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A Ideologia Alemã – Marx e Engels

Carlos Gonçalves da Fonseca

“Vocês receberam sem pagar; portanto, deem sem cobrar”


Mateus 10:8 (...) “Estudei sempre por conta do Estado, ou
melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigação de
retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou” Nelson
Jahr Garcia.

Introdução do autor - Epígrafe: Algumas formas básicas sobre a


Sociologia da leitura1

A ideia de epígrafe, em artigos científicos ou/e didáticos, consiste, em poucas


palavras, apontar de forma sintática para o tema que será debatido. Numa dada
escolha poética do autor do artigo, este tentará direcionar previamente o leitor, de
forma artística, a ideia central do seu artigo; seja este artigo envolto de uma
descoberta ou abarcado pela sua função explicativa de ideias já desenvolvidas.
Partindo daí teríamos, por outros recursos tirados da arte, a publicidade da ideia.
Portanto, em suma, o autor utiliza-se de arte para fins comunicativos na interação
autor-leitor que se dará no momento da leitura do leitor, seja este leito caracterizado
pelo curioso do assunto, estudante ou profissional da área etc.
Diante disso, duas premissas podem ser tiradas sobre a epígrafe: a primeira,
mais oculta aos olhares menos atentos, centra-se numa preparação a certos
caminhos espinhosos que o tal artigo pode tecer, onde a epígrafe, por assim dizer,
funcionaria como o processo de “embelezamento” deste caminho e sobretudo como
a válvula responsável, a princípio, pela leveza inicial dos escritos contidos no artigo; a
segunda, mais visível, de certa maneira, expressaria de forma poética e geral o ponto
principal do seu artigo, onde esta epígrafe, em sua função, serviria como ponte entre
o leitor e o autor, de modo a tonar essa interação mais clara - com a linguagem mais
geral e clara, vinda de outros campos do saber (arte, filosofia, religião etc.), fora da
ciência, o autor mostraria seu postulado, em outras palavras, para que o seu artigo foi
criado.
Nisto, podemos, a partir da análise mais densa sobre este assunto, mostrar
como um elemento, que para muitos não significa nada, pode ser analisado pelas vias

1 Retirado de “Manifesto sobre a retribuição intelectual – a epigrafe: algumas formas

básicas sobre sociologia da leitura” (GONÇALVES, 2016).


sociológicas linguísticas, bem aos moldes do interacionismo simbólico: para formalizar
nossa tese, a epígrafe é onde abre-se as portas para o artigo, ou seja, a epígrafe é
uma forma de comunicação entre o autor e o leitor, sendo caracterizado nesta
interação social, onde, previamente, o autor define a situação da interação, tentando
usar eufemismos artísticos para exemplificar o seu tema. Se isto é verdade, a epígrafe,
por assim dizer, seria um mecanismo para transformar uma interação secundária sem
face, que em si apresenta uma relação de poder do autor para com o leitor, em uma
interação mais afetiva, diminuindo os riscos que um eventual conflito entre o sujeito
que supostamente é tido como o do conhecimento - figurado aqui pelo autor – e o
sujeito que, a princípio, supostamente é o sujeito que busca esta nova informação
para a formação de seu background – seja este o curioso do assunto, o aluno, o perito
sobre este assunto, o profissional etc. – onde este conflito, caso a definição da
situação não for igual nos dois lados, poderia levar ao rompimento desta interação
(GOFFMAN, 2002). Cabe dizer que o foco se centralizará no autor na pessoa do
pesquisador, nos níveis de graduados ou/e pós graduação; e o leitor, na pessoa do
aluno, nos níveis de estudantes de ensino médio e graduandos.
Este rompimento não é em si ruim apenas para um lado da interação. Para o
autor, hipoteticamente, este rompimento pode significar a mal colocação dos seus
conceitos, ou em outras palavras, o fiasco do seu artigo. Consciente ou
inconscientemente - ou pré-consciente - (FREUD, 2011) o autor espera e quer que
suas descobertas ou explicações ganhe ênfase no âmbito acadêmico; caso isto
ocorra, uma nova publicação seria certa. Como sabemos, todos estes materiais são
colocados no currículo do autor; quanto maior for em termos de expressividade, maior
o destaque deste. Esse destaque garantirá, a este, certos privilégios como: a
possibilidade de bolsas para novas pesquisas, maior estabilidade salarial, mais estima
dentro do campo acadêmico etc.
Acima, dissemos sobre o lado do Autor. Cabe ressaltar, agora, o lado ruim da
quebra da interação para o leitor. De modo que para o autor tal rompimento foi devido
a forma precária de sua exposição. No sentido do leitor caso não houver um certo
estigma (GOFFMAN, 1988) prévio da obra, o aluno pode direcionar a si, consciente
ou inconscientemente (FREUD, 2011), a culpa de tal falha – a falha aqui expressa no
não entendimento do artigo. Por achar que não têm os esquemas de disposições
necessários para o entendimento de tal obra, o aluno, como leitor, atribui a si a falha
de tal rompimento na interação. Assim, a leitura pode tornar-se uma grande barreira
ao aluno na sua vida estudantil. Isto poderia explicar, em termos sociológicos, a
dificuldade dos alunos na leitura de artigos e obras de características científicas.
Não querendo me estender e sobretudo não querendo tangenciar o assunto,
cabe salientar estes processos internos e externos do simples ato de colocar ou não
uma epígrafe. É claro que a epígrafe em si não garante absolutamente nada. No
entanto, a função do sociólogo não é necessariamente sobre o conteúdo, ou seja,
sobre a matéria bruta da vida, mas sim sobre as formas (SIMMEL, 2006). Uma das
funções do sociólogo seria compreender os sentidos que os agentes colocam nas
suas ações sociais (WEBER, 1999). A ação social “é uma modalidade específica de
ação, ou se seja, de conduta à qual o próprio agente associa um sentido. É aquela
ação orientada significativamente pelo agente conforme a conduta de outros e que
transcorre em consonância com isso” (COHN, 1997, p. 26-27). Assim, a epígrafe em
si não diz nada; mas o sentido que o Autor do artigo, na pessoa do pesquisador, impõe
ao ato de colocar ou não a epígrafe, é em si social.
Assim como qualquer outro autor, na pessoa do pesquisador em fontes
bibliográfica e nas obras, como a aqui analisada, que é a Ideologia Alemã, eu escolhi
colocar a epígrafe num sentido social. Apesar de ter mostrado os dois sentidos mais
específicos, o meu de certa forma é uma síntese dos dois sentidos, mas que em si
apresenta uma peculiaridade: não aponta necessariamente para o conteúdo da obra,
mas sim para sua forma.
Aqui também encontra-se sentidos valorativos de uma função celestial em
sempre retribuir aquilo que ganhou – isto é, por ter sido levado a ter consciência de si
enquanto classe dominada, a minha missão seria levar, para quem ainda não chegou
neste local, os conhecimentos que levariam a pessoa a ter consciência de si enquanto
classe trabalhadora dominada. Acredito eu que isto seja o grande sonho de todos os
alunos do curso de ciências sociais. Vou mais fundo ainda: isto é um dos impulsores
da entrada de grande parte dos alunos no curso de ciências sociais.
Sem mais delongas, o que eu quis explicitar com esta epígrafe, na verdade
epígrafes, por ser duas, foi esta retribuição. Nada foi de graça, como no versículo
bíblico foi dito. Não sou tão ousado a dar outro significado para as escrituras bíblicas;
mas, olhando a partir do âmbito oferta-demanda, aquilo que está em oferta, isto é, em
disposição, certamente tem um menor valor do que aquilo que se teve de impor um
alto nível de investimento. Tentar escrever sobre qualquer assunto, para mim, é
custoso como foi custoso todos esses anos de vida acadêmica. Nada foi fácil. Acredito
até que este versículo vem a estimular uma dada atitude de retribuição, uma vez que
ninguém encontra-se deslocado de suas relações socioculturais históricas; isto é, o
sujeito está localizado num dado espaço-tempo. Tudo aquilo que demonstrar uma
certa ideia harmônica de biografia, ou elementos de méritos individuais, previamente,
são problemáticas cientificamente falando.
Assim, a pauta central do meu manifesto é esta: não fechar o conhecimento em
fronteiras, mas sim divulga-lo a todos enquanto há tempo. As previsões otimistas
marxistas, infelizmente, não apontam para o cenário real: as relações monetárias
estão invadindo todos os campos, assim como o campo do conhecimento. Portanto,
a nossa missão é dar asas ao conhecimento e, de certa forma, levar a todos, até os
que estão fora da academia, a teorias sobre a realidade.
Levando tudo isso em consideração, creio que esta obra, tirada de fontes não
eventuais – isto é, da internet – não sofrerá, por parte do leitor, nenhum tipo de
preconceito pelas suas origens. Dada estas circunstâncias, espero que a leitura ocorra
de maneira clara e objetiva, embora esta introdução tenha sido, a meu ver, um pouco
abstrata. Sobre o escrito, que este cumpra sua dupla função: de levá-los ao maior
entendimento, de forma clara e que realimente o ciclo desta produção, visando
sempre a clareza dos argumentos e ideias.

Referências

BOURDIEU, P. A Distinção - crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp,


2007.
FREUD, S. O Eu e o Id. In: FREUD, S. Obras completas. 1. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, v. 16, 2011. p. 376.
GOFFMAN, E. A representação do Eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes,
2002.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. [S.l.]: Rocket Rdition, 1999.
SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia. Rio de Janeiro: : Zahar,
2006.
BOUEDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. Disponível em:
http://arpa.ucv.cl/articulos/ailusaobiografica.pdf 2008.
GOFFMAN, Erving. Estigma – notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. 4. ed. Brasil: 2004.
Ideologia Alemã – Prefácio

O mundo material é criado a partir dos moldes de uma ideia ou a ideia é


formada pelo mundo externo?
Até o momento, mostrava-se uma intensa luta entre os filósofos materialistas e
os idealistas. Desde o início da filosofia clássica pós socrática, este embate já era
pertinente: aqui, inclinado mais para o esquema platônico, o mundo sensível é aquele
enganador, uma vez que aqui, pelos sentidos nos enganarem, não conseguiríamos
contemplar a realidade imutável das coisas. Para tal, dever-se-ia partir ao mundo
inteligível ou das ideias para chegar a verdade imutável das coisas. Na construção da
sua República, Platão advoga a necessidade da polis ser governada pelo rei filósofo,
onde o ethos, ou seja, o mundo configurando a partir do homem, seria construído aos
moldes da ideia perfeita de ‘bem” e de “justiça”. Aqui, notamos que a ideal determina
o externo, visto que o externo é percebido pelos nossos sentidos e estes sentidos nos
afasta da verdade imutável, da essência real das coisas, só vista no mundo das ideias.
Marx e Engels criticaram esta noção de essência adquirida por uma ideia. Pelo
seu contexto, seus embates concentraram-se menos aos filósofos clássicos e mais
aos filósofos de sua época, sobretudo os jovens hegelianos. Apesar disso, Marx e
Engels são diretos ao afirmarem que estes filósofos, situados na Alemanha “apenas
repetem numa linguagem filosófica as representações dos burgueses alemães”
(MARX e ENGELS, 1999, p. 6). Para não colocar a carruagem na frente dos bois,
vamos destrinchar isto passo-a-passo.
Ao iniciar o texto, Marx e Engels expõe uma ideia tirada diretamente de Ludwig
Feuerbach, mostrando que até o momento, os homens formaram ideias falsas sobre
si mesmos e sobre aquilo que deveriam ser, organizando suas relações a partir de
representações divinas, onde estas representações divinas, que são criações,
produtos cerebrais humanos, acabam por dominar o seu próprio criador (MARX e
ENGELS, 1999, p. 5). Logo após isto, Marx e Engels fazem um manifesto contido em
uma frase: “libertamo-los portanto das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres
imaginários cujo o jugo os faz degenerar” (MARX e ENGELS, 1999). Tal fato, podemos
chamar de alienação. Sobre isto, para fins de resolver este problema, dizem alguns
para ensinar os homens a substituir essas ilusões por pensamentos que
correspondam com a essência das coisas e do homem; outros dizem para ter, sobre
elas, uma atitude crítica (MARX e ENGELS, 1999, p. 5). Marx e Engels dão um outro
exemplo, mas que acredito não ser necessário citá-lo aqui.
Marx e Engels mostram que esses “sonhos” forma o núcleo da filosofia “atual”
dos jovens hegelianos. Para tal efeito, como já se foi dito acima, a obra de Marx e
Engels seria para desmascarar estas filosofias que apenas repetem, em sua
linguagem, representações dos burgueses.

Feuerbach – oposição entre a concepção materialista e idealista:


introdução

Como a luta travada nesta obra é sobre os filósofos do seu contexto histórico,
sobretudo os jovens hegelianos, Marx e Engels mostram que, a partir da imaginação
destes jovens hegelianos, “a relação entre os homens, todos os seus atos e seus
gostos, suas cadeias e seus limites são produtos da consciência” (MARX e ENGELS,
1999, p. 9). Aqui, como postulado moral, estes propõem a substituição da consciência
atual por uma consciência humana crítica (MARX e ENGELS, 1999, p. 9) . Fazer isto,
ou seja, esta substituição significa interpretar os fatos e fenômenos da vida cotidiana
de uma forma diferente: isto que significa tomar consciência para os jovens
hegelianos. O grande equívoco dos jovens hegelianos foi a não ligação da sua filosofia
com o mundo real, isto é, a percepção que as condições matérias determinam a
consciência e não o contrário.
Deixando de lado os jovens hegelianos para se entrar na teoria marxista, Marx
e Engels entram primeiramente num discurso filosófico pós-Descarte, utilizando do
postulado metodológico cartesiano, a dúvida metodológica: colocar tudo a prova do
questionamento. O próprio Descarte utilizou isso ao perguntar-se sobre sua própria
existência. Ao se perguntar se ele próprio existia, a sua constatação foi o pensamento
como forma real da sua existência. Se ele pensava era porque existia. Daí viria o
clássico “Penso, logo existo!”. Seguindo o mesmo caminho para depois trilhar a sua
própria metodologia, Marx e Engels postularam que a primeira condição de toda
história humana é evidentemente a existência de seres humanos vivos (MARX e
ENGELS, 1999, p. 11).
Para provar este primeiro postulado, Marx e Engels, logo em seguida, mostram
o primeiro estado real é então constituído pela complexidade corporal e as suas
relações com a natureza (MARX e ENGELS, 1999, p. 11). Desta maneira, o primeiro
estado é o aparato físico deste, bem como as “condições naturais, geológicas,
orográficas, hidrográficas, climáticas e outras” (MARX e ENGELS, 1999, p. 11).
Embora não aprofundem muito até mesmo pelo fator objeto de análise, Marx e Engels
descrevem acerca da “physis”, que comprovaria seu postulado primeiro, da existência
evidente de seres humanos vivos.
Partindo daí, o que o distingue diretamente os seres humanos dos animais é a
produção dos seus meios de vidas, ou nas mesmas palavras mas de forma
simplificada, seus meios de produção, seus meios de existência, em síntese, o
trabalho. De forma antropológica/filosófica, o trabalho teria sido o fator constituinte da
saída do ser humano do estado de natureza para a entrada no estado de cultura. Por
conseguinte, temos os seguintes postulados: primeiro da existência dos seres
humanos, comprovado pela sua materialidade morfofisiológica e suas relações com a
natureza para satisfação das necessidades primárias naturais; segundo, por sua vez,
é que, mesmo dotado de materialidade física, o ser humano conseguiu se diferir dos
animas, criando aquilo que Aristóteles chamava de “segunda natureza” – Marx e
Engels não usam esta categoria - , isto é, a partir do trabalho, o ser humano criou o
que chamamos de cultura, se isto for aprovado por vocês, leitores.
Para mim, aqui fica marcado a genialidade de Marx e Engels nesta obra. Por
fins metodológicos, eles partem da filosofia para elabora o postulado principal para
todas as coisas: a concordância sobre a existência humana. Para tal, mostrou-se a
materialidade corpórea do ser humano, bem como sua relação com o mundo natural
no sentido fisiológico. Diante disto, o que marca a genialidade, a meu ver, é a noção
de trabalho como fundante do lado sociocultural humano. Daqui, Marx e Engels
partem duma empreitada social, mostrando que sua teorização não está apenas no
campo da filosofia ou da economia política, mas sobretudo no âmbito Sociológico.
Ao transformar o seu meio externo pelo trabalho, o homem transforma a si.
Estes meios de existência, em primeiro momento, são retirados na natureza. Aqui,
para clarear a ideia de Marx e Engels, o Professor Sérgio Lessa, na sua palestra
“Trabalho (fundante) e Trabalho (produtivo e improdutivo) 2” mostra esta relação

2 Nesta palestra, o Prof. Sérgio Lessa discute e esclarece os “dois” trabalhos da teoria de Marx,

onde os dois se distinguem, ou seja, não são os mesmos. O primeiro é categorizado a partir da
fundação do estado de sociocultural do ser humano; o segundo, por sua vez, representa o trabalho
teorizado na economia política, que representaria o trabalho na sociedade capitalista. Neste viés,
olhando para o trabalho fundante, não nenhuma essência filosofal que fixa ou naturalmente prenderiam
os seres humanos em posições ou relações na sociedade. Uma vez que essas posições e relações
foram criadas a partir da produção dos meios de existência e estes meios de existência condicionam
as relações, os seres humanos poderiam ultrapassar esta “fase”, que não é dada na ordem natural das
coisas, mas sim criação humana. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=T2wPphIdeaI.
dialética entre o mundo exterior e o ser humano. Ao expressar sua vida a partir do
trabalho (MARX e ENGELS, 1999, p. 12), o ser humano conheceria e descobriria as
leis do mundo físico, uma vez que por este o ser humano tira os seus meios de
existência. Assim, ao entender o funcionamento do mundo, o ser humano ajustaria
sua ação a partir do seu entendimento das leis da natureza. Assim, ao mudar a
natureza, o ser humano estaria mudando-se por este ajuste da ação a partir do
funcionamento do mundo externo, pelo trabalho – daqui sairia esta noção de dialética
por via do trabalho. “A forma que o indivíduo manifesta sua vida reflete exatamente
no que são, que coincide portanto com a sua forma de produção (...) Aquilo que são
depende portanto das condições materiais da sua produção” (MARX e ENGELS,
1999, p. 12).
Esta produção, por assim dizer, mostrando mais uma vez a veia sociológica,
agora por via da demografia, só apareceria com o aumento populacional e
pressupunha a relação entre estes indivíduos, segundo Marx e Engels. E estas
“relações dos indivíduos são condicionadas pela produção” (MARX e ENGELS, 1999,
p. 12), visto que a o próprio trabalho a criou, ou melhor, os seres humanos, no
trabalho, criaram estas relações. Portanto, estas serão e são condicionadas pela
produção.
Na economia política, sobretudo de Adam Smith, a divisão do trabalho seria o
grande responsável pelas riquezas das nações. Marx e Engels pegam isto para
desenvolvimento posterior da sua obra. Seguindo este princípio, o grau de
desenvolvimento interno das forças produtivas de uma nação consiste
necessariamente com a divisão do trabalho. A divisão do trabalho numa nação obriga
a divisão entre trabalho industrial, comercial e trabalho agrícola, separando assim,
cada vez mais, o espaço urbano do espaço rural, a cidade do campo. No seu
desenvolvimento posterior, separa-se trabalho comercial de trabalho industrial (MARX
e ENGELS, 1999, p. 13). Dessa divisão do trabalho, nascem subdivisões entres os
indivíduos, pelo fato do trabalho ser coordenado. Aqui se dá a origem daquilo que
conhecemos como estratos sociais: classes, ordens, castas etc. A posição hierárquica
dessas subdivisões relativas a outras é determinada pelo modo de exploração do
trabalho agrícola, comercial e industrial (MARX e ENGELS, 1999, p. 13).
O desenvolvimento dos estágios de divisão do trabalho representa aquilo que
chamamos de ordem ou sistema econômico, que Marx e Engels sintetizará a partir da
noção de propriedade. Dado o desenvolvimento pleno da divisão do trabalho, originar-
se-ia, daí, novos arranjos das relações de produção e, evidentemente, também aquilo
que a economia política define como excedente, ou renda – aqui é onde, na relação
social, se definiria para aonde (ou para quem) seria destinado este excedente. Cada
“novo estádio na divisão do trabalho determina igualmente as relações entre os
indivíduos no que toca à matéria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho” (MARX
e ENGELS, 1999, p. 14)
A primeira forma de propriedade é a propriedade da tribo, onde a divisão do
trabalho ainda era muito rudimentar, ligado a aspectos naturais (MARX e ENGELS,
1999, p. 14). Nesta, a divisão do trabalho é pouco desenvolvida e se limita a “constituir
uma extensão da divisão do trabalho natural que existia na família” (MARX e ENGELS,
1999, p. 14). A estrutura social é ela própria a estrutura familiar: no topo, tínhamos o
chefe da tribo patriarcal, seguido pelos membros da tribo, chegando, por fim, nos
escravos. A escravatura latente desenvolve-se ao passar do tempo, com o
crescimento populacional.
Dada as circunstâncias anteriores, a segunda forma de propriedade é a
comunitária ou estatal, que provém da união entre várias tribos, em comunidades
comunitárias, numa única cidade, onde a escravatura é a sua forma de produção,
onde se dá início a propriedade privada, sendo está dependente, anormalmente, da
propriedade comunitária (MARX e ENGELS, 1999, p. 15). Aqui nesta propriedade
comunitária, desenvolve-se a propriedade mobiliária e posteriormente a imobiliária,
sendo estas subordinadas a propriedade comunitária. Embora isso seja confuso, onde
propriedade privada e propriedade coletiva se juntam, fica claro com esta citação: “os
cidadãos só em coletivamente exercem seu poder sobre os escravos que trabalhavam
para eles, o que os liga à comunidade comunitária” (MARX e ENGELS, 1999, p. 15).
A terceira forma é a sociedade feudal3. “A população existente, espalhada por
uma enorme superfície (...) condicionou esta mudança de ponto de partida” (MARX e
ENGELS, 1999, p. 16). O desenvolvimento feudal, ao contrário da Grécia e da Roma,
se deu numa extensão territorial muito maior que estas. Marx e Engels, a partir de
aspectos historiográficos, tecem aquilo que seria os processos para a origem da
propriedade feudal. O declínio do império romano e as conquistas dos bárbaros
destruíram uma grande quantidade de forças produtivas. Por consequência, a

3 No mais, para maior aprofundamento das condições materiais no feudalismo, da página 16 a

19, desta obra, Marx e Engels darão especificidades do sistema feudal, ou melhor, da propriedade
feudal.
agricultura definhava, a indústria entrava em decadência por falta de mercados, o
comércio é “interrompido” pela violência (MARX e ENGELS, 1999, p. 17). Com isso,
a população urbana e rural diminuiu. Estes fatores foram os decisivos para origem da
propriedade feudal, segundo Marx e Engels. Aqui não são os escravos, mas sim os
servos da gleba que constituem a classe diretamente produtora.
Diante de tudo isso sobre condições materiais, trabalho, produção e afins,
vimos que são sempre “indivíduos determinados com uma atividade produtiva que se
desenrola de um determinado modo, que entram em relações sociais e políticas”
(MARX e ENGELS, 1999, p. 19). Marx e Engels vão além advogando para a pesquisa
empírica nos mostrar o elo que liga a produção às estruturas sociais e estruturas
políticas.
A produção de ideias, representações e da consciência está diretamente ligada
a atividade material do homem, isto é, seus meios de produção, atividade material e
comercio material: é a linguagem da vida real (MARX e ENGELS, 1999, p. 20). Numa
melhor concepção, onde a consciência seria um produto social:

São os homens os produtores das suas representações, das suas ideias, etc.; mas
os homens reais agentes, tais como são condicionados por um desenvolvimento
determinado das suas forças produtivas e das relações que lhes correspondem (...)
A consciência nunca pode ser coisa diversa do ser consciente e o ser dos homens
é o seu processo de vida real (MARX e ENGELS, 1999, p. 20).

E na ideologia que “os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal
como acontece numa câmara escura (...) do mesmo modo que a imagem invertida
dos objetos que se formam na retina é uma consequência do seu processo de vida
diretamente físico” (MARX e ENGELS, 1999, p. 21). Assim, conseguimos definir
ideologia como a realidade invertida, ou seja, aquilo que aparenta ser.
Lembramos da pergunta inicial. Para dar esta resposta, utilizaremos esta
citação:

Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as


formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a
aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes
os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações
materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e
os produtos desse pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas
sim a vida que determina a consciência. (MARX e ENGELS, 1999, p. 21-
22 Grifo meu).

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