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6.2 Problematização do SHTM

6.2.1 Reconhecimento do problema

Como já visto na introdução e na formulação da hipótese, a atual configuração do


equipamento escoramento e formagem de lajes, na forma mais convencional,
utilizado na cidade do Rio de Janeiro, propicia posturas e atividades que induzem o
trabalhador a sofrer lesões e acidentes. Como visto no capítulo 2, item 2.1, que trata
de acidentes de trabalho, a maior incidência de acidentes e lesões é nesta área.

O peso do equipamento, aliado ao fato de não se ter praticamente nenhum tipo de


mecanização no processo, projetos mal concebidos, falta de treinamento e a
inexperiência - em virtude da alta rotatividade de mão de obra do meio – (todos
estes itens observados na pesquisa de campo), tornam a tarefa praticamente
artesanal e altamente perigosa.

Os pavimentos tipo – designação para os andares que se repetem até o fim da


edificação, excluindo-se andares subterrâneos, térreo, sobreloja e garagem – são o
objeto da pesquisa. É nestes pavimentos, caracterizados pela repetição do processo
até o fim da edificação, que ocorre a maior parte dos acidentes e lesões. A pressa, já
que se concreta, em condições de tempo ideais, um pavimento por semana,
contribui para acentuar lesões e erros. Pode se prever, assim, quanto frenético é o
ritmo do trabalho para se montar todo o aparado de forma a receber o concreto.

Existem projetos mais avançados, com equipamento feito em material muito leve,
em configuração modular, disponíveis em outros países, inclusive para o Brasil,
como demonstrados no capítulo 2, item 2.5, tecnologia empregada, que são
descartados pela maioria dos empreiteiros pelo alto custo, embora os prazos de obra
se reduzam consideravelmente.
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6.2.2 Delimitação do problema

A tarefa do trabalhador foi observada de forma assistemática, fotografada e filmada.


De acordo com a observação da tarefa, a falta de mecanização, sem máquinas que
auxiliem o translado dos equipamentos, obriga o trabalhador a transportar
manualmente todo o equipamento. Esta tarefa, um círculo vicioso, se inicia quando
o primeiro pavimento tipo é concluído (melhor observado no fluxograma da tarefa,
capitulo 6); daí, boa parte do equipamento utilizado para o escoramento da primeira
laje – inclusive as formas - é desmontado e levado para cima da laje recém
concretada. Como o trajeto é curto, uma parte do equipamento é levado para a laje
subindo-se pela escada e carregando o equipamento manualmente. Uma outra parte,
os equipamentos mais volumosos, é levada pelo elevador de carga. Mas todo resto é
feito manualmente.

A montagem mais crítica é dos componentes que ficam suspensos sobre os


andaimes e escoras – denominados escoramento vertical. É sobre eles que são
montados os equipamentos denominados escoramento horizontal, que são as vigas
metálicas, chamadas pelos trabalhadores de longarinas. Estas vigas são
responsáveis pela sustentação dos painéis de forma horizontais, responsáveis por
servir de molde para a laje do piso seguinte. É justamente a colocação destas vigas
sobre o escoramento vertical uma das maiores fontes de reclamação dos
trabalhadores, como poderá ser visto na análise do questionário a eles aplicado, no
capítulo 6, item 6.3. Sua colocação exige que o trabalhador as suspenda até o topo
dos andaimes e as apóie em cima dos suportes específicos. Esta tarefa exige que o
trabalhador se contorça, expondo a coluna vertebral a torções e sobresforço, e como
visto na entrevista, sujeito a queda destes componentes sobre o corpo, acarretando
inclusive mutilações.

Não é só a montagem que causa perigo: a desmontagem, como pôde ser registrado
em vídeo, expõe o trabalhador a grande perigo; as posturas assumidas para remoção
e desmontagem das formas, proporciona situação de grande risco, já que os painéis
de forma são retirados com auxílio de pé de cabra, como trabalhador precariamente
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equilibrado sobre os andaimes, anteriormente utilizados para o escoramento. Estes


andaimes, já soltos da laje, oscilam perigosamente, enquanto o trabalhador aciona a
alavanca do pé de cabra para a remoção do painel de forma. Neste atividade assume
posturas curvadas da coluna, trabalhando de cócoras sobre uma tábua. Quando
consegue retirar, o peso do painel freqüentemente o obriga, visivelmente, a assumir
posturas torcidas da coluna vertebral

6.2.3 Formulação do problema

Para que se torne claros os problemas específicos da atividade, estes serão agora
aprofundados em termos de explicitação e do detalhamento problemático, como
orienta MORAES et al (1998).

6.2.3.1 Categorização e taxionomia dos problemas ergonômicos do SHTM

a) Problemas informacionais
• Não foi observado em nenhuma das 3 obras visitadas qualquer tipo de
informação instrucional sobre atividades ou uso de equipamento. Apesar da
grande quantidade de analfabetos, a linguagem por meio de pictogramas
também não foi encontrada na área pesquisada, como visto na figura 69.

Figura 69
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• O equipamento observado não continha nenhum tipo de identificação quanto


a tamanho, peso, capacidade e utilização. Este problema pode levar o
trabalhador a confusão como, por exemplo, as vigas metálicas, que possuem
vários comprimentos diferentes para utilizações distintas, assim como as
escoras metálicas que possuem diferentes comprimentos. Não foi utilizada,
também, nenhuma codificação por cor, para diferenciar tamanhos. Na figura
69 também pode ser vista a falta de informação nos equipamentos.

b) Problemas interfaciais

• A tarefa exige constantes posturas agachadas, causando inclinação da


cabeça, postura cifótica da coluna vertebral e pernas dobradas, em função de
diversos dispositivos e componentes de acionamento/fixação estarem
localizados próximos ao solo, como base de forma de pilar, ajuste de porcas
de torres de andaimes e escoras, em meio a grande quantidade de
equipamento em toda a volta, como se vê nas figuras de 70a 78.

Figura 70 Figura 71
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Figura 72 Figura 73

Figura 74 Figura 75

Figura 76 Figura 77

Figura 78
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• Durante a desforma, as posturas assumidas concorrem para tornar a tarefa


ainda mais perigosa, como pode se observado na seqüência da figura 79 a 84,
onde o trabalhador luta para remover uma viga – equipamento taxado como
o mais pesado da obra, pelos trabalhadores – e se põe próximo à fachada do
prédio, sem nenhuma proteção, em caso de queda. As posturas lordóticas,
combinadas com giro da coluna vertebral são observadas durante toda a
tarefa.

Figura 79 Figura 80

Figura 81 Figura 82
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Figura 83 Figura 84

• A desforma dos painéis de forma de laje e viga é tarefa das mais difíceis,
devido a localização das mesmas, sobre a laje. Para retirá-las, a seqüência de
fotos 85 a 89 demonstra claramente a dificuldade. O trabalhador tem de
afrouxar o painel de forma da lateral da viga com o pé de cabra e depois
forçá-lo com a mão para sua saída. Sendo que esta tarefa sendo executada
precariamente sobre uma pequena tábua sobre as travessas do andaime que,
inicialmente, serviu como equipamento de escoramento. A postura cifótica
observada na figura 89 é aliada ao grande peso do painel de forma, que o
trabalhador entrega ao seu companheiro, no solo.

Figura 85 Figura 86
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Figura 87 Figura 88

Figura 89

c) Problemas movimentacionais

• Em virtude da falta de gruas (guindastes) para a elevação e transporte de


material, os trabalhadores têm de fazer esta tarefa manualmente,
carregando por longo trajeto equipamentos e matérias, podendo lesionar a
coluna ou provocar tendinites. As figuras 90 a 92, evidenciam o problema,
sendo que na figura 91 o trabalhador se desequilibrou.

Figura 90 Figura 91
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Figura 92

d) Problemas Acidentários

• A carência projetual nos equipamentos, que não prevêem a sua montagem


como um conjunto único, desfavorecendo a facilidade de montagem e
acesso. Isto obriga o trabalhador a se colocar em situações de eminente
perigo, quando, por exemplo, tem de subir na estrutura do escoramento para
a montagem das vigas ou formas de concreto, podendo se desequilibrar ou se
machucar na grande quantidade de ferragem em sua volta, como pode ser
visto nas figuras 93 a 95

Figura 93 Figura 94 Figura 95


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• A seqüência das fotos 96 a 101 ilustra bem os problemas acidentários: o


trabalhador sobe pelo andaime de escoramento; passa por baixo da viga
metálica; sobe se apoiando no andaime e no painel de forma lateral da viga,
para então chegar ao alto da estrutura onde, finalmente, se coloca
perigosamente sobre as vigas metálicas, ainda soltas, para pregar o painel de
forma de laje.

Figura 96 Figura 97

Figura 98 Figura 99

Figura 100 Figuras 101


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• Em outra seqüência, a falta de ergonomia na projetação de equipamentos


também fica evidente, nas figuras de 102 a 107, quando um trabalhador,
tentando ajustar as escoras de madeira (no formato aqui presente são
denominadas garfos) na periferia do prédio, provoca uma queda de todos os
outros, em um efeito semelhante a um dominó. Após o susto, ele colocou
todos em sua posição. A queda de um destes equipamentos sobre o corpo
pode causar graves lesões e ferimentos superficiais. Observa-se a postura
cifótica do trabalhador, para fixar cunhas na base das escoras. Na figura 106,
outra postura arriscada para fixação do painel de forma da viga.

Figura 102 Figura 103

Figura 104 Figura 105

Figura 106
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e) Problemas físico-ambientais

O trabalhador da construção é exposto a ruído intenso, proveniente de serras


circulares, vibradores para concreto, marretas e o barulho proveniente da montagem
do próprio equipamento de escoramento, em sua maioria, metálico. Observou-se
que a maioria dos trabalhadores não utilizava protetores auriculares, embora a
empresa dispusesse deste item de segurança.

f) Problemas naturais

Exposição do trabalhador condições extremas de temperatura e tempo, submetendo-


o a calor e insolação intensos no verão e, no inverno, as baixas temperaturas e
chuva. Podendo causar ou agravar debilidade de saúde. A figura 107 evidencia a
exposição do trabalhador, quando do início das atividades em uma nova laje.

Figura 107

g) Problemas operacionais

Em dias de concretagem e nos dias que precedem, alguns trabalhadores tem de


trabalhar em regime de horas extras, para que o cronograma não atrase. Alguns
destes trabalhadores chegaram a trabalhar até 8 horas além do período normal até
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que se completasse a concretagem total da laje. Situações como esta podem levar o
trabalhador a errar e se ferir, em virtude do esgotamento físico e alterar seus
reflexos, ainda mais em uma áreas repleta de pontas de madeira, ferro e pregos.

h) Problemas gerenciais

Nas obras visitadas, foi grande o número de reclamações em virtude do baixo


salário. Em uma atividade de risco tão eminente de vida, é plausível que se dê mais
valor à vida humana.

Evidente falta de instrução aos trabalhadores, muitos deles, como observado em


campo, em seu primeiro dia de trabalho, aprendendo o trabalho em plena prática.
Este procedimento, em uma atividade de risco de vida eminente é, pode não só
causar problemas físicos ao trabalhador, quanto atrasar a tarefa, feita de ritmo
frenético.

A falta de cuidado quanto aos procedimentos de trabalho do trabalhador também


ficaram evidentes, quando observados sem os equipamentos de segurança
individual (EPI’s) básicos. Foram verificados, em áreas de ruído intenso,
trabalhadores sem protetores auriculares. Também ficou evidente, em fotos
mostradas nesta problematização, a falta de cinto de segurança, essencial nas
atividades em que o trabalhador fica próximo à empenas dos prédios.

i) Problemas psico-sociais

A tensão causada pelo ritmo frenético da construção em conjunto com o


cronograma de entrega de cada pavimento, podem induzir ao erro e possibilitar
lesões e risco de vida ao trabalhador.
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6.2.4 Disfunções sistêmicas do SHTM

a) Entradas

• Deficiência de matéria prima e atraso na entrega de equipamentos necessários


à execução da tarefa.

b) Saídas / resultados despropositados

• Descumprimento de prazo na execução do escoramento do pavimento;


• Mau acabamento do concreto em virtude de formas mal montadas.

c) Disposição dos elementos

• Desorganização de máquinas e ferramentas necessárias à execução da tarefa


podem levar a atrasos e má qualidade do trabalho.

d) Funcionamento / confiabilidade

• Equipamentos de escoramento mal concebidos podem levar a atrasos no


cronograma.

e) Manutenção / conservação de máquinas

• Cuidado no transporte, montagem e desmontagem dos equipamentos de


escoramento evitam conserto e reposição e, consequentemente, evitam
atrasos no cronograma;
• Descuido e limpeza de máquinas e ferramentas, particularmente serras
circulares, dutos e bombas de concreto.
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f) Entorno

• Entulho e sujeira no ambiente, proveniente de restos de madeira com pregos


das formas para concreto utilizados na montagem e desmontagem, podem
causar danos físicos aos trabalhadores e dificultar a execução da tarefa.

g) Rendimento do trabalho

• Deficiência no desempenho da tarefa, acarretado principalmente por


funcionários novos e sem treinamento acarretam atrasos no cronograma, erro
na tarefa e desperdício de material.

h) Ecológicas

• Despejo de detritos provenientes da montagem e desmontagem de


componentes de madeira e restos de concreto deixados por betoneiras,
podem contaminar terrenos próximos, lençol freático e danificar propriedade
alheia, próxima à construção.

h) Ambiente externo

• Edificação mal concebida pode afetar ambiente em volta, causando má


circulação de ar e deficiência na insolação, necessária à higienização do
ambiente residencial.

6.2.5 Custos humanos do SHTM

a) Posturais

De acordo com as fotos observadas na problematização, ficaram evidentes as


diversas atividades em que o trabalhador permanece agachado, ocasionando
lombalgias pela posição cifótica assumida e dormência seguida de dores nas pernas
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por ficarem dobradas a maior parte do tempo. Estes problemas são causados,
principalmente, em função dos problemas interfaciais. O resultado podem ser lesões
nos discos intravertebrais, sobrecarga da musculatura resultante das posturas
assumidas em função do ângulo do tronco, dos membros superiores e inferiores,
restringindo também a circulação sangüínea.

b) Problemas sensório-fisiológicos

Fadiga causada pelo excesso de ruídos provenientes de pancadas com martelos,


serras circulares, e vibradores de concreto, podem causar cansaço e conseqüente
perda de atenção e reflexos.

Também a exposição ora a luz intensa do sol, sobre a laje, ora a escuridão dos
andares superiores, podem causar fadiga visual e ardência, como relatado por alguns
trabalhadores, em função da dilatação da íris para acomodação com as diferentes
intensidades de luz.

c) Psiconeurofisiológicos

Possibilidade de fadiga nervosa em conseqüência do cronograma a ser cumprido.


Podem ocasionar alterações do sistema digestivo e cardiovascular, em função das
tarefas que requerem máxima atenção.

6.2.6 Parecer ergonômico

De acordo com os resultados da sistematização e problematização do SHTM, foi


possível elaborar este parecer ergonômico.

Os problemas encontrados na problematização do SHTM foram: informacionais


(inexistência de símbolos/informações de alerta), interfaciais (em relação as
posturas assumidas pelos trabalhadores), movimentacionais (carga com peso
excessivo transportada sem auxílio mecanizado), acidentários (má concepção de
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equipamentos / ambiente para a execução da tarefa), físico-ambientais (exposição a


ruídos intensos), naturais (exposição as intempéries), operacionais (excesso de horas
extras em dias de concretagem), gerenciais (salários muito baixos levam à
insatisfação, falta de treinamento aos recém contratados) e Psico-sociais (tensão
causada pelo ritmo frenético da obra).

A análise da tarefa explicita a hipótese, que é a má concepção do equipamento de


edificação, composto pelo equipamento de escoramento e formas para concreto,
que, claramente, impuseram aos trabalhadores a maioria das posturas incorretas que
podem causar lesões e risco de vida.

Paralelo a isto, os problemas físico-ambientais e naturais, contribuem para tornar


ainda mais árdua a tarefa do trabalhador , sendo exposto as condições do tempo.

Os problemas operacionais, aliados aos gerenciais, também contribuem para que o


trabalhador, mal treinado e insatisfeito, excute a tarefa de modo inseguro e
insatisfatório para a tarefa a ser cumprida.

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