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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3

2 TORNAR-SE MÃE ............................................................................................ 4

3 CICLO GRÁVIDICO-PUERPERAL ................................................................... 7

3.1 Gravidez e Maternidade ............................................................................. 7

3.2 Parto e Pós-parto/Puerpério ..................................................................... 10

3.3 A Transição Para a Parentalidade ........................................................... 13

4 ALTERAÇÕES PSICOEMOCIONAIS DO PUERPÉRIO ................................ 19

4.1 Blues Pós-Parto ....................................................................................... 21

4.2 Psicose Puerperal .................................................................................... 23

4.3 Depressão Pós-Parto ............................................................................... 25

5 AUTOESTIMA E AUTOIMAGEM .................................................................... 30

6 O PUERPÉRIO: UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA ......................................... 35

6.1 Bebê como objeto de investimento .......................................................... 35

6.2 Estranhamento ou Rejeição ..................................................................... 36

6.3 Reconhecer e Conhecer .......................................................................... 38

6.4 Revanche Édipica .................................................................................... 38

6.5 O Funcionamento Psíquico no Puerperal................................................. 40

6.6 Perdas Recorrentes do Puerpério ............................................................ 40

6.7 Os Períodos Críticos do Puerpério ........................................................... 41

7 O SERVIÇO DE ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO COMO FORMA DE


INTERVENÇÃO NO PUÉRPERIO ........................................................................ 45

8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .................................................................... 48

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão
a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 TORNAR-SE MÃE

Nas últimas décadas temos nos deparado com várias e significativas


mudanças daquilo que é a concepção do ser Mãe, fruto dos avanços tecnológicos,
investigação psicológica e dinâmicas sociais, sobretudo as relacionadas com o
planeamento familiar, a anticoncepção e a entrada maciça das mulheres no mundo
do trabalho. Segundo Leal (2005), as mudanças que ocorreram no conceito da
família, que passou de alargada à nuclear e que, por sua vez, deu lugar às famílias
monoparentais, às famílias reconstituídas, às com duplas carreiras e às famílias
alternativas. A mãe, tradicionalmente reconhecida como figura doadora de afeto,
passou a ser mãe que se culpa por tudo o que pode acontecer ou não ao seu filho,
carregando ainda a pressão de ser uma mulher infalível, como forma de
corresponder às exigências e estereótipos da sociedade. O projeto de ser mãe é
um projeto de vida, mas árduo em diversos aspetos.
Em 1961, Rubin, introduziu o conceito de a “concretização do papel
materno”, posteriormente substituído pelo conceito “tornar-se mãe”. Este, mais do
que o cumprimento de um papel, representa a transformação e o crescimento da
identidade materna, envolvendo a aprendizagem de novas competências e o
aumento da autoconfiança, à medida que a mãe enfrenta os novos desafios de
cuidar do seu filho (MERCER, 2004, citado por MANNING, 2006, p. 531).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1996, citado por
ENDERLE, KERBER, SUSIN, MENDOZA-SASSI, 2012), os dez princípios
fundamentais da atenção perinatal indicam que a assistência da mulher na
gestação, no parto normal e no pós-parto deve contemplar as seguintes
recomendações:
1. não ser medicalizada;
2. ser baseada no uso de tecnologia apropriada;
3. ser baseada em evidências científicas;

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4. ser regionalizada e baseada num sistema eficiente de referência e
articulação (cuidados diferenciados e cuidados primários);
5. ser multidisciplinar e multiprofissional;
6. ser integral e atender às necessidades emocionais, intelectuais,
sociais e culturais da mulher e família;
7. estar centrada na família e ser dirigida ao casal;
8. ser apropriada, ou seja, deve ter em conta as diferenças culturais;
9. ter em consideração o consentimento informado, respeitando a
tomada de decisão da mulher;
10. respeitar a privacidade, dignidade e confidencialidade da mulher.
Estes princípios asseguram fortemente a proteção e a promoção da saúde
das mulheres que pretendem a maternidade. Assim, os profissionais de saúde são
responsáveis pela promoção de vivências positivas da mulher no pós-parto,
potenciando as suas competências e favorecendo, desta forma, o aumento da sua
autoestima (ENDERLE, KERBER, SUSIN & MENDOZA-SASSI, 2012, p. 384).
Segundo Coelho (2014), a puérpera sofre inúmeras alterações:

Após o parto a mulher depara-se com um conjunto de alterações que


operam ao nível biológico, psicológico e social, que a confrontam com a
necessidade de viver adaptações que a tornam mais suscetível ao
desequilíbrio psicológico e emocional. As alterações psicoemocionais do
puerpério resultam de um fenómeno intercultural designado de Blues pós-
parto caracterizado por um estado depressivo transitório que abrange,
sobretudo, sentimentos de labilidade emocional, disforia e choro, entre
outros.

A melhor ocasião para a avaliação da presença de alterações


psicoemocionais do puerpério é após a alta hospitalar, altura em que as mulheres
se sentem, muitas vezes desapoiadas e com excesso de fadiga devido ás
alterações do seu padrão do sono e dos diversos cuidados que um recém-nascido
necessita 24 horas por dia. Quando a puérpera não consegue resolver de forma
positiva os desafios desta nova fase tende a prolongar o seu estado depressivo,
correndo assim o risco de desenvolver formas mais graves de perturbação de humor
(FIGUEIREDO, 2001; SOUSA & LEAL, 2007).

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Normalmente a autoestima da mulher sofre variações ao longo do ciclo
gravídico-puerperal devido às constantes adaptações a que está sujeita e à
vulnerabilidade em que se encontra. Os estudos demonstram que o conhecimento
da autoestima durante o ciclo gravídico-puerperal é fundamental para avaliar o risco
desta vir a desenvolver sintomas depressivos no pós-parto, pelo que a sua
avaliação é imprescindível (FONTAINE & JONES, 1997; LOWDERMILK & PERRY,
2006).
Dessa feita, sabendo que as alterações psicoemocionais do puerpério
resultam de um fenómeno intercultural de prevalência elevada e que a autoestima
poderá influenciar a sua presença, assim como as características
sociodemográficas e obstétricas, torna-se necessário responder algumas
perguntas, conform nos sugere Coelho (2014):
 Que alterações psicoemocionais ocorrem no puerpério, entre a 4ª e a
6ª semana após a data do parto?
 Qual a relação entre as variáveis contextuais ao parto e as alterações
psicoemocionais do puerpério?
 Qual a influência da autoestima e as alterações psicoemocionais do
puerpério?
Vejamos a seguir como funciona o ciclo gravídico-puerperal, bem como as
principais alterações do puerpério, com ênfase nos impactos na autoestima e
autoimagem.

Fonte: https://clinicarecanto.com.br

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3 CICLO GRÁVIDICO-PUERPERAL

De acordo com Bortoletti (2007), o ciclo gravídico-puerperal pode ser


definido como uma fase marcada por alterações significativas na vida da mulher as
quais envolvem aspectos sociais, profissionais, familiares, conjugais mas,
sobretudo, pessoais.
No presente capítulo será explanada a psicodinâmica feminina durante o
ciclo gravídico-puerperal de forma a compreendermos as suas particularidades.

3.1 Gravidez e Maternidade

A gravidez e a maternidade não poucas vezes são confundidas como


sinônimas. Apesar de intimamente relacionadas, representam duas realidades e
vivências perfeitamente distintas entre si. (COELHO, 2016)
Leal (2005) faz um comentário proveitoso sobre a gravidez:

A gravidez ou período gravídico é um acontecimento biológico e refere-


se ao período decorrido entre a concepção e o parto, com uma duração
média de cerca de 40 semanas. Esta fase do ciclo de vida da mulher, cada
vez mais rara e tardia, em nossa sociedade contemporânea, encerra um
significado demasiado vasto e complexo, de grandes expectativas e
simbolismos. (LEAL, 2005)

Fonte: http://www.psicursos.com.br

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Para Erickson (1959), citado por Leal (2005), a gravidez constitui um
período rico em experiências e potencialmente crítico ou de crise de
desenvolvimento, o que implica um deslocamento do equilíbrio anterior e ainda, uma
maior vulnerabilidade pessoal. Leal (2005) acrescenta que:

Enquanto que algumas gravidezes correspondem a uma etapa feliz da vida


de um casal, ascendendo a uma parentalidade desejada e socialmente
esperada, outras são marcadas por acontecimentos de vida difíceis e
complexos. A gravidez implica uma forma de confirmação da identidade
sexual da mulher, um momento particular, de retorno a si própria, de
grande investimento, não só no seu próprio corpo e imagem pessoal, mas
também no seu bebê.

Ao longo desse período o comportamento feminino sofre alterações e a


forma como cada mulher responde emocionalmente a estas variações está
intimamente ligada à sua personalidade, à relação com o seu parceiro e demais
familiares, ao contexto em que a própria gravidez ocorreu, bem como as suas
próprias repercussões, entre outros fatores (BORTOLETTI, 2007). Ocorre, pois, um
misto de sentimentos em torno da gestação ou, como descreve Bortoletti (2007),
uma ambivalência afetiva em torno dos ganhos e perdas que uma gravidez implica.
Esta premissa é igualmente sustentada por Lederman (1996, citado por Corbett,
2006), que se refere a esta etapa como sendo potencialmente estressante,
enquanto a mulher se prepara para um novo nível de preocupações e
responsabilidades, mas ao mesmo tempo, compensadora. Acrescenta ainda tratar-
se de uma etapa de crescimento, passando por vários níveis de desenvolvimento,
seja pela aceitação da gravidez, a identificação com o papel de mãe, a
reorganização das suas relações, nomeadamente como o seu companheiro e a sua
mãe, o estabelecimento de uma relação com o feto e ainda pela preparação para o
nascimento. Esta etapa implica modificações no autoconceito da mulher.
Maldonado (2002) citado por Bortoletti (2007) identifica a regressão como
um dos fenômenos fisiológicos de extrema relevância na gestação. Esta alteração
que considera ser fisiológica, manifesta-se através de comportamentos
infantilizados, fundamentais para os cuidados que a mulher irá prestar ao recém-

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nascido, contribuindo, desta forma, para a relação mãe/bebé. No contexto da
ambivalência afetiva, o autor destaca a hipersensibilidade emocional da mulher
grávida. A suscetibilidade emocional desencadeia oscilações de humor, mesmo
perante situações insignificantes do dia a dia. Estas alterações emocionais têm uma
relação estreita com as mudanças corporais que permeiam a gravidez desde o
início, provocando angústias e inseguranças e comprometendo mesmo a sua
identidade feminina.
Quanto a maternidade, esta é descrita por Leal (2005), como algo que
transcende, em diversos níveis, a gravidez:

Distancia-se do período gravídico ao assumir-se como um projeto a longo


prazo, projeto esse que exige um envolvimento suficiente e capaz, na
prestação de cuidados e afetos que promovam o desenvolvimento
saudável e harmonioso do recém-nascido, bem como outras iniciativas,
atuações e responsabilizações. O projeto de ser mãe requer não apenas o
desejo de ter um filho, mas sobretudo o desejo de ser mãe.

Fonte: www.semprematerna.com.br

Como parte da dinâmica da sociedade num determinado momento, a


maternidade surge edificada por padrões de cultura em que determinadas

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concepções, como a infância, a qualidade de vida e os direitos e deveres dos
cidadãos, se vestem de uma extrema relevância (Leal, 2005).
Bortoletti (2007), citando Dolto (2005), a palavra “mãe” significa a
“representação humana da criatividade, o próprio símbolo da fertilidade”. A
experiência de ser mãe é, tal como a gravidez, uma experiência única e profunda
na vida de uma mulher.

3.2 Parto e Pós-parto/Puerpério

Coelho (2014), define que o trabalho de parto e o nascimento marcam o


final da gravidez, o início da vida extrauterina para o recém-nascido e uma
importante mudança na vida familiar.
Segundo o documento de consenso da Federacion de Associacones de
Matronas de España (FAME, 2009), o parto constitui um evento natural, mobilizador
e marcante na vida da mulher/casal e de toda a família, inserido num determinado
espaço de tempo e numa determinada cultura.
Influenciada por valores, costumes, crenças e ainda pelos demais contextos
de prática de cuidados, a experiência do parto varia consideravelmente de uma
cultura para outra. Desde as primeiras civilizações que são conhecidos inúmeros
significados culturais que foram sendo atribuídos ao parto e que continuam a sofrer
transformações através das gerações. Apesar de todo o investimento crescente e
dos conhecimentos baseados na evidência científica, este acontecimento mantém-
se vinculado a costumes e preconceitos que influenciam igualmente a mulher e o
casal, bem como a própria conduta dos profissionais de saúde. Coelho (2014)
acredita que todos os esforços aplicados têm como propósito promover um parto
mais humanizado:

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Atualmente, os esforços são no sentido de promover um parto
normal/natural, ou seja, um modelo pouco intervencionista e mais
humanizado, em que a fisiologia, como pressuposto, constitui o principal
desafio do nascimento. E ainda, um modelo que possibilite à mulher uma
maior autonomia, ou seja, um maior controlo sobre o próprio parto, com
direito à opção fundamentada e escolha informada (COELHO, 2014).

O parto normal é definido como um “processo fisiológico único com o qual


a mulher finaliza a sua gravidez de termo, em que estão implicados fatores
psicológicos e socioculturais. O seu início é espontâneo, evolui e termina sem
complicações, culminando com o nascimento e não implica mais intervenções que
o apoio integral e respeitoso do mesmo” (FAME, 2006 citado por FAME, 2009, p.
20).
De acordo com diversos estudos, há inúmeras vantagens de um parto
normal, que respeita o rumo da natureza e a dinâmica de cada nascimento, pois o
bebê nasce no tempo certo, o que facilita a sua adaptação à vida extrauterina, o
contato corpo a corpo e a amamentação na primeira hora de vida; do ponto de vista
psicológico, potencializa o processo de vinculação mãe/recém-nascido e facilita a
interação com o companheiro/pai; do ponto de vista físico, os benefícios prendem-
se com a recuperação materna mais rápida, sendo os riscos de hemorragia e
infeção amplamente menores, possibilitando que mulher regresse ao ativo mais
cedo, o que implica menores custos sociais e de saúde (FAME, 2009).
O ideal é que a mulher seja o centro da assistência prestada durante todo
o processo gravídico-puerperal, isto é, durante a gravidez, parto e pós-parto. Steele
(1998, citado por FAME, 2009), acrescenta que os cuidados devem ser centrados
na mulher e adequados às suas necessidades e circunstâncias, com o respeito
máximo pelas suas opiniões.
O parto é um momento singular, esperado com grande expectativa, mas
igualmente temido pelas mulheres. Segundo Bortoletti (2007) as gestantes
verbalizam que têm medo do parto por inúmeras razões, entre as quais, a
insegurança relacionada com a capacidade de parir, a capacidade de exercer o
papel de mãe e o receio de perderem a dinâmica da vida anterior ao parto.

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Maldonaldo (2003), citado por Bortoletti (2007), acredita que mesmo que o
parto aconteça em circunstâncias ideais, a carga emocional é tão grande que é
impossível eliminar totalmente os receios, seja pela imprevisibilidade da situação,
bem como pela “perda” do cordão umbilical e o tão esperado encontro com o bebê
“real”. Este primeiro contato, pode despertar na mãe o receio de não conseguir
satisfazer as necessidades básicas para o desenvolvimento saudável do seu bebê.
Pode, igualmente, ser decepcionante, quando este contato com o bebê real não
corresponde exatamente ao que ocorria com o bebê da sua fantasia. Por isso,
Maldonado (2003), defende a importância da preparação emocional da mulher para
o nascimento e maternidade, e não exclusivamente para o tipo de parto, de forma
a minimizar as possibilidades desta se sentir frustrada. Tal como já foi citado
anteriormente, o novo papel é naturalmente gerador de ansiedades e preocupações
e requer muitas adaptações e restruturações, sobretudo maternas.
Segundo Coelho (2014):

É consensual entre vários autores de que o pós-parto representa o período


mais delicado do ciclo gravídico-puerperal, marcado por uma grande
vulnerabilidade emocional que geralmente afeta ambos os pais. Constitui
um momento que comporta mudanças e reajustamentos em vários
contextos, sobretudo respeitantes ao ajustamento parental
(LOWDERMILK & PERRY, 2006; BARTOLETTI, 2007; MENDES, 2009).

A limitação temporal do início do pós-parto é unânime entre os vários


autores, isto é, após o parto. Todavia, as opiniões oscilam em relação ao seu fim,
bem como em relação ao ponto de vista conceptual. O conceito de pós-parto é mais
abrangente do que o conceito de puerpério que, para a grande maioria dos autores,
se baseia apenas na recuperação física e adaptação fisiológica da mulher à
maternidade (MENDES, 2009).
Assim sendo, e tal como defende Afonso (2000, citado por Mendes, 2009),
o pós-parto engloba não somente a recuperação fisiológica do puerpério, mas
também, o conjunto de processos de ajustamento à identidade materna, de
aprendizagem ao papel de mãe, de adaptação ao novo elemento da família e de
reestruturação das relações familiares e sociais.

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Mendes (2009, p. 68) define pós-parto como sendo um período transitório,
“de continuidade de um processo já vivido e, pelas circunstâncias pessoais e
interpessoais que envolvem a mulher, o homem e a família, confere uma vivência e
experiências únicas nas dimensões físicas, psíquicas e sociais”.
Na obra de Crum (2006), encontramos o seguinte comentário:

O pós-parto é designado, muitas vezes, por puerpério e compreende o


espaço de tempo decorrido entre o nascimento e o retorno dos órgãos
reprodutores da mulher ao seu estado pré-gravídico. O puerpério, também
designado de “quarto trimestre”, tem uma duração média de 6 semanas,
variando este tempo de mulher para mulher.

O autor também comenta a fisiologia materna. Segundo ele, as


modificações ocorrem ao nível metabólico, bioquímico, hormonal e anatómico, nos
diversos sistemas e estruturas associadas. Estas alterações manifestam-se através
de um conjunto de sinais e sintomas, que constituem os habituais desconfortos do
puerpério, ainda que sejam de expressão e intensidade variáveis, entre mulheres.
Os reajustamentos fisiológicos e as manifestações de desconforto ocorrem
essencialmente ao nível do aparelho reprodutor, sistema endócrino, sistema
urinário, sistema gastrointestinal, sistema cardiovascular, sistema nervoso, sistema
músculo-esquelético e, por último, ao nível do sistema tegumentar (Crum, 2006).

3.3 A Transição Para a Parentalidade

De acordo com Manning (2006), a transição para a parentalidade


corresponde ao período de tempo desde a decisão pré-concepcional até aos
primeiros meses após o nascimento, durante o qual os pais definem os seus novos
papéis e se adaptam à parentalidade. Termina naturalmente quando os pais
desenvolvem um sentimento de confiança e conforto no desempenho dos
respetivos papeis.

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Diversos autores defendem o princípio de que a reformulação da identidade
e a reorganização das relações interpessoais é uma realidade presente, tanto na
mãe como no pai do bebê (Canavarro & Pedrosa, 2005; Manning, 2006).
Da revisão da literatura, salienta-se uma clara ideia de complexidade da
transição para a parentalidade traduzida, não apenas pela complexidade de
influências e fatores determinantes, mas também pelas múltiplas interações em
causa (COLEHO, 2014).
Mendes (2009), citando Canavarro e Pedrosa (2005), afirma que o
nascimento é um momento especial, que implica grandes e profundas mudanças
na vida de ambos os pais, sobretudo quando se trata do primeiro filho. Os autores
consideram este processo de ajustamento um percurso de aprendizagem de ambos
os pais, quer na relação consigo próprios, quer na relação com o bebê, quer ainda
na sua relação conjugal. E citando Figueiredo (2004), o autor acrescenta que o
impacto do nascimento se estende de igual forma à família extensa.
Estudos demonstram evidências de que a qualidade do relacionamento
conjugal da puérpera e da sua relação com os elementos femininos próximos,
nomeadamente a sua mãe, é particularmente determinante para a sua saúde mental
(MATTHEY, BARNETT, UNGENER & BRENT, 2000 citado por MENDES, 2009).
Há estudos ainda que mostram que a maneira como ambos os pais se
adaptam à parentalidade é determinada pela vivência destes com a sua família de
origem durante a infância e, inclusive, com a relação dos próprios pais entre si
(BELSKY & ISABELLA, 1985, citado por MENDES, 2009).
No que diz respeito à relação conjugal, o nascimento de um filho implica
uma reorganização da dinâmica do relacionamento anterior e a preparação conjunta
para a parentalidade. Para além das mudanças que operam a nível dos processos
operacionais, como é exemplo a partilha das tarefas domésticas e dos cuidados
prestados ao bebé, Colman e Colman (1994, citado por Mendes, 2009) destacam
as mudanças que ocorrem a nível do relacionamento sexual. A conciliação do papel
parental com o relacionamento sexual pode ser particularmente difícil e delicada,
sobretudo, e uma vez mais, quando se trata de um primeiro filho.
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Ainda que a literatura dê ênfase à relação conjugal como fator determinante
da adaptação à parentalidade, importa referir que as próprias mudanças implicadas
nesta transição, nos diversos contextos, também acabam por se refletir na
qualidade da relação dos cônjuges (COWAN & COWAN, 1988, citado por
CANAVARRO & PEDROSA, 2005).
Segundo Santana (2007):

O casal com bom relacionamento afetivo, se encontra bem informado e


esclarecido acerca das dúvidas e receios, bem como das mudanças
esperadas, superando mais facilmente as dificuldades que surgem na
adaptação à nova realidade, que consideram ser naturalmente passageira
e superficial.

Canavarro e Pedrosa (2005) comentam que para o casal, esta época surge,
por um lado, como um período de riscos de desencontros e insatisfação e, por outro
lado, como um período de oportunidade de ascender a níveis mais gratificantes no
contexto das relações conjugal e familiar.
Os contextos sociais influenciam significativamente na adaptação à
parentalidade, principalmente na vertente materna e, sobretudo no que concerne ao
contexto profissional e suporte social. É unânime entre os autores que as maiores
exigências de conciliação dos cuidados prestados ao bebê e das tarefas
profissionais são maternas. O apoio instrumental e o apoio emocional são
fundamentais para a conciliação destes papeis. O pai do bebê e a família extensa
são identificados como sendo as fontes de apoio mais relevantes e indispensáveis
(CANAVARRO & PEDROSA, 2001).
Para Coelho (2014), as primeiras três semanas do pós-parto são
habitualmente referidas pela mãe como muito exaustivas, uma vez que esta se
encontra focalizada nas necessidades do seu bebê durante 24 horas por dia.
Bortoletti (2007) defende que o nascimento de um filho exige toda a atenção
e dedicação materna, pelo que requer uma grande proteção das suas reservas
emocionais, que são essenciais para a relação desta com o seu bebê.

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Nystrom e Ohrling (2004), citado por Mendes (2009) enunciaram as
categorias da perspectiva materna acerca da experiência da parentalidade,
identificadas no primeiro ano de vida do bebê: a satisfação e confiança no papel de
mãe, a preocupação e o esforço por ser a primeira pessoa responsável pelo bem-
estar do bebê, a gestão do tempo disponível para o autocuidado e, por último, a
sensação de fadiga e de esgotamento físico.

Fonte: https://arita.com.br

Na obra de Manning (2006), encontramos três fases que se manifestam no


processo de adaptação materna, caracterizadas por comportamentos dependentes,
comportamentos dependentes-independentes e comportamentos
interdependentes. Vejamos cada uma delas.
Comportamento dependente. A primeira fase, designada de dependente,
corresponde às primeiras 24 a 48h após o nascimento do bebé e é caracterizada
pelo predomínio das necessidades de dependência materna, pelo grande
entusiasmo materno e o seu desejo de verbalizar a experiência do parto. Nesta fase,

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a atenção e a energia da mãe é centrada no bebé, pelo que, o seu descanso cai,
muitas vezes, no esquecimento (MANNING, 2006).
Comportamentos dependentes-independentes. A fase dependente-
independente é a fase seguinte, durante a qual, habitualmente, a mãe tem alta. É
caracterizada pelo fato da mãe se tornar mais independente e mais interessada na
aprendizagem de competências para cuidar do bebê. Manning (2006) descreve
algumas situações próprias dessa fase:

Nesta fase, a fadiga é identificada como um problema comum a nível físico,


afetando vários parâmetros da vida da mãe, nomeadamente, a relação
com o parceiro e outros familiares e a gestão das responsabilidades
domésticas. A perda de peso e da sua forma, as relações sexuais e as
dores e os desconfortos, como é exemplo as hemorroidas, são outras
preocupações físicas manifestadas. Nas primíparas, é comum surgirem
ainda sentimentos de insegurança e constrangimento pela fadiga e
inexperiência nos cuidados prestados ao bebé. É nesta fase que é
frequente o surgimento do blues pós-parto, também designado de baby-
blues.

Este fenômeno de extrema relevância manifesta-se através de um


sentimento de desânimo e tristeza, acompanhado por alguma irritabilidade e
ansiedade, labilidade emocional, com choro fácil e sem razão aparente. (MANNING,
2006).
Comportamento interdependente. Por último, segue-se a fase
interdependente, que corresponde ao período em que a mãe e a família evoluem
enquanto unidade, com interação entre os membros. Esta fase assinala a
reafirmação do relacionamento com o companheiro e a retoma da atividade sexual.
Coelho (2014), citando Manning (2006), afirma que a transição para a
parentalidade é considerada um acontecimento indutor de stress familiar normativo,
ou seja, que é comum à maioria das famílias, esperado e de duração temporal
limitada. Boss (2002, citado por Canavarro & Pedrosa, 2005), explica que o conceito
de stress familiar não é necessariamente negativo nem positivo, mas sim um
conceito neutro, que apenas significa mudança. Pode, no entanto, resultar em crise
familiar, ou seja, numa perturbação do equilíbrio da família quando esta, perante a
situação de mudança, não consegue gerir ou fazer uso das estratégias de coping
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adequadas. Alguns autores defendem que, mesmo os pais que se encontram
psicologicamente bem adaptados, podem experimentar perturbações psicológicas
após o nascimento do bebê e desenvolver, inclusive, uma crise familiar
(CANAVARRO E PEDROSA, 2005; LOWDERMILK & PERRY, 2006; VAZ-SERRA,
2011).
Apesar do enorme progresso científico ocorrido nos últimos anos na área
da saúde, a etiologia relativa aos transtornos psiquiátricos, que afetam a mulher no
ciclo gravídico-puerperal, permanece no campo das hipóteses. De todas as fases
deste ciclo, o puerpério é a mais suscetível para as desordens mentais, variando-
se desde uma Disforia leve e um quadro depressivo propriamente dito, até um
quadro extremamente grave como a Psicose Puerperal.

Fonte: https://www.portalmommys.com.br

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4 ALTERAÇÕES PSICOEMOCIONAIS DO PUERPÉRIO

O pós-parto, segundo alguns estudos, constitui a ocasião em que as


manifestações psicopatológicas se manifestam com maior probabilidade do que
qualquer outra altura da vida, sendo por isso, caracterizado como um período de
elevado risco para a saúde mental da mulher. (COELHO, 2014)
Como já foi referido anteriormente, tal situação, prende-se com o conjunto
de modificações que ocorrem no puerpério, quer a nível biológico, psicológico e
social, que exigem da mulher a necessidade de viver adaptações que a tornam
naturalmente mais vulnerável ao desequilíbrio psicológico, mas que podem
igualmente contribuir para a aquisição de novas competências psicológicas e
sociais (FIGUEIREDO, 2001).
Autores diversos têm distinguido as dificuldades das mulheres se
adaptarem às mudanças biológicas, psicológicas, conjugais e familiares,
decorrentes do advento do seu bebê. Vejamos a seguir um pouco mais sobre as
dificuldades em cada uma dessas áreas.
No que respeita às mudanças biológicas, dão ênfase ao fato de o corpo da
mulher sofrer alterações progressivas durante a gravidez, contrariamente ao que
ocorre após o nascimento, em que essa mudança ocorre de forma abrupta. O
mesmo acontece com as variações hormonais durante a gravidez e após o
nascimento. Ou seja, enquanto que durante a gravidez os níveis de progesterona e
estrogénio aumentam progressivamente, após o parto estes valores sofrem uma
diminuição muito significativa e os valores de prolactina um aumento brusco
(O’BRIEN & PITT, 1994; WIECK, 1996, citado por FIGUEIREDO, 2001).
Em relação às mudanças psicológicas, decorrentes do nascimento, as
alterações na autonomia e identidade materna são os efeitos com maior
prevalência.
Segundo Coelho (2014), no nível conjugal:

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Destacam as alterações que decorrem essencialmente do novo papel
parental e da conciliação deste com a vida conjugal/sexual, destacando,
por último as diversas alterações familiares, no sentido em que a presença
do novo membro vai interferir com o equilíbrio já estabelecido entre os
diferentes membros da família.

Conforme apontado pela American Psychiatric Association (APA, 2000,


citado por LOWDERMILK & PERRY, 2006), as perturbações do humor são a
patologia mental mais comum do pós-parto e ocorrem habitualmente nas 4 semanas
a seguir ao nascimento.
Segundo Figueiredo (2001), as alterações psicoemocionais resultam do
fenômeno reconhecido designado de blues pós-parto ou tristeza materna, que é
considerado um estado depressivo benigno e transitório, mas que pode, em alguns
casos, evoluir para formas mais graves, podendo mesmo antecipar uma depressão
pós-parto.
Para Rosenberg (2007, p.114), os problemas do pós-parto são
tradicionalmente divididos em: “maternity blues ou tristeza materna ou disforia
materna, depressão puerperal e psicose puerperal”.
Assim sendo, para além da importante questão das alterações
psicoemocionais decorrentes do Blues pós-parto, importa abordar, igualmente, as
perturbações psicopatológicas do puerpério, nomeadamente a Psicose Puerperal e
a Depressão Pós-parto (DPP), no sentido de uma melhor compreensão do tema e
suas particularidades. (COELHO, 2014).
Figueiredo (2001), explica que essas perturbações agrupam algumas
características em comum, nomeadamente:

A estreita relação temporal que possuem com o nascimento do bebê,


sendo que cada uma dela ocorre num timing preciso; a reconversão mais
rápida, característica do puerpério, contrariamente ao que aconteceria em
qualquer outro momento da vida da mulher; e por último, a sintomatologia
que se relaciona, exclusivamente, com a temática do parto e do bebê.

Rosenberg (2007), por sua vez, faz um alerta para a necessidade ímpar de
se proceder à identificação precoce e precisa dos transtornos psicoemocionais da
gravidez e do puerpério, tendo sempre como linha de atuação a promoção da

20
integridade biopsicossocial da grávida, bebê e família, no sentido de favorecer e
facilitar a formação de vínculos saudáveis. E relembra que a concretização deste
objetivo só se torna possível através de um trabalho de equipa e de prevenção,
sobretudo ao nível primário.

4.1 Blues Pós-Parto

Leal e Marôco (2010), nos informa que o fenômeno de blues pós-parto foi
descrito, inicialmente, por Moloney, em 1952, que o definiu como sendo uma reação
depressiva envolvendo sintomas de fadiga, receio e dificuldades cognitivas, tendo
a denominação de “third day depression”.
Os autores lembram, ainda, que foi nos anos cinquenta que surgiram os
primeiros trabalhos de investigação sobre as alterações emocionais do puerpério
imediato, então designadas de “Maternity Blues” (HENSHAW, 2003, citado por
LEAL & MARÔCO, 2010).
O blues pós-parto é um fenômeno intercultural com elevada prevalência, de
carácter transitório e benigno, ocorrendo em mulheres saudáveis do ponto de vista
físico e psicológico. Conforme vemos na obra de Coelho (2014),

O Blues pós-parto é considerado uma forma breve e moderada de


perturbação de humor, englobando sentimentos de labilidade emocional,
disforia, choro, irritabilidade, ansiedade, insónia, fadiga, perda de apetite,
tensão, hostilidade, confusão e alterações cognitivas. Entretanto, os
investigadores privilegiam, como sintomas nucleares deste fenómeno, a
labilidade emocional e as crises de choro. Os sintomas podem durar
apenas algumas horas, todavia, na maioria dos casos, permanecem
durante cerca de dois dias e nunca persistem por mais de três.

Segundo apontado por alguns renomados autores, estudos revelam que


aproximadamente 50% a 85% das mulheres desenvolvem esta perturbação
(CANTILINO; ZAMBALDI; SOUGET; RENNÓ, 2010).
Embora seja óbvio, é importante ressaltar que o blues pós-parto apresenta
uma estreita relação temporal com o parto, uma vez que em todos os casos ocorre
na primeira semana a seguir ao nascimento do bebé. Normalmente inicia-se entre

21
o 3º e o 4º dia, registando-se um pico por volta do 5º dia, e nunca se verifica a partir
do 10º dia do puerpério (LEAL & MAROCO, 2010; LOWDERMILK & PERRY, 2006;
FIGUEIREDO, 2001).
Os estudos empíricos, conforme apresentados em algumas obras,
elucidam que por volta do 3º ou 4º dia após o parto, uma grande maioria das
mulheres, sente um mal-estar físico e psicológico, exibe uma elevada preocupação
com o bebê, podendo manifestar dificuldades em amamentar e em cuidar dele.
Tanto exalta alegria e energia, como de repente chora sem razão aparente,
manifesta ansiedade e tensão, podendo mesmo evoluir para a irritabilidade e
hostilidade para com quem a rodeia (FIGUEIREDO, 2001, LANA, 2001, CITADO
POR LEAL & MAROCO, 2010).
É consenso entre os autores a opinião de que as mudanças de humor, neste
contexto, não são relacionáveis com as variáveis sociodemográficas, com as
complicações obstétricas, com a vulnerabilidade prévia à doença psicopatológica,
com as circunstâncias adversas da vida, e mesmo com o suporte social da mãe
(O’HARA ET AL.,1990, PITT, 1973, KENNERLEY & GATH, 1989, YALOM ET AL.,
1968, HAPGOOD et al., 1988, citado por FIGUEIREDO, 2001).
Entretanto, outros autores, como Henshaw (2003), citado por Leal & Marôco
(2010), chamam a atenção para investigações que sustentam que o blues pós-parto
é mais frequente em mulheres que são mães pela primeira vez, em situações de
partos difíceis, cesarianas, falta de experiência nos cuidados ao recém-nascido e
no caso de a alimentação do bebê depender de substitutos do leite materno.
Para Leal & Maroco (2010):

Os estudos realizados por Glangeaud-Freudenthal, Crost e Kaminski


(1999) e por Murata et al. (1998) que revelaram que as mulheres com
menor apoio social e suporte por parte da família, na primeira semana após
o nascimento, manifestaram níveis mais elevados de blues pós-parto. O
autor considera ainda outros estudos empíricos, que apontam que as
mulheres que manifestam blues pós-parto mais intensos ou mais
prolongados apresentam maior risco de desenvolver depressão pós-parto
(Henshaw, 2003; Beck et al., 1992; May et al., 2000; Figueiredo, 2001;
Glangeaud-Freudenthal et al., 1999).

22
Para Lana (2001), o blues pós-parto resulta das variações hormonais do
pós-parto e dos fatores psicossociais (Leal & Maroco, 2010).
Coelho (2014) faz a seguinte contribuição acerca do tema:

Do ponto de vista hormonal, ocorre uma quebra acentuada nos valores de


progesterona e de estrogénio, que foram aumentando progressivamente
durante a gravidez, e verifica-se um aumento brusco nos valores de
prolactina, hormona responsável pela lactação. Do ponto de vista
psicológico, os estudos sugerem que certas características da
personalidade, como a ansiedade, o neuroticismo e estratégias passivas
de coping; a presença de problemas emocionais na gravidez; as reações
negativas à aparência física do bebê e as dificuldades emocionais da mãe
em lidar com ele, favorecem a aparecimento do fenômeno em questão.

Segundo um estudo realizado por Faisal-Cury e Menezes (2006), a


ansiedade no puerpério é significativa, sendo que o risco de ansiedade aumenta
com a presença de intercorrências do recém-nascido e quanto maior o número de
filhos, ao passo que o maior suporte social e a maior faixa etária da mulher
diminuem o seu risco.
Figueiredo (2001) considera o blues pós-parto um fenômeno normal e
adaptativo que não requer tratamento e, por isso não é considerado uma
perturbação psicopatológica. Pode, inclusive, constituir uma resposta emocional
adequada, facilitadora da aproximação da mãe ao bebê.
No entanto, apesar desse seu caráter “benigno”, jamais deve, por tudo o
que foi referido anteriormente, ser menosprezado pelos profissionais de saúde.

4.2 Psicose Puerperal

Segundo nos informa Figueiredo (2001), o primeiro a dedicar-se ao estudo


desta perturbação grave decorrente do parto, foi Marcé (1858), defendendo que a
sua sintomatologia não era em nada diferente da psicose decorrente de outra
situação, em qualquer outro momento da vida da mulher.
Para Brocking (1996), citado por Figueiredo (2001), a Psicose Puerperal é
caracterizada pela emergência repentina e inesperada da sintomatologia psicótica,

23
em que a puérpera se distancia da própria realidade e, em particular, do recém-
nascido.
De acordo com Cantilino et al. (2010), se comparada ao Blues Pós-parto, a
Psicose Puerperal, é considerada a perturbação mais grave, mas, também, aquela
que apresenta uma incidência inferior, de cerca de 0.2%. Apesar de considerada
transitória, os autores assinalam as implicações adversas e severas que a psicose
pode ter para a saúde da mãe e do bebê.
Os sintomas são repentinos, apesar de geralmente serem precedidos de
uma ou duas noites de insônia, e é caracterizada por um quadro de confusão aguda.
Os sintomas identificados são: as insônias, a confusão, a desorientação, a agitação,
os comportamentos bizarros, as ideias de referência e alucinação (SHAPIRO &
NASS, 1986, ZIPORYN, 1984, citado por FIGUEIREDO, 2001). Os mesmos
normalmente sofrem oscilações repentinas, ou seja, a puérpera alterna entre
momentos de adaptação à realidade e prestação adequada dos cuidados ao recém-
nascido e momentos de perda total do contato com a realidade, acompanhada,
inclusive, de uma atitude de indiferença para com o bebê (KLOMPENHOUWER,
1991, citado por FIGUEIREDO, 2001).
Segundo Coelho (2014), a psicose, assim como o blues Pós-parto, também
tem início nos momentos imediatos ao nascimento do recém-nascido. Figueiredo
(2001), apresenta dados de estudos empíricos que mostram que não se registam
casos de psicose puerperal antes do 3º dia ou depois da 4ª semana do pós-parto,
sendo que a maioria tem início durante a primeira semana do nascimento, e mais
de dois em três casos, tem início durante as duas primeiras semanas. Os estudos
revelam ainda que a duração do surto psicótico é habitualmente de cinco a doze
meses, sendo sempre inferior à duração de um surto que ocorra num outro
momento da vida da mulher.
Coelho (2014), traz uma informação importante em sua obra:

24
Do ponto de vista etiológico, é consensual entre vários autores assinalados
por Figueiredo (2001), que os fatores biológicos relacionados com o parto
e a vulnerabilidade psicopatológica prévia da mulher, são considerados os
fatores etiológicos mais relevantes da perturbação em questão. No
contexto biológico, ressaltam as variações hormonais bruscas dos níveis
de estrogénio e progesterona, decorrentes do parto, tal como se verifica
no blues pós-parto. No que concerne aos fatores psicossociais e
socioculturais, vários estudos têm revelado que não existe qualquer
relação entre estes e a ocorrência de psicose puerperal, com exceção da
primiparidade (Kumar, 1994, citado por Figueiredo, 2001).

Os diversos estudos advertem para a necessidade de um diagnóstico


precoce com vista a uma intervenção rápida e eficaz, no sentido de evitar o impacto
adverso, tanto para a mãe como para o bebê. Visto que o risco para o bebê é, real
e enorme, pois a fase maníaca pode dominar e impulsionar a puérpera a agredi-lo,
sem que esta tenha a noção da sua atitude. Nesse estado de perturbação existe o
risco, inclusive, de infanticídio e o de suicídio da puérpera, pelo que requer,
geralmente, internamento hospitalar (ROSENBERG, 2007).

4.3 Depressão Pós-Parto

A Depressão Pós-parto (DPP) foi definida pela primeira vez em 1968 pelo
autor Pitt no primeiro estudo empírico sobre esta perturbação (Figueiredo, 2001).
O mesmo Figueiredo, cita em sua obra, um trecho de O’Hara (1997, p. 172),
sobre o tema:

A Depressão pós-parto pode ser identificada pela presença de um episódio


depressivo major que surge na total ausência de sintomatologia psicótica
e se estabelece em estreita relação temporal e temática com o nascimento
do bebé, tendo quase sempre início entre o 2º e o 3º mês do pós-parto.

De acordo com Cantilino et al. (2010), a DPP pode causar, tal como as
demais perturbações, repercussões na interação mãe-bebê.
Coelho (2014), ressalta a importância de se distinguir a DPP em relação à
depressão que ocorre em momentos que não estão relacionados com o parto, ainda
que haja divergências de opiniões no que diz respeito à necessidade de distinguir a
DPP.
25
Para Figueiredo (2001), citado por Coelho (2014):

Alguns elementos identificados por vários autores, permitem distinguir este


tipo de depressão. São eles: a baixa ocorrência da ideação e
comportamento suicida (Appleby, 1998); a diminuição, ainda mais
acentuada, do prazer e desejo sexual (Kumar & Robson, 1984); as queixas
que são maioritariamente físicas, como a fadiga, falta de apetite e dores
de cabeça, comparativamente aos sintomas cognitivo-emocionais
(Augusto et al., 1996; Troutman & Cutrona, 1990); por último e o mais
notório, a sua temática, pelo fato desta se desenvolver especificamente em
torno do desempenho do papel materno e do bebê (Beck, 1992; Hopkins,
Campbell & Marcus, 1989; Pitt, 1968).

Figueiredo (2001), esclarece que, quanto a sintomatologia, a DPP é


caracterizada pela elevada ansiedade e preocupação, quase exclusivamente
centradas no bebê; o elevado sentimento de culpa, por esta não se sentir capaz de
amar e cuidar de forma adequada do mesmo; e a baixa autoestima, por a puérpera
considerar ter um mau desempenho enquanto mãe.
Lowdermilk (2006), traz uma importante contribuição, ao esclarecer que os
sintomas de DPP, apenas diferem dos das restantes perturbações de humor, no
que se refere aos complexos de culpa e incapacidade que alimentam os
sentimentos de incompetência e inadequação do papel parental.
Segundo alguns estudos, o fato das queixas físicas serem, por norma, o
motivo de procura de ajuda por parte da puérpera, se deve, muitas vezes, à
dificuldade que estas têm em reconhecer ou admitir a presença de outros sinais,
como é exemplo a tristeza, pelo sentimento de culpa que essa vivência desperta,
face à pressão social e cultural que impõe que o nascimento de um bebê
corresponde sempre a uma vivência emocional positiva por parte da mãe
(FIGUEIREDO, 2001).
Segundo Coelho (2014), uma particularidade da DPP são as mudanças de
humor normalmente agravadas no fim do dia e, no caso de existir insônias, estas
não são matinais, mas sim características ao adormecer.
Acerca da incidência da DPP, Figueiredo (2001), cita O’Hara e Swan (1996),
que assinalam uma meta análise de 59 estudos, desenvolvidos em diversos países,
cuja incidência é de cerca de 13%.
26
Em relação ao timing, tal como acontece nas perturbações anteriores,
também a depressão existe numa estreita relação com o nascimento.
Alguns estudos revelam que, cerca de 75% dos casos, têm início entre o
segundo e o terceiro mês do puerpério.
Para Oates (1996), a décima semana constitui a ocasião ideal para o
rastreio da DPP, uma vez que é precisamente nesta fase que é possível identificar
um número considerável de puérperas a iniciar uma DPP. (FIGUEIREDO, 2001)
Coelho (2014), citando Figueiredo (2001), apresenta uma informação
esclarecedora quanto a duração e a severidade da DPP:

No que concerne à duração e severidade da DPP, os estudos mais


recentes apontam para um grau de severidade maior e uma maior duração,
em oposição aos primeiros estudos que indicavam uma duração média de
3 a 4 meses. A sua gravidade está relacionada ao fato de uma grande
maioria não recorrer a ajuda especializada e também, ao fato desta
situação não ser, muitas das vezes, detectada pelos próprios profissionais
dos cuidados de saúde primários (Oates, 1996, Seeley, Murray & Cooper,
1996, citado por Figueiredo, 2001).

As publicações mais recentes são consensuais na atribuição da


responsabilidade da DPP às variáveis psicossociais da vida da mulher, durante a
gravidez e puerpério. Dessa feita, as adversidades de caráter social, as dificuldades
do relacionamento conjugal, a ausência do suporte social e os acontecimentos
adversos são fatores que favorecem esta perturbação. (COELHO, 2014)
Segundo uma publicação de Cooper et al. (1996), um estudo com 6.000
mulheres revelou que a ausência de suporte social e a história anterior de
depressão, avaliadas durante a gravidez, representam as variáveis de maior
impacto na previsão de emergência de DPP. (COELHO, 2014)
De acordo com alguns estudos, as circunstâncias negativas relativas ao
bebê demonstraram que a prematuridade e os problemas de saúde do recém-
nascido podem corroborar ou condicionar a emergência de DPP. Estes fatores
podem, pois, implicar maiores dificuldades da mãe em prestar cuidados ao recém-
nascido, dificuldades no estabelecimento do vínculo afetivo mãe-bebê, e ainda,
interferir na autoestima materna (FIGUEIREDO, 1997).

27
Segundo demonstrou um estudo realizado por Faisal-Cury e Menezes
(2006), há uma associação significativa entre a ansiedade materna no primeiro mês
de puerpério e as intercorrências com o recém-nascido. (PEROSA, CANAVEZ,
SILVEIRA, PADOVANI & PERAÇOLI, 2009)
Segundo Lowdermilk (2006), a investigação analítica demonstrou que a
fadiga materna, sentida nos sete dias após o parto, é preditiva para a DPP ao
vigésimo oitavo dia do puerpério. O autor cita, ainda, certa publicação de Beck
(2002), elencando treze fatores de risco da DPP, hierarquizados, sendo os três
últimos aqueles cuja relação com a DPP é menos significativa:
1. depressão pré-natal,
2. baixa autoestima,
3. stress por cuidar do bebé,
4. ansiedade pré-natal,
5. vida stressada,
6. ausência de suporte social,
7. relação conjugal problemática,
8. história prévia de depressão,
9. temperamento difícil do bebé,
10. blues pós-parto,
11. o estado civil de solteira,
12. a baixa condição socioeconómica,
13. a gravidez não planejada ou não desejada.

Liabsuetrakul et al. (2007), mencionam um estudo publicado em 2006,


realizado em 400 mulheres na Tailândia, que constatou que a ansiedade e o suporte
social presentes no terceiro trimestre de gravidez e nas primeiras seis a oito
semanas do pós-parto, são variáveis preditores da DPP. Os autores alertam ainda
para os benefícios e necessidade de avaliação dos fatores de risco da DPP durante
a gravidez e no pós-parto, nomeadamente, a autoestima, o stress, a ansiedade e o
suporte social (LIABSUETRAKUL, VITTAYANONT & PITANUPONG, 2007).
28
De acordo com o estudo qualitativo, realizado por Silva, Araújo, Araújo,
Carvalho & Caetano (2010), três alterações emocionais se revelam mais marcantes
nas puérperas que apresentam DPP: o choro, o nervosismo e a tristeza.
Um estudo sobre a experiência da maternidade no contexto da depressão
materna, no final do primeiro ano de vida da criança, constatou-se, que mães com
indicadores de depressão, relataram maior insatisfação com o desenvolvimento do
filho, com o desempenho do papel materno e com o apoio recebido do companheiro
e de outras pessoas; maior nível de estresse pela separação dos filhos em função
do trabalho, pela ocorrência de conflitos familiares e conjugais, por outras
dificuldades e no cuidado com a criança. Entende-se, que a atuação preventiva das
equipes multidisciplinares nesse período, proporciona à mãe o apoio que necessita
para enfrentar os eventuais episódios de depressão. (CARVALHO et al., 2019)
Segundo Carvalho et al. (2019):

O uso de psicoterapia vai depender da severidade dos casos. Nos casos


de depressão puerperal, pode ser utilizada somente a abordagem
psicoterápica, com exceção dos casos mais severos, que necessitam de
uma intervenção farmacológica. Independente da situação, a psicoterapia
reduz os sintomas depressivos e reorganiza os processos emocionais de
maternidade, auxiliando na construção e manutenção do vínculo afetivo
entre o binômio mãe-filho.

A psicoterapia é uma opção de tratamento para a DPP com maior evidência


quanto à terapia individual tendo a vantagem da ausência de contraindicações para
as lactantes. (IBIAPINA et al., 2010)

29
5 AUTOESTIMA E AUTOIMAGEM

A autoimagem e a autoestima são elementos interrelacionados mas que


encerram diferentes significados, pelo que se torna pertinente abordar ambos.

Fonte: https://www.natue.com.br

Segundo Rosenberg (1965):

A autoestima é a avaliação que a pessoa faz e geralmente mantém em


relação a si própria, a qual implica um sentimento de valor, que engloba
uma componente predominantemente afetiva, expressa numa atitude de
aprovação ou desaprovação em relação a si mesma (citado por Romano,
Negreiros & Martins, 2007).

Para Vaz-Serra (1986), a autoestima representa a faceta mais importante


do autoconceito e está associada aos aspetos avaliativos que o indivíduo elabora a
seu respeito, baseado nas suas capacidades e desempenhos. O mesmo autor ainda
defende que a construção da autoestima engloba três processos: a avaliação
refletida que, no fundo, representa a repercussão que a avaliação do indivíduo, feita

30
pelos outros, tem sobre o próprio indivíduo; a comparação social, que surge quando
o indivíduo se compara com os seus pares sociais, nas alturas em que não é
detentor de uma informação objetiva sobre determinado comportamento seu; e, por
último, a autoatribuição, que se prende com a tendência que o indivíduo tem em
tirar ilações a seu respeito, sobre as suas ações, em função do sucesso ou fracasso
dos seus esforços (VAZ-SERRA, 2011).
Enquanto a autoimagem é definida por Vaz-Serra (2011, p. 463) como a
“percepção que um indivíduo tem de si próprio” e do mundo à sua volta, a
autoestima é definida como sendo o resultado da avaliação que o indivíduo faz de
si próprio. Segundo o autor, as identidades da autoestima relacionam-se com o
conteúdo do autoconceito, sendo a autoestima uma parte integrante do mesmo.
Ainda sobre o tema, o autor Vaz-Serra (2011), comenta o seguinte:

Um indivíduo que formaliza objetivos e tem sucesso no seu alcance,


adquire um bom sentido de competência e melhora a sua autoestima. Em
contrapartida, quando os objetivos ficam longe de terem êxito, a
autoestima diminui e o indivíduo tende a auto-depreciar-se.

Segundo Tubesing e Tubesing (1994), citado por Vaz-Serra (2011), quem


possui uma boa autoestima tem tendência a aceitar-se como realmente é e a sentir
que tem valor, direito à amizade e ao respeito dos outros. Para além disso, os
autores acrescentam que, por norma, têm tendência a acreditar mais no seu
julgamento do que no dos outros, para além de deterem mais mecanismos de
defesa perante o stress, não só porque confiam em si e nas suas aptidões, mas
também porque têm tendência a aceitarem os acontecimentos desagradáveis como
sendo um desafio e não uma ameaça.
Vaz-Serra (2011), argumenta que os indivíduos com baixa autoestima,
geralmente, não se consideram capazes de lidar com determinadas circunstâncias,
reagem mal a críticas, ficam perturbados perante a rejeição, adoptam uma atitude
passiva perante a vida e sentem-se inferiorizados em relação aos outros.
O autor, do ponto de vista clínico, menciona algumas características típicas
de quem tem uma autoestima baixa, entre elas: a tendência para sobrevalorizar as

31
suas ações ou o seu desempenho social perante os outros, no intuito de compensar
as suas experiências de auto-depreciação; O sentimento de inveja perante os bens,
aptidões, estatuto ou os recursos sociais dos outros, que emerge frequentemente
devido ao sentimento de inferioridade. Este facto pode tornar a pessoa possessiva,
sobretudo no que respeita a exigir a atenção das pessoas mais próximas.
Vaz-Serra (2011) destaca as características dos indivíduos com baixa
autoestima:

As pessoas com baixa autoestima não admitem facilmente os seus erros


perante os outros, mesmo que estes sejam evidentes; podem gostar de se
fazer sobressair perante os seus subordinados, humilhando-os ou
rebaixando-os; sentem-se inseguras perante responsabilidades,
manifestam medo do fracasso e criam baixas expectativas no que respeita
ao seu desempenho em grandes projetos; Não conseguem ser
naturalmente francas e espontâneas a exprimir as suas opiniões e
sentimentos, com receio da censura; é igualmente característico da baixa
autoestima, o facto de terem, por norma, um mau perder.

Alguns especialistas afirmam que a baixa autoestima se relaciona com o


desenvolvimento de transtornos psicopatológicos. Os trabalhos de Harris e Bifulco
(1986) e Brown (1987), demonstram que a baixa autoestima, perante
acontecimentos indutores de stress, constitui um fator de vulnerabilidade e de risco
para a depressão, sendo três vezes superior ao das pessoas com uma boa
autoestima.
Vaz-Serra (2011), cita as a obra de Turner e Roszell (1994), onde estes
argumentam que a autoestima baixa se encontra frequentemente associada a
alcoolismo, consumo de drogas, comportamento agressivo e tendências suicidas.
Adicionalmente, a autoestima baixa é descrita como sendo um dos efeitos negativos
adversos da situação de desemprego.
A revisão da literatura é consistente na ideia de que não é fácil avaliar a
autoestima. Esta ideia surge associada à singularidade da autoestima como
fenômeno e, também, à existência de uma grande diversidade de instrumentos a
que se recorre para a sua avaliação. (COELHO, 2014)

32
No entanto, é importante salientar que esta avaliação nunca deve ser
menosprezada, principalmente, durante o ciclo gravídico-puerperal.
Segundo alguns autores, inúmeros estudos comprovam que a autoestima
da mulher pode sofrer oscilações, decorrentes das inúmeras adaptações e stress a
que a mulher se encontra sujeita nos processos de gravidez e nos processos de
transição para a parentalidade (CANAVARRO & PEDROSA, 2005; VAZ-SERRA,
2011).
Figueiredo (2001) afirma o seguinte:

As mulheres com DPP manifestam uma quebra acentuada na autoestima,


sendo que a mãe considera que não está a desempenhar adequadamente
o seu papel de mãe. O mesmo menciona estudos que demonstram que as
circunstâncias negativas do bebê podem favorecer a emergência de DPP,
como é exemplo a prematuridade, uma vez que resultam numa maior
dificuldade da mãe em cuidar do bebé, interferindo assim na sua
autoestima.

Estudos sobre a correlação entre a autoestima, otimismo e a DPP,


constataram que a autoestima é uma variável preditora de baixos níveis de sintomas
depressivos, tanto durante o último trimestre de gravidez, como nas 2 e 6 semanas
do pós-parto. (COELHO, 2014)
Jones e Fontaine (1997), alertam para a importância de se avaliar a
autoestima da mulher durante a gravidez, de forma a avaliar o risco de esta vir a
desenvolver perturbações psicoemocionais no pós-parto. Tal conhecimento,
permite aos profissionais de saúde delinear estratégias adequadas de prevenção e
promoção da saúde da grávida/puérpera no processo de adaptação à maternidade.
Há ainda outros estudos realizados no âmbito do puerpério que indicam que
a prestação de informação e apoio eficazes às puérperas tende a aumentar o seu
bem-estar e a sua autoestima (HUQ & TASMIN, 2008, citado por PRATA, 2009).
Prata (2009), publicou um estudo que revela existirem associações entre o
grau de conhecimentos da puérpera, a autoestima, o stress e a ansiedade. Revelou,
ainda, que após o aconselhamento estruturado, os níveis de autoestima e o grau de
conhecimentos tendem a aumentar, enquanto o nível de stress e o grau de

33
ansiedade tendem a diminuir. Este estudo conclui, assim, que a puérpera sujeita a
programas de aconselhamento e de educação para a saúde em contexto de
cuidados de saúde primários, revela maior capacidade e facilidade de adaptação ao
processo de transição para a maternidade.
Silva et al. (2010), num estudo qualitativo, cujo objetivo era conhecer a
interação das puérperas com DPP com os seus filhos e compreender a percepção
dos familiares, constatou que a autoestima limitada constitui um dos fatores de risco
relacionados à DPP mais citados pelas entrevistas. Nas suas conclusões, ressalva
a ideia de que a avaliação da autoestima deve ser parte integrante dos cuidados na
vigilância pré-natal.

Fonte: https://www.dossierfamilial.com

34
6 O PUERPÉRIO: UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA

Este capítulo foi elaborado a partir da contribuição de um artigo de Vera


Iaconelli, psicanalista e doutora em psicologia.
Quanto ao conteúdo do capítulo, trata-se de uma abordagem psicanalítica
acerca do estado psíquico da mãe e sua relação com o bebê no puerpério.
Todo parto e todo nascimento se refere a um homem, cuja presença na
concepção é fato. Além do mais, mas não menos importante, um bebê só existe a
partir da pré-existência dos avós e assim sucessivamente, o que nos remete ao
próprio tecido social da qual emergem os pais e seus recém-nascidos. É preciso
lembrar que um sujeito que chega ao mundo, como a própria expressão denuncia,
embora parta de uma dupla homem/mulher, tem por vocação fazer parte de um
universo para além do casal e, para tanto, deverá ser encarado como parte
integrante, desde a saída deste mundo. O que queremos dizer é que a questão ética
que se coloca no estudo do puerpério, e de todo ciclo perinatal, implica em pensar
e escutar o fenômeno que ultrapassa a relação mãe/bebê, erroneamente apontada
como início e finalidade do puerpério. Que haja um parto implica em que haja um
grupo social de pertencimento. Ainda que o parto aconteça numa situação à
margem da sociedade, de penúria ou de desassistência, a marginalidade é, por
definição, a borda do referido grupo e se defini em relação a ele. Portanto,
pensamos o puerpério, como referido à mulher, ao homem, ao bebê e ao discurso
social no qual se insere.(IACONELLI, 2016)

6.1 Bebê como objeto de investimento

Enquanto organismo, o bebê, é fruto do encontro sexual de uma mulher


com um homem, mas a experiência no corpo de cada um é totalmente diferente, o
que traz implicações a serem consideradas sem que, no entanto, possamos supor
quais sejam as consequências singulares implicadas. Segundo Iaconelli (2016), no

35
que diz respeito à subjetividade humana, a psicanálise é muito clara em definir que
o sentido de uma experiência ou de um fenômeno só pode ser atribuído por cada
sujeito em sua singularidade. De forma que cada acontecimento vivido pelo sujeito
não é um acontecimento em si mesmo, mas a interpretação que o sujeito faz do
vivido. Não existe a gestação em termos psíquicos, mas a forma como a mulher X
significa o evento corporal, o qual ela nunca terá acesso direto, sem a intermediação
da linguagem.
Iaconelli (2016), se referindo ao estado psíquico da mulher durante a
gestação, afirma:

Quando ela investe libidinalmente uma gestação, este investimento se


refere a seu próprio corpo e à fantasia de um bebê, que precede o bebê
real, sendo, portanto narcísico. A separação dos corpos decorrente do
parto acaba por promover uma perda corporal, portanto narcísica. Tal
experiência pode ser vivida como alívio ou horror, ou ambos, visto que não
sabemos a princípio que parte é essa que o bebê representa para cada
mulher e a relação que ela estabelece com o corpo. É importante lembrar
que o acesso a nosso corpo só é possível pela via do significante, ou seja,
sempre pela linguagem. Seja completo ou despedaçado, belo ou feio,
jovem ou velho, saudável ou doente, é com estes significantes que o
acesso ao corpo se realiza, nunca diretamente.

6.2 Estranhamento ou Rejeição

Diante de experiências de tamanha intensidade e complexidade, emerge


uma sensação de irrealidade. Esta operação, que funciona como uma defesa
psíquica, ocorre tanto em situações de sofrimento, quanto em situações de extrema
alegria. Este estranhamento benigno (sentir-se um pouco alheia ou estarrecida,
estranha ou indiferente) pode ser confundido com rejeição ao bebê pela própria
mulher. Existe uma confusão culturalmente incutida de que as reações da mulher
ao ciclo dizem da sua relação com o bebê sem que se leve em conta que o bebê
real será o último elo da cadeia de acontecimentos do ciclo gravídico-puerperal que
a mulher terá acesso. (IACONELLI, 2016)
Durante a gestação, o feto, não se dá a conhecer o suficiente para fazer
oposição às fantasias familiares e, portanto, está sob o domínio da transmissão de

36
tais fantasias. Uma vez que ele é desconhecido e só se dará a conhecer no pós-
parto e não de imediato, o que decorre do período anterior é uma projeção maciça,
interpelada por notícias sobre gênero do bebê ou possíveis doenças diagnosticáveis
desde o útero.
Uma das singularidades da contemporaneidade vive-se um acontecimento
inédito que é o estranhamento do estranhamento em função das idealizações a que
estão sujeitas a maternidade e, principalmente, a relação mãe bebê. Trata-se de
uma suposição de que a mulher deveria reconhecer o bebê de imediato e não
estranhá-lo. Como o bebê é um estranho por definição, as mulheres são incutidas
a interpretar seu estranhamento como rejeição ao bebê. (IACONELLI, 2016)
Nas palavras de Iaconelli (2016):

O reconhecimento do bebê e seu reinvestimento afetivo são processos


demorados e podem confundir a mãe em sua relação com ele. Por
reinvestimento queremos dizer que o que estava investido no bebê
imaginado deverá ser deslocado para o bebê real, até então desconhecido.
Todo desinvestimento objetal e seu decorrente deslocamento para outro
objeto implica num processo não patológico denominado luto. Deste luto,
entre outros no período, decorre o que se convencionou chamamos de
tristeza materna primária ou baby blues.

Outro fenômeno cultural na contemporaneidade ocidental é a expectativa


quanto ao que as mulheres acham que deveriam sentir no contato com o recém-
nascido, que se sustenta também pelo que elas acham que suas mães/pais
deveriam ter sentido quando de seu nascimento. A mulher pode se sentir
perseguida e culpada já neste primeiro momento, caso acredite que o que está
sentido no nascimento do bebê não seja o esperado e desejável. Lembremos que
neste momento a mulher está em busca de traços identificatórios para aquisição de
um novo papel. Ela busca modelos em que se fiar e, ao mesmo tempo, busca se
livrar de modelos aversivos de seu passado, como por exemplo de sua própria mãe,
com quem pode ter estabelecido uma relação conflituosa. Isso faz com que esteja
muito sensível ao julgamento externo e atenta a tudo o que ela supõe ser um indício
do que uma mãe deveria ou não deveria ser/sentir/fazer. Tais expectativas recaem
também sobre o pai e são acrescidas ultimamente de uma comparação entre pais

37
e mães. A experiência de homens e mulheres no ciclo tem um apelo narcísico
diferente devido à gestação e parto, que obriga a mulher a elaborar um
acontecimento em seu próprio corpo, embora não saibamos a priori como cada
mulher singularmente irá fazê-lo. De forma que não é justo comparar uma mulher a
outra, tampouco compará-la aos homens ou eles entre si. Que cada um seja
escutado individualmente e viva sua parentalidade de forma única. (IACONELLI,
2016)

6.3 Reconhecer e Conhecer

Reconhecimento e conhecimento distinguem duas posições no contato com


o bebê.
Reconhecer implica, pelo menos, dois tipos de reconhecimento distintos:
um primeiro momento, no qual alguém reconhece tratar-se de um bebê; outro, no
qual alguém reconhece um bebê como seu bebê, pois lhe atribui essa pertença, fato
associado ao corpo imaginado e, portanto, ao investimento narcísico da mãe e que
não prescinde do primeiro reconhecimento. Há um bebê que é seu bebê.
Conhecer refere-se ao estranho, ao bebê que surpreende por não ser
idêntico ao corpo imaginado. Evento relativo ao investimento objetal, ao bebê que
se dará a conhecer.

Reconhecimento, em suas duas formas, e conhecimento são posições


fundamentais do exercício da função parental, ou seja, que se considere
um bebê, que ele pertença a alguém que o engloba em seu narcisismo e
que este alguém também seja capaz de suportar o corte da estranheza
que faz do bebê um outro (posição faltante à mãe do psicótico). Nesses
primórdios, investimento narcísico e objetal se sobrepõem. (IACONELLI,
2016)

6.4 Revanche Édipica

Segundo Iaconelli (2016), este é um tema caríssimo à psicanálise e se


refere a atribuição de onipotência à mãe. Idealizar a figura materna faz parte da

38
constituição psíquica de todo sujeito humano. Mãe e filho se completariam numa
unidade narcísica perfeita e autossuficiente. Para a mãe não falta nada e o filho é a
parte que lhe completa, portanto, para ele nada falta tampouco. É ao longo da crise
edípica, quando ocorre o confronto com a castração, que estas ilusões são
abaladas, dando ao sujeito uma dose amarga de realidade. Não só a mãe depende
do outro, no caso um homem (sem o qual não há bebês), como também não somos
tudo para ela. A derrocada do poder materno é a nossa própria queda narcísica.
Não somos tudo para ela e nem ela tem tudo. Esta perda fundamental trará
desdobramentos importantes, e sem os quais o sujeito não se desaliena do desejo
do outro. Embora estejamos falando de um processo que se inicia por volta dos três
anos de idade, seus efeitos são perenes. O desejo de acreditar em alguém
onipotente permanece no sujeito por toda a sua existência e se desloca para as
crenças religiosas, para a suposição do saber médico, por exemplo.

Quando identificados com seus bebês, os pais costumam acreditar que


deveriam ser capazes protegê-los de tudo e de todos, como dentro do
útero. Ora fazendo melhor do que imaginam que seus pais fizeram, ora se
sentido incapazes de fazer melhor e apelando aos próprios pais,
enfermeiras, psicólogos e outros. O imperativo superegóico tenta
reproduzir o funcionamento uterino em seu imaginário de perfeição. Os
bebês são vistos como absolutamente frágeis e hipersensíveis ao
funcionamento psíquico materno. (IACONELLI, 2016)

A primeira questão é que bebês têm recursos insuspeitos, inclusive o de


criar distúrbios psicossomáticos como forma de alerta para seu mal-estar. Outra, diz
respeito ao fato que o nascimento de um filho não se dá em um estado de exceção
do viver, na qual os pais estariam a salvo das questões existenciais que os assolam.
Tirar a culpa dos pais e ajudá-los a ver seu bebê como alguém separado de si, ajuda
nesta hora. Apelar para os outros de referência do bebê também pode ser
fundamental. (DEBRAY, 1988)
Uma situação a ser abordada aqui é, quando um bebê é criado por uma
mãe depressiva, e cujos efeitos nefastos os estudos psicológicos demonstram
claramente, precisamos nos perguntar onde estavam os outros adultos de
referência desta criança e desta mãe. Culpar a mãe por não cuidar adequadamente

39
de um bebê, quando ela mesma se vê moralmente abandonada é reiterar este
abandono. É importante lembrar ainda que há uma considerável correlação
estatística entre a depressão pós-parto materna e paterna.
Outro tema extremamente relevante referente aos pais, diz respeito à vida
sexual do casal. Algumas pais se veem confrontados com a questão edípica,
quando podem retornar a vida sexual mas se sentem inibidos pela associação
maternidade-erotismo. Assim como idealizaram que os pais não tinham vida sexual,
apenas eram pais para eles, assim também temem reconhecer que os filhos são
apenas uma parte de suas vidas e que o sexo procriativo é o menor dos interesses
dos adultos. Perceber a mãe como um ser sexualizado, ou seja, que tem interesses
para além do bebê, pode ser muito difícil para alguns casais. Uma mulher que se
torna mãe pode acreditar que terá que escolher entre a maternidade e a vida erótica,
como gostaria de imaginar que sua mãe fez. O embaraço com que os adultos lidam
com a sexualidade dos próprios pais nos dá mostra do lugar idealizado em que
estes pais estão colocados. A negação da sexualidade dos pais pode reaparecer
na forma de inibição sexual, quando o sujeito se torna pai. (LANGER, 1981)

6.5 O Funcionamento Psíquico no Puerperal

Segundo Soifer (1980), por ser um período excepcional do funcionamento


psíquico, o puerpério requer uma escuta diferenciada do profissional. O diagnóstico
deve ser realizado dentro deste contexto de grandes intensidades e
remanejamentos psíquicos. Sintomas, que fora do puerpério causariam desalento
no profissional, encontram sua lógica neste período.

6.6 Perdas Recorrentes do Puerpério

Tecnicamente, o luto é uma condição indispensável para o remanejamento


da economia psíquica e consiste no tempo necessário entre desinvestir objetos, até

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então muito investidos para, posteriormente, reinvestir outros objetos. (KLAUS &
KENNEL, 1992)
Quando um casal formula seu desejo por um bebê, não está apto a prever
todas as mudanças que esta escolha acarretará. Mesmo que racionalmente
consigam imaginá-las, as ideias são sempre distintas e distantes da vivência em si.
Em decorrência disso, a queixa mais comum no puerpério é de que ninguém os
avisou de como seria difícil. (IACONELLI, 2016)
Escolher é perder aquilo que se preteriu na escolha. No entanto, para o
casal, ganhar um bebê aparece como uma formulação do desejo que funcionaria
como uma simples adição, sem perda alguma. Assim como ao adolescer e crescer
perdemos a infância, assim também temos as perdas do puerpério. Somado a isso
devemos considerar, ainda, que vivemos em tempos caóticos para a parentalidade.
Além das perdas próprias do amadurecer tornando-se pais, na contemporaneidade
os filhos concorrem com o trabalho, com o patrimônio financeiro, com a vida social,
com a busca pela eterna juventude, com a liberdade do casal, com a sexualidade.
(KLAUS & KENNEL, 1992)

6.7 Os Períodos Críticos do Puerpério

Finalizamos essa abordagem psicanalítica, com alguns apontamentos


sobre os períodos críticos do puerpério.
Segundo um conceito criado por Winnicott (1956), no final da gestação
acontece a Preocupação Materna Primária I – que diz respeito a um estado psíquico
alterado da mulher desde os meados do 9º mês da gravidez até meados do 1º mês
pós-parto. Nesta fase a mulher estaria esquizoparanóide, ou seja, fechada sobre si
mesma, negando o ódio e idealizando o amor, projetando perigos para fora de si
(sogra, babá, marido, alimentos, etc). Nesse período ela se encontra regredida, o
que equivale a dizer que se atém aos períodos anteriores de seu desenvolvimento:
comunica-se de forma mais emocional e menos articulada, tem mais acesso ao seu
mundo interno (sonhos, devaneios, insights) havendo uma diminuição do recalque.
41
A identificação com o bebê também é uma peça chave para que ela consiga atender
as necessidades dele. O humor depressivo deste período também é propício para
que a mulher vá elaborando os lutos decorrentes deste período. (SOIFER, 1980)
Para sair deste estado alterado e benigno a condição é que o bebê
sobreviva e esteja minimamente apto a dar suporte emocional para mãe, ou seja,
quando as coisas vão bem e a mulher tem recursos psíquicos, ela pode ir saindo
deste estado de exceção psíquica sem ajuda especializada. (IACONELLI, 2016)

A primeira semana. A psicanalista Iaconelli (2016), adverte que não se


pode subestimar o efeito da primeira separação entre mãe e bebê, pois ele será
ressignificado a cada nova separação (saída do quarto dos pais, desmame, entrada
na escola) assim como cada nova separação fará a mulher recontar a história do
seu parto. Da mesma forma, esta separação afeta a relação da mulher com a
separação entre ela e sua própria mãe, ressignificando-a. A primeira separação
entre mãe e bebê traz sensação de alivio, por ter dado tudo certo, misturada com
angústia, pois uma nova etapa, para o qual nunca se está inteiramente preparada,
começa.
A primeira barreira a ser superada nestes casos diz respeito à onipotência
atribuída às mães. Algumas mulheres desistem de antemão por interpretarem tal
tarefa como muito superior a elas. Outras se esgotam e adoecem para escapar do
julgamento. A potência real de uma mulher no papel de mãe costuma ser menor do
que o esperado e maior do que o encontrado. (KLAUS & KENNEL, 1992)

O primeiro Mês. Nessa fase o bebê que já dorme várias horas seguidas à
noite e o bebê que mama de 3 em 3 horas haja o que houver. A questão a ser
considerada é se os pais e o profissional são capazes de perceber algum progresso
desde o caos inicial. (DEBRAY, 1988)
Ainda no puerpério a mulher passa a ficar a sós com o bebê, o que não é
recomendável.

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Quando ela tem quem a ajude, frequentemente se sente dividida sobre
deixar o bebê com esta pessoa. Dividida entre o sentimento de culpa e de alívio. Se
ela delega muito, acaba por se convencer de que o pais, a babá, a avó ou algum
outro é mais apto do que ela. Nestes casos o bebê pode se tornar um objeto fóbico,
ou seja, cada encontro a sós com ele a constrange, inibe ou denigre. Se fica muito
com o bebê e se estressa com a sobrecarga, pode acreditar ser uma péssima mãe,
pois desejaria se livrar do bebê, se fosse possível. (IACONELLI, 2016)
Nessa fase é muito comum os pais se depararem com a perturbadora ideia
de que se arrependeram de ter tido o filho. Essa ideia, tão frequente, traz culpa e
aflição aos pais.
Para Iaconelli (2016):

Os pais adotivos podem realizar este desejo (devolver), que os pais


biológicos, a princípio, não poderiam. De fato, tal sensação só prova que
todos os bebês são estranhos aos pais quando nascem ou quando são
adotados e requerem tempo para a formação de laços. Por outro lado,
também revela como a tarefa de cuidar ao longo de toda a vida e por tempo
integral por vários anos seguidos de outro ser humano não é isenta de
ambivalências e requer uma dose considerável de abnegação.

Outra consideração a ser feita é sobre o isolamento social da puérpera. A


sensação de inadequação da mulher por suas reações inesperadas (não entender
porque não se sente tão feliz ao lado de um bebê saudável, por exemplo) pode levar
a mulher a se isolar mais do que deveria ou é recomendado. (DEBRAY, 1988)

O primeiro Trimestre. Em algumas culturas o nascimento acontece depois


do terceiro trimestre, enquanto em outras comemora-se simbolicamente o 1º ano
somando-se os 9 meses em útero aos 3 meses depois do parto. De qualquer forma,
a ideia de continuidade entre a gestação e o primeiro trimestre é recorrente e
relaciona-se ao estado de fragilidade com que nasce o bebê humano, a mais
desamparada das espécies ao nascer. (IACONELLI, 2016)

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Nessa fase a rotina de convivência com o bebê torna-se mais fácil. O bebê
dá mostras de reconhecer a mãe e aprende várias coisas que encantam os pais. A
amamentação torna-se mais gratificante ou já foi substituída com êxito.
Os fantasmas sobre a perda do bebê precioso (retirado da mãe no período
edípico) foram amenizados pela sobrevivência do bebê. Os pais se sentem mais
potentes para cuidar dele e podem se sentir orgulhosos por isso. Os pais “bem-
sucedidos” experimentam um fortalecimento psíquico, enquanto os pais
“fracassados” experimentam a fragilização. (IACONELLI, 2016)
Os pais ainda isolados pela rotina do bebê, começam a aumentar o convívio
social e inicia-se então a preparação para o retorno ao trabalho.

O primeiro Semestre. Nessa etapa a criança precisa se acostumar com a


ausência da mãe, pois devido a licença maternidade e ao hábito instituído, é ela que
costuma ficar com os filhos durante este período. Essa situação estimula na criança
o desenvolvimento de capacidades que a tornam apta a se diferenciar do seu
ambiente. Winnicott atribui a essa nova fase o nome de relativa independência. É
uma fase em que a criança reconhece a mãe não mais como uma parte do seu
mundo subjetivo e sim como um objeto com direitos próprios. (MONTAGU, 1988)
A doutora Iaconelli (2016), defende que nessa fase a mulher consiga tomar
alguns posicionamentos:

É importante que a mulher se sinta autorizada a se separar de seu bebê


fisicamente. Que possa colocar um limite no aleitamento conforme sua
disponibilidade real e não imposta de fora. A ingerência da mãe sobre o
corpo do bebê também precisa ser barrada ao longo do tempo. O bebê se
rebela diante da intrusão da mãe sobre seu corpo. Intrusão que no início
foi fundamental para o desenvolvimento da criança, mas que agora passa
a se tornar cada vez mais anacrônica.

44
7 O SERVIÇO DE ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO COMO FORMA DE
INTERVENÇÃO NO PUÉRPERIO

Visando uma abordagem integral da mulher, já não é mais possível pensar


apenas nos aspectos biológicos ao se discutir as alterações psicológicas que ela
pode sofrer no período pós-parto. Diante dessa nova realidade, Neto e Alvares
(2013) afirmam que é de fundamental importância o trabalho do psicólogo na
estrutura e funcionamento de uma equipe interdisciplinar, auxiliando no manejo dos
aspectos emocionais presentes na puérpera, contribuindo com momentos de
escuta, acolhimento, atenção e intervenções na prevenção e promoção da saúde
mental. Assim, atribuindo à psicologia uma contribuição de forma diferenciada e
necessária.
Amaral e Castro (2015) relatam que o serviço de acolhimento psicológico
consiste inicialmente na acolhida e na escuta psicológica das pacientes, por meio
de atendimento individual e, em seguida, é realizado o emprego de um protocolo de
avaliação psicológica, com a aplicação de uma escala para identificação do quadro
de Depressão Pós-Parto (Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo -
Edinburgh Post-natal Depression Scale), a qual objetiva medir a presença e
intensidade de sintomas depressivos, e também a aplicação de um teste que avalia
se o indivíduo apresenta uma postura otimista perante as adversidades da vida, o
Teste de Orientação da Vida.
Alves e outros autores (2012) defendem que a intervenção pode ser
realizada por parte da equipe na ocasião do ato do banho do bebê na maternidade:

A insegurança no momento do banho é o medo de derrubar o bebê. Nesse


sentido, um conhecimento mais técnico por parte da enfermagem,
possibilita a instrução de como pegar o bebê, por exemplo. A intervenção
psicológica pode acontecer nesse momento do banho, significando à mãe
sua importância e a criação de um espaço de segurança mostrando a ela
como tem o conhecimento do seu filho e que ninguém da equipe de saúde
tem tanto tempo de convivência com ele do que os nove meses de
gestação. (ALVES et al., 2012, p. 3).

45
Alves et al. (2012) argumentam, também, a importância da intervenção
psicológica, buscando conter as angústias dos familiares na medida em que
explicita a eles a importância de criar um espaço seguro à relação mãe-bebê.

Em um atendimento, a mãe de uma paciente a pressiona constantemente


sobre a necessidade de amamentar o filho e de que a filha precisaria ficar
calma. Nesse momento, foi necessária a criação de um espaço de que
mostrasse à avó o quanto a mãe era capaz de “ser mãe”, não a
pressionando para a amamentação. Logo, a avó relata que não
amamentou seus dois filhos e ficou nervosa durante a gestação de um. Por
isso, atribuiu sua ação a problemas psicológicos de um dos filhos e,
preocupada com a possibilidade de haver problemas parecidos para o
neto, pressionava a filha. (ALVES et al., 2012, p. 4).

Diante do exemplo de intervenção exposto acima, podemos destacar a


escuta como uma importante ferramenta utilizada pela psicologia, a qual longe de
um modelo biomédico, contido em uma visão de classificação e rotulação das
doenças, a escuta junto ao conhecimento metodológico dos processos psíquicos
envolvidos no adoecer, proporcionam ao paciente elaborar seus sentimentos
diversos e patologia por meio da fala, que por si só já produz efeitos terapêuticos
(SIMONETTI, 2011). “As intervenções oferecem a essas pacientes um espaço para
expressarem seus sentimentos frente ao momento marcante de sua existência. Nos
casos críticos, há o encaminhamento para psicoterapia” (AMARAL; CASTRO, 2015,
p. 4).
Segundo Simonetti (2011):

O papel do psicólogo irá propiciar a busca de uma visão panorâmica dos


fatores que influenciam e são influenciados pela doença, ou seja, o
psicólogo diante de um caso de depressão pós-parto, por exemplo, irá
buscar junto à paciente encontrar o significado daquela doença para ela e
desenvolver a autoconfiança, compreensão e elaboração dos sentimentos
vivenciados pela puérpera.

Portanto, a atuação do psicólogo não se limita somente em casos de


patologias já diagnosticadas, pois o papel e contribuição do psicólogo frente ao
puerpério não se limitam, nem tão pouco segue uma guia exata de atuação. A
psicologia oferece o acolhimento humanizado, a escuta diferenciada, o

46
conhecimento avançado dos processos psíquicos, a educação, reeducação,
promoção e prevenção do adoecimento em saúde mental. (SOUZA & ACÁCIO,
2019)

47
8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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