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Somos Fabrícia Barros e Fabiana Brando - Psicólogas e

especialistas em Orientação Parental. Juntamos mais de 10 anos


de estudos e prática clínica e desenvolvemos o Método OPP -
Orientação Parental para Psicólogos um método
estruturado para nos ajudar nos atendimentos com os pais e
apoiar tantas famílias que precisam desse nosso conhecimento.

Colocamos em prática o método e vimos o resultado:


realização profissional, valorização do trabalho, agenda cheia e
famílias agradecendo por contribuir para uma verdadeira
mudança de vida.

Dezenas de Psicólogos já estão aplicando o método, se


posicionando como Orientadores Parentais e orientando pais
dentro da clínica infantil, e tendo resultados incríveis, vivendo da
sua profissão e contribuindo para a melhoria das relações de
tantas famílias que precisam de ajuda.

Somos defensoras de uma parentalidade leve e consciente;


dos direitos dos pais de terem sua história e individualidade
consideradas; e dos direitos das crianças, que merecem ser
ouvidas, respeitadas e ter um ambiente favorável ao seu
desenvolvimento.
A Orientação Parental é um campo de atuação relativamente
novo, principalmente para os Psicólogos. Existe pouca produção
de conteúdo sobre o tema com o olhar da psicologia,
abordando as intervenções técnicas que podemos fazer. Por
isso, desenvolvemos esse livro: para introduzir o tema,
contextualização o surgimento do campo de trabalho da
Orientação Parental (OP), apresentar os conceitos basilares da
educação gentil e do Método de Orientação Parental para
Psicólogos (OPP), enfatizando porque a Psicologia deve estar
inserida na construção do conhecimento nesta área.

Contextualizando a Orientação Parental

A discussão sobre a importância da estrutura familiar e dos


modelos de educação e estilos parentais não é recente. Addler
já sinalizava a importância da OP no início do século XX, quando
abriu vários centros de orientação em escolas em Viena, Berlim
e Munique.

Desde então, é possível encontrar muito material em literaturas


científicas relacionado a métodos Behavioristas, Cognitivos e
Adlerianos aplicados ao contexto de educação infanto-juvenil.
No geral, a OP é feita com grupos de pais em instituições, em
sua grande maioria escolas. Há, ainda, muito material de outras
abordagens sobre a importância da Psicoeducação no contexto
da Psicoterapia Infantil.

Jane Nelsen, influenciada por seus estudos sobre Alfred Adler e


Rudolf Dreikurs, inicia um trabalho como conselheira em escolas
na Califórnia desenvolvendo um programa de aconselhamento
para pais e educadores.
Posteriormente, em 1981, ela escreve, em parceria com Lynn
Lott, o livro Disciplina Positiva. Esses programas de
aconselhamentos existem até hoje e podem ser realizados por
Educadores Parentais certificados pela American Discipline
Positive Association.

Com o advento da internet e das redes sociais, a Disciplina


Positiva, assim como outras propostas de educação gentil,
começam a ser difundidas e, de alguns anos para cá, passamos
a ter acesso a muita informação sobre práticas educativas que
facilitam a aprendizagem de habilidades de vida. A necessidade
de romper com o método tradicional de educação (autoritário)
fez surgir, então, todo um movimento a favor dos direitos das
crianças e de uma educação mais respeitosa. Profissionais de
todas as áreas começam a falar sobre a temática nas redes
sociais, de forma a disseminar as teorias de educação mais
recentes e iniciam um trabalho com os pais, denominado
“Mentorias” ou “Workshops”.

A Psicologia, até hoje, tende a reconhecer muito mais o modelo


de OP no contexto da psicoterapia infantil, portanto, ainda
vemos pouquíssimos Psicólogos que se intitulam Orientadores
Parentais e que atuem exclusivamente com os pais.

E é neste contexto que nos posicionamos como Orientadoras


Parentais e acreditamos que nós, Psicólogos, temos capacidade
de ir muito mais a fundo no trabalho com esses pais. Além disso,
temos desenvolvida a habilidade técnica de saber distinguir
quando o atendimento deve ser de OP ou quando indicar
Psicoterapia para a criança. A família tem acesso, portanto, a
uma maior qualidade técnica nesse tipo de avaliação.
Contextualização da Parentalidade

No modelo de criação patriarcal, as relações eram baseadas em


hierarquias bem estabelecidas, famílias hegemônicas formadas
por pai, mãe e filhos, onde havia o homem da casa ou o chefe
de família, que era o provedor e a quem todos deviam
obediência. A educação cotidiana dos filhos cabia à mãe, que
exercia um papel, predominantemente, de proteção.

Os papéis eram muito bem definidos e a maneira de educar era


formalmente estabelecida. Isso não significa que não existiam
exceções e discordâncias, mas elas eram, em geral, silenciadas.
O papel dos filhos era obedecer, e conflitos não eram bem
recebidos. Predominava um estilo de criação autoritário e a
relação dos filhos com os cuidadores era baseada no medo:
medo de apanhar, medo de ficar de castigo, medo de perder o
amor dos pais. Pela própria definição muito clara dos papéis a
desempenhar dentro das famílias, as crianças não ficavam
próximas aos adultos.

Nos anos 50, casar e ter filhos era praticamente uma obrigação,
os métodos contraceptivos eram arcaicos e nem sempre
funcionavam, e a pílula anticoncepcional só se estabeleceu nos
anos 60. Nem sempre esses pais queriam aquela quantidade de
filhos, mas, social e moralmente, era quase uma obrigação, uma
tarefa a desempenhar.

Atualmente, as famílias são constituídas em configurações


diferentes (pais casados, pais separados, pais separados e
casados com outras pessoas, às vezes com outros filhos, duas
mães, dois pais, uma mãe, um pai, etc.).
O que passa a ser valorizado é uma dinâmica familiar em que os
cuidadores sejam responsáveis pela educação de seus filhos, ao
mesmo tempo em que ambos estão no mercado de trabalho; e
se espera que sejam mais participativos, curiosos e criteriosos
na educação dos filhos.

Chama-nos a atenção o fato de que, muitas vezes, essa


participação, quando excessiva, acaba criando filhos com pouco
senso de responsabilidade e motivação. Por esse motivo,
também o sentimento que antes era o medo dos filhos de
perderem o amor dos pais, inverte-se e passa a ser o dos pais
perderem o amor dos filhos, e é justamente aí que pode entrar
um modelo de parentalidade permissivo. O medo de perder o
amor dos filhos e a falta de conhecimento tecnicamente
embasado de como educar nesse mundo com demandas e
necessidades novas passa a ser um entrave significativo na
relação entre pais e filhos.

Além disso, no momento histórico em que vivemos, os filhos


tendem a ser mais planejados, esperados e programados. E há
um aumento da percepção de que a criação deles não é tão
intuitiva, já que o mundo mudou em uma velocidade muito
grande e a forma inquestionável de antes passa a ser
questionada, seja por especialistas, seja pela própria
complexidade da experiência real. Uma vez que ter filhos passa
a ser uma escolha, os pais desenvolvem uma outra relação com
a parentalidade. O próprio planejamento decorrente de uma
escolha torna o processo de parentalidade mais consciente.
Na era da tecnologia, as crianças convivem com estímulos muito
diferentes daqueles aos quais os pais foram submetidos. A
competição no mercado de trabalho, passa a ser um valor com
o qual os pais precisam se preocupar, o que faz com que
busquem “não errar”. Um outro ponto importante a se
considerar são as mudanças no rol de habilidades consideradas
imprescindíveis para o mercado de trabalho: criatividade, ideias
inovadoras, colaboração com menos hierarquia, busca de
direitos e igualdade, flexibilidade. E, mais uma vez, os pais
sentem que precisam se adaptar a essa demanda.

Por fim, as nossas crianças internas, criadas com afastamento


emocional, sob a lógica do medo e da insegurança, não querem
replicar essa mesma equação com seus filhos. Por este motivo,
percebemos muitos pais na busca de novas estratégias
educacionais.

Conceito de Saúde

Para tratar deste tema, no âmbito da OP, escolhemos o recorte


epistemológico da Gestalt-terapia, da Teoria Organísmica e da
Teoria de Campo.

Nesse sentido, defendemos que:

“saúde diz respeito à satisfação adequada de


necessidades, em um processo de
autorregulação entre pessoa e meio. Assim,
atrás de toda doença, existe a não satisfação
ou a satisfação inadequada de necessidades
que precisam ser atendidas.
(…) Saúde é um contínuo dinâmico entre
organismo e meio numa relação recíproca,
harmoniosa, entre necessidades presentes,
no aqui e agora e sua satisfação” (RIBEIRO,
2007, p.88).

Em outras palavras, a perspectiva de saúde com que


trabalhamos diz respeito à possibilidade de nos relacionarmos
de maneira criativa e singular, sensíveis à e buscando a
satisfação de nossas necessidades, porém tratando com
consideração e respeito os outros singulares com que
convivemos (FRAZÃO, 1997).

Dessa forma, e considerando que o trabalho terá como foco o


exercício da parentalidade, utilizamos como critério de
funcionamento saudável a capacidade criativa e fluida dos pais
para lidar com os mais diversos desafios que emergem na
relação com os filhos. Afinal, toda atuação profissional com foco
na saúde mental busca facilitar que o homem, enquanto ser-no-
mundo, recobre/reencontre sua natureza relacional,
contextualizada e criativa.

Uma vez que temos como objetivo propor intervenções que


sejam fonte de saúde para a dinâmica familiar, precisamos
desenvolver a compreensão de que a família é um grupamento
que funciona como uma unidade dinâmica, sendo que qualquer
estímulo que atinja este organismo em qualquer um dos seus
subsistemas, necessariamente promoverá mudanças na
unidade total.
Os padrões de resposta (perfomances/desempenho) desta
unidade são guiados por um objetivo único: a busca de
equilíbrio do sistema global.

Tal visão sistêmica da composição familiar está alinhada com a


concepção holística de ser humano, a partir da qual se
considera que a experiência é sempre resultado da interação
organismo-ambiente. Ou seja, precisaremos sempre observar as
especificidades de cada relacionamento que compõem o
sistema, bem como as condições psicossociais em que elas se
dão. Isso porque o que possibilita que a experiência cotidiana
seja nutritiva e saudável para o ser humano é seu nível de
awareness, que

“se refere à capacidade de aperceber-se do


que se passa dentro de si e fora de si no
momento presente, tanto a nível corporal,
quanto a nível mental e emocional. A
possibilidade de perceber simultaneamente o
meio externo e interno através dos recursos
perceptivos e emocionais (…). A ‘awareness’
possibilita que o contato seja de boa
qualidade e que a experiência possa ser
assimilada ou rejeitada” (FRAZÃO, 1997, p.65).

Nosso desafio inicial, portanto, durante as sessões de OP, será


compreender, fenomenologicamente, as relações existentes
entre os aspectos individuais, psicossociais e sistêmicos que
apontem para um desequilíbrio na dinâmica familiar. do
organismo.
No entanto, precisamos saber que o sistema apresentará
resistência à mudanças e às intervenções, devido ao princípio da
auto-regulação organísmica (GOLDSTEIN, 1995): uma forma do
organismo de interagir com o mundo, segundo a qual o
organismo pode se atualizar, respeitando a sua natureza, do
melhor modo possível. Este lidar com o meio pode se dar tanto
através de reações de aceitação e adaptação a este, quanto
também através de ações de rejeição e fuga do mesmo. Quando
a continuidade do sistema é ameaçada pelo contato com o
meio, a retirada do contato é uma tentativa de adaptação.

Por mais que a família busque voluntariamente por ajuda, nosso


acompanhamento pode ser percebido como uma ameaça, uma
vez que

“O indivíduo comum, tendo sido criado numa


atmosfera cheia de rupturas, perdeu sua
Inteireza, sua Integridade. Para reintegrar-se
de novo, ele tem de sobrepujar o dualismo
de sua pessoa, de seu pensamento e de sua
linguagem. Ele está acostumado a pensar em
termos de contrastes – infantil e maduro,
corpo e mente, organismo e meio, self e
realidade – como se fossem entidades em
oposição. A perspectiva unitária que pode
dissolver uma abordagem dualística desse
tipo está oculta, mas não destruída e, como
pretendemos mostrar, pode ser readquirida
com benefício salutar” (PHG, 1997, p.32).
Conceito de Terapia de Família (Sistemas)

1) Sistemas
Ao atender os pais em OP, precisamos ampliar a visão da clínica
tradicional e buscar uma compreensão de como esse sistema
familiar tende a funcionar. Portanto, se faz necessário o
conhecimento e compreensão da teoria sistêmica.

A ideia de sistema surge do olhar pra família como sistema


relacional que vai além do indivíduo e que articula entre seus
membros vários componentes individuais. Os estudos de família
observam a família pelo aspecto relacional e também o indivíduo
e seu processo de diferenciação.

Para a teoria dos sistemas, o todo é maior do que a soma das


partes, e isso implica mudar um pouco a visão causal que
muitos profissionais de saúde e muitos pais ainda detém:

A teoria de sistemas não nos permite mais pensar que o


alcoólico A ou o esquizofrênico Z vieram de pais Z e R ou de
uma substância chamada vodca. O alcoólico A é o produto de
muitos fatores inter-relacionados.

Esses relacionamentos não são necessariamente ordinais, de


valor igual, sequenciais ou mesmo aditivos.
A Figura mostra como sua interação dinâmica pode ser
frouxamente arranjada. As circunstâncias da vida humana e o
desenvolvimento dos eventos não se alinham como números,
figuras ou linhas retas indo da origem A para o destino. (ZINKER,
1994, p.69-70)

Predisposição genética
Circunstância de vida
Situações inacabadas
Alcoolismo dos pais
Outros fatores
Adictos
Em um casamento disfuncional, por exemplo, seria ingênuo
concluir que um dos dois parceiros é culpado ou o causador do
problema, embora possamos precisar rotular e proibir um
comportamento específico como abusivo e inaceitável. Pensar
apenas sob o aspecto deste parceiro seria limitante e não
ajudaria a entender a disfunção, porque a outra parte da
problemática também faz parte e contribui de alguma forma para
as configurações específicas desse campo.

Para quem vem do atendimento clínico individual, esta


perspectiva pode ser bastante desafiadora, porém cremos que
ampliar o olhar se faz mais rico e necessário no contexto dos
atendimentos em Orientação, já que a nossa percepção e nossas
intervenções são realizadas no âmbito das relações entre os
membros de uma família.

Dentro da fronteira familiar existem também subsistemas e


combinações possíveis: pai-mãe, pai-filha, pai-filho, mãe-filho,
mãe-filha, filha-filho. Em circunstâncias ideais, há um movimento
fluido entre esses subsistemas, nas mudanças de combinações e
também na abertura ou fechamento desses subsistemas para os
sistemas maiores.

Por exemplo, alguns se juntam ora pra brincar; ora pra trabalhar;
para tomar decisões; o pai vai com o filho mais velho no cinema;
em outro momento, com a filha para uma festinha; o casal sai
para um jantar, enquanto as crianças ficam em casa dormindo;
ora todos assistem um filme juntos; ora cada pai tem o seu
momento de descanso.
Vale lembrar também que o movimento familiar será sempre um
movimento de busca pela manutenção do equilíbrio, conceito que
chamamos de homeostase. Embora nem sempre seja um
equilíbrio saudável, o conceito de mudança, quando o assunto
são grupos familiares, é sempre um ponto de atenção para todos
os elementos do sistema. A homeostase familiar pode ser um
casal que sempre briga ou uma família silenciosa.

E este deve ser um indicador a ser observado no processo de OP.


Quando as propostas de mudanças não acompanham uma
necessidade da família, o profissional de Orientação pode ser
rapidamente visto como ameaça e o processo corre o risco de ser
interrompido.

2) Diferenciação X Manutenção
Em um sistema familiar funcional, existe um propósito comum,
além do respeito pelo espaço individual e pela autonomia. Em
períodos de crise, ou seja, de dificuldades, os elementos tendem a
se juntar e em períodos estáveis a aliviar essa união. As pessoas
conhecem umas às outras o suficiente para entender quando
agrupar ou quando separar. Os adultos se reúnem facilmente em
um subsistema para tomar decisões para esta família, tendo
também a flexibilidade de entender quando as crianças podem
ou não ter participação nas decisões.

A família pode ser vista como um sistema ativo em constante


transformação. Um organismo complexo que se altera com o
passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento
psicossocial de seus membros. E é esse processo de crescimento
que permite a diferenciação de seus elementos.
A necessidade de diferenciação funde-se à necessidade de
coesão e manutenção da unidade familiar. O saudável seria o
indivíduo ter garantido o pertencimento familiar para que
pudesse se diferenciar progressivamente, tornando-se cada vez
menos dependente do sistema familiar original, até o momento
em que poderá separar-se para instituir seu próprio sistema.

A diferenciação é possibilitada pela triangulação das relações. Em


uma relação dual, exclusiva, não pode ser feita a diferenciação: é
como se você só tivesse um ponto de referência, sendo assim
você não tem como comparar. As triangulações nos possibilitam
experimentar partes diferentes de nós mesmos com outras
pessoas. Esse processo de separação-individuação requer que a
família passe por fases de desorganização, na medida em que o
equilíbrio de um estágio é rompido como forma de preparação
para a mudança em direção a um novo estágio mais adequado.

O processo de diferenciação é saudável, mas causa incômodo em


todo o sistema, um desequilíbrio momentâneo que exige uma
readaptação de todos. E muitas vezes somos convocados
justamente nesses momentos, em que a família não está
conseguindo se auto regular. Cabe a nós atuar nesse
desequilíbrio, encorajando e ajudando esses pais a buscarem
saídas mais saudáveis a partir de suas próprias potencialidades.

Uma mudança de um elemento acarreta mudança dos outros


para se adaptarem ao novo contexto. No entanto, nem sempre
essa evolução acontece. Muitas vezes as regras e comunicação do
sistema impedem a individuação e autonomia dos membros
isolados. As pessoas ficam presas em seus papéis e funções. Cada
um se percebe forçado a desempenhar aquela função que o
sistema impõe.
Um sistema em que preexiste uma expectativa sobre o papel de
cada um impõe obstáculos à individuação. Como exemplo,
podemos lembrar casos em que os pais forçam uma criança a se
comportar constantemente como uma pessoa madura, exigindo
desempenho de adulto, e a criança deve fazer um esforço para
satisfazer suas exigências.

Sua tentativa é o preço a pagar pela manutenção de uma relação


muito cara para ela. O resultado é uma profunda alienação em
sua função determinada, a qual assume conotação negativa se for
atribuída de forma rígida e irreversível; e/ou quando contradiz
funções biológicas, por exemplo quando a função paterna é
atribuída a um filho por exemplo. Aquela função torna-se uma
prisão para ele e para os outros membros da família.

Quando uma família se cristaliza dessa forma, os elementos desse


sistema dependem da não individuação do outro. Há um medo
de que o outro se diferencie e, portanto, todo um esforço para
que isso não seja possível. Nestes casos, todo movimento de
diferenciação pode ser visto como traição.

Já em um sistema saudável, cada mudança individual será


precedida por um desequilíbrio temporário e posterior reajuste. A
família, enquanto sistema aberto, experimenta pressões em
direção a mudanças, tanto internamente, através dos papéis de
membros individuais da família satisfazendo as exigências dos
ciclos de vida; como por exigências sociais.
As mudanças podem ser intra sistêmicas (o nascimento de um
filho, filhos saindo de casa, menopausa, morte, divórcio) ou inter
sistêmicas (transferência de emprego, deslocamento da família,
crise política, pandemias).

Muitas vezes, a reação à mudança é selecionar um membro para


transmitir o stress e a tensão dessa percepção através da
expressão de uma sintomatologia. Essas famílias podem se dividir
em famílias em risco (temporário) ou famílias rígidas (contínuo).

As crianças são comumente convocadas para esse papel. O


paciente identificado está pronto a sacrificar parte de sua
autonomia para preencher a função escolhida de foco de todas as
dificuldades interacionais da família. Esse paciente identificado
pode ir mudando diante da necessidade familiar, porém há de se
tomar cuidado com a possível cristalização desses papéis

Nas famílias rígidas, as passagens de estágios evolutivos são vistas


como catastróficas. Uma solução que serviu em uma fase é
rigidamente aplicada em outras.
Nessas famílias, a designação do paciente identificado é
irreversível e indispensável, para evitar o risco de instabilidade e
também para evitar a evolução sucessiva da família. Podemos
eleger como exemplo famílias que intitulam um dos filhos como
“o problemático” e passam a viver em torno deste filho, ao ponto
de não saberem mais viver de outra forma, pois viver de outra
forma os obrigaria a mudar, e a mudança, por sua vez, é vista
como uma ameaça à família.

Famílias com fronteiras rígidas são caracterizadas por


fronteiras impermeáveis e rígidas onde os elementos se
superprotegem como uma unidade. Não há um intercâmbio fácil
com outros sistemas. Por outro lado, é comum encontrar
fronteiras individuais muito fracas nessas famílias, onde não há
limites pessoais, os pais invadem a vida dos filhos e as crianças,
por sua vez, participam de decisões que são exclusivas dos
adultos. Há pouca independência e autonomia dos elementos da
família, bem como uma preocupação exagerada com o outro e
uma comoção de todos com problemas particulares. Há uma
força para dentro do sistema, tendência à retroflexão e a
sintomas psicossomáticos de contenção.
Em famílias com fronteiras hiperflexíveis, percebemos uma
desorganização familiar, as fronteiras externas são frouxas em
demasia. Não há muita atenção para dentro do sistema e entre os
elementos desse sistema. Não há tempo para comunicação
interna, para um se interessar pela vida do outro. Pode haver
negligências físicas e emocionais das crianças. Há falta de união e
muitas vezes os elementos recorrem a vícios como suporte. Pela
falta de apoio familiar, os sentimentos individuais são bem
guardados e raramente expostos: uma defesa contra a dor e o
desrespeito.

Em um atendimento de OP, assim como nos atendimentos de


família, é importante priorizar o todo, a forma de funcionamento.
Perseguir as causas seria inútil porque o sistema se apresenta de
forma complexa e multifatorial. Portanto, seria mais eficiente
buscarmos entender: o que os pais estão fazendo? Como eles
gostariam de fazer? O que os impede de que suas necessidades
sejam atendidas? Quais os processos que continuam se
repetindo, ainda que sem utilidade?
E, dessa forma, proporcionar consciência e encorajar a força
coletiva para ultrapassar as dificuldades nas relações com seus
filhos. Nosso trabalho tende ao término quando aquele casal
começa a perceber as necessidades dos filhos, olhar para as suas
necessidades pessoais e familiares e tomar decisões mais
saudáveis e mais funcionais repetidas vezes.

Compreensão da Infância e Implicações na OP

As Ciências Sociais e Humanas passaram a considerar a infância -


bem como as representações infantis de mundo - como objeto
central de pesquisa recentemente, e isso teve relação direta com
o reconhecimento da criança como sujeito histórico e de direitos.
As crianças sempre estiveram inseridas nas mais diversas formas
de organização social, vivenciando-as de acordo com o significado
e representação dos adultos, inclusive em relação a que lugar elas
deveriam ocupar.

As diferentes concepções sobre a infância não podem ser


desvinculadas da história, pois sempre irão expressar os valores
presentes na sociedade em cada momento histórico. Atualmente,
nossos esforços buscam garantir às crianças, desde o
nascimento, o direito à cidadania. Sendo assim, nas sessões de
OP, um objetivo que deve ser seguido é o de contribuir para a
revisão do modelo mental dos pais sobre a infância (BERNARTT,
2009).
Modelo mental é a forma como enxergamos o mundo e
interpretamos as situações à nossa volta. Nossos modelos
mentais são construídos a partir de nossas experiências e
também dos valores e conceitos que nos transmitiram. Logo, se
os pais consideram que as crianças são hierarquicamente
inferiores, que não devem ter voz ou vez, que não podem ser
autônomas, por exemplo, será mais difícil exercer uma educação
gentil e respeitosa.

Nesse modelo mental tradicional, só cabe mesmo uma educação


autoritária e punitiva. É importante que eles possam refletir e
estejam conscientes do que pensam sobre os próprios filhos, mas
também sobre as crianças de uma forma geral. Afinal, somente
quando passam a enxergá-los como seres dignos de respeito, que
estão descobrindo a própria identidade e aprendendo a lidar com
suas emoções e com os desafios da vida, é que conseguirão
contribuir de maneira positiva com seu desenvolvimento,
apresentando limites com amor. E, consequentemente, com
resultados mais consistentes e duradouros em relação à
educação.

Quando se deparam com a necessidade de exercer a


parentalidade, os pais passam a lidar com questões profundas da
própria infância, de seus relacionamentos com suas figuras de
apego, caminhando ao encontro de sentimentos infantis. Então,
nem sempre será fácil ou simples agir com base no respeito e na
empatia. Eles nem sempre irão concordar com nossas
proposições e, nisso não há problema. A ideia é mostrar novas
possibilidades, ajudá-los a desenvolver novos recursos,
oferecendo exemplos do que funciona, mas respeitando as
possibilidades deles.
Estilos Parentais

Diversos estudos buscam compreender quais os impactos dos


pais no desenvolvimento emocional e cognitivo dos filhos. A
primeira a categorizar os estilos parentais foi a Psicóloga
Baumrind (1966), e seu modelo teórico foi um marco nos estudos
desta temática. Ela avaliou os comportamentos parentais por
meio de alguns critérios como afeto ou ausência, nível de
expectativa e clareza e consistência e regras, propondo
posteriormente três estilos parentais: o estilo permissivo, o estilo
autoritário e o estilo democrático.

Já na década de 1980, MacCoby e Martin (1983), após pesquisas


adicionais sobre o tema, propuseram definir os estilos parentais a
partir de dois eixos: a demanda (exigência - limites) e a
responsividade (apoio - afeto). Os estilos parentais que surgem
desta combinação são os mesmos propostos por Baumrind
(1966), porém o estilo permissivo foi dividido entre permissivo e
negligente, surgindo então um quarto estilo parental.

Pais autoritários exigem obediência às regras, oferecem um


ambiente pouco caloroso, comunicação limitada, pouca escuta e
criam, consequentemente, crianças com dificuldade em
desenvolver uma visão mais crítica sobre o mundo, já que são
pais com altas expectativas e dos quais se espera uma possível
punição física.

Pais permissivos impõem poucas regras, evitam confrontos e


punições, apresentam tolerância extrema, pouca definição de
hierarquia, porém promovem um ambiente que tende a ser mais
amigável, caloroso, onde há abertura para comunicação.
Pais negligentes apresentam pouca ou nenhuma regra, são
ausentes física ou emocionalmente, desinteressados e com baixas
expectativas. Ambiente caracterizado pelo abandono e pela falta
de comunicação. Esse é o estilo mais potencialmente prejudicial
ao desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. No geral,
não chegam ao processo de OPl, porque não se importam.

Pais Autoritativos expressam autoridade de maneira


participativa e não repressiva, promovem um ambiente
democrático, acolhedor e afetuoso, onde a comunicação e a
escuta são valorizadas, são pais com altas expectativas e que
deixam claras as regras da casa. Este por sua vez, se mostra o
estilo parental com maior potencial de fatores de proteção ao
desenvolvimento das crianças.

Autores como Darling e Steinberg (1993) ainda registram a


diferença entre estilos parentais e práticas educativas. Os estilos
parentais seriam um padrão de características da relação, ou seja,
da interação de pais com filhos em diferentes situações. Seria um
padrão emocional, onde as práticas se expressam. O estilo seria
definido pelo conjunto de práticas e condutas.

Podemos chamar de práticas educativas as estratégias usadas


pelos pais para orientar o comportamento dos filhos, também
denominadas por determinados autores de estratégias
educativas.

Inúmeros estudos científicos traçam paralelos entre os estilos


parentais e problemáticas específicas como o uso de drogas na
adolescência, relacionamentos amorosos na vida adulta, bullying,
disfuncionalidade no padrão alimentar.
Em sua maioria, os estudos reforçam a importância de uma
educação afetiva, calorosa, porém com limites bem estabelecidos,
o que reforça a nossa escolha na proposta educativa da Disciplina
Positiva.

O entendimento dos quatro estilos parentais nos auxilia no


diagnóstico das estratégias educativas e também nos possibilita
ter parâmetros sobre onde podemos chegar com cada família.
A proposta de Educação Gentil

O método de criação tradicional é focado em uma disciplina


rígida, com foco na punição, castigo, violência verbal, violência
corporal e recompensa. É uma forma mais imediata de resolver o
problema, mas que não prepara a criança para se responsabilizar
e aprender a fazer escolhas mais saudáveis. Somado a isso,
vamos pensar na relação pais e filhos da nossa época: como eram
essas relações de uma forma geral? Eram relações de medo, de
afastamento emocional, de rebeldia, baixa autoestima,
sentimento de inadequação, que tinham como consequência
adultos pouco preparados emocionalmente, desconectados de
seus sentimentos.

Essas especificidades relacionais eram frequentes exatamente


porque a lógica da punição gera um sentimento de inadequação
ou de rebeldia. A punição não ensina, condiciona. Quando
punimos, a criança se desfoca da reflexão sobre aquele
comportamento inadequado e foca na raiva pelos pais.
Analogamente, na lógica da recompensa, o controle e estímulo
continuam a ser externos. A motivação para o bom
comportamento vem de fora. E, com o tempo, a recompensa vai
perdendo o efeito e precisa ir aumentando.

Algumas reflexões importantes precisam ser introduzidas para os


pais que pensam: “na minha época era assim e eu sobrevivi”.
Segundo as últimas estimativas da OMS, mais de 300 milhões de
pessoas estão vivendo atualmente com depressão, que é um
quadro clínico que vigora como fator de risco elevado para o
suicídio.
Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos,
sendo este fenômeno a segunda principal causa de morte entre
os jovens de 15 a 29 anos. Ainda sobre a depressão, já sabemos
que ela está em terceiro lugar no ranking de doenças que
motivam o afastamento do trabalho.

Uma pesquisa recente, publicada no periódico na Sociedade


Internacional para Prevenção ao Abuso e à Negligência Infantil,
concluiu que adultos que apanharam na infância corriam maior
risco de fazer uso abusivo de álcool e de drogas e tinham mais
probabilidade de tentar o suicídio. Foram ouvidos 8.300 adultos
da Califórnia, que responderam perguntas sobre situações
adversas na infância e saúde mental na vida adulta.

Um trabalho de 2016, publicado no Journal of Family Psychology,


analisou dados de 160 mil participantes ao longo de 50 anos e
concluiu que as surras não apenas não levam ao bom
comportamento, como estão relacionadas a uma ampla gama de
indicadores negativos, incluindo, mais uma vez, prejuízos a saúde
mental.

Os pais desejam que seus filhos sejam educados, saudáveis e


felizes, mas os métodos de educação incluem punição, crítica,
ameaça e humilhação. E muitos ainda não percebem essa
incoerência, cabendo a nós, profissionais de saúde mental,
apontá-la dentro de um contexto de acolhimento e suporte
técnico.
As evidências científicas e as experiências com as famílias que
acompanhamos mostram que a forma tradicional de educar já
está ultrapassada. E, nesse contexto, o autoconhecimento emerge
enquanto habilidade crucial a ser desenvolvida já na infância:
saber reconhecer e nomear os próprios sentimentos e emoções,
aprendendo a manejá-los de maneira funcional tem se mostrado
um grande diferencial para uma existência com mais sentido
(SANTOS, 2019).

A proposta de educação gentil se baseia, prioritariamente, no


reconhecimento da criança enquanto sujeito de direitos, incluindo
o direito à dignidade e ao respeito. Algo que parece óbvio, mas
ainda não é para a maioria das famílias. Isso porque, enquanto a
lógica da obediência vigorar, sempre teremos uma relação de
hierarquia e desigualdade - baseada no poder e no controle -, na
qual os cuidadores se apresentam como superiores ante à
criança, para a qual só resta o papel da submissão.

Por outro lado, se reconhecemos a criança como igualmente


digna, a busca da cooperação se torna mais coerente, libertando
a infância da impotência que está por trás da obediência; e
abrindo espaço para a responsabilidade, o senso crítico e a
autonomia. E isso é muito diferente de apostar na permissividade.
Respeitar os sentimentos e as opiniões das crianças não significa
atender a tudo que pedem, da forma que pedem. Uma educação
gentil prevê a apresentação de limites claros, porém respeitosos e
que levem em consideração as possibilidades e limitações das
crianças em cada fase de seu desenvolvimento.
E o que a Psicologia tem a ver com isso? Foram Psicólogos que
suscitaram as primeiras discussões nesse campo:

“Em 1961, o psicólogo israelense Haim Ginott


escreveu sobre educação livre de palmadas,
castigos e humilhações. O conceito de
inteligência emocional ainda não estava
formatado da maneira que o conhecemos,
mas Ginott já falava das consequências
psicológicas das punições no desenvolvimento
humano. No livro Crianças dinamarquesas, as
autoras (...) descrevem o estudo que fizeram
sobre como a Dinamarca permanece, há mais
de quarenta anos consecutivos, sendo
considerado o país com as pessoas mais
felizes do mundo. O segredo está na forma de
educar, baseada na empatia e conversa, na
qual os castigos físicos são tipificados em lei”
(SANTOS, 2019, p. 26).

Sendo assim, permanece sendo nossa responsabilidade informar


à sociedade, com embasamento e ética, qual caminho pode ser
mais facilitador para a saúde mental e a qualidade de vida dos
nossos pequenos.
Referências Bibliográficas

BERNARTT, Roseane Mendes. A infância a partir de um olhar


sócio-histórico. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO -
EDUCERE, 9, 26 a 29 out. 2009. Anais… Curitiba: PUCPR.
Disponível em:
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/26
01_1685.pdf.
FRAZÃO, L. M. Funcionamento saudável e não saudável enquanto
fenômenos interativos. In: Revista do III Encontro Goiano de
Gestalt-terapia, v.3, n. 3, 1997.
GOLDSTEIN, K. The Organism. Nova York: Zone Books, 1995.
SANTOS, Elisama. Educação Não Violenta: Como estimular
autoestima, autonomia, autodisciplina e resiliência em você e nas
crianças. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.
PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São
Paulo: Summus, 1997.
RIBEIRO, J. P. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem
gestáltica. São Paulo: SUMMUS, 2007.
ZINKER, J. C. A busca da elegância em psicoterapia. São Paulo:
Summus, 2001.
ANDOLFI, M. Por trás da máscara familiar um novo enfoque em
terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

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