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USP - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FFLCH - FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DLO - DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS
LITERATURA ARMÊNIA: POESIA CRISTÃ E POESIA TROVADORESCA
AGATA LEMES DOS SANTOS - Nº USP 11596823
3) Os hayrens celebram principalmente os prazeres da carne. Você concorda com esta
afirmação? Exemplifique a sua opinião com algum hayren.

Sim, é possível observar em diversos hayrens a exaltação dos prazeres mundanos. Como
exemplo, podemos citar o hayren 48: o eu-lírico aprecia o beijo da pessoa amada e o compara
ao fruto proibido do Jardim do Éden – indicando reconhecer o caráter profano de seu ato.
Mais do que isso, o eu-poético indica que Adão comeu o fruto por engano, já ele consome os
beijos de seu amor espontaneamente; enquanto Adão é punido por seu engano com a
expulsão, o eu-lírico goza de seu paraíso terreno: o peito de sua paixão.

HAYREN 48

Esse beijo que com tua boca


Deste espontaneamente e com todo teu coração
É como fruta tão doce
Que não há igual nem na terra nem no mar.
É como aquela fruta
Que Adão comeu por engano,
Comeu e foi expulso do paraíso.
Já eu fico em teu peito com desejo.

Outro exemplo seria o hayren 83, que pode ser lido como uma referência ao ato sexual,
partindo da descrição do movimento da cintura feminina como um ir e vir, comparando-a a
um arco (provavelmente sendo curvilíneo, manuseável, delineado). Além dessa, há também a
comparação sugestiva entre as tetas e os cachos de uva: suculentos, volumosos e, em última
instância, algo que deve ser levado à boca para ser chupado, evidenciando o caráter sexual do
poema.

HAYREN 83

Eu sou jovem, tu és jovem,


E agora é tempo de amar.
Tua cintura é como um arco,
Quanto mais eu puxo, mais ela vem.
Tuas tetas são como cachos de uva
Pendurados em teu seio.
Teu seio é como o amanhecer,
Quanto mais eu o desvelo, mais ele luz.

4) Fale sobre o gênero do eu-lírico nos hayrens.


O gênero do eu-lírico nos hayrens se torna uma questão ligeiramente problemática ao
realizarmos a tradução do armênio para o português, por exemplo, ou para outras línguas que
distinguem gênero em suas estruturas gramaticais. Isso ocorre porque em língua armênia não
há gênero gramatical, de modo que o pronome na 3ª pessoa, tanto do singular quanto do
plural, permanece em gênero neutro / gênero não marcado. Ora, em língua portuguesa padrão
nós necessariamente devemos optar por feminino ou masculino para esses pronomes, e isso
faz com que o tradutor precise buscar outros indícios de gênero no poema. Mesmo assim, há
casos em que a ambiguidade é difícil de solucionar. Como exemplo elencamos o seguinte
hayren:

HAYREN 81

– Ó, minha lua, que voa alto,


Leva muitas lembranças ao meu amor. [իմ կիւզելին:]
– Como vou levar tuas lembranças?
Não sei onde é a casa de teu amor. [կիւզելին:]
– Flutua sobre os bairros.
Há um muro alto e uma árvore,
Sob a árvore ele está sentado [Նըստեր ի ծառ շըքին]
Bebendo em seu copo azul celeste.
Bebendo e recitando um hayren:
“Quão doces são o amor e o vinho” [grifos meus]

Tanto em armênio quanto em português as expressões utilizadas pelo eu-lírico para referir-se
à pessoa amada permitem uma interpretação para ambos os gêneros (ex.: meu amor/իմ
կիւզելին). Já para o terceiro trecho grifado, estamos diante de um problema quanto ao gênero
gramatical: em armênio, o trecho não define se trata-se de uma persona masculina ou
feminina. Logo, o trabalho de tradução requer que seja feita uma escolha que respeite o texto.
Nesse caso, provavelmente levou-se em conta a questão social da época que permitiria muito
mais a um homem do que a uma mulher estar sozinho numa noite, sentado sob uma árvore
bebendo e cantando; ainda assim, é questionável, uma vez que não sabemos se a pessoa se
encontra dentro ou fora do muro alto: se for fora, podemos afirmar que se trata de um
homem; sendo dentro, há a possibilidade de ser uma mulher.

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