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DIR EIT O

ARY ÜSWALDO MATTOS FILHO


Professor Sênior da FGV DIREITO SP

VOLUME 1

Dos valores mobiliários


[Tomo2]

2015
consorciada. Tais valores mobiliários têm seu preço fixado por sua demanda em oferecido ao potencial investidor, sendo que as informações que devam constar
determinadas áreas, demanda essa nascida da procura pelo setor da construção do prospecto são mandatárias.
civil, cujos limites estabelecidos na legislação municipal que não conte com a ex-
ceção do direito adicional de construção fiquem aquém da demanda real. 10.5 FUNDOS DE INVESTIMENTO COLETIVO 36
Com base nessa lei a CVM edita a Instrução n. 401/2003, considerando como
valor mobiliário os Cepacs, quando ofertados publicamente. Aqui, e pela primeira Muito embora os fundos de investimento sejam, em nosso ordenamento ju-
vez, se reconhece que o valor mobiliário tem duas características necessárias e rídico, muito mais recentes do que as ações ou as debêntures, é de se sublinhar a
suficientes para ser um valor mobiliário: (i) a primeira, ser um contrato de inves- enorme importância que eles ganharam na vida econômica do país nos poucos
timento, daí decorrendo a expectativa de lucro, e (ii) a segunda, que este contrato anos de sua existência. 37 O enorme sucesso desses mecanismos de captação de
de investimento necessariamente seja ofertado ao público poupador. poupança popular mostrou uma significativa mudança no relacionamento entre
Ou seja, se os Cepacs não forem objeto de oferta pública, falece o poder de o investidor inicial e o tomador final dos recursos. Isso porque, quando levamos
polícia da autarquia. A instrução da CVM permitiu que tais valores mobiliários em consideração as aplicações em ações ou debêntures, o relacionamento se dava,
possam ser negociados fora da bolsa de valores, bem como fora do mercado de tradicionalmente, de forma direta entre o investidor e o investido. Assim, em uma
balcão organizado, tendo como único cuidado colocar na capa do prospecto aviso emissão de ações, os subscritores dos papeis eram os seus tomadores finais.
de que "os valores mobiliários objeto da presente oferta não serão negociados em Com a criação dos fundos de investimento, estes passaram a representar um
bolsa de valores ou em sistema de mercado de balcão organizado, não podendo nível intermediário profissionalizado que atua entre o investidor inicial e o toma-
ser assegurada a disponibilidade de informações sobre os preços praticados ou dor final dos recursos. Ou seja, o subscritor de cotas em determinado fundo de
sobre os negócios realizados''. investimento fornece os recursos financeiros para que sejam aplicados pelo gestor
Talvez esta seja a única espécie de valor mobiliário em relação à qual a CVM do fundo em imóveis, ações ou outro ativo que companha o objetivo de investi-
abriu mão de seu poder de exigir um fluxo de informações ao investidor, possi- mento do fundo. A partir desse momento o relacionamento com o ente investido
bilitando que a formação do preço do valor mobiliário ficasse conscientemente se dá por intermédio do fundo aplicador, remanescendo a relação final constituída
obscurecida. Essa possibilidade pode ser decorrente do fato de que a instrução deu entre o fundo gestor e seus cotistas investidores.
ao município a competência de, através de sua administração direta ou indireta,
promover o leilão de colocação desses valores mobiliários, sendo, possivelmente, O mundo acadêmico, até a edição da Lei n. 10.303/2001, gastou muita tinta
a única modalidade de acesso ao público sem que haja a intervenção de uma insti- e papel discutindo se as cotas dos fundos seriam ou não valores mobiliários, mas
tuição componente do sistema de distribuição de valores mobiliários, conforme se talvez esta seja uma longa e inconclusa discussão que caberá somente ao mundo
lê no artigo 5° da Instrução, segundo o qual "o pedido de registro da operação será dos conceitos, sem qualquer reflexo no universo do financiamento. No campo da
formulado pelo Município emissor[ ... ]''. Porém, o artigo 18 da mesma instrução diz lei posta a dúvida também não é capaz de produzir maior ruído, na medida em
que "o Município deverá contratar instituição integrante do sistema de distribuição que, para os efeitos da legislação brasileira, as cotas dos fundos de investimento
de valores mobiliários que atuará, em conjunto com o Município, nos pedidos de são tidas como valores mobiliários, nos termos do inciso VIII do artigo 2° da Lei n.
registro, na colocação dos CEPACs no mercado, e nas comunicações com a CVM
e com o mercado''. 36. Este trabalho já se encontrava em fase de produção gráfica quando a CVM editou, em 17 de dezembro de
Assim é que se fica sem saber se o pedido de registro da operação é feito di- 2014, a Instrução que "dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de
retamente pela Prefeitura Municipal, a qual irá apresentar diretamente toda a informações dos fundos de investimento''. Essas modificações tornam boa parte dos comentários abaixo
total ou parcialmente ultrapassados, os quais, em havendo oportunidade, serão atualizados no futuro.
documentação à CVM, cabendo também a ela apresentar as atualizações de dados
37. Segundo levantamento da CVM, em 2012 haviam 13.165 fundos de investimento registrados, entre opera-
e os relatórios relativos à aplicação dos recursos levantados pela oferta pública, cionais e pré-operacionais. Já em 2013, esse número aumentou para 14.278 fundos, sendo 12.511 Fundos
ou se será feita pela instituição do mercado de distribuição ou por ambas. A única 409, 397 FIDC, 827 FIP, 88 FMP-FGTS, 57 FICFIP e o saldo distribuído entre os demais fundos de inves-
função específica atribuída pela CVM à instituição do sistema de distribuição de timento. No ano ele 2012, as aplicações em fundos de investimento montaram a pouco mais ele R$ 92
bilhões, representando, no mesmo ano, o segundo maior investimento feito junto ao mercado de valores
valores mobiliários será a fiscalização dos recursos levantados junto ao mercado. mobiliários, sendo superado somente pelas aplicações em debêntures. Vide Relatórios da CVM relativos
O fluxo de informações inicial é aquele constante do prospecto que deverá ser aos anos de 2011 e 2012.

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6.385/1976, 38 ou, se preferirem, enquanto contrato de investimento coletivo, con- momento oportuno de mercado. Tais fundos têm como ativo subjacente um bem
forme item IX do mesmo artigo. A Lei n. 6.385/1976, de maneira bastante pragmá- imóvel e não um valor mobiliário.
tica, evita entrar nessa desnecessária discussão ao comandar que a competência • Ou seja, os fundos de investimento podem ou não ter suas cotas consideradas
da CVM se aplica quer as cotas sejam de emissão de fundos com investimento em como contratos derivados, dependendo de a caracterização do ativo subjacente
valores mobiliários ou de clube de investimento em quaisquer ativos. O objetivo ser ou não valor mobiliário. Entretanto, com o acréscimo dos valores mobiliários
principal que norteou a criação da Comissão de Valores Mobiliários foi o de pro- criados pela Lei n. 10.303/2001, foram colocados dentro do campo regulatório da
teger os investidores quando forem objeto de uma oferta pública de investimento, CVM "outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes';
como no caso das ofertas de cotas dos fundos de investimento. conforme se lê no item VIII do artigo 2° do texto consolidado da Lei n. 6.385/1976.
Deixando de lado essa discussão, o que há de se repisar é que os fundos de Assim, independentemente do que seja o contrato derivado, foi em muito amplia-
investimento, enquanto mecanismo de financiamento dos mais variados tipos de do o campo normativo da Autarquia.
empreendimentos, como já mostrado acima, atingiram uma importância surpre- Outro ponto distintivo a ser sublinhado é aquele que mostra que os contratos
endente em pouco tempo, chegando a valores muito mais expressivos do que 0 derivados tradicionais, como os relativos a opção, termo e futuro, são diferidos
mundo das emissões e transações com ações. 39 De outro lado, é de se prestar aten- no tempo. Ora, os fundos de investimento não possuem essas características, já
ção ao fato de que os fundos de investimento são objeto de regulação quase que ex- que a sua realização independe de evento futuro com data determinada para
clusivamente por meio de atos administrativos emanados da CVM e alguma coisa exercício ou não.
originada de comandos do Conselho Monetário Nacional. 40 Esse fato dá ao órgão Além disso, os fundos de investimento diferenciam-se, no que tange à rea-
regulador do mercado de valores mobiliários uma capacidade normatizadora lização de suas cotas, em fundos abertos e fechados. Os abertos são aqueles em
pouco vista nos ordenamentos nacionais. Se de um lado tal vácuo legislativo torna que o catista pode resgatar seu investimento antes da liquidação do fundo. Nos
a normatização muito mais rápida, de outro permite a possibilidade da prática do fechados, os cotistas só encontram liquidez via alienação de suas cotas ou na
arbítrio, tornando quase que letra morta o preceito constitucional segundo o qual liquidação do fundo.
ninguém é obrigado a não ser pela lei. Esta experiência singular em nosso Direito
faz coabitar sob o mesmo teto o legislador, o julgador e o aplicador das punições. Os fundos de investimento foram trazidos ao mundo legal pela inovadora Lei
n. 4.728/1965, que contemplou a possibilidade de criação das sociedades de inves-
10.5.l São os fundos de investimento contratos derivados? timento em seu artigo 49 e dos fundos de investimento em seu artigo 50. 41 Foram
eles utilizados para canalizar poupança privada para determinadas finalidades
Se levarmos em consideração que contratos derivados são aqueles que têm buscadas pelo ente estatal - desde a busca do desenvolvimento regional até a
como suporte econômico o investimento primário, concluiremos que alguns fun- formação de grupos para a realização de investimentos especializados, como nos
dos de investimento têm como antecedente outro valor mobiliário, tal como ocorre casos abaixo discutidos.
com aqueles especializados em investimento de renda variável, ou com os fundos Essas estruturas são condomínios voluntários, nascidos de uma comunhão
que investem em ações ou na variação do índice das ações mais movimentadas de interesses, formados pela propriedade comum de bens móveis ou imóveis, sem
em dada bolsa de valores. Mas, ao mesmo tempo, teremos outros fundos especia- que com sua constituição nasça uma pessoa jurídica. O valor dos bens aportados
lizados na aquisição de bens imóveis destinados à locação ou mesmo venda em ao condomínio de interesses reverte os investidores na forma de cotas, cada uma
representando um voto, sendo que o objetivo comum se materializa na forma de
38. "Art. 2° - São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: [... ] V!II - outros contratos derivativos, inde-
regras constitutivas ou nascidas de deliberação dos investidores, além da obediên-
pendentemente dos ativos subjacentes:' cia às regras cogentes nascidas da lei ou dos normativos do Conselho Monetário
39. Da consulta feita junto à CVM, até a metade do mês de novembro de 2012, vê-se que só as quotas de in-
vestimento em fundos imobiliários representaram mais do que o dobro dos lançamentos em ações, sem
levar em consideração os demais fundos ele investimento.
40. O único fundo ele investimento que foi objeto ele lei é o Fundo de Investimento Imobiliário, que necessitava 41. "Art. 50 - Os fundos em condomínios ele títulos ou valôres mobiliários poderão converter-se em socieclacles
ele lei para alterar determinados procedimentos junto ao registro de imóveis, bem corno criar cleterrninaclas anônimas ele capital autorizado, a que se refere a Seção VIII, ficando isentos ele encargos fiscais os atos
exceções a artigos específicos do Código Civil. relativos à transformação:'

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Nacional, da Comissão de Valores Mobiliários e, se for de sua competência, do últimos são contemplados pelo regramento comum, não contando com normas
Banco Central. específicas como os primeiros. Porém, em ambas as espécies os fundos emitem
Enquanto investimento coletivo, os fundos estabelecem dois tipos distintos documento representativo da participação, denominados "certificados''.
de relacionamento. Um deles, externo ao fundo, é o ordenamento de direitos e A normatização baixada pela Instrução n. 409/2004 teve o condão de buscar
deveres entre os catistas, relação esta ordenada pelas regras legais, tais como as unificar o regramento dos fundos de investimento, evitando que cada um deles
previstas no Código Civil42 ou na legislação concernente aos valores mobiliários fosse detentor de um conjunto de regras não necessariamente uniforme em relação
e no regramento administrativo baixado pela CVM. Porém, é de fundamental im- aos demais, facilitando a vida dos administradores e dos investidores. Assim, em
portância o acompanhamento das regras estabelecidas no regulamento do fundo, resumo, temos dois conjuntos distintos de regramentos: de um lado, os criados
ao qual o investidor adere. posteriormente à edição da Instrução n. 409/2004; de outro, os fundos criados
Ou seja, o fundo também manifesta relacionamentos internos, vale dizei~ as anteriormente, e que da Instrução são excluídos taxativamente.43
decisões tomadas nas reuniões de catistas, que vão desde a aprovação de contas No que diz respeito aos fundos de investimento, duas dificuldades surgem.
dos gestores do fundo até sua eventual substituição; a discussão da política de A primeira, que a capacidade inventiva do mercado tende ao infinito, derivando
investimento até o ir a juízo contra aquele que prejudique o legítimo interesse do tal constatação do fato de que qualquer ativo pode ser objeto de incorporação
condomínio. do fundo, desde que haja expectativa de lucro. A segunda deve-se à multifária
Conforme o artigo 1.314 do Código Civil, o condômino pode usar da coisa de normatização, uma para cada fundo, o que certamente será consolidado pela
acordo com sua destinação, que, no caso dos fundos de investimento, resume-se CVM no futuro.
ao acompanhamento da gestão do patrimônio comum e de seus resultados com a
percepção dos rendimentos devidos, bem como do principal quando da extinção 10.5.2 O regramento geral dos fundos de investimento coletivo
do condomínio ou da alienação da cota a terceiro.
Como todo investimento coletivo, os fundos nascem com a oferta de cotas As cotas de participações em fundos de investimento são valores mobiliários,
à subscrição pública, oferta esta feita pela instituição financeira autorizada a conforme previsão do inciso V do artigo 2° da Lei n. 6.385/1976, acréscimo este
tanto. Também como nos demais investimentos coletivos, os aderentes manifes- introduzido pela Lei n. 10.303/2001. Tendo por base o dispositivo de lei, a Comissão
tam suas vontades positivas através da subscrição das cotas com os respectivos de Valores Mobiliários edita a Deliberação n. 461/2003, a qual avoca a si a compe-
aportes de recursos e com a adesão às regras propostas pelo instituidor do fundo. tência para regular e fiscalizar os fundos de investimento, mesmo os financeiros
A partir desse momento, o fundo também se move pelas deliberações tomadas até então regulados pelo Banco Central, bem como os que viessem a ser criados
pelos investidores reunidos em assembleia, dentro do marco legal e regulatório daquela data em diante.
existente.
Nos demais investimentos coletivos remanesce a necessidade de análise caso
a caso para se saber até que ponto pode a maioria dos catistas deliberar sobre cláu- 43. "A presente Instrução dispõe sobre normas gerais que regem a constituição, administração, o funcionamen-
to e a divulgação de informações dos fundos de investimento e fundos de investimento em cotas de fundo
sulas relevantes e que determinaram a razão de investir de catistas minoritários. de investimento definidos e classificados nesta Instrução. Parágrafo único: Excluem-se da disciplina desta
Em outras palavras, naquilo que não contrarie a lei e o ordenamento da Adminis- Instrução os seguintes fundos, regidos por regulamentação própria: I - Fundos de Investimento em Parti-
tração Pública, pode a maioria modificar a política de investimento, por exemplo, cipações; II - Fundos de Investimento em cotas de Fundos de Investimento e Participações; III - Fundos
de Investimento em Direitos Creditórios; IV - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios no Âmbito
ou tal fato daria o direito de retirada do descontente, mesmo em se tratando de do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social; V - Fundos de Investimento
fundo fechado? em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios; VI - Fundos de Financiamento da Indústria
Cinematográfica Nacional; VII - Fundos Mútuos de Privatização - FGTS; VIII - Fundos Mútuos de Privatiza-
ção - FGTS - Carteira Livre; IX- Fundos ele Investimento em Empresas Emergentes; X- Fundos de Índice,
Hoje, há, no que concerne ao aspecto normativo, duas grandes categorias, a com Cotas Negociáveis em Bolsa de Valores ou Mercado ele Balcão Organizado; XI - Fundos Mútuos de
saber: os fundos de investimento detentores de regramento específico e os fun- Investimento em Empresas Emergentes - Capital Estrangeiro; XII - Fundos de Conversão; XIII - Fundos
dos de investimento surgidos após a edição da Instrução CVM n. 409/2004. Estes ele Investimento Imobiliário; XIV - Fundo ele Privatização - Capital Estrangeiro; XV Fundo Mútuo de
Ações Incentivadas; XVI Fundos de Investimento Cultural e Artístico; XVII Fundos ele Investimento
em Empresas Emergentes Inovadoras; XVIII - Fundo de Aposentadoria Individual Programada - FAP!;
42. Vide arts. 1.314 a 1.358 do Código Civil. XIX Fundos ele Investimento em Direitos Creditórios Não-Padrionizados:'

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Em suma, todos os fundos de investimento e os agentes atuantes enquanto termos econômicos, são os (i) Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, (ii)
lançadores de cotas, os investidores e os agentes de intermediação passaram a Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Credi-
subordinar-se ao regramento e fiscalização da CVM. Com tal previsão legal, um tórios e (iii) Fundo de Investimentos Imobiliários, os quais continuam com seu
número expressivo de fundos foi montado para atender ao financiamento dos mais regramento próprio. Como se detalhará mais adiante, os fundos, quanto à nego-
variados setores da economia nacional, além daqueles nascidos anteriormente por ciabilidade, podem ser abertos ou fechados.
previsão de lei ou das determinações do Conselho Monetário Nacional.
A gênese de tal modalidade de investimento pode ser apontada nos fundos No que diz respeito à maneira de negociar suas cotas, estas podem ser tran-
mútuos de ações, estabelecidos pela Resolução n. 1.280/1987 do Conselho Mone- sacionadas de forma pública, através da bolsa de valores ou mercado de balcão
tário Nacional. A partir dessa data, inúmeros fundos passam a existir, funcionan- organizado; podem também ser objeto de negociação privada quando o regra-
do como aglomerado de investidores ligados por regras estatutárias específicas, mento de um dado fundo assim o permita. Quanto à diversidade dos cotistas, po-
administrados por entidades pertencentes ao sistema de distribuição de valores dem ser nascidos de uma oferta pública das cotas, ou fundos exclusivos. Quanto à
mobiliários e regrados e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários. capacidade financeira do investidor, podem ser fundos destinados a investidores
Nem todos os fundos ainda continuam ativos, muito embora as respectivas qualificados ou não. Investidores qualificados são aqueles que, pelo porte de seus
legislações de ordem administrativa pertinentes ainda se encontrem vigentes. patrimônios ou pela expertise de que necessariamen te devem ser detentores,
Esses fundos, que hoje estão inativos por mudanças da realidade econômica, prescindem da proteção que deve ser dada ao pequeno capitalista.
são: (i) Fundo de Conversão de Capital Estrangeiro (Instrução n. 78/1988); (ii) Desta feita, são considerados investidores qualificados: (i) as instituições fi-
Fundo Mútuo de Privatização integralizado com Certificados de Privatização nanceiras; (ii) as companhias seguradoras; (iii) as sociedades de capitalização;
(Instrução n. 141/1991); (iii) Fundo de Privatização integralizado com direitos (iv) as entidades de previdência complementar e (v) as pessoas físicas ou jurídicas
de conversão de créditos sujeitos a acordos de reestruturação da dívida externa que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 e que
brasileira - Depositary Facilities Agreement (Instrução n. 142/1991); (iv) Fundo firmem termo produzido pela CVM no qual se declarem como tais. Finalmente,
Mútuo de Privatização integralizado com créditos e títulos representativo s da dí- o fundo pode ser investidor direto ou ser cotista investidor em outros fundos de
vida externa brasileira (Instrução n. 157 /1991); (v) Fundo Mútuo de Investimento investimento.
em Ações - Carteira Livre, destinado aos leilões de privatização de companhias No caso de investidor qualificado, o administrador deverá sempre deter docu-
abertas (Instrução n. 241/1996); (vi) Fundo Mútuo de Privatização - FGTS (Ins- mentação necessária e suficiente para que a Comissão de Valores Mobiliários possa
trução n. 279/1998). saber quem é o investidor final, mesmo porque, por determinação legal, todos os
Existe, ainda, um segundo grupamento constituído de normas destinadas a valores mobiliários deverão sempre ter a forma nominativa e, no caso dos fundos
possibilitar a capitalização de setores, os quais, entretanto, quer pela especialização, de investimento, revestir-se da forma escritura!.
quer pela pouca demanda do mercado, permaneceram razoavelmente inativos, tais Quanto à sua natureza jurídica, o fundo de investimento é uma comunhão
como: (i) Fundo Mútuo de Ações Incentivadas (Instrução n. 153/1991); (ii) Fundo de recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em
Setorial de Investimento em Ações do Setor Mineral (Instrução n. 171/1992); (iii) títulos e valores mobiliários, bem como em quaisquer outros ativos disponíveis
Fundo Mútuo de Investimento em Ações - Carteira Livre (Instrução n. 177 /1992); no mercado financeiro e de capitais.
(iv) Fundo de Conversão - Capital Estrangeiro (Instrução n. 227 /1994); (v) Fundo O movimento inicial para sua criação parte de uma deliberação de um admi-
de Financiamento da Indústria Cinematográfi ca- Funcine (Instrução n. 398/2003); nistrador, ao qual incumbe aprová-lo e submetê-lo à CVM para exame e aprovação.
(vi) Fundo de Investimento em participações que obtenham apoio financeiro de Somente após tal ato poderá ele oferecer as cotas do fundo ao público. A atividade
organismo de fomento (Instrução n. 406/2004); (vii) Fundo de Investimento em de administrador destina-se a prestar, por si ou parcialmente por terceiro contra-
Empresas Emergentes - Capital Estrangeiro (Instrução n. 278/1998); (viii) Fundo tado, os serviços necessários ao funcionamento e à manutenção do fundo.
de Investimento Cultural e Artístico (Instrução n. 186/1992); (ix) Fundo Setorial de A contratação de terceiros, que é feita pelo administrador, consta de uma
Investimento em Ações (Instrução n. 149/1991). lista fechada, sendo que os serviços por eles prestados cingem-se ao campo da:
Outros fundos, entretanto, permanecem ativos com maior ou menor deman- (i) gestão da carteira do fundo; (ii) consultoria de investimentos; (iii) atividade
da pelo mercado. Destes que detém normas específicas, os mais relevantes, em de tesouraria, controle e processamento dos valores mobiliários; (iv) distribuição

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de cotas; (v) escrituração da emissão de cotas; (vi) custódia dos valores mo- judicialmente. O dever de diligência implica a gestão do fundo de sorte a que, na
biliários e (vii) auditoria independente. A opção de contratar ou não terceiros existência de qualquer conflito de interesse, este seja resolvido a favor do catista.
especializados está adstrita às tarefas constantes dos itens (i), (ii) e (vii), sendo O administrador do fundo existe desde o momento de sua constituição, sendo
as demais de contratação obrigatória, sendo que, nestes casos, os terceiros con- que os investidores adquirem cotas de um fundo já existente, aprovado previamen-
tratados respondem solidariamente junto com o administrador pelos eventuais te pela CVM e com a gestão já implantada.
prejuízos causados aos catistas por conduta contrária à lei ou às normas da CVM. Entretanto, o gestor pode ser descredenciado pela CVM, hipótese na qual
Naqueles outros atos que dependam somente da ação do administrador a deverá a Autarquia designar um administrador temporário, até a realização de
responsabilidade é solitária do gestor. Ambos, se contratada a prestação de algum uma assembleia de catistas. Neste caso, deve o administrador descredenciado
dos serviços acima mencionados, compõem a denominada "gestão da carteira'; a convocar a assembleia de catistas para deliberar, no prazo de 15 dias do descre-
qual é entendida como sendo uma gestão profissional que pode ser feita por pessoa denciamento, sobre a contratação de novo gestor; caso não o faça, tal ato deverá
natural ou jurídica credenciada como administradora de carteira de valores mo- ser feito pela CVM.
biliários pela CVM, cabendo ao gestor a capacidade de comprar e vender valores Pode o administrador renunciar, situação na qual deverá permanecer no exer-
mobiliários em nome do fundo. cício de sua função até sua efetiva substituição pela assembleia de catistas. A troca
Pela prestação de seus serviços, o administrador recebe remuneração saída deverá ocorrer no prazo máximo de 30 dias, sob pena de, em não o fazendo, ocorrer
da taxa de administração, a qual também se destina a custear os serviços neces- a liquidação do fundo pelo administrador renunciante. Poderá, finalmente, haver
sários ou opcionais prestados por terceiros contratados pelo administrador. Essas a destituição do administrador pela assembleia de catistas.
taxas de administração são fixadas pelo administrador quando da constituição Enquanto gestor do fundo, o administrador deve a ele e seus catistas os de-
do fundo e só podem ser aumentadas com a aprovação dos catistas reunidos em veres fiduciários inerentes aos gestores de patrimônio de terceiro, não podendo
assembleia. praticar ato em conflito com os interesses do fundo e seus catistas, os quais de-
Desta feita, antes de aderir ao fundo o investidor saberá a quanto monta a verão receber do administrador o mesmo tratamento, aí entendidos a mesma
taxa de administração e seu aumento só poderá ocorrer com a concordância dos transparência e volume de informações. Ou seja, independem do volume de cotas
comunheiros. Entretanto, pode o administrador reduzir unilateralmente a taxa de o tratamento e as informações dadas a todos os catistas. Para o gestor, todos são
administração, devendo de tal fato dar conhecimento à CVM. merecedores, e de forma obrigatória, do mesmo tratamento.
A taxa pode contemplar uma remuneração extra a título de sucesso, desde que, Quando de sua constituição, pode o fundo ser criado sob a forma de condo-
nos fundos abertos, o valor da cota não seja inferior quando do último pagamento mínio aberto ou fechado. Na primeira modalidade, suas cotas podem, por solici-
da taxa. Para os catistas que sejam considerados investidores qualificados, pode o tação do catista, ser resgatadas a qualquer tempo. Se fechado, as cotas do fundo
regulamento contemplar um prêmio de sucesso. Caso o fundo seja investidor em só podem ser resgatadas ao término do prazo de sua existência.
outros fundos, e destinado a investidores não qualificados, o regulamento deverá Se houver previsão regulamentar, o fundo pode contemplar a possibilidade de
prever não só a sua taxa de administração, mas também a dos fundos nos quais amortização parcial das cotas ou parcial do valor patrimonial de cada cota, desde
irá adquirir cotas. que esta se dê de forma equitativa entre os catistas, sendo a amortização possível
A gestão proíbe ao administrador a prática de atos que possam gerar confu- quer para os fundos abertos, quer para os fechados.
são entre seu patrimônio e o do fundo. Assim, estão eles proibidos de: (i) receber Na hipótese do resgate, entretanto, este não poderá ocorrer caso haja situação
depósitos em conta corrente; (ii) contrair ou efetuar empréstimos; (iii) prestar excepcional de iliquidez dos ativos componentes do fundo, ou em caso de pedido
fiança, aval, aceite ou coobrigar-se sob qualquer forma; (iv) realizar operações de resgate que seja incompatível com a liquidez existente, ou que possa ocasionar
fora de bolsa ou do mercado de balão organizado, salvo nos casos de distribuição uma carga tributária mais onerosa ao fundo.
pública, de exercício de direito de preferência ou de conversão de debêntures em Nessas duas hipóteses acima, poderá o administrador negar o resgate, con-
ações e (iv) prometer rendimento aos catistas. vocando, no prazo máximo de um dia, uma assembleia geral extraordinária para
Como para os gestores de companhias abertas, estabelece a norma da CVM deliberar, no prazo de 15 dias, a contar da negativa do administrado1~ sobre: (i)
que os administradores de fundos de investimento detêm o dever de diligência, substituição do administrador, do gestor ou de ambos; (ii) reabrir ou manter o fe-
não só defendendo os direitos dos catistas no mercado, mas também, se for o caso, chamento dos resgates; (iii) analisar o pagamento do resgate com ativos do fundo;

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(iv) cisão do fundo ou (v) liquidação do fundo, com a comunicação imediata à federais ou em fundos de investimento de renda fixa; (ii) há o início de um novo
CVM. De qualquer forma, responde o administrador pelos prejuízos causados aos prazo de 180 dias para a colocação das cotas.
catistas pelo não exercício dos poderes que a Instrução n. 409/2004 lhe confere. A CVM vem desde sua criação buscando implantar a política pública pela qual
A cota do fundo corresponde à fração ideal de seu patrimônio, sendo emitida o investidor em valores mobiliários deve ser credor diligente de seus haveres e dos
na forma escritura! e nominativa, sendo que a qualidade de catista é dada pela direitos que dispõe para defendê-los. Para tanto, a Instrução n. 409/2004 ordena
inscrição do nome do titular no registro de catistas do fundo. O valor de cada que o catista, ao ingressar no fundo de investimento, deve atestar por escrito que
cota flutua diariamente, conforme varie o valor dos ativos que compõem o fundo, recebeu o regulamento e o prospecto, que está ciente da política de investimento
sendo o seu valor diário aquele existente quando do fechamento do mercado em desenhada pelo administrador, bem como dos riscos que está assumindo, inclusive
que ele atue. da possibilidade de, conforme o tipo de investimento, haver patrimônio negativo
Isso significa que, em determinados tipos de investimento, o valor da cota e, como consequência, ser o investidor obrigado a aportar tantos recursos quanto
poderá aumentar ou diminuir, chegando mesmo a ficar negativo. Nesta última necessários para tornar o patrimônio positivo ou zerá-lo.
situação, os catistas respondem pelo patrimônio negativo do fundo, respondendo Como instrumento de informação, o prospecto deve conter todas as informa-
o administrador e o gesto1~ se houver, perante os catistas, pela inobservância das ções que sejam relevantes para a formação da opinião de um eventual investidor.
políticas de investimento ou dos limites de concentração previstos no regulamento Como o investidor pode ser alguém com conhecimento do mercado, mas também
do fundo. pode ser alguém sem expertise, manda a CVM que o prospecto seja escrito em
A circulabilidade da cota deverá ocorrer no mercado secundário, se aberto "linguagem clara e acessível ao público alvo do fundo'; contendo necessariamente
for o fundo, não podendo haver cessão ou transferência privada da cota, salvo por determinadas informações mínimas, 44 podendo conter outras informações que o
ordem judicial ou por sucessão hereditária, cabendo ao administrador do fundo
verificar o cumprimento da regra. Se fechado, entretanto, poderá ocorrer a trans-
ferência da cota por cessão, ou por negociação no mercado secundário onde as 44. Tais informações mínimas são as constantes dos incisos do artigo 40 da Instrução n. 409/2004, a saber:"!-
metas e objetivos do fundo, bem como seu público alvo; II- política de investimento e faixas de alocação
cotas do fundo sejam negociadas.
de ativos, discriminando o processo de análise e seleção dos mesmos; III- relação dos prestadores de
Como os fundos são previamente registrados junto à CVM, estabelece a Ins- serviços do fundo; IV- especificação, de forma clara, das taxas e demais despesas do fundo; V- apresen-
trução n. 409/2004 que a distribuição de cotas dos fundos abertos independe de tação do administrador e do gestor, quando for o caso, de suas respectivas experiências profissionais e
formação acadêmica, bem como informação sobre seus departamentos técnicos e demais recursos e ser-
registro prévio, o mesmo se dando com a distribuição de cotas de fundos fechados viços utilizados para gerir o fundo; VI- condições de compra de cotas do fundo, compreendendo limites
destinados somente a investidores qualificados. Disso resulta que, para os fundos mínimos e máximos de investimento, bem como valores mínimos para movimentação e permanência no
abertos em geral, a distribuição de cotas independe de registro prévio junto à fundo; VII- condições de resgate de cotas e, se for o caso, prazo de carência; VIII- política de distribuição
de resultado, se houver, compreendendo os prazo e condições de pagamento; IX- identificação dos riscos
CVM, sendo que a distribuição das cotas junto ao mercado só poderá ocorrer por assumidos pelo fundo; X- informação sobre a política de administração dos riscos assumidos pelo fundo,
intermédio de instituição componente do sistema de distribuição de valores mobi- se for o caso; XI- informação sobre a tributação aplicável ao fundo e a seus catistas, contemplando a
liários. Assim, inexiste a duplicidade de registro do fundo e do registro da emissão, política a ser adotada pelo administrador ao tratamento tributário perseguido; XII- política relativa ao
direito de voto do fundo, pelo administrador ou por seus representantes legalmente constituídos, em
como ocorre com outras hipóteses de valores mobiliários. assembleias gerais das companhias nas quais o fundo detenha participação; XIII- política de divulgação
Já para os fundos fechados, não há a necessidade de a distribuição das cotas de informações a interessados, inclusive as de composição de carteira, que deverá ser idêntica para
ser precedida do registro de oferta pública; no caso da oferta destinada a investi- todos que solicitarem, sendo que a alteração desta política deverá ser divulgada como fato relevante;
XIV- quando houver, identificação da agência classificadora de risco do fundo, bem como a classificação
dores qualificados, o protocolo de envio da documentação é condição necessária obtida; XV- observado o disposto no artigo 75, os resultados do fundo em exercícios anteriores, bem
e suficiente para o início do processo de distribuição. Uma vez iniciado o processo como a indicação sobre o local e forma de obtenção de outras informações referentes a exercício ante-
de subscrição de cotas, deve estar encerrado no prazo de até 180 dias. riores, tais como demonstrações contábeis, relatórios do administrador do fundo e demais documentos
pertinentes que tenham sido elaborados por força de disposições regulamentares aplicáveis e, XVI- o
Caso haja alteração nas condições da oferta, por tentativa de adequação às percentual máximo de cotas que pode ser detido por um único catista''. Se o fundo pretender operar com
condições de mercado, ocorrerá que: (i) aqueles que já subscreveram cotas po- derivativos, deverá constar da capa do prospecto, além do prospecto e do material de divulgação, que:
"Este fundo utiliza estratégias com derivativos como parte integrante de sua política de investimento.
derão, em desejando, retirar-se do investimento, com a devolução do montante
Tais estratégias, da forma como são adotadas, podem resultar em significativas perdas para seus cotistas:'
pago, acrescido do eventual rendimento auferido, já que no período de subscrição Ou: "Este fundo utiliza estratégias com derivativos como parte integrante de sua política de investimen-
as quantias recebidas são depositadas em bancos e aplicadas em títulos públicos to. Tais estratégias, da forma como são adotadas, podem resultar em significativas perdas patrimoniais

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