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e psicóticos em instituição1
Angélica Bastos*I; Katia Alvares de Carvalho Monteiro** II; Mariana Mollica da Costa
Ribeiro**III
* Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
O artigo tem por objetivo discutir o manejo clínico de questões relativas à passagem da
infância à adolescência no tratamento do autismo e da psicose em instituição. O trabalho
traça as linhas gerais da trajetória de um serviço criado no final da década de 80 com o
intuito de atender à clientela mais grave que se dirigia à rede pública de assistência em
saúde mental do município do Rio de Janeiro. A partir de alguns fragmentos clínicos,
apresenta-se a construção do caso em equipe, a intervenção e seus efeitos.
Complementarmente, aborda-se o encerramento do tratamento e o encaminhamento
daqueles que finalizam seu percurso na instituição.
Palavras-chave: Adolescência, Autismo, Psicose, Tratamento em instituição, Psicanálise.
ABSTRACT
The objective of this article is to discuss the clinical handling of questions relating to the
passage from childhood to adolescence in the treatment of autism and psychosis in an
institution. The work sketches the general lines in the course of a service created at the
end of the eighties whose aim was to assist the most seriously affected clients who came
to the public mental health in the municipality of Rio de Janeiro. The article proceeds to
examine the direction taken by the clinical-institutional work, which conjoins the practice
shared by many with the treatment of the Other carried out by children and adolescents.
Starting with some clinical anecdotal examples, we present the construction of the case as
a team, the intervention and its effects. Complementing this, we touch on the end of the
treatment and the further guidance given to those who finished their stay at the institution.
Keywords: Adolescence, Autism, Psychosis, Treatment in an institution, Psychoanalysis.
Considerações finais
Diante de tal quadro, o NAICAP se colocou em trabalho na tentativa de responder à
peregrinação dessa clientela mais grave, lançando mão de projetos que viabilizassem um
atendimento mais resolutivo. Privilegiando o que era apontado pelas crianças que
cresciam no serviço, fez-se imprescindível re-situar o trabalho oferecido aos
adolescentes.
Verificamos, então, que cabe à equipe escutar esses sujeitos, seja na psicose, seja no
autismo, de modo a extrair a lógica de suas condutas aparentemente estranhas. Não se
trata de dar a elas um sentido ou adequá-las a normas institucionais, mas partir das
respostas que cada sujeito formula frente à intrusão abusiva e devastadora do Outro.
Por meio do trabalho clínico desenvolvido pelo NAICAP, cada um busca fazer-se parceiro
das construções do adolescente, para que a enunciação presente em cada uma das
produções psicóticas e autistas possa retornar ao sujeito sob a forma de simque já
chegaram com idade avançada no serviço, apontavam, cada um à sua maneira, para o
momento de saída da instituição. Esse foi outro impasse que se colocou para a equipe.
Francisco chegou ao NAICAP com 8 anos de idade. Era um menino que não falava,
durante as refeições vomitava os alimentos que comia, girava em torno de si enquanto
tapava seus próprios olhos, boca e ouvidos com objetos. Num primeiro momento não
deixava brechas para a entrada do Outro. Ao longo de seu tratamento Francisco deu
mostras de maior abertura. Brincava com bonecos e interagia com outras crianças,
passou a nomeá-las, a olhar-se no espelho e a pronunciar seu próprio nome. Com a
chegada do momento de sair do serviço, seu quadro piorou, voltou a isolar-se e
apresentou uma encoprese. A mãe muito angustiada procurou novamente o serviço,
levando a equipe a reavaliar a condução clínica do caso. Concluiu-se que a partida de
Francisco seria precipitada e que o mais indicado era adiar o projeto de sua saída da
instituição. Esse impasse mostrou a importância de discussões mais intensas no
momento do encerramento do tratamento de cada adolescente no NAICAP (Ribeiro &
Gomes, 1999; Ribeiro, 2005).
Da mesma forma que a saída de Francisco exigiu um reposicionamento quanto à direção
dada ao seu tratamento, a equipe vem se confrontando com outras dificuldades quando
chega o momento de encaminhar os adolescentes para outros espaços de acolhimento.
bolização do gozo que o invade no real. Despojando-se de um saber prévio sobre cada
um dos casos, por meio de reuniões gerais que contam com a presença de um supervisor
externo ao serviço, esse modo de funcionamento visa à circulação do saber, de forma que
nenhum dos técnicos detenha um saber pleno sobre o paciente. Esse tipo de intervenção
pretende colher, como um de seus efeitos, o saber-fazer com o gozo que cada sujeito
constrói em sua trajetória singular de tratamento do Outro. Na peculiaridade da irrupção
das crises testemunhadas no período da puberdade, faz-se necessário um manejo clínico
específico que implica, mais do que nunca, um determinado manuseio das leis
institucionais. Tais leis não devem ser utilizadas de forma caprichosa, prévia ou normativa,
mas como recurso das intervenções clínicas, de modo a estarem a serviço do tratamento
dos adolescentes que freqüentam a instituição. Para isso, precisam ser amplamente
discutidas a cada vez e estarem submetidas à condução do caso clínico.
Tomar a criança e o adolescente autista e psicótico como sujeito, conferindo às suas
produções um estatuto de invenção, é a direção de trabalho que o NAICAP vem
imprimindo a sua experiência clínica.
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Zenoni, A (1991). "Traitement" de l'Autre. Preliminaire nº 3. Bruxelas: Antenne.
Recebido em junho/2005
Aceito em setembro/2005
Notas
1 O presente artigo resulta de pesquisa realizada com apoio técnico da FAPERJ (de
outubro de 2003 a março de 2004) concedido a Mariana Mollica da Costa Ribeiro, sob
orientação de Angélica Bastos e supervisão de Katia Álvares de Carvalho Monteiro, então
coordenadora do NAICAP.
2 A reflexão
apresentada neste artigo dá prosseguimento à análise, realizada em 2004, de
dados quantitativos da população de adolescentes atendidos no NAICAP, no período de
1986 a 2003. Esta análise desdobrou-se em considerações qualitativas de casos
atendidos ao longo dos 18 anos do serviço.
3 O Instituto Philippe Pinel contava com um serviço ambulatorial destinado ao
atendimento de crianças e adolescentes. Entretanto, no final da década de 80, foi
constatado que o ambulatório não constituía um dispositivo institucional que pudesse
atender de forma resolutiva a clientela mais grave, que requeria uma atenção
diferenciada. Foi então, criado o Programa de Cuidados Intensivos à Criança Autista e
Psicótica. Com a ampliação desse programa, no ano de 1992, o Núcleo de Atenção
Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP) tornou-se um serviço independente.
4 A "prática entre vários" é o termo que J.-A Miller inventou para traduzir o que Antenne
110 lhe havia proposto como tema para as Terceiras Jornadas da Rede Internacional de
Instituições Infantis, que ocorreram em Bruxelas, em 1 e 2 de fevereiro de 1997. Esse
termo se refere ao modo de funcionamento ou à particularidade do trabalho desenvolvido
por Antonio Di Ciaccia, a partir da fundação de Antenne 110. (Baio, 2000)
5 O termo "ponto de ancoragem" surgiu segundo Stevens (2000: 33-34), como referência
a experiência naval como uma metáfora, portando a idéia do avesso do barco à deriva no
momento em que este chega a um porto e joga a âncora para fixar sua parada. Foi
utilizado por alguns psicanalistas do Campo Freudiano a partir de jornadas do R3
organizadas por J-A. Miller realizadas em 2000 em Bruxelas, com o intuito de nomear a
suplência realizada por algumas crianças psicóticas que se tratavam em instituições de
saúde mental através da construção de um sintoma. Tal termo pretende valorizar as
construções dessas crianças, conferindo-lhes um estatuto de invenção. O ponto de
ancoragem seria a construção de uma metáfora que permite ao sujeito se fazer
representar a partir de um sintoma construído em transferência, de modo a circunscrever
o gozo excessivo que lhe deixa a deriva.