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PR-GO-00020605/2022

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM GOIÁS
1º OFÍCIO DO NTC

Ref. Notícia de Fato nº 1.18.000.000849/2022-15

RECOMENDAÇÃO Nº 19, de 30 de maio de 2022

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O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seus membros que esta
subscrevem, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, especificamente as
previstas nos artigos 127 e 129, inciso II, da Constituição da República, e no artigo 6º, inciso
XX, da Lei Complementar nº 75/93;

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente,


essencial à função jurisdicional do Estado, possuindo a incumbência constitucional de
promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, adotando, para tanto, as medidas judiciais e extrajudiciais
necessárias ao exercício das funções constitucionais;

CONSIDERANDO a competência do Ministério Público para “expedir


recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como
ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover”, com a fixação de
prazo razoável para a adoção das providências cabíveis, consoante inciso XX, do art. 6º, da
LC nº 75/93;

Av. Olinda, Quadra G, Lote 02 Ed. Rosangela P. Batista,


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CONSIDERANDO O que a Constituição da República tem como um de seus
fundamentos, e eixo reitor do ordenamento constitucional, a “dignidade da pessoa humana”
(artigo 1º, inciso III); e que dentre seus objetivos estão o de “construir uma sociedade livre,
justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, incisos I e IV); e ainda que o
Brasil, nas suas relações internacionais, rege-se, entre outros, pelo princípio da “prevalência
dos direitos humanos” (artigo 4º, II, da CF/88);

CONSIDERANDO a instauração de ofício da Notícia de Fato nº


1.18.000.000849/2022-15, em 10.05.2022, em trâmite na Procuradoria da República em
Goiás, com o objetivo de apurar a ocorrência de possíveis retrocessos na proteção e promoção
dos Direitos Humanos no âmbito da Policial Rodoviária Federal;

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CONSIDERANDO que a Constituição Federal estabelece no art. 5º, caput
que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança, [...]”;

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CONSIDERANDO que os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa
humana são parte do núcleo axiológico do ordenamento jurídico;

CONSIDERANDO que a igualdade como reconhecimento abrange as


minorias e o respeito às suas identidades, de modo que se alcance a construção de uma
sociedade aberta às diferenças, onde os padrões culturais dominantes não importem na
discriminação ou menosprezo desses grupos;

CONSIDERANDO que o princípio da proibição da proteção insuficiente dita


que a omissão do Poder Público na efetivação de direitos fundamentais deve estar sujeita ao
crivo crítico e ao suprimento da omissão por meio de provocação dos órgãos do sistema de
justiça;

CONSIDERANDO que a morte precoce por asfixia de Genivaldo de Jesus


Santos ocorrida em 25/05/2022, aos 38 anos, jovem preto de origem humilde, trabalhador,
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honesto, bem quisto na comunidade, após ser abordado de forma violenta e inadequada por
agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no município de Umbaúba, em Sergipe, por
uma simples infração de trânsito (andar de moto sem capacete) causou indignação nacional;

CONSIDERANDO que esse triste episódio ocorreu exatamente dois anos


(25/05/2020) após a morte de George Floyd, cidadão americano negro de 40 anos, ocorrido
em Minesota, nos EUA, também vítima de asfixia e violência em abordagem policial fora dos
protocolos, e reacendeu nacional e internacionalmente o debate acerca da truculência policial
e racismo institucional no país e no mundo;

CONSIDERANDO que tais fatos demonstram a necessidade de se investir em


treinamentos constantes em direitos humanos, garantidos pela Carta Magna, na força policial
brasileira e, na contramão, houve recentemente a completa exclusão da disciplina Direitos

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Humanos da grade curricular do Curso de Formação da PRF, com a publicação da
PORTARIA DG/PRF Nº 456, DE 03 DE MAIO DE 2022, a qual extinguiu as Comissões de
Direitos Humanos no âmbito da Polícia Rodoviária Federal;

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C O N S I D E R A N D O que o Estado brasileiro assumiu
compromissos internacionais ao assinar e ratificar a Convenção Internacional sobre
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a partir do Decreto nº 65.810/67;

CONSIDERANDO que a Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros


Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgada internamente pelo
Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991, prevê que "cada Estado Parte tomará medidas
eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir
a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição" (artigo 2º);

CONSIDERANDO que a presença da disciplina de Direitos Humanos como


disciplina autônoma a ser ministrada nos cursos de formação e reciclagem dessa instituição é
necessária para incutir no policiais rodoviários federais as competências mínimas para o
exercício qualificado de relevante função social voltada à defesa e à promoção de direitos no
estado democrático de Direito e;

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CONSIDERANDO que a Portaria Interministerial nº 2/2010/MJ-SDH, que
trata das diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de
segurança pública, estabelece como necessidades:

"promover a adequação dos currículos das academias à Matriz Curricular


Nacional, assegurando a inclusão de disciplinas voltadas ao ensino e à
compreensão do sistema e da política nacional de segurança pública e dos
Direitos Humanos",

"atualizar permanentemente o ensino de Direitos Humanos nas academias,


reforçando nos cursos a compreensão de que os profissionais de segurança
pública também são titulares de Direitos Humanos, devem agir como
defensores e promotores desses direitos e precisam ser vistos desta forma
pela comunidade"

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"direcionar as atividades de formação no sentido de consolidar a
compreensão de que a atuação do profissional de segurança pública
orientada por padrões internacionais de respeito aos Direitos Humanos não

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dificulta, nem enfraquece a atividade das instituições de segurança pública,
mas confere-lhes credibilidade, respeito social e eficiência superior";

CONSIDERANDO que a Portaria Interministerial nº 4.226/2010/MJ-SDH


impõe a necessidade de "os processos seletivos para ingresso nas instituições de segurança
pública e os cursos de formação e especialização dos agentes de segurança pública devem
incluir conteúdos relativos a direitos humanos";

CONSIDERANDO que o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos


(2018) afirma que "os direitos humanos são indispensáveis para a implementação da justiça e
da segurança pública em uma sociedade democrática" e que:

"a educação em direitos humanos constitui um instrumento estratégico no


interior das políticas de segurança e de justiça para respaldar a
consonância entre uma cultura de promoção e defesa dos direitos humanos
e os princípios democráticos", tendo como princípio a “promoção da
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade nas ações de formação e
capacitação dos profissionais da área e de disciplinas específicas de
educação em direitos humanos”;
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CONSIDERANDO que a Lei nº 13.675/2018, ao disciplinar a organização e o
funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública e instituir o Sistema Único de
Segurança Pública - SUSP, impôs como um dos princípios da Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social a “proteção dos direitos humanos, respeito aos direitos fundamentais
e promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana”.

C O N S I D E R A N D O ser necessária uma atuação estratégica de


enfrentamento que possa repercutir na desconstrução do racismo estrutural e institucional no
Brasil e no mundo e criar políticas públicas voltadas para assegurar e promover a paz social;

CONSIDERANDO que, em razão do princípio da vedação do


retrocesso, não é permitida a supressão normativa dos direitos já consagrados;

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RESOLVE o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM GOIÁS, nos
termos do art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75/93, RECOMENDAR ao Diretor-

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Geral da Polícia Rodoviária Federal, SILVINEI VASQUES, que:

a) revogue imediatamente a PORTARIA DG/PRF Nº 456, DE 03 DE


MAIO DE 2022, restabelecendo assim o funcionamento e as competências das Comissões de
Direitos Humanos no âmbito da Polícia Rodoviária Federal;
b) restabeleça imediatamente o ensino de Direitos Humanos, como disciplina
autônoma nos cursos de formação e reciclagem de policiais rodoviários federais;
c) determine, como penalidade adicional, que todo servidor da PRF, flagrado
em descumprimento de falta disciplinar, deverá frequentar imediatamente curso de
reciclagem sobre protocolos de atendimento e direitos humanos na instituição, sem prejuízo
das demais sanções disciplinares e penais cabíveis;
d) inclua a disciplina Direitos Humanos em eventual curso de formação que
vier a ocorrer ainda este ano, abordando obrigatoriamente temas que envolvam abordagem
policial a grupos vulneráveis (pessoa transexuais, indígenas, portadores de enfermidades
mentais, população LGBTQIA+, etc), seletividade da abordagem policial na população negra
e periférica, e violência contra a mulher;
d.1) a disciplina de Direitos Humanos deverá ter carga horária mínima
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compatível com as principais matérias do curso;
d.2) entre os docentes que ministrem os cursos de formação,
adaptação, habilitação e especialização de policiais rodoviários, deverá haver representantes
da liderança negra, dos povos de terreiros, da população LGBTQIA+, de combate à violência
contra mulher e estudiosos da disciplina de Direitos Humanos, os quais deverão contribuir
para uma abordagem policial mais humana e atenta à diversidade que permeia a sociedade
brasileira;
d.3) os representantes da sociedade civil que contribuírem para a formação
policial deverão ter destaque, remuneração e carga-horária equivalentes aos docentes que
fizerem parte da atividade policial ou dos quadros da instituição.
e) promova o imediato afastamento dos policiais envolvidos na morte
de Genivaldo de Jesus Santos até a conclusão das apurações no âmbito administrativo e
criminal.

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Na forma do artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/93, fixamos o
prazo de 15 (quinze) dias, a contar do recebimento, para que a Instituição informe as medidas
adotadas para o cumprimento do disposto nesta recomendação ou as razões para o seu não

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acatamento.

Goiânia, data da assinatura eletrônica.

assinado eletronicamente
MARIANE GUIMARÃES DE MELLO OLIVEIRA
PROCURADORA DA REPÚBLICA
PROCURADORA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO EM GOIÁS

assinado eletronicamente
MARCELLO SANTIAGO WOLFF
PROCURADOR DA REPÚBLICA
15º OFÍCIO DE COMBATE À CORRUPÇÃO E CONTROLE EXTERNO DA

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ATIVIDADE POLICIAL (em substituição)

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Assinatura/Certificação do documento PR-GO-00020605/2022 RECOMENDAÇÃO nº 19-2022

Signatário(a): MARCELLO SANTIAGO WOLFF


Data e Hora: 30/05/2022 10:56:13
Assinado com login e senha

Signatário(a): MARIANE GUIMARAES DE MELLO OLIVEIRA


Data e Hora: 30/05/2022 10:51:26
Assinado com certificado digital

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