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DA INTRANSITIVIDADE DO ENSINO DE LITERATURA

Article  in  Matraga - Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ · June 2017


DOI: 10.12957/matraga.2017.29035

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Fabio Akcelrud Durão


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DOI: http:/dx.doi.org/10.12957/matraga.2017.29035

DA INTRANSITIVIDADE DO ENSINO DE LITERATURA

Fabio Akcelrud Durão


(UNICAMP/CNPq)

RESUMO
O artigo propõe uma prática docente a partir uma concepção es-
pecífica do que seria a literatura. Os pressupostos são o de que a
literatura não é um discurso, que o literário não precisa necessaria-
mente estar envolto em uma lógica de prestígio, que ele não está
ligado ao Bem, e que só surge a posteriori.  Disso tudo emerge uma
noção do espaço da sala de aula como elaboração de ideias, e não
transmissão de conteúdos.
 PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Ensino. Transmissão.
 
 
I. Considerações sobre o objeto e sua transmissão1
Qualquer prática de ensino de literatura acontece sob o pano de
fundo daquilo que se concebe que seja seu objeto. Isso não significa que
o literário deva ser definido a priori para que possa ser estudado, pois
quase sempre a definição, ao basear-se somente no conteúdo proposicio-
nal, mostra-se inferior ao exibir; mas também não quer dizer que não
haja hiatos ou possíveis tensões entre a compreensão implícita do que é a
literatura e o que se faz com os textos na sala de aula2. Se tal compreensão
funciona como uma espécie de ideia reguladora que abre o horizonte do
dizível, ela não precisa ser estanque, uma vez que frequentemente sofre
mutações com a prática pedagógica, nem deve ser asfixiante, relegando os
textos à função de exemplo. Seja como for, por mais problemática e pro-
visória que se mostre a conexão entre imagem teórica e atividade docente,
a relação é ainda assim suficientemente estruturante para ser operacional.
Mesmo nos casos mais extremos, como no ecletismo desmesurado, na

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total falta de rigor, sempre será possível identificar uma noção subjacente,
neste caso gelatinosa, sem contornos definidos, a da literatura como uma
espécie de vale-tudo.3 Já aqui há duas consequências preliminares a ser
apontadas. Em primeiro lugar, obviamente, diferentes posições em relação
ao literário implicarão atuações didáticas dissimilares; excetuando-se os
anacronismos, aqueles professores que pararam no tempo (ou que nunca
entraram nele), o ensino reflete, de um modo ou de outro, o debate mais
amplo da teoria literária, especialmente em relação a concepções de base
incompatíveis entre si. Deixar tais divergências evidentes para os alunos
é importante para que sejam capazes de inserir-se nessa disputa de modo
consciente, a partir de seu próprio julgamento, e não em decorrência da
cooptação por parte de um docente mais engajado ou sedutor.4 Em se-
gundo lugar, sob este prisma não faz sentido algum falar de “técnicas
de ensino” da literatura. Os procedimentos didáticos não existem em um
vácuo, não são ferramentas neutras, mas estão necessariamente atrelados
à representação teórica que a atuação em sala de aula tanto exemplifica
quanto tensiona. Isso é importante, pois entre outras coisas marca a sepa-
ração entre a área de Letras e a da Educação: esta última, na ausência de
um conhecimento das linhas de força que compõem o campo no presente,
não tem o que dizer sobre o ensino de literatura.
Gostaria de discutir neste capítulo [artigo] algumas noções básicas
que delineiam meu entendimento do que é a literatura, que representam
resultado de uma atuação de vinte anos no magistério superior, bem como
apontar para as implicações que trazem para o ensino. A intenção não é
apresentar uma visão abrangente nem pormenorizada, mas tão-somente
desenvolver alguns pontos centrais que possam ser úteis para a discussão
daquilo que ocorre nos estudos literários em sala de aula, primordialmen-
te no ensino superior. A primeira ideia é a de que a literatura não é um
discurso. Não há qualquer espécie de atributo ou característica, qualida-
de, traço, aspecto ou recurso composicional que possa garantir por si só
que determinado texto mereça ser chamado de obra.5 Geralmente, quando
a referência é feita a um “discurso literário”, o que se tem em mente é 1.
um uso formal ou erudito da língua, 2. a presença da ficcionalidade, 3. um
cânone de obras dadas, cujo princípio ordenador não está em jogo, 4. um
recurso publicitário. A conceituação que gostaria de defender do literário
é outra; ele seria a decorrência da fatura exitosa do artefato, de sua arti-
culação interna: prova material de que existe como um objeto que se sus-
tenta, algo que não é derivado, que não repete simplesmente os achados

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e conquistas de escritores anteriores. Sem dúvida, essa obrigatoriedade


de ineditismo e unicidade é historicamente determinada, tendo sido pri-
meiramente postulada no romantismo e levada ao limite no modernismo.
Ela vai na contramão de tendências do presente, pois considera posições
enunciativas e determinações identitárias como subordinadas à objetivi-
dade do artefato; além disso, entra em choque com a lógica da indústria da
cultura, da baixa ou da alta, no jornal vagabundo ou na academia, que tem
na aceitação do público seu princípio norteador.6 O primado da consis-
tência interna é recorrentemente criticado por seu suposto elitismo, mas
aqui o que está em jogo não é uma questão de escolha dos objetos (ênfase
típica da sociedade de consumo), mas de sua produtividade. Um texto
baseado em fórmulas gastas não permitirá que se diga algo relevante so-
bre ele sem que se deturpe ou a crítica ou o artefato7. Há inúmeros livros,
normalmente tidos como “literários”, que não merecem o nome. Obras
malsucedidas, não são senão documentos de seu fracasso; a exceção a
isso se dá quando uma causa determinada é encontrada que oferece uma
razão de ser à insuficiência. Se tal causa for cognitivamente produtiva,
se trouxer algo de revelador, o texto será uma obra apesar de si mesmo.8
Essa ênfase na consistência interna, na articulação formal, obriga
que o leitor faça julgamentos de valor, e que se autorize a descartar aquilo
que não lhe parece apropriado. É curioso notar que a distinção qualitati-
va, outrora o pressuposto mais fundante da crítica, tornou-se hoje alvo
de suspeita, como se cada juízo baseado na oposição do bom versus o
ruim ocultasse em si algum interesse espúrio. Não há espaço aqui para
discutir a crise da autonomia estética; deverá ser suficiente apontar para
a relação entre o enfraquecimento do discernimento valorativo e o apro-
fundamento da lógica mercantil no âmbito da cultura, que rima com a
ideologia da multiplicidade hoje hegemônica.9 Que os críticos crescen-
temente assemelhem-se a publicitários das editoras e jornais, que deter-
minadas ideias imponham-se com a força inexorável da moda, é algo que
pode ser trazido negativamente para o ensino da literatura, por meio de
uma máxima de duas pontas: não é preciso elogiar, e a imperfeição não
é demérito. O confronto com o objeto prescinde de deslumbramento, e
falhas, que são diferentes do insucesso mencionado acima, muitas vezes
contribuem para a produtividade do texto. A reverência pela literatura não
apenas ajuda o comércio das letras, como também dificulta a penetração
na singularidade da obra. Na sala de aula, essa perspectiva traduz-se em
uma postura investigativa que se recusa a conceber o leitor como inferior

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ao objeto. Em lugar da idolatria, que projeta uma imagem da literatura


como de algo intocável, uma sublimidade etérea, é melhor trabalhar com
outra representação e pensá-la como um brinquedo, ou como feita de algo
que se pode tocar, lambuzando-se, como argila ou lama.
De tudo isso derivam dois aspectos da literatura que se chocam
contra o senso comum. Em primeiro lugar, ela não possui ligação alguma
com o mundo moral. A literatura não humaniza o homem; por mais que se
diga o contrário, ela não faz de você uma pessoa melhor. Levar Machado
de Assis para a favela não ajuda ninguém, nem os favelados, nem o Ma-
chado de Assis. O magistério não é um sacerdócio, nem a escola um local
inerentemente benigno.10 Ensinar não é uma missão, não é um gesto de
generosidade e amor ao próximo: é uma profissão como qualquer outra,
e como qualquer outra deveria ter uma remuneração compatível com o
tempo necessário para a formação da mão de obra.11 No máximo seria
possível dizer que a literatura alarga horizontes mentais e fortalece a in-
teligência, que pode ser usada para qualquer fim, inclusive, naturalmente,
os mais maléficos. A conexão entre literatura e poder já foi suficiente-
mente mapeada na história para dissipar qualquer dúvida a esse respeito;
o conceito de Bourdieu de capital cultural é somente uma manifestação
tardia disso, que amiúde leva para o erro oposto, o de reduzir a literatura
a um puro jogo de interesses, como se não existisse objetividade alguma
nos artefatos. Se a indiferença em relação ao Bem dificulta que a literatura
seja justificada institucional e socialmente, o segundo aspecto aprofunda
mais ainda sua crise de legitimação, pois, como tal, ela não possui utili-
dade alguma (Durão 2008b). Qualquer saber que se busque em uma obra
específica pode ser mais proficuamente obtido em uma disciplina parti-
cular. Não é através do estudo de personagens ficcionais que se conhece a
psique humana, mas por meio da psicologia e da psicanálise, assim como
não é proveitoso buscar nas obras inspirações históricas, sociais ou an-
tropológicas – ou, melhor dizendo, textos literários podem ser usados por
outras disciplinas, deixando assim de sê-los. Há porém uma utilidade na
inutilidade: ela funciona como crítica a uma realidade que não consegue
conceber que as coisas possam existir por si sós, na qual tudo tem que ser-
vir para alguma coisa (leia-se: tudo tem que gerar lucro). Isso não signi-
fica que literatura e conhecimento sejam antitéticos, mas que este último
deve ser obtido por meio da mediação daquilo que torna o artefato lite-
rário um objeto, como já mencionado, sua consistência interna. Quando
esta é salvaguardada, abre-se um mundo de possibilidades de diálogo com

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as outras áreas do conhecimento, incluindo a sua crítica. Não é à toa que


a literatura esteve no centro do surgimento da Teoria (Durão, 2011), que
tenha desempenhado um papel central em diversos debates transdiscipli-
nares, como os da globalização e da pós-modernidade, e que ferramentas
de leitura da teoria literária migrem para outras disciplinas. Em resumo,
a inserção da literatura na moderna divisão dos saberes é produtivamente
paradoxal, pois de um lado a respeita, pois se quer um âmbito autônomo,
regido por leis próprias a ser respeitadas, por outra a questiona, mostrando
como essa fragmentação cobra um preço à experiência.
A segunda ideia básica deriva do que já foi exposto. Dificilmente
a consistência necessária a um texto bem sucedido é algo que seja per-
ceptível imediatamente; ao invés, ela deve ser extraída por meio da inter-
pretação: o literário ocorre a posteriori12. E como a interpretação dá-se
em um momento específico, não é possível falar da “grande literatura”
como algo ontologicamente existente, uma essência pairando acima do
tempo. A literatura só merece esse nome enquanto for capaz de suscitar
questões relevantes para o nosso presente; se isso não ocorre, ela torna-se
documento histórico ou testemunho social, objeto de outra disciplina ou
curiosidade anedótica. Autor algum está imune aos efeitos do tempo. Em
muitos casos, as décadas desvelam camadas de sentido totalmente ocul-
tas para os contemporâneos, que hoje nos parecem como absolutamente
constitutivas.13 O estilo de Madame Bovary, por exemplo, só pode surgir
como elemento de composição uma vez que o adultério tenha deixado
de mobilizar paixões; enquanto ele for capaz de geral ultraje, o impacto
moral apagará a precisão da escrita. Em outros, no entanto, ocorrem mo-
dificações que dificultam o acesso à obra, podendo torná-la inapreensível.
Um exemplo atual e dramático é a força destruidora da reprodução. O
“Pour Elise”, de Beethoven, tornou-se hoje inaudível com os caminhões
de gás e no standby dos telefones, pois quando ouvimos a peça original
interpretada é difícil não vir à mente as reproduções ouvidas ad nausem.
Isso vale também para a questão da adaptação. Não é de modo algum uma
pergunta retórica indagar se Shakespeare, diante de todas as apropriações
(que incluem a Mônica e o Cebolinha), ainda seria capaz de gerar uma
experiência estética...14 De um modo ou de outro, é importante trazer para
a sala de aula esse sentido de atualidade necessária de uma literatura que
está viva, não uma sucessão de monumentos inertes.
A implicação fundamental para a prática pedagógica que decorre
dessa concepção da literatura como objeto propício para a formulação de

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hipóteses (Durão, 2015b) é a de que o ensino não acontece por meio da


transmissão de um conhecimento estanque. Todas aquelas informações
que normalmente são trazidas à baila – desde as datas de nascimento e
morte do autor, sua biografia, o contexto social, as influências, as caracte-
rísticas do estilo de época ao qual pertence etc. – tudo isso só tem validade
quando subordinado a uma hipótese interpretativa. É ela que ajudará para
a constituição do objeto como tal. E note-se: ela não é algo reservado à
pós-graduação, mas deveria acompanhar o ensino da literatura desde o
começo. Cabe ao professor diferenciar os tipos de hipótese de leitura se-
gundo o nível do aluno. Questões como a abrangência e profundidade da
bibliografia, a solidez e complexidade dos conceitos utilizados, a familia-
ridade com o campo no qual o trabalho se insere, o rigor da concatenação
de ideias e a exposição do argumento – tudo isso pode variar bastante da
iniciação científica (mesmo do ensino secundário) ao doutorado, sem que
a postura investigativa altere-se.
Em oposição a um cisma bastante difundido hoje em dia, e já in-
dicado acima, não há lugar nesta abordagem para a “posição” de fala do
leitor; o aspecto subjetivo da interpretação não é algo que se acrescen-
te de fora, mas atua na construção da artefactualidade do objeto. Nessa
mediação mútua entre sujeito e coisa o detalhe desempenha um papel
importante. De novo, é impossível discutir apropriadamente, no espaço
deste texto, a questão da leitura cerrada, do close reading, nos estudos
literários atuais. Essa prática, que já foi associada à interpretação tout
court, encontra-se no presente sob ataque. Há dois argumentos básicos
que podem ser lembrados aqui. Em primeiro lugar, chama-se a atenção
para sua artificialidade, pois a leitura cerrada é típica da sala de aula e
não encontra paralelo em esfera social alguma. Seria até mesmo possível
dizer que está tão intimamente ligada à institucionalização dos estudos
literários, que sua função maior seria fornecer uma técnica que mostrasse
a profissionalização do crítico/professor legitimando-lhe o emprego e o
salário. O segundo argumento vai na direção contrária ao defender que o
close reading é nocivo para o métier do crítico e do professor por se ade-
quar a um número restrito de textos. Como ele pressupõe uma densidade
do objeto, que por sua vez faz visível e verificável, não se aplica muito
bem à medianidade, à imensa maioria daquilo que foi e é publicado. O
horizonte das obras passíveis de ser lidas cerradamente seria portanto des-
proporcionalmente pequeno diante do gigantesco aparato de ensino da
literatura, que envolve a formação de milhares de alunos ano após ano.

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Analisando com calma esses dois argumentos é possível perceber


que não atingem o âmago do close reading como prática. Que só seja
possível na universidade não deveria ser um argumento contra ela; pelo
contrário, faz perceber o quanto a academia é um espaço especial e como
pode ser um polo de resistência à desleitura decorrente de mensagens
cada vez mais rápidas, que geram um processo de decodificação cada vez
mais próximo de uma reação neurológica, um reflexo pavloviano. Por
outro lado, condenar a leitura cerrada por não estar adaptada ao modus
operandi da universidade contemporânea significa curvar-se ao imperati-
vo de que seja produtivista e competitiva. A desproporção entre número
de grandes obras e atividade de ensino e pesquisa tem como base a neces-
sidade de se gerar rápida e continuamente conhecimento novo. Se essas
obras pudessem habitar a sua própria temporalidade, se não precisassem
fornecer tantas respostas, poderiam existir sem problema em uma acade-
mia mais lenta.
O caráter constitutivo e intrinsecamente argumentativo da hipótese
de leitura somado à ênfase no detalhe e na minúcia transformam a sala de
aula em um ambiente de elaboração. Como sob esta perspectiva sujeito
e objeto necessariamente misturam-se, mesmo que as ideias expostas não
sejam novas, deve transparecer o aspecto de descoberta na transmissão do
conhecimento. Dito de outro modo, aquilo que se ensina é antes de mais
nada uma relação com o objeto, uma maneira estruturada e rigorosa de
apropriar-se dele. Sem dúvida, o processo de elaboração deve estar aber-
to à participação dos alunos; no entanto, desconfio de uma abordagem to-
talmente democrática, que conceba a construção do saber em sala de aula
como uma atividade equânime, na qual todos possuem o mesmo grau de
participação. Em um mundo ideal isso talvez fosse realizável; no nosso, o
factível é que o aluno siga os passos do raciocínio do docente e mimetica-
mente aprenda como construir uma leitura. O pensar alto envolve um tipo
sui generis de intersubjetividade; o olhar atento dos discentes, embora
silencioso, é uma marca de presença e estimula o professor a ir adiante.
É por isso que muitos recursos didáticos tecnológicos não se ade-
quam bem à aula de literatura. Para ser mais específico, seria possível
postular a máxima “quanto melhor o powerpoint, pior a aula.” Ela é
importante, não apenas por chamar a atenção para algo que a tecnofilia
facilmente deixaria passar desapercebido, mas pelo quanto revela, nega-
tivamente, a respeito da dinâmica de fala desse estranho gênero. O que o
powerpoint dificulta é o elemento de elaboração presente na aula, men-

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cionado acima, o fato de que, semelhantemente à escrita e com alguma


proximidade à psicanálise, ela acolhe o imprevisível, aquilo que só depois
de falar você passa a saber que sabia, e que surge com a presença dos
alunos, a partir de perguntas ou do mero olhar atento. No powerpoint, o
caminho já está todo traçado, enquanto a graça da aula é não ter certeza
exatamente onde se vai chegar. Ao invés da possibilidade de algo novo,
o powerpoint incentiva a repetição do conteúdo de antemão estabelecido.
Quem fala agora é na realidade a máquina, que o professor tão-somente
reitera; até mesmo na disposição espacial, isso fica claro: não mais o do-
cente em movimento, pensando, associando ideias e vagando na sala, mas
o clicador ao lado da tela, que já não pode ser obstruída: um palco com
a máquina ao centro, quase um objeto de adoração. Com um pouco de
imaginação é possível inserir o powerpoint em uma história da pré-de-
terminação dos conteúdos, cujo estágio seguinte seria a perda de controle
sobre o fluxo das informações, uma série de imagens com velocidade pré-
-ordenada, que o professor deve seguir.
O processo de elaboração põe em cena uma dinâmica do dese-
jo que lhe é específica. Como o saber não está situado em uma esfera
exterior, mas ocorre em ato (de novo, mesmo que não aparecem ideias
novas, o procedimento de descoberta permanece) a relação intersub-
jetiva subordina-se àquela com o objeto. Com os anos cheguei a uma
fórmula que me agrada por sua clareza. No primeiro dia de aula costumo
dizer aos alunos: “não tenho desejo algum pelo desejo de vocês”. Isso
sinaliza que devem ser responsáveis por ele (ou por sua falta), e que
não procurarei usar estratégias que visem a interessá-los, ou a fazer a
matéria ficar mais palatável. Tentar “fazer uma ponte” com o mundo
dos alunos, um mundo que a cada ano vai ficando mais distante para o
professor, significa entregar-se a um jogo especular fadado ao fracasso.
Se devo cativar a classe, é porque, no fundo, não acredito no valor da
literatura; além disso, meu desejo para que o aluno aprenda inevitavel-
mente encena um desejar por ele, e, consequentemente, coloca-o em
uma posição de menoridade. Ao invés disso, ao se propor estabelecer
uma relação a mais fiel possível com o objeto permite-se que este apare-
ça em sua maior veemência, e que a relação com ele possa ser desejada,
e, consequentemente apreendida. Note-se bem, isso não implica que os
discentes devam ficar calados, mas que sua participação deveria ideal-
mente acompanhar o desenvolvimento da hipótese interpretativa, o que
inclui discordar dela ou oferecer contra-argumentos.15

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Gostaria aqui de dizer duas palavras sobre a questão da dificul-


dade nas humanidades em geral e nos estudos literários em particular.
O tema é certamente complexo e perpassa todos os âmbitos do campo.
A dificuldade pode ser resultado de um plano autoral, do distanciamento
histórico ou cultural, ou das próprias condições nas quais o ensino ocor-
re; ela é facilmente tida como um marcador, seja ele positivo, de uma
comunidade de intérpretes, seja negativo, como estratégia elitista, uma
espécie de poupança que fornece juros de capital simbólico. Mas talvez a
distinção mais adequada seja aquela entre uma dificuldade necessária ao
artefato e outra supérflua, fruto de um investimento subjetivo que apaga
o objeto. É claro que muitas vezes essa diferenciação é problemática, po-
rém o embaraço para decidir (“sou eu que não entendo, ou é o texto que
não faz sentido?”) é uma experiência positiva, justamente no que tem de
angustiante. O ensino da dificuldade aqui – e a ambiguidade do genitivo
é pertinente – precisa mediar dois opostos igualmente insatisfatórios. Um
“eu” fraco demais verá sabedoria onde não há senão engodo; sua falta de
compreensão será transformada em veneração do nome. Um “eu” rígido
demais não terá paciência e a flexibilidade para abrir-se para algo diferente.
A dificuldade não é um obstáculo a ser transposto, algo que uma
vez superado descortinaria uma claridade perpétua; trata-se, antes, de um
estado com o qual é preciso aprender a conviver. Quando o aluno diz,
“professor: não entendi nada”, pode-se refutar diretamente e dizer que a
incompreensão total é impossível, que sempre haverá, malgré toi-même,
alguma coisa a processar, um fio, ou grão, de sentido, que pode ser tate-
antemente expandido para diversas direções, mesmo que eventualmente
erradas. (Há prazer nisso.) Neste caso, o “não entendi nada” poderia ser
interpretado como um sinal de preguiça ou mesmo de resistência a algo
que já foi compreendido. No entanto frequentemente vale mais a pena
virar a frase ao avesso e parabenizar o aluno. Em nosso cotidiano en-
tendemos demais, entendemos tudo, desde os outdoors, passando pela
telenovela, filmes, jornais, roupas... Tudo o que fazemos, o tempo todo,
é ficar entendendo – e mesmo as intenções subjacentes: quem não com-
preende que o objetivo último, inescapável, da propaganda é vender o
produto? Diante disso, não entender nada surge como uma dádiva, uma
experiência profundamente desalienante. E se a dificuldade é algo com o
qual é necessário aprender a conviver, então não é adequada aquela repre-
sentação pedagógica que procura começar com o mais fácil para ir pro-
gressivamente ascendendo ao mais complexo, cada estágio sempre claro,

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sempre sob o controle do docente e discente. Adorno formulou-o muito


apropriadamente, no contexto da sociologia: “Sabe Deus que não tenho
nem a intenção de ser leviano, nem de encorajar qualquer ímpeto volun-
tarista e amador de estudo. Trata-se apenas de expressar a experiência da
distinção consequente entre estudo acadêmico e escola, de que nem tudo
ocorre de modo gradual e mediado, sem lacunas, mas conforme certos
saltos. Que de repente temos uma luz, como se costuma dizer, e quando
nos ocupamos com o assunto durante um tempo suficiente, mesmo que de
início com eventuais dificuldades de compreensão, simplesmente devido
ao tempo de duração do estudo e, sobretudo, ao tempo de duração do
contato com a matéria, sucede uma espécie de salto qualitativo por inter-
médio do qual se esclarecem as coisas que de início não eram tão claras”
(2007: 51). Reconciliar-se com a dificuldade já é meio caminho andado
para ter uma vida intelectual feliz.

II. Desajuste social


Tudo que disse até aqui refere-se a uma determinada forma de
conceber o literário e de transformar tal compreensão em práticas pe-
dagógicas. Indo na contramão da didática costumeira, defendi uma in-
transitividade radical na relação com o objeto, sem a qual ele não surge
como si próprio. O que cabe aos alunos é contribuir para sua construção:
o exato oposto do “cada um tem a sua leitura”. Isso, porém, não leva
em conta a inserção da área de Letras na sociedade, que última instância
determina a origem do alunato. Diferentemente de carreiras como as de
médico, engenheiro ou advogado, não há uma representação social ade-
quada do profissional de Letras. Certamente seria necessário aqui realizar
um estudo empírico abrangente para caracterizá-la; há porém pesquisas
que mostram cabalmente a insignificância da literatura para a sociedade,
e que assim fornecem indícios para a distância entre aquilo que é feito
na academia e o que, extramuros, imagina-se como literatura. Segundo
os dados colhidos pelo Ibope para a quarta edição do Retratos da Leitura
no Brasil16, lê-se no país em média 4,96 livros por ano. Dentre os mais
mencionados nos questionários, a Bíblia figura soberana, correspondendo
a 42% das respostas à pergunta “o que costuma ler?” (p.29). Para o nú-
mero de livros lidos nos últimos três meses “por vontade própria [i.e. não
por obrigação escolar], de literatura”, o resultado é 0,72, para 12 meses,
1,26. Esses números já incluem best-sellers e livros cujo pertencimento à
literatura pode ser contestado por críticos.

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Fabio Akcelrud Durão

Ainda que como especulação, seria possível postular que são duas
as imagens principais que motivam um adolescente a fazer o vestibular
para Letras.17 A primeira é a de que a universidade forma professores para
o ensino médio, e que suas aulas seriam do mesmo molde, apenas mais
difíceis; o aprendizado seria assim de gramática, principalmente de análi-
se sintática, e de literatura segundo os estilos de época. Neste caso estão
aqueles que querem inserir-se no mercado de ensino de línguas, o único
ponto forte de contato das Letras com o mercado. Para esses alunos, que
visam um domínio técnico de um idioma estrangeiro, ou do português
para estrangeiros, a literatura tenderá a ser um estorvo. Na melhor das
hipóteses será vista como uma boa fonte para aprimorar o vocabulário. A
segunda associaria o literário a um espaço de expressão do eu singular e
de sua interioridade abissal; daí a sua proximidade ao lírico, à escrita de
diários etc.. Subjacente a essa concepção, além do isolamento, está uma
ideia da literatura como ligada ao belo e ao inefável. Se a universidade
for competente, esse tipo de representação irá por água abaixo já no pri-
meiro semestre. A ênfase não recairá na escrita, mas na leitura, não na
autoexpressão do eu, mas na análise de textos. Em suma, a maioria dos
alunos de Letras descobre seu métier à medida que o aprendem, e devem
adaptar-se àquilo que a universidade oferece, deixando para trás suas pre-
concepções.18
No entanto, para além da ausência de uma representação social
do profissional de Letras, é importante sublinhar que a caracterização
do literário esboçada acima choca-se em diversos aspectos com valores
amplamente difundidos socialmente. Cada um dos aspectos desenvol-
vidos acima entra em conflito com disposições arraigadas em diversos
grupos. É sempre necessário lembrar a força pré-estética, que, no extre-
mo da intolerância, sente-se ferida pela liberdade da literatura de tudo
poder dizer. Porém mesmo para a ideologia liberal há pontos de tensão.
Como já aludido anteriormente, a concepção de que a artefatualidade
do objeto, seu caráter de construção, só pode emergir a partir do pres-
suposto da falta de utilidade e interesse não se harmoniza com uma
visão de mundo na qual só tem justificativa aquilo que gera lucro. Não
há motivo, segundo a lógica neoliberal vigente, para a manutenção de
um sistema nacional de ensino de literatura baseado nos pressupostos
aqui apresentados, como algo existente em si mesmo. Ter isso em mente
mudaria bastante posturas de política acadêmica (incluindo greves), que
conferem às humanidades uma solidez que não têm.19

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DA INTRANSITIVIDADE DO ENSINO DE LITERATURA

A inadequação dos estudos literários para o éthos social dominante


– ou, para dizer mais claramente, para o capitalismo – poderia ser muito
mais desenvolvida aqui; com efeito, um estudo sistemático e abrangente
ainda está por ser feito. Porém já estão dadas as bases para a conclusão a
que queria chegar, a saber, que não há mediação possível entre o ensino
de literatura e a sua posição na sociedade. Em outras palavras, o descom-
passo entre o literário e o espírito do tempo pode transparecer na relação
com o objeto, mas não ser ele mesmo o foco do ensino. Daí ser impossível
“cativar”, “interessar” ou mesmo “seduzir” os alunos. A intransitividade
resultante disso pode ser simbolizada de diversas formas. Eu particular-
mente, pensaria em um tripé composto pelo rigor da disciplina, uma certa
valentia persistente e, sem dúvida, uma solidão melancólica. Em qual de-
les recairá a ênfase é uma questão para cada um de nós.

TEACHING LITERATURE: AN INTRANSITIVE PRAC-


TICE

ABSTRACT
This article proposes a teaching practice derived from a particular
conception of what literature is. The presuppositions are that litera-
ture is not a discourse, that the literary does not necessarily need
to be subsumed under a logic of prestige, that it is not related to
Goodness, and that it only emerges a posteriori. From these ideas
a characterization of the classroom appears that views it as a space
for the elaboration of ideas, rather than the transmission of contents.
 KEYWORDS: Literature. Teaching. Transmission.

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Fabio Akcelrud Durão

REFERÊNCIAS

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SCHWARZ, Roberto. A importação do romance e suas contradições em Alencar,
em Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000 [1977].
TODOROV, Tzvetan. Teoria da Literatura. Textos dos Formalistas Russos. São
Paulo: Editora da Unesp, 2013 [1965].

NOTAS

1
Algumas das ideias apresentadas aqui foram primeiramente expostas em meus
Fragmentos Reunidos (2015a). Agradeço a Renan Salmistraro pela leitura e co-
mentários feitos ao texto.

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DA INTRANSITIVIDADE DO ENSINO DE LITERATURA

2
Seria interessante pensar como o paradoxo desenvolvido por Paul de Man em
Blindness and Insight (1983) entre pressuposto conceitual e resultado de leitura
poderia ser transferido para a prática didática.
3
Talvez os termos utilizados aqui não sejam os mais apropriados, pois sugerem
um aspecto instrumental da teoria. Em oposição a ele seria interessante propor
uma internalização tão intensa da teoria que ela passaria a confundir-se com uma
forma de comportamento. Desse modo, a mediação entre o conceber e o agir
torna-se muito mais imediata e orgânica.
4
Para uma defesa do ensino e da pesquisa como lugares nos quais o confronto de
visões opostas deveria vir à tona, cf. Graff (2007).
5
É sempre bom lembrar que a recusa a uma substância qualquer da literatura foi
o gesto inaugural dos Formalistas Russos, que abriu o caminho para o desenvol-
vimento posterior do estruturalismo e para a consolidação da teoria literária como
campo de estudos. Cf.,e.g. Viktor Chklovsky, “A arte como procedimento”, em
Todorov (2013).
6
Há ainda um outro ponto de disputa, que se refere à adoção de técnicas desenvol-
vidas inicialmente em âmbito literário e posteriormente apropriadas pela indústria
cultural. Um estudo mais sistemático dessa relação ainda está por ser feito. O
princípio de montagem é um exemplo óbvio, mas também seria possível pensar
no discurso indireto livre, hoje totalmente banalizado, na associação surrealista
de campos semânticos incompatíveis, ou mesmo na própria ideia de ruptura que
alimentou a inovação no modernismo.
7
Com efeito, trata-se de uma nova tendência, que merece uma alcunha própria,
a “crítica força-barra”. Ela procura dizer coisas interessantes de objetos pobres;
muito do que se faz nos Estudos Culturais estadunidenses inclui-se nessa catego-
ria. Valeria a pena investigar os recursos utilizados para tanto. Cito dois: a ênfase
no detalhe sem relação ao todo, e a atenção ao enredo como algo destacável das
articulações formais.
8
Exemplo disso é a leitura de Senhora, de José de Alencar, feita por Roberto
Schwarz (2000).
9
Para ser mais preciso: o surgimento do valor como tópico visível e tema central é
paralelo ao alastramento e intensificação da lógica da mercadoria na sociedade. Sua
função é ambígua, pois se por um lado antepõe-se à mera reprodução do existente,
por outro, é facilmente associável a mercadorias culturais de luxo. No século XIX, o
valor não era questionado, porque era evidente; sua visibilidade como objeto de crí-
tica conceitual tem como pressuposto sua perda de relevância social. O equivalente
do valor no presente é o poder: um lugar comum como tal inatacável.

238 matraga, rio de janeiro, v.24, n.40, jan/abr. 2017


Fabio Akcelrud Durão

10
É diante dessa idealização do ensino que vale a pena mobilizar aqueles
argumentos desmascaradores, que em outros contextos têm um papel tão nocivo.
Porque é fácil o professor (assim como para o general) internalizar a autoridade
de sua posição e alargá-la para o mundo, assim como é fácil descontar nos alunos
as suas frustrações pessoais. Quanto à escola, seu papel na manutenção das desi-
gualdades de classe não é eficaz somente na distinção entre a pública, precarizada,
e a privada; já na própria separação entre os bons e maus alunos prepara-se a
oposição entre empregado e empregador.
11
Obviamente, o discurso semirreligioso ligado ao ensino contribui para justificar
os baixos salários nessa área.
12
Desenvolvi essa ideia em Modernism and Coherence (2008).
13
Essas ideias, bem como outras deste capítulo, estão presentes na Teoria Estética
(1973), de Adorno.
14
Note-se que a posição defendida aqui é diametralmente oposta à tendência dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a práticas pedagógicas usuais de se
apoiar em meios de massa para lidar com objetos literários.
15
Essa caracterização contraintuitiva da aula como um ambiente não democrático
encontra seu oposto em uma abordagem da leitura e da escrita como atividades
coletivas. Se na prática didática a condução da discussão tem algo de solitário
em seu cerne (salvo nos raríssimos casos de turmas excepcionais), o estudo, pelo
entusiasmo que gera, leva à troca de impressões e ideias (Durão, 2016). É claro
que seria possível imaginar uma mistura dos dois, uma pedagogia do grupo de
estudos, por assim dizer; no entanto, estaria tão distante daquilo que de fato existe,
que sua implementação em algum ambiente institucional seria uma quimera.
16
http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_
Brasil_-_2015.pdf
17
Quando há alguma imagem, pois existem os casos nos quais o aluno ingressa
em Letras simplesmente porque o curso é fácil, ou porque foi remanejado de sua
opção inicial devido à existência de vagas ociosas. Em ambos os casos prevalece
o ideal do diploma, como título valorizado e porta de acesso à ascensão social,
sobre o saber que representa.
18
A exceção são aqueles que vieram de famílias com formação cultural sólida, via
de regra de classe média para cima. Na área de Letras combinam-se assim duas
tendências opostas de mobilidade social. Por um lado, devido à pouca concorrên-
cia, ela acolhe pessoas de baixa renda; por outro, no entanto, como ter familiari-
dade prévia com o mundo da cultura traz vantagens enormes para o estudante, ela
contribui na manutenção da divisão de classes existente.

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DA INTRANSITIVIDADE DO ENSINO DE LITERATURA

19
O caso da Colômbia é instrutivo. Terceiro maior PIB da América do Sul, teve
seu primeiro programa de doutorado em literatura recentemente estabelecido na
Universidad de los Andes.

Recebido em: 30/01/2017


Aceito em: 06/06/2017

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