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IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
COIMBRA UNIVERSITY PRESS
VOL. II
LIÇÕES DE
PEDIATRIA
GUIOMAR OLIVEIRA
JORGE SARAIVA
COORDENAÇÃO
Capítulo 27.
Ortopedia, variantes da normalidade
e problemas frequentes
27
Cristina Alves
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1300-0_27
CAPÍTULO 27. ORTOPEDIA, VARIANTES DA NORMALIDADE E PROBLEMAS FREQUENTES 69
Figura 1. Linha de prisão de Harris observada na tíbia distal de criança de sete anos e sete meses após ter sofrido uma artrite sép-
tica do tornozelo. A linha é paralela à fise de crescimento, inferindo-se assim que ocorreu um insulto em determinado momento,
seguido de recuperação da atividade fisária. Também se observa linha de Harris no perónio distal. Imagem do autor.
Figura 2. O ângulo de progressão do pé é estimado Figura 3. Rotações interna e externa das ancas avaliadas
pela observação da criança a caminhar. A variabilidade com a criança em decúbito ventral. A variabilidade
da normalidade é mostrada a verde. da normalidade é mostrada a verde.
ou ‘pés para fora’ são, na sua maioria, variantes crescimento está associado com rotação lateral,
da normalidade, que não carecem de qualquer é expectável que a anteversão femoral e a torção
tratamento, mas causam ansiedade significativa tibial melhorem com o tempo. Em contraste, a
à família. torção lateral da tíbia geralmente agrava com o
Versão, em ortopedia, é um termo que des- crescimento.
creve variações normais de rotação do membro, Na abordagem dos problemas torsionais, é
enquanto torsão significa versão além de ± 2 necessário estabelecer um diagnóstico correto e
desvios-padrão da média, sendo ‘anormal’ e lidar de forma eficaz com a família.
correspondendo a uma «deformidade». De salien- A história é importante na avaliação da re-
tar que o membro inferior gira externamente com percussão deste problema e na exclusão de ou-
a idade, com diminuição da anteversão femoral tros. É importante ter conhecimento do seu início,
e aumento da versão externa da tíbia. da gravidade, da limitação funcional e do trata-
O membro inferior gira em sentido medial mento prévio. A história do neurodesenvolvimento
(interno) durante a sétima semana fetal, para é essencial, para excluir patologia neuromuscular.
conduzir o hallux para a linha média. Com o É importante saber a história familiar, dado que os
crescimento, a anteversão femoral diminui para problemas rotacionais são geralmente herdados.
cerca de 30˚ ao nascimento e 10˚ na maturida- A observação do perfil rotacional permite
de, podendo ser maior no sexo feminino e em obter as informações necessárias para estabelecer
algumas famílias. Com o crescimento, a tíbia gira o nível e a gravidade de qualquer problema de
lateralmente de cerca de 5˚ ao nascimento para torção na criança. Para isso é necessário avaliar
cerca de 15˚ na maturidade esquelética. Porque o quatro aspetos: marcha e corrida da criança
CAPÍTULO 27. ORTOPEDIA, VARIANTES DA NORMALIDADE E PROBLEMAS FREQUENTES 75
Figura 4. A. Em decúbito ventral, e deixando o pé cair para a Figura 5. Pé aduto, com Figura 6. Pé normal, com
sua posição de repouso natural, é possível verificar o ângulo bordo externo curvo. bordo externo recto.
coxa-pé e a forma do pé.
Figura 8. Os valores normais para o ângulo do eixo do joelho, Figura 9. Joelho varo (genu varum): observa-se aumento da
com ± 2 desvios-padrão (adaptado de Heath e Staheli, 1993). distância intercondiliana (entre os côndilos femorais mediais).
qualquer tentativa para controlar a forma como no intervalo normal são fisiológicas. O intervalo
a criança caminha, se senta ou dorme, contribui da normalidade para o ângulo de alinhamento
apenas para gerar frustração e conflito entre a do joelho altera-se com a idade.
criança e os pais. Sapatos ortopédicos, palmi- No segundo ano de vida, é frequente o genu
lhas ou talas noturnas são ineficazes e não varum (Figura 9), enquanto o genu valgum é co-
têm qualquer benefício a longo prazo. mum pelos três a quatro anos (Figura 10).
Enquanto a torção tibial interna melhora com Na avaliação de uma criança com genu va-
o tempo, a torção tibial externa tende a agravar e rum ou valgum é importante estabelecer o início
pode estar associada a dor no joelho, que surge da deformidade, se houve lesão ou doença prece-
na articulação patelofemoral e é presumivelmen- dente, se a deformidade é progressiva, se existem
te causada pelo desalinhamento do joelho. Este fotografias antigas ou radiografias disponíveis
fenómeno é mais acentuado quando a torção para rever, qual a saúde geral da criança, se a
tibial externa se associa a torção femoral interna, dieta é adequada e se existem outros membros
produzindo um ‘síndrome do mau-alinhamento’. da família afetados.
27.2.4.2 Pé plano
O pé plano caracteriza-se por uma grande
área de contato plantar. Está geralmente associado
a um calcanhar valgo e a uma redução na altura do
arco longitudinal. Pode ser fisiológico ou patológi-
co. O fisiológico é flexível e constitui uma variante
da normalidade; o patológico apresenta alguma
rigidez, e, geralmente, necessita de tratamento.
O pé plano flexível ou fisológico está pre-
sente em quase todas as crianças, e em cerca
de 15% dos adultos. O pé plano é muitas vezes
familiar, sendo mais frequente nas sociedades
em que as pessoas usam sapatos, nos obesos e
nos indivíduos com laxidez articular generalizada.
Em ortostatismo, o pé encontra-se plano e o
calcanhar pode mostrar valgo. O arco reaparece
quando a criança se coloca em pontas dos dedos,
observando-se uma concomitante varização do Figura 11. Pé plano flexível, que não necessita qualquer
tratamento.
calcanhar (Figura 11).
78 CRISTINA ALVES
Figura 16. Protocolo de rastreio selectivo da DDA em Figura 17. Sinal de Ortolani: é possível sentir um ‘clunk’, por
Portugal, para crianças com factores de risco e sinais de vezes audível, correspondente à redução da anca.
instabilidade da anca.
Figura 18A. Limitação da abdução da anca esquerda em Figura 18B. Ecografia da anca: Luxação da cabeça femoral.
lactente.
Figura 20. Protocolo de utilização da tala de Pavlik, seguido no Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico- CHUC.
Hospital Pediátrico de Coimbra, a radiografia é uti- que dificulte uma eventual redução fechada ou
lizada geralmente só após essa idade e/ou quando aberta.
a ecografia é de difícil execução ou não permite a Em crianças com idade superior a seis meses
visualização adequada de todas as estruturas (figura ou falência de tratamento com tala de Pavlik, está
19). Numa anca displásica, o ângulo alfa (ângulo indicada a redução fechada ou aberta. No Serviço
entre o ilíaco e o teto acetabular) é inferior a 60º. de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico –
Na abordagem de crianças com DDA, os CHUC, os pais podem escolher entre redução fe-
principais objetivos são o diagnóstico precoce, a chada gradual por programa de tracção no arco ou
redução da luxação, evitar a necrose avascular, redução sob anestesia geral no Bloco Operatório,
e corrigir a displasia residual. com tenotomias do adutor longus ± psoas e gesso
Até aos seis meses de idade, a tala de Pavlik, pelvipodálico. Em crianças com idade superior a 18
que permite o movimento em flexão e abdução meses, além da redução aberta, são geralmente
da anca, pode ser aplicada no tratamento da DDA necessárias osteotomias do fémur e/ou ilíaco. Se
(Figura 20). É necessário monitorizar a criança a obtenção de uma redução concêntrica da anca
clínica e imagiologicamente. Se a anca não estiver é fulcral, evitar a necrose avascular é de extrema
reduzida em duas a três semanas, este tratamento importância, já que esta complicação altera o
deve ser abandonado, para evitar deformidade da crescimento femoral proximal, cria deformidade,
cabeça femoral ou fixação da anca em posição e leva a artrite degenerativa prematura.
84 CRISTINA ALVES
Após a cirurgia, a criança deve ser cuida- O pé boto trata-se preferencialmente pelo
dosamente acompanhada para avaliar o efeito Método de Ponseti, sendo a taxa de sucesso su-
do tempo sobre o crescimento, a redução, e o perior a 90% para o pé boto idiopático. A cor-
desenvolvimento acetabular. A frequência de es- reção gradual é conseguida pela manipulação e
tudos radiográficos é individualizada, de acordo engessamento, segundo o Método de Ponseti
com a gravidade da DDA e a evolução. (Figura 22). O equino é a última deformidade a ser
corrigida, geralmente através de uma tenotomia
27.2.5.4 Pé Boto percutânea do tendão de Aquiles. Quando reti-
O pé boto é uma deformidade congénita rado o ultimo gesso, é aplicada uma ortótese de
complexa que inclui componentes de cavo, aduto, Dennis-Bowne, com duas botas unidas por uma
varo, equinismo e rotação medial do pé (Figura 21). barra, que visa manter o pé corrigido e deve ser
A deformidade ocorre em aproximadamente 1 em mantida durante o periodo noturno até a criança
1000 nascimentos, é bilateral em metade dos casos, ter cinco anos de idade.
e afeta mais frequentemente o sexo masculino. O pé boto deve ser diferenciado do me-
tatarso aduto e varo. Esta é a deformidade
A etiologia do pé boto é multifatorial. Pode mais frequente do pé e caracteriza-se por uma
ser idiopático ou estar associado com outras ano- convexidade do bordo lateral do pé. Está as-
malias congénitas, defeitos do neuro-eixo, ano- sociado com a displasia da anca em 2% dos
malias do sistema urinário ou sistema digestivo, casos, pelo que é essencial um exame clínico
e outros problemas músculo-esqueléticos. cuidado.
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