 5.991
estabelece diretrizes e normas sobre o ensino de cegos e am­
blíopes. Pela referida Lei, o ensino de cegos e amblíopes
deveria ser promovido, pelo Poder Executivo, mediante
cinco modalidades de recursos escolares: Classe Braille (para
cegos), de Conservação da Vista para Amblíopes, de Ajustamen­
to (em escolas residenciais e escolas oficiais ou particulares
para crianças cegas ou amblíopes com deficiências adicionais),
Classes Especiais (em escolas residenciais ou particulares para
crianças cegas ou amblíopes de pré-primário e primário) e
Ensino Itinerante (em escolas oficiais ou particulares). Em
todas as modalidades a regência era privativa de professores
especializados por Instituto de Educação do Estado.
Quanto à educação dos deficientes auditivos e da fala,
em 1958, pelo Decreto n. 34.380, de 29 de dezembro, foi criado,
no Departamento de Educação da Secretaria da Educação do
Estado, o Serviço de Educação de Surdos-Mudos. Tal Serviço,
criado para "prestar assistência educacional a todos os defi­
cientes da audição e da fala no Estado, de nível pré-primário
e primário", passou a administrar e orientar as classes espe­
ciais desta área. No mesmo decreto há a exigência de habilita­
160 MARCOS J.S MAÍIplÜ

ção na especialidade para que os professores pudessem assumi*


as classes especiais. No Serviço de Educação de Surdos Mu
dos, em 19645** foi criado o Setor de Educação e Assistência nos
Deficientes Audiovisuais, com a finalidade de atender aluno§
portadores de deficiências conjugadas de audição e visão
Conforme Comunicado n. 67, de 28 de setembro de 1965, u
número mínimo de alunos para instalação de classes especiflii
de deficientes auditivos deveria ser de cinco e o máximo de
dez, com idade entre 4 e 14 anos.
Na área de educação de deficientes mentais, no período
ora analisado, destaca-se primeiramente o Decreto n. 31.136,fi
de Io de março de 1958, que dispõe sobre a instalação do
classes especiais para a educação de crianças deficientes
mentais educáveis. Define como deficiente mental educável
"a criança cujo desenvolvimento mental, avaliado pelo exame
psicológico individual, é retardado desde o nascimento ou
desde a infância, mas que revela possibilidades de aprendi­
zagem por meio de processos educacionais destinados a
torná-la economicamente útil e socialmente ajustada". Con­
forme este decreto, as classes especiais para crianças deficien­
tes mentais educáveis em idade escolar, "subordinadas à
orientação médico-peáagógica da Seção de Higiene Mental Es­
colar, terão a matrícula máxima de dezoito alunos e se inte­
grarão no sistema comum administrativo dos estabelecimentos,
respeitando, no que couber, a legislação escolar vigente" (grifos
meus). A seleção dos alunos a serem encaminhados às classes
especiais ficava sob a responsabilidade da Seção de Higiene
Mental Escolar. No artigo 5o o decreto dispõe que a regência
das classes especiais deve ser atribuída a professores primários

5. Por Portaria n. 75, do Diretor Geral do Departamento de Educação, de 21 de


maio de 1964.
6. D iá rio O ficial d o E stad o, p. 4,2 mar. 1958.
Itíl/c AÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 161

ivm curso de especialização, -realizado por Institutos de Educação


nu pela Seção de Higiene Mental Escolar.
No ano de 1963 foram editados diversos atos regula­
mentando o ensino de deficientes mentais. Entre eles desta­
ca-se o Decreto n. 41.444, de 14 de janeiro,7 que criou, na
Seção de Higiene Mental Escolar, da Diretoria do Serviço de
Saúde Escolar, da Secretaria de Estado dos Negócios da
Hducação, o Setor Pedagógico Especializado no Ensino de Defi­
cientes Mentais. O referido Setor, além de assumir a orienta­
ção das classes especiais de deficientes mentais, também
passou a ser responsável pelo "Curso de Aperfeiçoamento
de Professores para o Ensino Especializado de Crianças
Mentalmente Retardadas".
Outro ato significativo foi a Portaria n. 246, de 6 de agos­
to de 1963, do Diretor Geral do Departamento de Educação.
Tal portaria criou,

diretamente subordinado ao Diretor Geral, o Setor de Educação


de Deficientes, do Departamento de Educação, com a finalida­
de de coordenar e centralizar todas as atividades administra­
tivas relacionadas aos deficientes em geral que não estejam
enquadrados nas finalidades específicas dos órgãos especia­
lizados já existentes no Departamento de Educação.

Para dirigir tal Setor, foi designado o professor Jorge


Gadig, que passou a acumular tal cargo com suas funções de
Supervisor Geral do Serviço de Educação de Surdos-Mudos.
No dia 7 do mesmo mês, pela Portaria n. 250, o Diretor Geral
do Departamento de Educação cria, diretamente subordina­
do a ele, o Setor de Educação de Mongoloides.

7. Lex Estadual, janeiro de 1963, p. 28.


162 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Em 12 de agosto de 1963, o mesmo Diretor Geral, pela


Portaria n. 255, estabelece que, para se dedicarem ao ensino
de deficientes físicos ou mentais, de qualquer natureza, as
instituições particulares estarão sujeitas a registro no Departamen­
to de Educação. Também os professores e técnicos "deverão
possuir a necessária especialização e o competente registro
ou licença do Departamento de Educação". Tanto para as
instituições, quanto para as escolas, professores e técnicos, o
registro dependería de manifestação do Setor de Educação de
Deficientes. Além disso, ao diretor responsável se exigia título
correspondente à especialidade da escola e dos professores e
técnicos a especialização ou, em sua falta, a autorização do
Setor de Educação de Deficientes. Estabelecia, também, a re­
ferida portaria que, além do atendimento às exigências da
legislação em vigor, para a necessária licença de funcionamen­
to, as escolas e instituições de ensino de deficientes deveriam
sujeitar-se à fiscalização periódica do Setor de Educação de
Deficientes, atendendo a todas as suas observações.
Em 1964, pela Lei n. 8.302, de 9 de setembro, é criado,
junto à Seção de Higiene Mental Escolar, o Setor de Fonoau­
diologia, "destinado a prestar assistência médico-psicopeda-
gógica à criança escolar com distúrbios da voz, da palavra e
da linguagem oral e escrita". Ainda no âmbito da Seção de
Higiene Mental Escolar, desta feita junto ao Setor Pedagógi­
co, pela Portaria n. 145, de 13 de novembro de 1964, o diretor-
-geral do Departamento de Educação autoriza os Assistentes
de Educação de Deficientes Mentais daquele setor

a expedir, com anuência do diretor do Grupo Escolar, certifica­


dos de conclusão do currículo especializado aos alunos de Classes
Especiais que tenham alcançado o limite de 14 anos de idade crono­
lógica e estejam sociabilizados e devidamente alfabetizados.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 163

O certificado sèrá idêntico ao expedido aos alunos de escolas


isoladas.8 (Grifos meus.)

Ainda no mesmo dia, 13 de novembro de 1964, a Circu­


lar n. 7, destinada aos Delegados de Ensino, Inspetores Es­
colares e Diretores de Grupos Escolares, esclarecia que os
alunos de Classes Especiais de Deficientes Mentais não de­
veríam ser promovidos ou reprovados no final do ano letivo,
mas classificados de acordo com o desenvolvimento global
obtido durante o ano letivo. Tal classificação deveria abranger
as seguintes categorias: Adaptação, Io ano especial, 2o ano
especial, 3o ano especial e readaptação. Neste último caso
estariam os alunos que, após exame realizado pela direção
da escola, iriam para o 2o ano comum.
Em 1964, pelo Decreto n. 44.183, de 9 de dezembro, foi
criado, no Departamento de Educação, o Serviço de Educação
e Readaptação de Crianças Mongoloides. Sobre tal serviço, cuja
criação parece ter decorrido do propósito de se atender essas
crianças em classes especiais na rede estadual, não há regis­
tros suficientes para se saber do seu funcionamento.

B) Período de 1966 a 1975

O ano de 1966 marca o início de outra importante etapa


da evolução da educação especial no Estado de São Paulo.
Em 28 de novembro daquele ano, o então governador Laudo
Natel, pelo Decreto n. 47.186, institui o Serviço de Educação
Especial no Departamento de Educação da Secretaria de Es­
tado dos Negócios da Educação. Além da preocupação go-

8. Escolas isoladas eram aquelas não integradas em grupo escolar, que tinham
em uma mesma turma alunos de séries diferentes. As mais comuns eram as do meio
rural.
164 MARCOS J.S.MAZZOI IA

vernamental com a regulamentação das condições para o


cumprimento dos artigos 88 e 89 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei n. 4.024/61, outras razões são
declaradas na exposição de motivos que introduz o referido
decreto. São ali consideradas:
a) possibilidade de " convivência harmônica e solidária dos
vários setores que cuidam da educação de deficientes";
b) recomendação, da II Semana Nacional da Criança
Excepcional, realizada em São Paulo no mês de agosto de
1966, para a "unificação dos estudos e equacionamento dos
problemas de educação das crianças excepcionais";
c) "conveniência e necessidade de reunir sob supervisão
única os esforços que se fazem isolados em cada área de edu­
cação de deficientes." (Grifos meus.)
Nos três considerandos apresentados, é importante
atentar para:
1) suposta divergência entre os setores responsáveis pela
educação de deficientes, que, até então em suas forças entrin­
cheirados, demonstram disposição para uma ação conjunta;
2) pela primeira vez a expressão "crianças excepcionais"
aparece no corpo das diretrizes e normas estaduais;
3) supervisão única das ações desenvolvidas nas várias
áreas da educação especial.
Pelo referido Decreto n. 47.186, a estrutura básica do
Serviço de Educação Especial (SEE) envolve quatro áreas de
atividades:
a) Educação de Deficientes Auditivos;
b) Educação de Deficientes Físicos;
c) Educação de Deficientes Mentais; e
d) Educação de Deficientes Visuais.
11JUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 165

Cada área especializada fica sob responsabilidade dire­


ta de um orientador-chefe e o SEE sob direção de um educador
a ser recrutado entre aqueles "que se hajam revelado no es­
tudo dos problemas da educação dos excepcionais, com su­
ficiente e comprovada experiência de direção". Os professo­
res com funções docentes no ensino de surdos, de cegos, de
deficientes mentais e de deficientes físicos passam a ser su­
bordinados ao SEE. Dentre as competências que lhe são
atribuídas, merecem destaque as de promover esclarecimen­
to público sobre os vários aspectos da educação da criança
excepcional, promover pesquisas, levantamentos estatísticos,
censos e inquéritos visando à melhor estruturação do sistema
estadual de educação especial, além da orientação pedagó­
gica e fiscalização das unidades de ensino especial oficial. Os
orientadores-chefes das áreas de educação especial consti­
tuíam a Consultoria Técnica sob a presidência do diretor do
Serviço.
Em 21 de dezembro de 1966, por ato do secretário da
Educação, foram designadas as seguintes professoras para
exercerem as funções de orientadoras-chcfes do Serviço de
Educação Especial: Yolanda Verga Ulian, para Educação de
Deficientes Auditivos; Regina Anna Gogelis, para Educação
de Deficientes Físicos; Rosa Florenzano, para Educação de
Deficientes Mentais e Luiza Banducci Isnard, para Educação
de Deficientes Visuais.
Pouco depois, para a direção do SEE, foi designada a
professora e assistente social Luiza Banducci Isnard por de­
creto do governador, de 22 de fevereiro de 1967.9 Em sua
substituição na chefia da área de Educação de Deficientes
Visuais, foi designada a professora Margot Camargo Pentca-

9. D iário O ficial do E stad o, n. 35, p. 3, 23 fev. 1967.


166 MARCOS J.S. MAZZOI IA

do de Barros Souza, por ato do Secretário de 23 de abril de


1968.10
A Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em
13 de maio de 1967, em seu artigo 125, parágrafo 2o, preceitua
que o Plano Estadual de Educação incluirá a educação dos ex­
cepcionais do físico, dos sentidos e da inteligência.
Dispondo sobre a organização do sistema de ensino do
Estado de São Paulo, a Lei n. 10.038, de 5 de fevereiro de 1968,
reserva seu Capítulo V para a "Educação de Excepcionais",
abrangendo os artigos 64,65 e 66. A transcrição literal desses
artigos por si só permite a compreensão da posição adotada
no Estado, naquele momento:

Artigo 64 — A educação de excepcionais visa ao atendimento


especial à criança e ao adolescente deficiente ou superdotado
quando não convier que se enquadre no processo comum de
ensino.
Artigo 65 — 0 Conselho Estadual de Educação fixará normas
para a educação de excepcionais.
Artigo 66 — 0 pessoal técnico e administrativo destinado ao
atendimento de excepcionais deverá habilitar-se para esse fim
em cursos especiais.

E oportuno salientar aqui a expressão utilizada, "edu­


cação de excepcionais", bem como a exigência de habilitação
específica para o pessoal técnico e administrativo.
De fundamental importância é também a Lei n. 10.125,
de 4 de junho de 1968, que institui o Código de Educação do
Estado de São Paulo. Em seu artigo 6o, fixa que "a educação
é direito e dever de cada indivíduo e a todos será assegurada,

10. D iá rio O ficia l d o E stado, n. 75, p. 26,24 abr. 1968.


PDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 167

na medida da respectiva capacidade, igual oportunidade de


recebê-la". O artigo 11 dispõe que

0 sistema estadual de educação, assegurando a harmonização


do processo educativo com os objetivos fixados no artigo 5o
desta Lei, consagrará os princípios da variedade de cursos, da
flexibilidade de currículos e da articulação horizontal e verti­
cal dos diversos graus e ramos do ensino, tendo em vista
atender:
1 — As diferenças individuais dos educandos, inclusive dos
excepcionais.

Ainda no ano de 1968, pela Resolução n. 2.136, de 24 de


outubro,11 o governador Roberto Costa de Abreu Sodré ins­
titui um Grupo de Trabalho para "revisar a legislação e re­
gulamentação sobre educação especial, propondo sua refor­
mulação em minuta de anteprojeto de lei, onde se fixam as
linhas mestras de diretrizes e bases de educação especial e a
estrutura de seu órgão executor". Fazia parte do referido
grupo a diretora do SEE.
Em 16 de abril de 1969 o Diário Oficial do Estado noticia
na primeira página a entrega do Relatório do Grupo de Tra­
balho ao governador, que o encaminha à Casa Civil para
estudo. Dentre os elementos noticiados destacam-se:
a) é proposta a execução da educação especial na rede
escolar comum, permanecendo o SEE como órgão de plane­
jamento, controle e orientação técnica;
b) a ação educativa deve transcender o nível primário,
acompanhando os alunos deficientes até o ensino médio e,
em muitos casos, até a universidade;

11. D iário O ficial d o E stad o, n. 204, p. 5,25 nov. 1968.


168 MARCOS J.S.MAZZOI IA

c) os superdotados devem vencer as etapas da escolari-


zação com a aceleração dentro do sistema geral de educação;
d) os professores devem ser recrutados entre os mestres
primários especializados.
O anteprojeto apresentado pelo referido Grupo de Tra­
balho subsidiou o Governo do Estado na reorganização ad­
ministrativa da Secretaria da Educação. Assim, pelo Decreto
n. 52.324, de Io de dezembro de 1969, a Coordenadoria do
Ensino Básico e Normal (CEBN) em seu Departamento de
Ensino Básico (DEB) inclui uma Divisão de Orientação Téc­
nica (DOT) constituída por quatro Serviços: de Ensino
Pré-Primário, de Ensino Primário, de Educação Supletiva e
de Educação Especial. Tal Decreto revogou o Decreto n.
4.186/66, dando nova estrutura ao SEE. Em seguida, a Reso­
lução SE n. 52, de 20 de agosto de 1970, institui quatro Equi­
pes Técnicas no Serviço de Educação Especial:
1) Equipe Técnica de Estudos Pedagógicos,
2) Equipe Técnica de Estudos Psicológicos,
3) Equipe Técnica de Promoção e Divulgação e
4) Equipe Técnica de Recursos Auxiliares.12
Tendo à frente a professora Luiza Banducci Isnard, man­
tida na direção, o Serviço de Educação Especial, com a nova
estrutura, termina de vez a separação entre as áreas especí­
ficas da educação especial, para atuar com vistas aos aspectos
pedagógicos, psicológicos e sociais relacionados às "excep-
cionalidades", bem como aos recursos auxiliares a serem
utilizados na "educação da criança excepcional".
Em 30 de dezembro de 1970, por Resolução do Secretá­
rio da Educação, fui designado para a função de supervisor

12. As atribuições dessas Equipes Técnicas foram redefinidas pela Resolução


SE n. 08/71. Diário Oficial do Estado, 2 fev. 1971.
I! >1 (CAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 169

1 1< 1 Equipe Técnica de Recursos Auxiliares do Serviço de


Educação Especial, atuando com as quatro áreas de excep-
rionalidade.
Por Resolução SE n. 8/71, de Io de fevereiro de 1971, foi
,i provado o Regimento Interno da Divisão de Orientação
Técnica do Departamento de Ensino Básico da CEBN.
A Seção IV do mencionado Regimento Interno13 contém
os dispositivos que redefinem a atuação do SEE. As atribui­
ções do SEE estão definidas através de suas quatro Equipes
Técnicas. Dentre tais atribuições destacam-se:
a) Equipe Técnica de Estudos Pedagógicos: organizar currí­
culos e programas adequados aos diferentes alunos, orientar
procedimentos metodológicos, orientar a avaliação do ren­
dimento escolar, estudar e pronunciar-se sobre os pedidos de
instalação de unidades de educação especial estaduais, mu­
nicipais e particulares;
b) Equipe Técnica de Estudos Psicológicos: realizar estudos
sobre as características afetivo-emocionais do aluno excep­
cional, promover a atualização constante dos professores,
difundir técnicas de orientação de pais, elaborar instrumen­
tos psicológicos que permitam orientar o processo de seleção
de alunos e organização dos recursos educacionais;
c) Equipe Técnica de Promoção e Divulgação: orientar os
órgãos locais e regionais no sentido do aproveitamento e do
entrosamento com os recursos comunitários, necessários à
complementação da educação especial, promover e participar
de pesquisas, censos e levantamentos, esclarecer a comuni­
dade e o público em geral sobre os assuntos relacionados à
educação especial, proceder a estudos sobre a legislação

13. Resolução SE n. 08/71.


170 MARCOS J.S.MAZZOT IA

adequada à educação especial, selecionar bibliografia para a


organização de bibliotecas especializadas;
d) Equipe Técnica de Recursos Auxiliares: realizar estu
pesquisas e avaliações sobre a aplicação prática das desco­
bertas técnico-científicas ao desenvolvimento, adaptação,
seleção, utilização e avaliação de instrumentos, equipamen­
tos e aparelhos capazes de auxiliar a educação do aluno ex­
cepcional, os recursos e técnicas específicas ligadas à comu­
nicação e mobilidade de alunos prejudicados por diversas
condições específicas; organização e realização de cursos,
seminários e reuniões para o aperfeiçoamento profissional e
uso adequado de material e equipamento especializado para
orientadores e professores de excepcionais.
A fim de regulamentar a aplicação do artigo 9o da Lei n.
5.692/71, o Conselho Estadual de Educação, sob a presidên­
cia de Alpínolo Lopes Casali, em 26 de julho de 1973, aprova
a Indicação n. 115/73 de autoria da conselheira Therezinha
Fram. O projeto de deliberação que acompanhou a referida
Indicação foi aprovado como Deliberação CEE n. 13/73,14
fixando normas gerais para a educação de excepcionais.
A referida Deliberação define os alunos excepcionais como
sendo aqueles "que, devido a condições físicas, mentais,
emocionais ou socioculturais, necessitam de processos espe­
ciais de educação para o pleno desenvolvimento de suas
potencialidades". Estabelece, dentre outras coisas, as condi­
ções para a classificação de um aluno como excepcional; as
diretrizes para a elaboração do currículo pleno de educação
especial, possibilitando a ordenação do currículo por níveis
de desenvolvimento do aluno, sem correspondência neces-

14. Esta deliberação está em vigência com a alteração da redação de seu artigo
8", pela Deliberação CEE n. 15/79.
f fiUCAÇÀO ESPECIAL NO BRASIL 171

sária com séries'anuais; a condução da educação especial por


professores devidamente habilitados, bem como orientação
para a elaboração dos regimentos dos estabelecimentos que
promovam a educação de excepcionais.
É importante destacar, ainda, que a Deliberação CEE n.
13/73 revela uma clara opção pelo atendimento integrado no
regime comum de ensino, estabelecendo que em regime especial
de ensino somente deverão ser atendidos os alunos que não
puderem se beneficiar dos recursos integrados; não restringe
o atendimento especial à faixa etária dos 7 a 14 anos, dispon­
do em seu artigo 7o que "nos estabelecimentos oficiais ou
subvencionados pelo Estado, deverá ser assegurada aos alu­
nos deficientes a continuidade de educação, de acordo com
suas potencialidades"; define como formação mínima para
os professores de educação especial a habilitação específica
para o ensino de excepcionais, obtida em cursos superiores.

C) Período de 1976 a 1989

Em 29 de janeiro de 1976, pelo Decreto n. 7.510,15 a Secre­


taria de Estado da Educação foi reorganizada, passando a ter
uma Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
(CENP), órgão técnico normativo, que inclui dois Serviços de
Educação Especial, um subordinado à Divisão de Currículo e
outro, à Divisão de Supervisão. Cada uma destas Divisões é
responsável pelos cinco campos de educação escolar, sendo a
Divisão de Currículo integrada por: Serviço de Ensino de I o
Grau, Serviço de Ensino de 2° Grau, Serviço de Ensino Suple­
tivo, Serviço de Educação Pré-Escolar e Serviço de Educação
Especial. Na Divisão de Supervisão a mesma estrutura se re­

is. Publicada em D iário O ficial do E stad o, de 30 de janeiro de 1976.


172 MARCOS J.S. MAZZOTTA

pete, com uma única alteração, isto é, em vez de um Serviço


de Educação Pré-Escolar, sua estrutura inclui uma Equipe
Técnica de Avaliação e Controle da Educação Pré-Escolar.
Estando à frente da Secretaria de Estado da Educação,
o dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira, designa diretores a
professora Luiza Banducci Isnard e a mim (Marcos José da Sil­
veira Mazzotta), respectivamente para o Serviço de Educação
Especial da Divisão de Currículo (SEE/DC) e para o Serviço
de Educação Especial da Divisão de Supervisão (SEE/DS).
A professora Luiza Banducci Isnard, que vinha dirigindo o
SEE desde sua criação em 1966, continua até início de 1978,
quando se aposenta. A partir daí, por solicitação da coorde­
nadora da CENP, dra. Maria de Lourdes Mariotto Haydar,
assumi as responsabilidades pelo SEE/DC cumulativamen­
te com a direção do Serviço de Educação Especial da Divisão
de Supervisão.
Na estrutura definida pelo Decreto n. 7.510/76, cada
Serviço de Educação Especial passou a ter duas Equipes
Técnicas (E.T.). O SEE/DC com a E.T. de Elaboração de Cur­
rículos e a E.T. de Provisão de Recursos, o SEE/DS com a E.T.
de Orientação e a E.T. de Avaliação.
O campo de atuação dos Serviços de Educação Especial
(DC e DS) da CENP, definido nos artigos 86 e 92 do referido
Decreto, inclui, dentre outras, as seguintes atribuições:
a) elaborar os modelos de organização curricular ade­
quados aos alunos que apresentem desvios acentuados de
desenvolvimento físico, mental e emocional;
b) formular os objetivos da educação especial;
c) estudar as características físicas e psicológicas da
criança excepcional e definir a metodologia de ensino apro­
priada ao tipo de excepcionalidade;
ÈDUCAÇÂO ESPECIAL NO BRASIL 173

d) realizar e/ou sugerir estudos, pesquisas e avaliações


referentes ao emprego de técnicas, processos, aparelhos e
equipamentos especiais que possibilitem ao aluno excepcio­
nal o melhor aproveitamento de suas capacidades;
e) elaborar, avaliar e propor guias curriculares e progra­
mas de ensino de acordo com o tipo de excepcionalidade;
f) estabelecer diretrizes para a organização e funciona­
mento das unidades de educação especial estaduais, muni­
cipais e particulares;
g) elaborar e/ou participar na formulação de especifica­
ções relativas a construções, instalações, equipamentos e
materiais didáticos destinados à educação dos excepcionais;
h) propor estudos e medidas referentes à habilitação,
seleção e recrutamento de docentes e especialistas para a
Educação Especial;
i) elaborar e fornecer ao órgão encarregado de divulga­
ção, trabalhos destinados às publicações técnicas e aperfei­
çoamento de pessoal;
j) promover e orientar a mobilização da comunidade
através da ação conjunta e coordenada dos órgãos técnicos,
regionais e entidades especializadas para a melhoria dos
padrões de atendimento educacional do aluno excepcional;
l) avaliar o desempenho do sistema escolar no âmbito
da Educação Especial;
m) elaborar os mecanismos de acompanhamento, ava­
liação e controle dos programas e projetos que visam à im­
plementação das propostas curriculares referentes à Educação
Especial;
n) propor a criação de novas unidades de Educação
Especial de acordo com as necessidades levantadas, os recur­
sos existentes e os critérios estabelecidos;
174 MARCOS J.S.MAZZOTTA

o) acompanhar, avaliar e controlar as atividades de agru­


pamento, recuperação e promoção dos alunos excepcionais;
p) elaborar diretrizes para avaliar a adequação das ins­
talações, equipamentos e materiais didáticos das classes es­
peciais, bem como das técnicas e recursos utilizados;
q) especificar as necessidades de aperfeiçoamento e
atualização de docentes e especialistas na Educação Especial;
r) propor contatos com instituições que atuem nas áreas
de educação, saúde, serviço social e trabalho visando à cola­
boração em programas de atendimento aos excepcionais.
Além das atribuições específicas dos órgãos técnicos
centrais, a Secretaria da Educação tem, para com a Educação
Especial, as mesmas responsabilidades básicas, através de
seus vários órgãos da administração centralizada e descen­
tralizada, relativas às demais áreas e modalidades de ensino.
Tanto no âmbito dos órgãos normativos quanto dos executi­
vos, a Educação Especial figura juntamente com o Io grau, 2o
grau, ensino supletivo e educação pré-escolar.
Uma análise das atribuições específicas dos SEEs, evi­
dencia que o campo funcional do SEE/DC se caracteriza pela
elaboração de diretrizes e normas relativas à organização
didática e administrativa da educação especial, além da rea­
lização e/ou sugestão de estudos e pesquisas sobre aspectos
didáticos da educação de excepcionais. O SEE/DS, com um
caráter normativo e executivo, atua na elaboração de diretri­
zes e normas relativas ao acompanhamento, avaliação e
controle do funcionamento da estrutura didática e adminis­
trativa da Educação Especial; produzindo e fornecendo ele­
mentos básicos para a atuação do SEE/DC e demais órgãos
da Secretaria da Educação, além de atuar no intercâmbio com
órgãos públicos e particulares.
IÜUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 175

No Decreto n. 7.510/76, é relevante a delegação de com­


petências e atribuições relativas à Educação Especial aos
diversos níveis da administração educacional. Assim, além
da CENP, órgão normativo, das Coordenado ri as de Ensino
do Interior e da Região Metropolitana da Grande São Paulo
(CEI e COGSP), órgãos executivos, e dos Departamentos no
nível central, os órgãos de abrangência regional (Divisões
Regionais de Ensino — DREs) e subregional ou local (Dele­
gacias de Ensino — DEs) têm responsabilidades específicas,
para com a Educação Especial, e gerais, para com todas as
escolas.
Em nível regional, a execução da política educacional
básica da Secretaria da Educação está sob a responsabilidade
das DREs (em número de dezoito em todo o Estado), em cujas
atribuições se incluem a supervisão e prestação de assistência
técnica e administrativa às DEs, além da promoção do
bem-estar físico, mental e social do escolar e o acompanha­
mento do desenvolvimento do aluno. Na estrutura das DREs
há a Equipe Técnica de Supervisão Pedagógica integrada por
Assistentes Técnicos das várias áreas do ensino, inclusive da
Educação Especial Tais Assistentes Técnicos constituem os elos
de ligação entre os Diretores Regionais e os Supervisores de
Ensino, através dos Delegados de Ensino.
Em nível subregional, as DEs são os órgãos responsáveis
pela implementação e disseminação das diretrizes e normas
gerais de ação, para as unidades escolares. Em sua estrutura
há um Grupo de Supervisão Pedagógica com atribuições que
incluem explicitamente a área de Educação Especial.
A despeito de haver concentração, em nível central, de
competências e atribuições que poderíam estar em outros
níveis da administração, observa-se aí uma descentralização
de poderes de decisão e ação, envolvendo os diversos graus
176 MARCOS J S. MA77ÕIIÃ

da estrutura administrativa, do secretário da Educação ÒH

unidades escolares ou escolas, integrando, formalmente, t\


educação especial no âmbito do sistema escolar do Estado de
São Paulo.
Não tendo sido revogado, embora alterado em alguns
de seus dispositivos, o Decreto n. 7.510/76, ainda vigente,
disciplina a estrutura da educação especial.
De fundamental importância para a educação especial
no Estado de São Paulo é também a Resolução SE n. 73,16 de
23 de junho de 1978, que dispôs sobre a educação de excep­
cionais nas escolas de I o e 2o graus da rede estadual de ensi­
no, e a Deliberação CEE n. 18/78,17 complementada pela
Portaria Conjunta CEI/COGSP/CENP, de 11 de dezembro
de 1978, que regulamentaram a autorização e funcionamen­
to de serviços e auxílios educacionais especiais em estabele­
cimentos municipais e particulares. Em 1978, portanto, fica
regulamentada a educação especial em todo o sistema de
ensino do Estado, já que, além da Deliberação CEE n. 13/73,
pela Resolução SE n. 73/78 são estabelecidos os critérios para
a instalação e funcionamento de classes especiais, salas de re­
cursos e ensino itinerante nas escolas públicas de 1 0 e 2° graus
(para retardados mentais educáveis, deficientes auditivos,
físicos e visuais); e, pela Deliberação CEE n. 18/78, o ensino
de excepcionais em estabelecimentos particulares e municipais.
A partir da vigência de tais atos normativos os recursos edu­
cacionais especiais que com eles estivessem de acordo pas­
sariam a integrar o sistema escolar do Estado.
/
E oportuno salientar que a Deliberação CEE n. 18/78 e a
mencionada Portaria Conjunta CEI/COGSP/CENP, dentre

16. Diário Oficial do Estado, p. 19-20, 23 jun. 1978.


17. Diário Oficial do Estado, p. 29, 3 ago. 1978.
iülK AÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 177

nu Iras condições, regulamentaram a necessária qualificação


ilos docentes e técnicos, as dependências físicas mínimas, bem
iumoa denominação do estabelecimento de ensino compatí­
vel com a natureza dos serviços educacionais prestados.
Tais normas não só disciplinam a organização e funcio­
na mento das escolas, mas também corroboram um posicio­
namento político face ao atendimento de excepcionais, situ­
ando-o claramente como educação escolar. A despeito da
ocorrência de ações governamentais em outras dimensões do
atendimento a portadores de deficiências, no âmbito da Se­
cretaria de Estado da Educação fica definida, por um conjun­
to coerente de princípios e propostas, uma política de edu­
cação de "excepcionais", ou seja, de alunos que apresentem
necessidades educacionais especiais (portadores de deficiências
ou superdotados).
Pela Resolução SE n. 93, de 29 de setembro de 1978, foi
atribuída aos Coordenadores de Ensino (CEI e COGSP) a
competência para a concessão de autorização para funciona­
mento de cursos e estabelecimentos particulares de ensino
de Io e 2o graus regulares, de educação pré-escolar e de edu­
cação especial. Normas para denominação de escolas foram
estabelecidas pelo Conselho Estadual de Educação através
da Deliberação CEE n. 10/79. Por elas, quando a escola pro­
piciar atendimento especial, de acordo com o artigo 9o da Lei
n. 5.692/71, a denominação deverá ser Escola de Educação
Especial seguida de "nomes de vultos proeminentes, datas
nacionais ou topônimos". As escolas particulares foi faculta­
do escolherem outra denominação, respeitada a natureza e
os fins do ensino que ministrem.
O ano de 1978 representou, sem dúvida alguma, um
momento profícuo de consolidação da política educacional
esposada pela Secretaria da Educação. Além das já citadas,
178 MARCOS J.S. MAZZOT IA

foi editada a Resolução SE n. 86, de 9 de agosto de 1978, de­


finindo as normas para a celebração de convênios entre a Secre­
taria da Educação e as instituições particulares mantenedoras de
serviços gratuitos de Educação Especial. Os aspectos funda­
mentais desta Resolução, com um sentido de inovação na
política pública são:
a) comprovação de que os alunos a serem atendidos não
podem se beneficiar das unidades escolares oficiais da comu­
nidade;
b) prova de habilitação docente dos professores (curso
específico de 2o ou 3o graus) a serem afastados de seu cargo
de Professor I ou admitidos pela Instituição mediante sub­
venção da Secretaria, podendo, em caráter excepcional, ser
autorizado "professor que comprove ter um mínimo de 180
horas de participação em cursos de extensão universitária,
expansão cultural, especialização ou aperfeiçoamento na área
de Educação Especial, homologados pela Secretaria da Educação";
c) exigência de que o professor, afastado ou contratado
por subvenção, preste, exclusivamente, serviços docentes;
d) definição de número máximo e mínimo de alunos
para composição de grupo/classe para cada professor;
e) fixação da faixa etária de 4 a 18 anos para alunos can­
didatos às classes especiais;
f) afastamento de professores e/ou destinação de sub­
venção proporcional ao número de classes constituídas, não
podendo exceder a 50% do número total de classes.
Em 1979, pela Resolução SE n. 88, a limitação dos afas­
tamentos e/ou subvenção para contratação de professores
em 50% do total de classes deixou de ser fixada, condicionan­
do-os apenas à disponibilidade orçamentária. Essa mudança
parece ter ocorrido para favorecer o atendimento às institui-
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 179

ções particulares. Todavia, foi mantido o caráter de comple-


mentação do atendimento oficial, cumprindo responsabili­
dades do Poder Público não executadas diretamente através
de sua rede de escolas, mediante manutenção de docentes.
Em 1981, deixei as funções de diretor do Serviço de
Educação Especial e passei a exercer as funções de Assessor
Técnico do Gabinete da Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas, nas áreas de supervisão pedagógica e educação
especial. A partir daí a ação conjunta dos SEE, sob direção
das Professoras Especializadas Nancy Godoy de Abreu e
Marilena Lorena, passa a ser por mim coordenada neste nível,
ou seja, do Gabinete da CENP. Esta situação permaneceu até
março de 1983.
Pela Resolução SE n. 15, de 22 de janeiro de 1982,18 o
Secretário da Educação cria o Grupo de Trabalho de Educação
Especial (GTESP), para propor medidas e conduzir à conclu­
são os pedidos de autorização para funcionamento de Esco­
las de Educação Especial, em tramitação nos vários órgãos
da Secretaria da Educação; além de acompanhar, controlar e
avaliar as atividades envolvidas com tais atribuições. A com­
posição do GTESP incluiu um representante de cada uma das
Coordenador ias (CENP, COGSP e CEI) e da Assessoria Téc­
nica de Planejamento e Controle Educacional (ATPCE) da
Secretaria da Educação. Na qualidade de representante da
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas fui coor­
denador deste Grupo de Trabalho.
A criação do mencionado GTESP constitui indicador da
atenção da Secretaria da Educação para com a situação das
instituições especializadas particulares que, por não se carac­
terizarem como mantenedoras de escolas ou de serviços de

18. D iário O ficial d o E stad o, p. 12,23 jan. 1982.


180 MARCOSJ.S. MAZZOI IA

educação escolar, continuavam à margem do sistema de


ensino. O propósito, portanto, do GTESP era o de resolver
essa questão. Outros comentários a respeito encontram-se
mais adiante, na parte relativa à análise dos planos e do­
cumentos oficiais.
Em março de 1983, no governo de Franco Montoro,
ocorrem algumas mudanças na direção de vários órgãos
públicos, sendo apontados outros rumos políticos, inclusive
para a educação. Dentre as ações relacionadas ao atendimen­
to de excepcionais, há aquelas especificamente voltadas para
a educação e educação especial, além de outras mais abran­
gentes como medidas sociais de atendimento a portadores
de deficiência. Para dirigir o SEE/DC da CENP, é designada
em 1984 a Professora Especializada Maria C. R. Machado,
que até então integrava uma de suas Equipes Técnicas.
Pelo Decreto n. 23.131, de 19 de dezembro de 1984, é
criado o Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente,
junto à Secretaria de Estado do Governo. Dentre as atribuições
que lhe foram conferidas, destaca-se a de "implantar e exe­
cutar as diretrizes básicas da política estadual voltada para
a integração social das pessoas deficientes". Sua composição
inclui vinte e sete membros, sendo dezoito representantes de
entidades e/ou pessoas deficientes e nove representantes do
governo estadual, inclusive um da Secretaria da Educação.
Conforme o ato de sua criação, o referido Conselho parece
ter sido investido do papel de coordenador das ações do
governo estadual no âmbito de atendimento aos portadores
de deficiência. Não fica clara, no entanto, sua relação com os
serviços e programas educacionais, especiais ou comuns. Por
outro lado é importante registrar a omissão de representação das
universidades.
Outro ato normativo diretamente dirigido à educação
de excepcionais é a Resolução SE n. 247/86, de 30 de setem-
UIDCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 181

bro de 1986,19 que redefine as normas para a rede escolar


estadual. Tal resolução, complementada por Portaria Con­
junta CENP/CEI/COGSP/DAE e instrução DAE/SE da
mesma data, além de não trazer qualquer avanço, em termos
administrativos e técnico-educacionais, constitui elemento de
retrocesso, em termos de política educacional, embora tenha
sido editada oito anos depois da Resolução SE n. 73/78, re­
vogando-a. Evidência disso é, por exemplo, a opção por um
modelo médico-psicossocial para a caracterização da clientela
da educação especial. Os alunos deficientes visuais são defi­
nidos em razão da acuidade visual e não mais por suas ne­
cessidades educacionais especiais. Além disso, os parâmetros
apontados para a acuidade visual estão em desacordo com
o atual conhecimento científico. Quanto aos alunos portado­
res de deficiência mental, indica-se que se trata de deficiência
mental de grau leve. A Instrução DAE/SE, retomando as
fórmulas preditivas superadas há cerca de duas décadas,
caracteriza tais alunos segundo um modelo de prognóstico
psicossocial e não de diagnóstico psicológico, como o fazia a
Resolução SE n. 73/78, nem como seria mais desejável hoje,
segundo um modelo educacional-escolar.
Quanto às modalidades de atendimento especial, parece
inovar dentro da perspectiva de integração, incluindo Classe
Comum como uma delas. No entanto, a leitura atenta da Re­
solução SE n. 73/78 permite observar que tal modalidade lá
já figurava como uma das alternativas preferenciais. Uma
"inovação" da Resolução SE n. 247/86 é a inclusão de "super­
dotados e talentosos" a serem atendidos na rede escolar esta­
dual em classes comuns. Nos termos em que ali aparece, tal
dispositivo é totalmente anódino em suas causas é efeitos,
especialmente se defrontado com o que já dispusera a Delibe-

19. D iário O ficial d o E stad o, p. 12-13, 24 dez. 1986.


182 MARCOS J.S. MAZZOTIA

ração CEE n. 13/73. As modalidades de atendimento (sala de


recursos, classe especial, unidade de ensino itinerante, classe
comum) são inteiramente descaracterizadas pela Resolução
SE n. 247/86 e Portaria Conjunta CENP/CEI/COGSP/DAE,
tornando de difícil compreensão o seu sentido técnico e legal.
Com relação aos estabelecimentos de ensino municipais
e particulares, a Deliberação CEE n. 18/78, que também re­
gulamentou a Educação Especial, foi revogada pela Delibe­
ração CEE n. 26/86, aprovada em 17 de dezembro de 1986,20
e que, por sua vez, foi alterada pela Deliberação CEE n.
11 /87.21 Tais deliberações não trazem, propriamente, nenhu­
ma alteração para a Educação Especial, dispondo tão somen­
te que a Educação Especial seguirá as normas gerais definidas,
e que, juntamente com a Educação Infantil e o Ensino Suple­
tivo, merecerá 'Tratamento diferenciado dos órgãos compe­
tentes, respeitadas suas características próprias".
A seguir serão apresentados os resultados da análise dos
planos estaduais e outros documentos técnicos oficiais do
Serviço de Educação Especial da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo.

2.2 Planos educacionais e documentos oficiais

A) De 1970 a 1974

O Plano Estadual de Educação 1970/71 foi aprovado pelo


Conselho Estadual de Educação na sua 274a Sessão Plenária
realizada em 2 de outubro de 1969. Além do importante

20. Diário Oficial do Estado, p. 10-11,22 jan. 1987.


21. Diário Oficial do Estado, p. 23-25, Io ago. 1987.
liDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 183

diagnóstico da situação educacional e metas quantitativas


apresentados na segunda parte, o mencionado plano define,
na primeira parte, a Política Educacional do Estado e os Pro­
gramas de Ação. Em relação à Educação Especial, diretamen­
te, destacam-se:

Política Educacional do Estado


I—A política educacional do Estado de São Paulo, observados
os princípios constitucionais e as diretrizes e bases da educa­
ção nacional, visará a:
a) estender as oportunidades de educação, notadamente nos
graus correspondentes à escolarização obrigatória, ao maior
número de indivíduos, inclusive aos excepcionais do f ísico, dos
sentidos e da inteligência e aos que não tiveram acesso à escola
nas idades próprias;
b) prover, adequadamente, de serviços de ensino e de assistên­
cia escolar, as várias áreas do território estadual, de forma a
promover-lhes a expansão social, econômica e cultural e a ga­
rantir a igualdade de oportunidades educacionais a toda a população;

[-]
d) formar e aperfeiçoar o pessoal docente, técnico e adminis­
trativo para a expansão e aprimoramento dos diferentes graus,
ramos e modalidades de ensino;

[•••]
g) estimular e assistir os esforços da iniciativa privada, sem
objetivo de lucro, quando compatibilizados com o Plano Estadual
de Educação [...]22 (Grifos meus.)

Quanto aos Programas de Ação, o do Ensino Fundamen­


tal inclui a "educação, preferivelmente nos estabelecimentos de

22. SÃO PAULO (Estado). Plano estadual de educação. São Paulo: Governo Abreu
Sodré, 1970. p. 5-6. v. I.
184 MARCOS J.S. MAZZOI IA

ensino comum, das crianças portadoras de defeitos físicos ou


deficiência orgânica ou mental, em condições que lhes assegu­
rem rendimento escolar e desenvolvimento global".23 (Grifos meus.)
Destaca-se, em seguida, o Plano de Atendimento à Educa­
ção Especial — 1972/75 (PAEE/72-75), elaborado pelo Grupo
Setorial de Educação Especial para integrar o Plano Estadual
de Implantação da Reforma do Ensino de 1 0 e 2 o Graus. Docu­
mento oficial da mais alta relevância, o referido plano abran­
ge as atividades exercidas pelo Serviço de Educação Especial
bem como "as ampliações de serviços passíveis de serem
efetivados no prazo médio de três anos".
Os aspectos institucionais da educação especial merecem
particular ênfase neste plano, com a apresentação de diversas
sugestões de atos administrativos destinados a fixar a filoso­
fia e a política da educação de excepcionais no Estado de São
Paulo. Na primeira parte é caracterizada a educação especial
mediante descrição de sua clientela, tipos ou modalidades
de serviços especiais e os princípios gerais que a regem.
A segunda parte apresenta um breve histórico dos ser­
viços prestados pelo Estado, seguido de informações sobre
o que estava sendo desenvolvido em educação especial pelos
poderes públicos e pela iniciativa privada. Nesta parte o
próprio delineamento dos problemas existentes na área cons­
titui importante indicador do seu significado. São apontados
dez problemas básicos da educação especial:
1) insuficiência de oportunidades educacionais;
2) recursos para diagnóstico de alunos;
3) formação de professores;
4) instalações e equipamentos;

23. Idem, p. 8.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 185

5) critérios para instalação de classes especiais;


6) alheamento das autoridades escolares;
7) pessoal para supervisão;
8) atualização de professores;
9) provimento dos cargos;
10) inspeção de escolas particulares.
Intitulada "Modelo Setorial", a terceira parte aponta os
rumos da educação especial e sua orientação técnica, no
âmbito da rede de escolas estaduais, bem como os critérios
para instalação e funcionamento de entidades particulares
de educação de excepcionais. Seis itens compõem o referido
"Modelo Setorial":
1) áreas e formas de atendimento (superdotados, crian­
ças de aprendizagem lenta, deficientes mentais educáveis,
deficientes mentais treináveis, deficientes visuais, deficientes
auditivos, deficientes da fala, deficientes físicos e desajustados
emocionais e sociais);
2) critérios para instalação e funcionamento de classes
especiais (serviram posteriormente de subsídios para a edição
da Resolução SE n. 73/78);
3) normas para o ensino itinerante (propondo, dentre
outras, a sede do professor itinerante em estabelecimento de
ensino de localização central em relação aos alunos atendidos
ou em órgão subregional da administração do ensino);
4) supervisão da educação especial (definindo necessi­
dade de formação dos orientadores de educação especial,
provimento das funções de supervisão e delineando as atri­
buições dos supervisores de educação especial);
5) inspeção das instituições particulares (destacando três
grupos de entidades: as autossuficientes, as que recebem
186 MARCOS J. S. MAZZOI TA

subvenção de qualquer natureza do poder público e as que


mantêm convênio com o Estado; justificando a necessidade
de regulamentação dos critérios e condições para instalação
e funcionamento, subsidiou posteriormente a elaboração da
Deliberação CEE n. 18/78);
6) orientação técnica da educação especial (esclarec
o campo funcional do SEE, sua subordinação, alertando que
"tanto os serviços de educação especial quanto seu órgão
central de orientação técnica não devem ficar subordinados
e vinculados a um único grau de ensino", pessoal, enfatizan­
do que o "SEE precisa contar com profissionais experientes
no campo da educação e da orientação profissional para o
equacionamento do problema".
Por refletirem com precisão a política proposta para a
educação especial, é indispensável transcrever aqui as dire­
trizes delineadas na quarta parte do Plano de Atendimento à
Educação Especial 1972/75.

Diretrizes
1) Promoção de educação especial a todos os grupos de ex­
cepcionais que dela possam se beneficiar.
2) Amparo técnico e financeiro a toda a iniciativa privada que
promova a educação de excepcionais, considerada eficiente
pelo Conselho Estadual de Educação.
3) Estudo, avaliação, elaboração e emprego de métodos, téc­
nicas, processos, aparelhos e equipamentos especiais que
possibilitem ao aluno excepcional um melhor aproveitamen­
to de suas potencialidades.
4) Atendimento de alunos excepcionais por professores espe­
cializados em educação especial e orientação por pessoal
técnico especialmente habilitado.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 187

5) Determinação de elegibilidade à educação especial e do tipo


de recurso educacional apropriado, através de diagnóstico
procedido por profissionais credenciados.
6) Abertura de oportunidades de educação especial enquanto
o aluno delas necessitar.
7) Prestação de assistência técnico-pedagógica às entidades
municipais e particulares que se dediquem à educação de
excepcionais.
8) Promoção e adoção de medidas que assegurem, no plano
curricular, a iniciação ao trabalho ou a qualificação profissio­
nal para os alunos excepcionais que atinjam a terminalidade
real antes dos limites fixados para a terminalidade geral.24

Na quinta parte do plano ora analisado, são propostos


os instrumentos para a ação, abrangendo recursos institucio­
nais e, recursos financeiros. Dentre os sete recursos institu­
cionais recomendados, destacam-se: "regulamentação do
tratamento especial a ser dispensado ao excepcional, confor­
me artigo 9o da Lei n. 5.692/71" e "fixação de critérios para
a instalação e funcionamento de classes especiais da rede de
ensino estadual". Para ambos são apresentadas minutas dos
atos oficiais. A primeira subsidiou a elaboração da Delibera­
ção CEE n. 13/73 e a segunda, a Resolução SE n. 73/78,
ambas analisadas anteriormente.
Complementando o PAEE/72-75, bá uma parte com oito
projetos e cinco sugestões de atos oficiais. Os projetos detalha­
dos são:
1) formação de professores;
2) ampliação da rede;
3) classes para deficientes físicos;

24. SAO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Serviço de Educação Espe­


cial. Plano de atendimento à educação especial 1972/75. São Paulo: SE/SEE, 1972. p. 67.
188 MARCOS J.S. MAZZOTTA

4) capacitação de professores;
5) aperfeiçoamento de professores;
6) avaliação de deficientes;
7) instrumento de avaliação;
8) adequação do SEE.
Observa-se que todos os projetos deste plano dizem
respeito à educação escolar. Três deles referem-se, especifica­
mente, à qualificação dos professores. Pela relevância do tema
face à abordagem educacional da Educação Especial, serão
destacados a seguir os projetos de ns. 1, 4 e 5.
Sob n. 1 há o projeto Curso de Formação de Professores de
Excepcionais. Com o objetivo de prover as imidades especiais
com pessoal devidamente habilitado, este projeto define como
meta a preparação, até 1975, de mil e duzentos professores
especializados, sendo setecentos e oitenta para deficientes
mentais, cento e oitenta para deficientes auditivos, cento e
cinquenta para deficientes físicos e noventa para deficientes
visuais. Para a realização de tais cursos a sistemática prevista
incluía o envolvimento de instituições de ensino superior de
formação regular e outras agências, na área de formação de
recursos humanos, existentes na capital e nas regiões do Es­
tado. Dos candidatos aos cursos, exigia-se que fossem porta­
dores de diploma de habilitação para o magistério de Io grau,
obtidos em cursos de 2o grau ou de grau superior. Para o es­
tímulo e facilitação da frequência aos referidos cursos, há a
indicação de que seriam "determinadas normas para a con­
cessão de bolsas de estudos a 35% dos alunos e comissiona­
mento a 15% deles", mediante seu compromisso de prestação
de serviços por dois anos, no mínimo, na rede de ensino oficial.
Os cursos seriam supervisionados pelo SEE e deveriam ser
montados com currículo sugerido no próprio detalhamento
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 189

do referido projeto. Tal currículo, aliás, contendo propostas


para as quatro áreas mencionadas (DA, DF, DM, DV), elabo­
rado anteriormente pelo SEE, serviu de parâmetro para a
instalação dos primeiros cursos superiores no Estado de São
Paulo a partir de 1972. No mesmo projeto são dimensionados
os recursos financeiros necessários e também são definidos os
critérios de avaliação a serem adotados.
O projeto sob n. 4, Capacitação dos Professores Responsáveis
pela Educação de Excepcionais na Rede de Ensino Estadual, está
detalhado para se realizar sob a forma de cursos de trinta
horas de duração. O foco de trabalho é apontado como sendo
a orientação para a elaboração de planos de ensino e orien­
tação metodológica nas diversas áreas do currículo de acordo
com as excepcional idades atendidas.
Finalmente, há o projeto sob n. 5, Aperfeiçoamento de
Professores de Deficientes Auditivos, para Utilização de Recursos
Técnicos Auditivos, abrangendo todos os cento e quarenta e
cinco professores da rede estadual.
Sob a forma de estágio junto à Clínica Otorrinolaringo-
lógica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, tendo
como responsável técnico o médico otorrinolaringologista,
dr. Orozimbo Alves Costa Filho, o aperfeiçoamento dos pro­
fessores especializados envolvia, também, seguimento atra­
vés de correspondência. A responsabilidade administrativa
do projeto era do SEE/DOT/DEB. O referido projeto apre­
senta outra meta complementar que é a provisão, até 1974,
de 87 classes especiais de deficientes auditivos da rede esta­
dual com aparelhagem coletiva de amplificação sonora.
O envolvimento técnico da Santa Casa de Misericórdia
se justifica pelo conteúdo envolvido no aperfeiçoamento
proposto. O propósito principal dos estágios era proporcionar
190 MARCOS J.S. MAZZOTtA

aos professores condições para interpretação de diagnóstico


audiológico, utilização de técnicas de treino auditivo e de manipu­
lação de aparelhos (individuais e coletivos) de amplificação sonora.
O projeto não envolvia gastos com os docentes responsáveis,
já que a Clínica Otorrinolaringológica trabalharia em colabo­
ração com o Estado. Os recursos financeiros providos pelo
Poder Público referiam-se àqueles necessários à permanência
dos estagiários do interior na capital e à aquisição e instalação
de equipamentos.
O sentido desta preparação não era terapêutico, embora
coordenado pelo médico otorrinolaringologista e desenvol­
vido por fonoaudiólogos. Para o apropriado planejamento e
desenvolvimento do trabalho docente com alunos deficientes
auditivos, os conteúdos e propósitos dos estágios constituem
elementos fundamentais, particularmente em uma abordagem
oralista desta educação especial.

B) De 1975 a 1982

A seguir será apresentada a análise do Plano de Atendi­


mento à Educação Especial 1975/79 (PAEE/75-79).25
Logo na sua apresentação justifica-se que diversas pre­
visões do PAEE/72-75 não se efetivaram por falta dos recur­
sos institucionais, humanos e materiais necessários. Em razão
disso, a realização de alguns objetivos e metas foi compro­
metida, "principalmente os ligados ao estímulo à formação
de professores de excepcionais da qual depende a ampliação
da rede, a preparação do pessoal de orientação e o aperfei­
çoamento dos professores no exercício de suas funções",
forçando sua reiteração no PAEE/75-79.

25. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Serviço de Educação Espe­


cial. Plano de atendimento à educação especial 1975/79. São Paulo: SE/SEE, jun. 1975.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 191

São retomados os princípios e propostas do PAEE/72-75,


que definiram a linha filosófica e a política de ação do Serviço de
Educação Especial, acrescentando-se os elementos fundamen­
tais para um novo dimensionamento da Educação Especial
existente e a atualização de projetos e sugestões face à nova
realidade de atendimento. As diretrizes básicas são as mesmas
do plano anterior, incluindo-se em suas metas duas novas
propostas:
1) "identificação das condições nas quais o superdotado
está sendo atendido nas quatro primeiras séries dos estabe­
lecimentos de ensino de Io grau da rede estadual de ensino,
a fim de propor medidas para o atendimento educacional
adequado desses alunos";
2) "elaboração de guia de currículo para alunos retarda­
dos mentais educáveis da rede estadual de ensino do Estado
de São Paulo".26
Na Parte III, intitulada "Plano de Educação Especial", o
item 10, Formação e Capacitação de Pessoal Especializado, com­
põe-se de justificativas e propostas relativas a:
1) capacitação de professores de excepcionais no exercí­
cio de suas funções;
2) capacitação dos orientadores de educação especial;
3) habilitação de professores de excepcionais nas várias
áreas da Educação Especial.
Observa-se aí uma concentração das atenções sobre o
pessoal docente especializado, a nível de formação, atualiza­
ção e orientação técnica, haja vista que, dos oito projetos
constantes do PAEE/75-79, cinco destinam-se, diretamente,
à preparação dos professores de educação especial.

26. Idem, ibidem, p. 116.


192 MARCOS J. S. MAZZOT IA

O projeto n. 1, "Habilitação de Professores de Excepcionais


em Áreas Específicas de Educação Especial,27 além da riqueza de
dados estatísticos e argumentos técnico-científicos apresenta­
dos, inclui dentre suas metas o "estabelecimento de convênios
com Faculdades de Educação para a inclusão em seus cursos
de Pedagogia da habilitação de professores para o ensino de
deficientes auditivos, físicos, mentais e visuais, visando à
preparação de novecentos professores até 1979".
A concretização de parte desta meta teve seu início em
1977, com a celebração de convênios com a Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e a Uni­
versidade Metodista de Piracicaba (UNTMEP).
Em decorrência da reorganização da Secretaria da Edu­
cação pelo Decreto n. 7.510/76, e da recorrente falta de recur­
sos humanos, materiais e institucionais para a atuação do
SEE, um novo plano de ação foi elaborado, em 1977, pelo
SEE/DC/CENP. Tal plano28 constitui uma revisão e atuali­
zação dos planos anteriores — PAEE/72-75 e PAEE/75-79.
Em sua "Introdução" há o esclarecimento de que os proble­
mas não resolvidos durante uma década, 1966 a 1976, obrigam
às mesmas reivindicações, "acrescidas das modificações que
se fazem necessárias pela evolução técnico-científica da edu­
cação especial, que acentuam a defasagem qualitativa e
quantitativa dos serviços de educação especial prestados pela
rede estadual de ensino".29 Além do que foi revisto e atuali­
zado, os aspectos incluídos referem-se à estrutura didática

27. Idem, ibidem, p. 120-129.


28. Foi publicado pela CENP/SE sob o título de Subsídios para a Implantação de
Programas de Educação Especial no Sistema Educacional do Estado de São Paulo. São
Paulo: SE/CENP, 1977.
29. Idem, p. 9.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 193

para a Educação Especial e às medidas facilitadoras do aten­


dimento do aluno excepcional na rede estadual de ensino.
Quanto à estrutura didática, algumas considerações
gerais indicam pontos fundamentais da política proposta.
Dentre outros, destaca-se que os alunos excepcionais "são,
geralmente, assim designados com base no seu desempenho
escolar, em diagnóstico médico e psicológico que especifica
problemas de ordem perceptiva, sensorial, neurológica,
psicológica ou algum outro tipo de análise baseada, princi­
palmente, em prejuízos neurológicos, classificações de retar­
damento mental ou defeitos graves da fala".30 Ainda, carac­
terizando a ação da educação especial, diz, citando Sabatino,
que "os especialistas de educação especial, na escola, visam
a suplementar o currículo da classe, podendo suas atividades
desenvolver-se na classe per se ou em ambientes especiais,
dentro e fora da escola".31
Nestes termos, a educação especial é caracterizada como
atividade suplementar voltada para a eliminação ou minimi-
zação dos obstáculos que cerceiam ou podem cercear o de­
sempenho do aluno na situação comum de ensino. São
também apresentadas, nesta parte do plano, as diretrizes para
a elaboração dos guias curriculares destinados aos alunos
retardados mentais educáveis da rede de ensino estadual.
Tais diretrizes parecem destinar-se especificamente ao próprio
órgão central de educação especial. Reforçam o sentido de
educação escolar à educação especial de deficientes mentais,
que aí são denominados "retardados mentais".
No item sobre dificuldades para o atendimento do ex­
cepcional na rede estadual de ensino, são apresentadas e

30. Idem, p. 103.


31. Idem, p. 105.
194 MARCOS J.S. MAZ/OTtA

comentadas doze dificuldades. De certa forma, as principrtíi


constituem reiteração dos problemas apontados nos plano*
anteriores, acrescentando-se aí as seguintes: "'necessidade de
conscientização das autoridades escolares e da comunidade
em geral para os problemas do aluno excepcional", "neces­
sidade de mecanismos que permitam a ação supervisora da
educação especial e o fluxo de informações entre a unidade
escolar e os órgãos centrais do sistema de ensino, através de
supervisão sistemática", "revisão do Estatuto do Magistério
para fazer justiça ao professor de excepcionais", "necessida­
de de recursos para diagnóstico e avaliação de alunos".
Em tal dimensionamento de necessidades e problemas,
fica evidenciada, mais uma vez, a atenção da política esta­
dual para com a adequada caracterização dos alunos excep­
cionais, a facilitação da integração da educação especial e
do aluno excepcional na educação geral, esclarecimento e
informação à comunidade escolar e em geral sobre educação
de excepcionais e melhoria da situação funcional do magis­
tério especializado.
Ainda em 1977, a CENP/SE edita um plano para a ação
supervisora no sistema de ensino estadual. Supervisão Peda­
gógica em Ação32 é o título do mencionado plano da atuação
governamental. Na primeira parte é detalhado o "modelo
teórico de supervisão". Na segunda parte há uma especifica­
ção da ação supervisora nas unidades administrativas dos
vários níveis da estrutura administrativa da Secretaria da
Educação. Na terceira parte encontram-se as diretrizes para
a ação pedagógica, sendo ali delineadas algumas específicas
para a educação especial. Tais diretrizes contemplam as con-

32. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos


e Normas Pedagógicas. Supervisão pedagógica em ação. São Paulo: SE/CENP, 1977.
i:t KJCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 195

ilições didático-pedagógicas estruturais para a implantação


de um novo modelo pedagógico e de um novo modelo de
supervisão para a educação especial, ampliação dos serviços
educacionais para excepcionais, formação e atualização de
professores e especialistas para a educação especial".33
Além do detalhamento dos aspectos básicos e específicos
da ação supervisora em Educação Especial, neste plano fica,
de uma vez, firmada a supervisão da Educação Especial
plenamente integrada no sistema de supervisão educacional
e escolar do Estado de São Paulo.
Importante também, para complementar o panorama
da ação governamental em relação à educação especial, é um
comentário, ainda que breve, sobre o documento técnico
editado em 1978 pela CENP/SE, denominado Subsídios Re­
lativos à Avaliação de Crianças e Jovens Suspeitos de Excepciona-
lidade, para Fins Educacionais,34
Neste documento oficial são apresentados e discutidos
aspectos ligados à avaliação com vistas a favorecer a melhor
adequação e uniformidade no encaminhamento de alunos
aos serviços educacionais especiais mantidos na rede esta­
dual de ensino. Atendendo os termos da Deliberação CEE n.
13/73 e da Resolução SE n. 73/78, aborda algumas implica­
ções da avaliação no planejamento educacional, critérios de
identificação e classificação de alunos, além de apresentar
considerações psicológicas sobre as "excepcionalidades" e
recomendações relativas à avaliação de excepcionais e à co­
municação dos resultados das avaliações. Destinado princi-

33. Idem, p. 47.


34. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos
e Normas Pedagógicas. Subsídios relativos à avaliação de crianças e jovens suspeitos de
excepcionalidade, para fins educacionais. São Paulo: SE/CENP, 1978.
196 MARCOS J.S. MAZZOTTA

palmente aos profissionais credenciados para realizar este


tipo de avaliação (médicos, psicólogos, assistentes sociais,
pedagogos), o documento tem um sentido exegético que
busca validar e minimizar a distância e/ou discrepância
entre o "modelo médico-psicológico" da avaliação e classificação
das crianças e jovens suspeitos de excepcionalidade e o " mo­
delo educacional-escolar" de colocação e atendimento dos
alunos. Tal interpretação pode ser facilmente compreendida
com a observação de alguns de seus elementos. Por exemplo,
na "Introdução'' encontra-se o seguinte esclarecimento:

Há necessidade de se distinguir com exatidão dois tipos de


diagnóstico:
a) diagnóstico classificatório, através do qual a criança é en­
quadrada em uma dada categoria de classificação médico-psi-
cológica, para encaminhamento aos serviços especiais de
educação;
b) diagnóstico pedagógico, que visa a determinar as necessi­
dades educacionais da criança, em função de suas diferenças
individuais, para determinação do tipo de programa educa­
cional a ser desenvolvido para cada criança em particular.
A formulação do diagnóstico pedagógico é uma responsabi­
lidade dos educadores, ao receber os diagnósticos classifica-
tórios oriundos dos recursos comunitários.35

Este importante documento traduz em termos opera­


cionais os princípios norteadores da filosofia e da política
de educação especial neste período ao nível de Estado de
São Paulo.
Ainda deste período, cabe ressaltar o Plano Trienal 1977­
-1979 que delineia, dentre os objetivos para a área de Educa-

35. Idom, p. 11-12.


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 197

ção Especial, os seguintes: "orientação às autoridades esco­


lares para utilização de todos os recursos da comunidade;
ampliação da rede de atendimento ao ensino especial, sobre­
tudo estimulando a participação de órgãos e instituições afins,
sob a forma de convênios.36
Para a área de recursos humanos da Secretaria da Educa­
ção são previstas seis metas, dentre as quais a de "atualizar e
aperfeiçoar pessoal docente e técnico". O pessoal técnico aqui
referido inclui diretores de escola, supervisores e orientadores
educacionais. No detalhamento desta meta destaca-se a atua­
lização e aperfeiçoamento de "todos os docentes de classes
especiais, visando à melhoria dessa modalidade de ensino".
Dando continuidade aos planos anteriores e em desen­
volvimento ao Plano Trienal 1977-1979, a Secretaria da Edu­
cação do Estado de São Paulo executou, "no período de 1976
a 1979, programas visando ao melhor e mais amplo atendi­
mento possível. Dentro das condições e recursos existentes,
foram elaborados modelos de organização curricular para
deficientes mentais, delineando-se para este tipo de excepcio-
nalidade propostas curriculares de Educação Geral. Normas
legais foram estabelecidas, especificando-se a elegibilidade e
caracterização por tipo de excepcionalidade, as diferentes
formas de serviços, as condições de instalação de classes
especiais, a estruturação do serviço itinerante e diretrizes
para diagnóstico de alunos suspeitos de excepcionalidade.
Programou-se o provimento das classes especiais com mate­
rial didático de consumo e material permanente benefician­
do-se, entre 1976 e 1978, oitocentas e setenta e nove classes
especiais.

36. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Plano trienal. São
Paulo: SE, 1977. p. 63.
198 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Foi prestada assessoria e orientação aos professores de


classes especiais, a diretores de escola, supervisores de ensi­
no e assistentes técnicos de supervisão da educação especial
das DREs, através de encontros centrais e regionais, estágios
e visitas.
Com a preocupação de aprimorar a qualidade de aten­
dimento ao excepcional e vinculando-se esta à melhoria da
qualidade da preparação e aperfeiçoamento do pessoal do­
cente, a Secretaria da Educação vem colaborando com a
UNESP no desenvolvimento das habilitações para professo­
res de deficientes visuais e deficientes mentais, instaladas no
campus de Marília. Cursos, reuniões, encontros com especia­
listas estrangeiros especialmente convidados, têm sido rea­
lizados, com vistas à atualização dos recursos humanos na
área da Educação Especial.37
Fica evidenciado, nestes documentos oficiais, que no
período 1976-1979 houve a consolidação de uma Política de
Educação Especial operacionalizada na implantação de sua
estrutura administrativa e didática. Cobrindo várias dimen­
sões da educação especial, o órgão técnico central do Gover­
no Estadual (SEE da CENP) reforça e clarifica a posição da
educação de excepcionais no contexto da educação escolar e
do sistema estadual de ensino em uma perspectiva de edu­
cação para todos.
Completando um ciclo de profícuo delineamento
e implementação de uma política educacional na área,
destaca-se o Plano Trienal 1980-1982, da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo, especialmente no que

37. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Coordenadoria


de Estudos e Normas Pedagógicas. In: FAUSTINI, Loyde A. (Coord.). Supervisão
pedagógica em ação. 2. ed. São Paulo: SE/CENP, 1979. p. 117-118.
EDUCAÇÀO ESPECIAL NO BRASIL 199

se refere a seus objetivos específicos e às metas para a


educação especial.38
As metas estabelecidas neste plano trienal, segundo os
próprios termos de sua definição, constituem importante
evidência da tendência da educação especial a se firmar como
serviço público dentro do sistema estadual de ensino. Tais metas
são as seguintes:

— divulgação de 2.000 exemplares de propostas curriculares


de Educação Geral para Deficientes Mentais Educáveis e
elaboração e divulgação de 10.000 exemplares de documen­
tos necessários para subsidiar estas propostas curriculares,
atingindo 100% das classes especiais da Rede Estadual de
Ensino;
— elaboração e divulgação de 2.000 exemplares de documen­
tos técnicos sobre educação do Deficiente Auditivo e 1.000
exemplares de um documento sobre educação do Deficiente
Visual;
— elaboração de propostas curriculares de Educação Geral
para Deficientes Auditivos;
— elaboração e divulgação de propostas curriculares de For­
mação Especial para Deficientes Mentais Educáveis, atingin­
do 100% das classes especiais da Rede Estadual de Ensino;
— avaliação das propostas curriculares de Educação Geral
para Deficientes Mentais Educáveis, envolvendo 300 profes­
sores de classe especial e Diretores de Escolas da Rede Esta­
dual de Ensino;
— realização de diagnóstico psicológico de 2.000 alunos sus­
peitos de Deficiência Mental matriculados em classes especiais,
para prestação aos mesmos de atendimento apropriado;

38. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Plano trienal 1980-1982. São
Paulo: SE/ATPCE, 1980. p. 62.
200 MARCOS J S MAZZOTTA

— divulgação de informações sobre Educação Especial a 1.800


professores de la a 4a séries do ensino comum, mediante rea­
lização de 12 cursos de atualização em dez DREs.3y

Ainda em 1982, por sua importância ao nível de sistema


estadual de ensino, deve ser ressaltado o Plano do Grupo de
Trabalho de Educação Especial (GTESP).3940 A meta definida nes­
te plano era a de analisar e conduzir à conclusão todos os
pedidos de autorização para funcionamento de escolas de
educação especial. Do relatório anexo ao referido plano,
consta que havia na ocasião cento e dois pedidos de autori­
zação, protocolados em sessenta e uma DEs de treze DREs.
Em sete meses de atuação do GTESP, dos cento e dois pedidos,
apenas dois não foram concluídos; nove foram arquivados a
pedido dos mantenedores e noventa e um foram aprovados,
possibilitando a autorização de funcionamento de noventa e
uma escolas de educação especial.
A relevância deste plano do GTESP e sua execução, tor­
na-se mais evidente diante da situação de haver, no Estado de
São Paulo, até aquele momento, apenas sete escolas de educa­
ção especial funcionando regularmente, ou seja, devidamente
autorizadas. Por outro lado, as noventa e uma escolas especiais
autorizadas em 1982, em grande parte mantidas por institui­
ções particulares assistenciais, principalmente APAEs, já exis­
tiam e funcionavam prestando atendimento especializado não
caracterizado como de educação escolar. Assim, estavam, até
então, totalmente à margem do sistema escolar.
Esta é mais uma importante evidência da política de
educação especial no Estado de São Paulo, no sentido da3940

39. Idem, p. 64-65.


40. GTESP: grupo criado pela Resolução SE n. 15/82, Diário Oficial da União, 23
ja n .1982.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 201

configuração da educação de excepcionais no contexto do sistema


estadual de ensino.

C) De 1983 a 1989

No período de 1983 a 1989, a análise dos Planos de Tra­


balho Anual (PTAs) indica que, em relação aos aspectos peda­
gógicos propriamente ditos, houve continuidade das linhas e
ações dos planos anteriores, tais como: elaboração de propos­
tas curriculares, elaboração de subsídios metodológicos para
professores das classes especiais e provimento das classes
especiais com materiais e equipamentos. Quanto aos aspectos
políticos e administrativos, as diretrizes e projetos constantes
dos PTAs revelam crescente ênfase nas áreas de deficientes
visuais e deficientes físicos, suspensão dos convênios com
universidades para formação de professores de excepcionais
(UNESP e UNIMEP) e reformulação dos critérios de identi­
ficação e de atendimento ao aluno excepcional.
Estas alterações em relação aos aspectos políticos e ad­
ministrativos podem ser explicadas tanto pelo conhecimento
científico e tecnológico dos especialistas que subsidiaram as
decisões, quanto por razões estritamente de ordem políti-
co-administrativas ou, ainda, por ambas.
Recorrendo aqui à experiência profissional nestes mes­
mos órgãos públicos, interpreto como sendo razões das duas
ordens as responsáveis por tal direcionamento. Entretanto,
atribuo um maior peso às condições dos especialistas que as
sustentaram teórica e tecnicamente, já que algumas alterações
implicam diferenciação de abordagem da clientela da edu­
cação especial. Neste sentido, pode estar aí presente uma nova
tendência, ou uma velha abordagem, da educação de excepcio­
nais, ora ressuscitada. Sua clarificação dependerá de uma
202 MARCOS J.S. MAZZOTIA

análise crítica dos planos e das ações desencadeadas para sua


operacionalização. O que foi realizado neste último período
é insuficiente para permitir a necessária investigação.
Embora constatando a grande discrepância existenU*
entre as informações estatísticas das fontes federais e esta­
duais, é oportuno ilustrar, com os dados disponíveis, a abran­
gência da educação especial no Estado de São Paulo. A seguir,
os Quadros 4.1 e 4.2 apresentam informações sobre o núme­
ro de alunos excepcionais:

Quadro 4.1
Alunos excepdonais por ano, segundo o tipo de estabelecimento

T ip o d e e s ta b e le c im e n to 1974 % 1981 % 1988 %

Ensino regular 11.282 39,1 14.269 39,4 20.322 40,7

Instituição espedalizada 17.563 60,9 21.934 60,6 29.662 59,3

Total 28.845 100,0 36.203 1 0 0 ,0 49.984 1 0 0 ,0

r o n lc â c s dados brutos'. MEC/SEEC-CENESP e MEC/C1P.

Dentre as razões para tão grande diferença, nos dados


sobre número de alunos excepcionais matriculados, a prin­
cipal parece ser a adoção de critérios diferentes na caracteri­
zação dos tipos de estabelecimentos e modalidades de ensino
em que tais alunos se encontravam, haja vista que a Secreta­
ria da Educação do Estado de São Paulo considera matricu­
lados em Educação Especial os alunos que frequentam esta­
belecimentos de ensino por ela autorizados a funcionar, sejam
escolas regulares ou escolas especiais mantidas por institui­
ções especializadas. Nos levantamentos feitos pelo Ministério
da Educação, além de estabelecimentos de ensino são inclu­
ídos centros de reabilitação, associações beneficentes, clínicas
Éi UJCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 203

• Quadro 4.2
Matrícula inidal e taxa de atendimento da Educação Especial, por dependência
administrativa, no Estado de São Paulo — 1979-1986

D e p e n d ê n c ia a d m in is tra tiv a
A n o , m a t r í c u la i n i c i a l

c ta x a d e a te n d im e n to
E sta d u a l M u n ic ip a l Particular T o ta l

1979
•Alunado 10.264 991 1.209 12.464
•'/o 82,35 7,95 9,70 100

1980
•Alunado 11.108 687 889 12.684
♦% 87,57 5,42 7,01 100

1981
•Alunado 12.128 589 982 13.699
•% 88,53 4,30 7,17 100

1982
•Alunado 13.491 845 412 14.748
•% 91,48 5,73 2,79 100

1983
•Alunado 15.433 1.033 906 17.372
•% 88,84 5,95 5,21 100

1984
•Alunado 17.175 1.204 988 19.367
•% 88,68 6,22 5,10 100

1985
•Alunado 19.071 1.184 905 21.160
•% 90,13 5,59 4,28 100

1986
•Alunado 19.487 750 772 21.009
•% 92,76 3,57 3,67 100

F on le dos dados brulos : SE/ATPCE/CIE.

médicas, centros ocupacionais etcv cujo atendimento espe­


cializado não se caracteriza como educacional ou escolar.
De qualquer modo, os dados do Quadro 4.1 revelam que,
considerando-se isoladamente cada ano, o número de alunos
frequentando ensino segregado foi maior. Todavia, observa-se
204 MARCOS J.S. MAZZOllA

que, no ano de 1988, houve um aumento do número de alu­


nos da ordem de 28,6% em relação ao ano de 1974, no Ensino
Regular. Nas Instituições Especializadas, no ano de 1988, hou ve
um aumento de 25,6% no número de matrículas, em relação
a 1974. Comparativamente, constata-se que o crescimento do
número de alunos excepcionais matriculados, no período do
1974 a 1988, é 3% maior na modalidade Ensino Regular. Ain­
da que aparentemente pequena, esta diferença pode ser in­
terpretada como um indicador da perseverança da ação go­
vernamental estadual na busca da integração dos alunos
excepcionais na escola comum, atendendo ao que consta da
legislação e dos planos educacionais estaduais.
O Quadro 4.2, dentre outras coisas, aponta que, no pe­
ríodo 1979-1986, houve um aumento crescente no número de
matrículas em escolas públicas estaduais; algumas oscilações
nas escolas municipais, mas mantendo-se na média (728
alunos) e algumas oscilações nas escolas particulares, com
diminuição de alunos, considerando-se a média registrada
(883 alunos). Tomando-se apenas os anos de 1979 e 1986, tem-se
uma expressiva participação do ensino público, 90,3% em 1979
e 96,3% em 1986, com predomínio da esfera estadual (82,3%
em 1979 e 92,8% em 1988) sobre a municipal. Constata-se,
ainda, que em 1979 havia 9,7% dos alunos matriculados em
escolas particulares, enquanto que em 1986 apenas 3,7% deles
se encontravam em tais escolas. Estes dados demonstram que
entre 1979 e 1986 houve uma diminuição de 6% no número
de alunos excepcionais em escolas particulares.
Por outro lado, o Quadro 4.2 indica tendência de aumen­
to de matrículas no âmbito restrito da educação especial.
Todavia, se tais dados forem confrontados com os da popu­
lação geral em idade escolar, poder-se-á não se confirmar tal
crescimento. Em outras palavras, o aumento observado,
t! HJCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 205

quando se tomam isoladamente os dados do Quadro 4.2,


pode não ser significativo se tais dados forem analisados em
relação à população escolar.
Resta, ainda, assinalar que, para além da ação governa­
mental estadual, em termos de política educacional, não se
pode menosprezar, e tampouco ignorar, a expressiva atuação
dos órgãos públicos federais (MEC) na prestação de apoio
técnico e financeiro às instituições especializadas particulares.
Esta é uma variável interveniente importantíssima para se
compreender a significação dos dados estatísticos da Educa­
ção Especial.

3. Alunos portadores de deficiência em uma rede municipal


de ensino

São relativamente poucos os municípios brasileiros que


contam, em sua rede de ensino, com recursos educacionais
municipais apropriados para a educação dos alunos porta­
dores de deficiência. Conforme exaustivamente reiterado nas
seções e nos capítulos precedentes, segundo o ponto de vista
do autor deste estudo, os alunos portadores de deficiência
podem ser adequadamente educados em situações comuns
de ensino ou, ainda, requerer educação especial. De um modo
ou de outro, a concretização de uma educação de melhor
qualidade para tais alunos depende, em grande parte, de seu
devido equacionamento nas políticas educacionais.
Dentre os municípios que mantêm alunos portadores de
deficiência em sua rede de ensino e que oferecem recursos
de educação especial, além dos serviços escolares comuns,
há alguns que têm procurado avaliar cientificamente sua
atuação nesta área.
206 MARCOS J.S. MAZZOTTA

A fim de ilustrar alguns aspectos das políticas municipais


de educação especial, serão apresentadas, resumidamente,
observações decorrentes de importante estudo realizado na
rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro.
Tal estudo, desenvolvido por Vera Flor S. de Goffredo,41
procurou analisar as condições concretas de "cumprimento
do tão propalado, jurídico e pedagógico, princípio de Edu­
cação Especial — A Integração".
A autora aponta algumas evidências da análise empre­
endida. Dentre elas se destacam: "certa superficialidade no
tratamento da Educação Especial dentro do plano políti-
co-educacional do município do Rio de Janeiro"; "presença
explícita de uma prática segregacionista e um descompro-
misso, por parte dos profissionais da educação, em relação
ao processo educacional dos alunos portadores de deficiên­
cia"; "falta de articulação entre o trabalho desenvolvido nas
classes especiais para alunos portadores de retardo mental e
a dinâmica pedagógica da escola"; "despreparo do professor
para trabalhar com esses alunos, principalmente os profes­
sores de turma comum".
Como resultado do estudo, Goffredo recomenda que a
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro defina,
de forma clara e precisa, uma política educacional que con­
temple as reais necessidades dos alunos portadores de defi­
ciência mas em consonância com sua política educacional
mais ampla, onde a Educação Especial tenha um papel defi­
nido dentro do sistema geral de ensino e que este incorpore,
nos seus princípios, os da Educação Especial. Propõe que os

41. GOFFREDO, Vera Flor S. de. Integração ou segregação? O discurso e a


prática das escolas públicas da rede oficial do município do Rio de Janeiro. Integra­
ção, Rio de Janeiro: MEC/SEF, v. 4, n. 10, p. 18-19, jul./ago./set. 1992.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 207

Cursos de Formação de Professores de I o Grau e os Cursos


de Pedagogia sejam reformulados de modo a incluir disci­
plinas relativas à Educação Especial. Destaca, finalmente, que
o panorama analisado retrata a Educação Especial como re­
flexo do Sistema Educacional do Município do Rio de Janei­
ro, que, por sua vez, reflete a indefinição do Plano Nacional
de Educação com relação à especificidade de seus alunos.

4. Diretrizes para uma política municipal de educação do


portador de deficiência

De há muito, numerosos Municípios têm-se responsa­


bilizado pelo oferecimento de ensino pré-escolar, mantendo,
para tanto, rede de ensino própria. Diversos são aqueles que
mantêm, também, ensino fundamental contando com servi­
ços e auxílios especiais de educação. Entretanto, a partir da
Constituição Federal de 1988 e das Constituições Estaduais
de 1989, tal responsabilidade tem sido mais largamente as­
sumida e cumprida pelos Municípios. Tal ocorrência se deve,
particularmente, ao que dispõe a primeira nos artigos 208
(garantindo, além de outros, "atendimento educacional es­
pecializado aos portadores de deficiência, preferencialmente
na rede regular de ensino") e 211 (parágrafo 2o: "Os Municí­
pios atuarão prioritariamente no ensino fundamental"), e as
segundas, reiterando tais dispositivos federais (no caso de
São Paulo, especificamente nos artigos 239 e 240).
Procurando implantar atendimento, educacional aos
portadores de deficiência, os Municípios, de modo geral, têm
tido dificuldades, ressentindo-se da falta de orientações cien­
tífica e legalmente fundamentadas. Com vistas a favorecer
o melhor esclarecimento desta importante questão, a Prefei­
208 MARCOS J.S. MAZZOTTA

tura Municipal de Sorocaba (SP) patrocinou, em 1993, um


Encontro Estadual de Secretários Municipais de Educação.42
Participando do referido encontro e apoiado na "visão
dinâmica" da relação do portador de deficiência e a educação
escolar, já demonstrada em outra parte deste trabalho, apre­
sentei, dentre outros pontos, alguns itens indispensáveis a
uma Política Municipal de Educação do Portador de Defici­
ência. Com o propósito de exemplificar a aplicação dos fun­
damentos teóricos esposados no presente estudo, tais itens
serão transcritos a seguir:
• Desenvolver parceria e cooperação com o Estado e
com instituições especializadas particulares já exis­
tentes, evitando duplicidade desnecessária de recur­
sos educacionais.
• Prever serviços e auxílios especiais de educação para
portadores de deficiência que deles necessitem na
Educação Escolar, em Programas de Habilitação ou
de Reabilitação.
• Abranger pré-escola e ensino fundamental, procuran­
do cobrir ensino comum e supletivo, se necessário.
• Considerar as interfaces necessárias com serviços de
saúde e bem-estar social, particularmente em apoio
à Habilitação e Reabilitação.
• Cuidar para que a infraestrutura física dos prédios
escolares não apresente barreiras ao portador de de­
ficiência.
• Cuidar para não estabelecer relação direta entre o
portador de deficiência e a educação especial, nem
tampouco ignorar os casos em que o portador de

42. Realizado em Sorocaba (SP), no dia 23/6/1993.


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 209

deficiência apresenta necessidades educacionais es­


peciais.
• Zelar para que o atendimento educacional caracteri­
zado como especial seja, de fato, especial, incluindo
como elemento central o professor especializado, além
de currículos adaptados ou especiais e materiais,
aparelhos e equipamentos específicos.
• Garantir a possibilidade de frequência aos cursos
regulares das escolas comuns, desde a pré-escola,
mediante, dentre outras coisas, orientação aos dire­
tores e professores do ensino comum.
• Contemplar como diretriz básica a não segregação, mas
incluir igualmente alternativas para a integração na
escola comum e até segregação nos casos em que esta
for necessária, definindo os atendimentos diretos e in­
diretos a serem assumidos pelo Município.
/£iCORT€Z
210 S'€DITORP

C A P Í T U LO V

Conclusão

A incorporação social do saber produzido pela


pesquisa científica mede-se pela frutificação. Não
há saber verdadeiro que não seja fecundo.

Álvaro Vieira Pinto

O estudo empreendido possibilitou reconstruir a traje­


tória da educação especial no Brasil a partir de 1854. Cons­
tataram-se as influências das ações voltadas para o atendi­
mento aos portadores de deficiência na Europa e nos Estados
Unidos. Da Europa, basicamente, o modelo de internatos ou
de escolas especiais e dos Estados Unidos as alternativas de
classes especiais na escola comum e as conquistas dos movi­
mentos organizados de pais de portadores de deficiência.
Os resultados da pesquisa teórica conduziram à defini­
ção de dois importantes períodos, caracterizados pela natu­
reza e abrangência das iniciativas oficiais e particulares. O
primeiro período, de 1854 a 1956, compondo um século de
iniciativas oficiais e particulares isoladas. O segundo período,
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 211

de 1957 a 1993, marcado pelas iniciativas oficiais de âmbito


nacional. Neste segundo período fica evidenciada a ação
governamental no final dos anos cinquenta, instituindo cam­
panhas específicas para o atendimento dos portadores de
deficiência auditiva, visual e mental. Foi neste período que
a educação especial apareceu na política educacional brasi­
leira.
De 1957 a 1993, todos os textos legais e planos educacio­
nais significativos para a educação do portador de deficiência
foram analisados. Procurou-se identificar, compreender e
explicar os princípios e propostas oficiais relativos à política
de educação especial.
Ficou amplamente demonstrada, nos Capítulos II e III,
a incoerência entre os princípios definidos nos textos legais
e as propostas consubstanciadas nos planos oficiais. Tal in­
coerência evidencia a ausência de uma Política Nacional de
Educação Especial.
Desde as Campanhas Específicas de educação dos por­
tadores de deficiência (CESB, CNEC e CADEME) até a Secre­
taria de Educação Especial, do Ministério da Educação, e a
CORDE, do Ministério da Ação Social, a marca que perma­
neceu, em nível federal, foi a definida pela CADEME (Cam­
panha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes
Mentais, instituída em 1960). Isso ficou clarificado a partir
das reiteradas afirmações, do órgão específico de educação
especial do MEC, de que "a iniciativa -particular tem a seu cargo
a maior parte do atendimento aos deficientes...". Esse foi o eixo
orientador da linha de ação do MEC em educação especial,
a despeito de todos os dados levantados nos últimos trinta
anos apontarem a diferença média das matrículas como de
12,73% a favor do ensino público. Da CADEME permaneceu,
também, o enfoque clínico no atendimento dos excepcionais.
212 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Conforme constatado, particularmente pelas ações do


MEC e destinação dos recursos financeiros públicos, uma das
principais tendências da política em educação especial no
Brasil tem sido a ênfase ao atendimento segregado em instituições
especializadas particulares, em detrimento do atendimento educa­
cional integrado nas escolas públicas. Os dados estatísticos, que
serão apresentados e analisados mais adiante, contribuirão
para confirmar tal constatação, já discutida no Capítulo III.
Enquanto o Conselho Federal de Educação, em 1972,
entendia a Educação Especial como "linha de escolarização",
portanto, como de educação escolar, o órgão específico do
MEC sempre a interpretou como uma linha de atendimento
assistencial e terapêutico em vez de educacional escolar. O sentido
clínico e/ou terapêutico atribuído à Educação Especial norteia
todas as decisões e ações altamente centralizadas do MEC, con­
forme está textualmente declarado na Portaria Interminis-
terial n. 186/78, caracterizando o atendimento educacional
aos excepcionais "como seguindo uma linha preventiva e
corretiva".
No âmbito federal, a descontinuidade das decisões po­
líticas sobre educação dos portadores de deficiência e sobre
educação especial é apenas aparente. A análise sequencial
dos textos legais, planos educacionais e documentos oficiais
revela a permanência das mesmas posições filosóficas e políticas,
apresentadas sob formas diferentes pelos representantes dos
mesmos grupos da sociedade civil. Sob discursos aparentemen­
te diferentes permanece a mesma concepção da educação especial e
sua clientela. Além da análise de conteúdo realizada, a iden­
tificação da procedência e formação profissional dos líderes
da educação especial na esfera federal constituiu importante
elemento para a compreensão e explicação dos resultados
obtidos, haja vista que, entre tais líderes, não esteve nenhum
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 213

professor especializado, mas sim psicólogos, em sua maioria,


além de médicos e advogados. As únicas exceções ocorreram
nas campanhas de educação de "surdos e de cegos" do final
da década de 1950.
O exame dos dados estatísticos existentes no MEC, de­
correntes de levantamentos realizados pelo próprio Ministé­
rio da Educação, esclarece importantes aspectos do atendi­
mento educacional que vem sendo prestado sob o rótulo de
educação especial. Por outro lado, corrobora os resultados
do estudo desenvolvido, além de apontar diversos aspectos
relevantes para a pesquisa científica.
Os dados selecionados para esta análise referem-se à
situação de matrícula inicial nos anos de 1974,1981 e 1988.
Quanto à dependência administrativa dos estabelecimentos de
ensino e a natureza dos mantenedores, conforme retratam os
Quadros 5.1 e 5.2, entre 1974 e 1981 houve manutenção dos
índices de atendimento público e particular, com diferença
média de 16,46% a favor do público, ou seja, o maior número
de alunos fo i atendido em escolas públicas, tanto em 1974 quanto
em 1981. Em 1988, esta diferença diminuiu para 9,02%, ainda

Quadro 5.1
Alunos excepcionais por ano, segundo dependência administrativa

Dependência
1974 % 1981 % 1988 %
administrativa

Federal 6.483 6,7 1.481 1,4 2.715 1,5

Estadual 44.863 46,6 52.874 50,8 83.386 46,5

Municipal 4.719 4,9 6.401 6,1 11.745 6,5

Particular 40.348 41,8 43.432 41,7 81.677 45,5

Total 96.413 100,0 104.188 100,0 179.523 100,0

Fonte dos dados brutos: MEC/SEEC-CENESP e MEC/C1P.


214 MARCOS J.S. MAZZOTTA

a favor do ensino público, sempre com predominância do


atendimento estadual Enquanto houve queda de quatro pon­
tos percentuais no atendimento público, houve elevação dos
mesmos quatro pontos percentuais no atendimento particu­
lar (58,31% público/81; 54,51% público/88; 41,69% particu-
lar/81; 45,59% particular/88).

Q u a d r o 5 .2

Percentual do número de alunos excepcionais por ano,


segundo natureza do mantenedor dos estabelecimentos de ensino

Natureza do mantenedor 1974 1981 1988

Público 58,2 58,3 54,5

Particular 41,8 41,7 45,5

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte dos âaãos brutos: MEC/SEEC-CENESP 6 MEC/C1P.

Quanto ao tipo de atendimento, os dados do Quadro 5.3


indicam que há uma predominância do atendimento segre-
gado em instituições especializadas. No entanto, tal informa­
ção, combinada com os dados do item anterior (dependência
administrativa), evidencia que, embora haja maior número
de alunos em Instituições Especializadas (INST.), é preciso
lembrar que tais informações se referem a instituições públi­
cas e particulares.

Quadro 5.3
Alunos excepcionais por ano, segundo o tipo de estabelecimento

Tipo dc estabelecimento 1974 % 1981 % 1988 %

Ensino regular 36.986 38,4 49.738 47,7 78.322 43,6

Instituição especializada 59.427 61,6 54.530 52,3 101.201 56,4

Total 96.413 100,0 104.268 100,0 179.523 100,0

Fonte dos dados brutos'. MEC/SEEC-CENESP e MEC/CIP.


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 21 5

Em 1974 constáta-se uma diferença de 23,27% a favor de


atendimento segregado (61,63% em Instituições e 38,36% em
Ensino Regular [ER]), caindo tal diferença para 4,59% em
1981 (52,29% INST. e 47,70% ER). No censo educacional de
1988 essa diferença volta a aumentar, passando para 12,75%
a favor do ensino segregado (56,37% INST. e 43,62% ER).
Embora ano a ano tenha se mantido maior o número de alu­
nos matriculados em ensino segregado, em uma perspectiva
longitudinal, no período 1974-1988, constata-se que o cresci­
mento do número de matrículas foi 1,6% maior no Ensino
Regular. Esta diferença, ainda que muito pequena, pode estar
refletindo ligeira mudança, no enfoque da Educação Especial, no
sentido da integração no ensino comum. Entretanto, a melhor
compreensão do significado deste dado dependerá de estudo
mais aprofundado das ações, condições e investimentos
ocorridos no período.
Quanto ao tipo de excepcionalidade atendida (deficientes de
audição, deficientes da visão, deficientes físicos, deficientes
mentais, portadores de deficiência múltipla, portadores de
problemas de conduta e superdotados), os levantamentos
mostram que há prevalência de alunos portadores de deficiên­
cia mental, correspondendo às expectativas decorrentes de
dados estimados por organizações internacionais.1 Chama
atenção, entretanto, nos dados de 1988, diminuição significati­
va do número de alunos deficientes mentais (de 63,24% em 1974
e 71,64% em 1981, para 38,72% em 1988) e aumento elevado dos
portadores de deficiência múltipla (de 5,84 em 1974 e 7,30% em
1981, para 35,57% em 1988). Esta diferença passa a ter maior
importância, ainda, quando se observa que nas Instituições

1. A OMS estima em 10% os portadores de deficiência em países em desenvol­


vimento, sendo 5% deficientes mentais, 2% deficientes físicos, 1,5% deficientes
auditivos, 1% deficientes múltiplos e 0,5% deficientes visuais.
216 MARCOS J.S. MAZZOTTA

Especializadas o número de alunos deficientes mentais caiu de


62,88% em 1981 para 14,60% em 1988, enquanto o de porta­
dores de deficiência múltipla subiu de 12,12% em 1981 para
61,05% em 1988. Tais dados apontam para a necessidade da
realização de pesquisas sobre os fatores que respondem por essa
situação. Dentre eles podem estar: mudança na conceituação
de portadores de deficiência múltipla,2 mudança nos critérios
de admissão de alunos aos tipos de recursos educacionais,
mudança nos critérios de distribuição de recursos financeiros
públicos em função do tipo de excepcionalidade, aumento
da incidência de problemas múltiplos na população escolar,
maior oportunidade de acesso à educação especial dos por­
tadores de deficiências múltiplas etc. Merecería análise crite­
riosa, também, o fato de, no âmbito do Ensino Regular (inte­
grado), não ter ocorrido tal alteração, mantendo-se os índices
de 1981 e 1988 (2,0% em 1981 e 2,63% em 1988) para porta­
dores de deficiência múltipla.
Com relação, ainda, às informações estatísticas sobre a
educação especial no Brasil, cabe assinalar que os levanta­
mentos foram realizados em três momentos, com intervalos
de sete em sete anos. As alterações evidenciadas no período
de 1974 a 1988 demandariam maiores estudos para se saber
de sua significação no cenário educacional brasileiro. Dentre
outros fatores, é necessário atentar ao fato de que as estima­
tivas internacionais, que têm sido utilizadas para o dimen-
sionamento de prováveis demandas de educação especial,

2. No item "Conceituação de Termos Técnicos", do documento editado pelo


SEEC/CENESP em 1974, consta que os "portadores de deficiência múltipla são os
educandos que apresentam mais de uma deficiência nas áreas sensorial, física ou
mental (educandos incluídos nesta categoria não deverão ser computados em
qualquer das demais)". MEC/SG/SEEC-CENESP. Educação especial: dados estatís­
ticos —1974. Brasília: DDD, 1975. p. 13. v. 1.
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 217

referem-se a índices de deficiências físicas e mentais na po­


pulação de países em desenvolvimento.3 Em razão disso, é
fundamental não se incorrer no equívoco costumeiro de se
traçar linearmente a relação entre deficiência e educação
especial.
E preciso não se perder de vista a importante observação
de que nem todo portador de deficiência requer ou requererá ser­
viços de educação especial, ainda que possa necessitar de trata­
mento ou intervenção terapêutica (Habilitação ou Reabilita­
ção) em função de suas condições físicas ou mentais.4
Por outro lado, se se considerar os investimentos finan­
ceiros e as alterações legais e administrativas ocorridas na
educação especial no período de 1974 a 1981, conforme des­
tacado nos Capítulos II e III deste estudo, poder-se-á concluir
que o crescimento de matrículas foi bastante modesto neste
período, ou seja, aumento de 7,5% (de 96.413 em 1974 para
104.268 em 1981). Aqui está um importantíssimo aspecto a ser
pesquisado para que se possa melhor compreender e explicar
a Educação Especial no Brasil, do ponto de vista político.
Neste período de sete anos, embora tenha se mantido a
maioria dos alunos em regime segregado, houve uma dimi­
nuição (61,13% em 1974 e 52,29% em 1981) nas matrículas em
Instituições Especializadas (particulares e públicas) e corres­
pondente aumento de 9,34% em estabelecimentos de Ensino
Regular (38,36% em 1974 e 47,70 em 1981).
No período seguinte constata-se que, em relação a 1981,
em 1988 houve um aumento, no total das matrículas em

3. Dez por cento (10%) da população, conforme a OMS.


4. Ver, a respeito, o Capítulo III. Ver, ainda, MAZZOTTA, M. J. S. Fundamentos
de educação especial. São Paulo: Pioneira, 1982; e MAZZOTTA, M. J. S. Trabalho docen­
te e formação de professores de educação especial. São Paulo: EPU, 1993.
218 MARCOS J.S.MAZZOTTA

Educação Especial da ordem de 41,92%, ou seja, de 104.268


em 1981 para 179.523 em 1988.
Nestes últimos sete anos, de 1981 a 1988, observa-se um
aumento de 4,08% (52,29% em 1981 e 56,37% em 1988), nas
matrículas iniciais em Instituições Especializadas, enquanto nos
estabelecimentos de Ensino Regular há um decréscimo de
4,33% (47,10% em 1981 e 43,62% em 1988). Há, portanto, um
novo crescimento do número de alunos atendidos em regime segre-
gado e diminuição do número de alunos em regime integrado. Tais
dados reafirmam as conclusões, já apresentadas neste traba­
lho, de que o "princípio da integração", tão decantado e re­
petido nos textos legais, nos planos e documentos oficiais do
Ministério da Educação, não tem passado de mero instru­
mento de retórica, na medida em que a realidade do atendi­
mento educacional reafirma a tendência da segregação dos
alunos com necessidades educacionais especiais em Instituições
Especializadas piíblicas e privadas.
Tomando-se os catorze anos sobre os quais se tem esta­
tísticas de três momentos, de sete em sete anos (1974,1981,
1988), tem-se um aumento de 46,30% no número total de
alunos matriculados em recursos de educação especial loca­
lizados em Instituições Especializadas e estabelecimentos de
Ensino Regular. Como já apontado, nos primeiros sete anos
(1974-1981) este aumento foi muito pequeno, alcançando um
índice de 7,5% (96.413 em 1974 e 104.268 em 1981), enquanto
nos últimos sete anos (1981-1988) atingiu 41,92%, isto é, seis
vezes mais que o bloco de tempo anterior.
Um estudo aprofundado dos fatores determinantes de
tais resultados precisaria ser desenvolvido, particularmente
se se considerar que foi precisamente em 1973 que o Governo
Federal instituiu, no Ministério da Educação, um órgão cen­
tral, o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), para
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 219

assumir "uma ação nacional diretiva de planejamento e co­


ordenação da Educação Especial".5
A despeito da descontinuidade do levantamento de da­
dos referentes aos estabelecimentos de ensino, corpo docente
e alunado da educação especial, as informações estatísticas
disponíveis constituem um importante referencial para a
pesquisa sobre as políticas públicas de Educação Especial.
Nos limites da investigação ora empreendida, os dados
estatísticos utilizados foram substanciais para compor o
conjunto de elementos financeiros, legais e técnicos que,
devidamente analisado, permitiu uma melhor compreensão
e explicação da política de educação especial que vem sendo
praticada e desenvolvida no Brasil.
Mais algumas constatações e conclusões devem ser aqui
retomadas, para uma visão global dos resultados obtidos com
a pesquisa, a despeito de já terem sido destacadas no decor­
rer do trabalho.
Do Capítulo IV, é importante resgatar, em primeiro lugar,
que o Estado de São Paulo, pelo menos desde o Código de
Educação de 1968 e o Plano de 1970-1971 (aprovado em 1969),
deixa clara sua opção pelo atendimento integrado no regime comum
do ensino (observando a LDB/61), sem desconsiderar o regi­
me especial de ensino para os alunos que não puderem se
beneficiar dos recursos integrados. O Plano de 1970-1971
empregava, textualmente, a expressão "preferivelmente nos
estabelecimentos de ensino comum". A Constituição Federal
de 1988 e a Estadual de 1989 usam a expressão "preferencial­
mente na rede regular de ensino". Nos Planos de 1972-1975

5. MEC/SG/SEEC-CENESI’. Educação especial: dados estatísticos — 1974. Bra­


sília: DDD, 1975. p. 3. v. 1.
220 MARCOS J.S.MAZZOTTA

e de 1975-1979, a educação especial é caracterizada como ativida­


de suplementar voltada para a eliminação ou minimização dos
obstáculos que cerceiam ou possam cercear o desempenho do aluno
na situação comum de ensino. Na política educacional estadual,
a educação especial aparece como educação escolar, não se restrin­
gindo ao nível de Io grau e assegurando, aos alunos com
necessidades educacionais especiais, a continuidade de edu­
cação de acordo com suas potencialidades, conforme dispõe
a Deliberação CEE n. 13/73.
Em segundo lugar, é oportuno ressaltar que, na política
municipal de educação do Rio de Janeiro, a Educação Espe­
cial é tratada superficialmente, sem uma definição clara de
seu papel. Eicou patenteado que tal situação decorre da in­
definição da Educação Especial nos Planos Nacionais de
Educação. O estudo realizado apontou, também, a necessida­
de de definição objetiva, do compromisso governamental para com
a educação dos alunos portadores de deficiência, no contexto de sua
política educacional.
Nos três níveis de governo (federal, estadual, municipal),
têm sido constantes as dificuldades dos legisladores e edu­
cadores para uma definição clara e precisa do atendimento
educacional dos portadores de deficiência. Tal situação, em
grande parte, decorre das próprias circunstâncias que marcam
a evolução desse atendimento. Assim, é importante lembrar
que a ação social para a organização do atendimento aos
portadores de deficiência, teve, de início, um caráter assis-
tencial, buscando proporcionar-lhes algum conforto e
bem-estar. A seguir, surgiram medidas preventivas e curati­
vas que acabaram por conduzir ao atendimento educacional
em organizações assistenciais e terapêuticas. É o chamado
atendimento médico-pedagógico. Aos poucos o atendimen­
to passou a ocorrer, também, em instituições educacionais
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 221

específicas, as escolas, caracterizando-se como educação


propriamente dita, integrando-se no sistema de ensino. Tais
alternativas de atendimento continuam a ocorrer, cada uma
com seu papel na vida social.
O estudo realizado permitiu a constatação de que nas
diretrizes e normas federais para a educação, continuam
presentes, implícita ou explicitamente, os sentidos assumidos
nas várias alternativas de trabalho com portadores de defi­
ciência, confundindo-se com o sentido de atendimento edu­
cacional. A própria concepção da educação especial e seu
alunado revela tal ocorrência, haja vista que, embora atual­
mente o MEC se refira ao alunado da Educação Especial como
sendo os "portadores de necessidades especiais", tal expres­
são não passa de eufemismo para "portadores de deficiência".
A simples mudança áe termos, na legislação, nos planos educacio­
nais e documentos oficiais, não tem sido acompanhada de qualquer
alteração de significado. Exemplo disso são os termos "excep­
cional", "aluno com problema de conduta", "aluno superdo­
tado", que foram substituídos, respectivamente, por "porta­
dor de necessidades especiais", "aluno com condutas típicas"
e "aluno com altas habilidades".
Em vez de representar avanço nas posições governamen­
tais com relação à educação, comum e especial, do portador
de deficiência, tais alterações contribuem, muitas vezes, para
o esquecimento do sentido de "deficiência" e suas implicações
individuais e sociais. Além disso, tendem a confundir o enten­
dimento das diretrizes e normas traçadas, o que, por conse­
quência, acarreta prejuízos à qualidade dos serviços prestados.
Em vinte anos de existência de um órgão específico para
a educação especial no MEC, de 1973 a 1993, os termos "por­
tador de deficiência", "excepcional" e "portador de necessi­
dades especiais" têm sido usados com o mesmo significado,
222 MARCOS J.S. MAZZOTTA

ou seja, como referindo-se a educandos que necessariamente


requerem educação especial, em razão de suas condições
intrínsecas ou individuais. Em muito poucas situações se
observa o entendimento de que os que requerem educação
especial são os "excepcionais" ou os que, na relação com a
educação formal, apresentam "necessidades educacionais
especiais". Mesmo com a inclusão de educandos "com pro­
blemas de conduta ou com condutas típicas" e "superdotados
ou com altas habilidades", ao lado dos portadores de defici­
ência, "como alunos com necessidades especiais", a clientela
da educação especial tem sido interpretada como trazendo
em si as condições que demandam atendimento especializa­
do. O sentido das necessidades educacionais especiais que
justificam a demanda por educação especial não está clara­
mente dimensionado.
A compreensão da educação especial e dos educandos
"com necessidades especiais" refletida nas posições gover­
namentais federais assenta-se, assim, em uma "visão estática"
que dificulta, inclusive, a percepção de necessidades "educacionais"
especiais como sendo aquelas pelas quais a educação deve ser res­
ponsável.
Sobre este aspecto, cabe assinalar que, a despeito de
todos os movimentos e ações sociais terem sua importância
e validade com relação a diferentes propósitos do atendimen­
to aos portadores de necessidades especiais, uma condição
fundamental, para o desenvolvimento da educação dos alu­
nos que apresentam necessidades "educacionais" especiais,
é sua caracterização como educação formal, seja como pro­
cesso integrante de serviços de habilitação, reabilitação ou
educação escolar.
Não poucas vezes, diversas situações identificadas como
de educação especial nada têm de especial e outras, ainda, sequer
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 223

poderíam ser consideradas educacionais. Em cada contexto


da educação especial formal há que serem definidas as espe-
cificidades que se pretende garantir e os meios para tal. E
preciso, por meio de estudos científicos, procurar conhecer
melhor a clientela que está sendo atendida, bem como a que
se encontra fora do atendimento organizado, a fim de se atu­
ar no sentido da provisão dos recursos necessários para o bom
desempenho desta modalidade de ensino, no conjunto das
ações voltadas para a universalização do ensino fundamental.
Como ficou demonstrado neste trabalho, até 1990 as
políticas de educação especial refletiram, explicitamente, o sentido
assistencial e terapêutico atribuído à educação especial pelo MEC.
A partir de 1990, surgem indicadores da busca de interpretação
da Educação Especial como modalidade de ensino. Entretanto, é
preciso salientar que as principais propostas e planos man­
têm-se numa abordagem reducionista, interpretando a Educação
Especial como questão meramente metodológica ou de procedimen­
tos didáticos. E, nesse sentido, cabe lembrar que a Educação
Especial não deve ser entendida como simples instância preparado-
ra para o ensino comum, embora se deseje que o maior número
possível dos alunos possa dele se beneficiar.
Com o avanço da ciência e da tecnologia, particularmen­
te a informática, importantes instrumentos e aparelhos têm
sido desenvolvidos para favorecer e facilitar o desenvolvi­
mento, a educação, a vida dos portadores de deficiência. Esta
nova realidade tem possibilitado participação ativa de um
número cada vez maior de portadores de deficiência nas si­
tuações comuns da vida, inclusive a educação. E preciso, pois,
rever as políticas públicas de educação considerando, tam­
bém, tais aspectos.
O presente trabalho evidenciou, ainda, que enquanto na
legislação e Planos Nacionais de Educação, mais recentes,
224 MARCOS J.S. MAZZOTTA

está presente uma visão dinâmica da relação entre os educan-


dos e o sistema de ensino, nos textos legais, planos educacio­
nais e documentos específicos de educação especial obser­
va-se a presença de uma visão estática.
A mudança da postura administrativa do Ministério da
Educação, buscando diminuir a centralização e ampliar a partici­
pação (do Conselho Federal de Educação, das Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação, das Instituições Parti­
culares e dos Portadores de Deficiência) nas decisões políticas
sobre educação especial, seguida da substituição da visão está­
tica, da educação especial e seu alunado, por uma visão di­
nâmica, poderá conduzir à consolidação de uma apropriada
Política Nacional de Educação Especial.
Uma tal Política Nacional não se define necessariamen­
te por um documento oficial específico, a não ser que se en­
tenda a Educação Especial como à parte da política educa­
cional geral. Subsídios relevantes podem e devem compor
um documento oficial de educação especial. Entretanto, mais
importante que um documento técnico específico, é a coerên­
cia entre os princípios gerais definidos nos textos legais e
técnicos oficiais e os planos e propostas para a implementação
de tais princípios. Assim, é no contexto da educação geral que
devem estar presentes os princípios e as propostas que definem a
política de Educação Especial.
225

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