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Ministério da Educação

Universidade Tecnológica Federal do Paraná


Câmpus Curitiba - Centro
Licenciatura em Letras Português

Disciplina: Metodologia de Ensino de Literatura


Aluno: Matheo de Souza Rolim R.A.: 2362171
Email: matheorolim@alunos.utfpr.edu.br

ATIVIDADE - Por que e como ensinar literatura na escola?

A grande problemática que fatalmente precede a práxis do ensino de


literatura sintetiza-se numa reflexão há muito conhecida na história do pensamento
humano: no que se constitui o literário?

Ora, há, historicamente, uma aura mística que circunda o fenômeno literário,
e que não gratuitamente lhe é atribuído, pois sedimentou-se, no correr do tempo, o
estigma de erudição edificante ao universo das letras e, mais especificamente, ao
fazer literário. Lega-se à ficção o poder de espelhar nossa consciência em outra
realidade, à poesia o potencial de nos conectar em primeira instância com a
verdade do ser, ao drama a capacidade de romper as fronteiras entre o outro e o eu.
A verdade é que toda faculdade supracitada pode ser de fato desenvolvida a partir
do contato com as letras, mas que não há absolutamente nada que garanta a
presença de qualquer aspecto transcendente ou construtivo nesse contato. Nesse
sentido, começo a já esboçar um conceito um tanto quanto abstrato de literatura —
entendendo a necessidade de haver uma noção, ainda que volátil, do que se
entende pelo objeto a ser ensinado, tendo em vista que esta concepção delimita
essencialmente a postura didática a ser assumida em sala de aula — que seguirei
compondo, nesse momento inicial, a partir de uma lógica de oposição, tendo em
vista tudo aquilo que a literatura não é, baseado nas ideias de Durão (2017).

Em primeiro plano, em contraponto natural à concepção de Cândido (1988),


que compreendia a literatura enquanto objeto humanizador, evidenciando as
contradições do ser humano, penso ser lógico descartar a adjacência plena entre
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literatura e moral, isto é, entender que a literatura não cumpre papel humanizador.
Basta pensar na história: o alto escalão do partido nazista alemão gozava de
altíssimo capital cultural e consumia a nata do que se produzia em questão literária
na época, ou pensemos no Poema Quinze de Novembro, de Murilo Mendes, retrato
burlesco do descaso do culto monarca ao povo brasileiro. A literatura por si só não
salva o mundo, como aponta Durão ao afirmar que "No máximo seria possível dizer
que a literatura alarga horizontes mentais e fortalece a inteligência, que pode ser
usada para qualquer fim, inclusive, naturalmente, os mais maléficos." (DURÃO,
2017, p. 228). E para além, isenta-se a literatura de qualquer função social direta,
pois não reside nela quaisquer conhecimentos práticos que não estejam
inegavelmente melhor desenvolvidos em outros objetos articuladores de saberes
específicos. Nesse sentido, delineia-se a ideia de uma aula de literatura que não
esteja preocupada em transmitir conteúdos, mas sim em criar um espaço de
investigação, produção e troca de sentidos. Daí surge uma justa indagação: por
que, então, ensinar literatura? Ora, apesar da aparente inutilidade do artefato
literário, existe algo de extraordinário que circunda a boa aula de literatura.
Falássemos de evento ímpar, de uma desaceleração do tempo, de uma suspensão
da lógica utilitarista, na qual tudo deve existir por um propósito pragmático na
construção social. Nesse aspecto, Sales (2017) acusa que:

"Os próprios estudantes, moldados e aculturados que estão pela instituição,


esperam que ensinemos a eles algo aplicável a partir da literatura. E
quando sucumbirmos a essa demanda, se já não o fizemos, estaremos
aniquilando a parte movediça da literatura e o desconforto da incerteza que
ela deve despertar em sala de aula." (299).

Na aula de literatura, deve haver então a composição conjunta da


transgressão do ritmo social imposto pela máquina capitalista, marcando o fato de
que há coisas, fenômenos que podem simplesmente existir à toa, justificando-se por
si só, sem assumir o compromisso de gerar lucro. Tal suspensão, entretanto, só é
possível a partir do trabalho de interpretação penetrante no artefato literário. A ideia
é justamente abrir mão da ligação entre o texto e sua projeção social, colocando a
obra literária em evidência, configurando-se como foco principal da aula. Não é
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papel do docente postular os sentidos "corretos" e pré fixar interpretações, mas sim
clarear a construção do texto, explicitar como a composição formal se entranha
diretamente com o conteúdo e, a partir do domínio da leitura, os alunos terão a
possibilidade de encontrar sentidos diversos na obra, de debatê-los, e de, aí sim,
ampliá-los a partir de seu repertório sociocultural.

É importante salientar que o professor pode e deve trabalhar com as obras


célebres do cânone, assim como outras (o cânone não porta em si tudo o que a
literatura pode oferecer), mas é de sua responsabilidade derrubar o caráter sacro
desses textos, de tornar a literatura acessível, pensando que:

"Em lugar da idolatria, que projeta uma imagem da literatura como de algo
intocável, uma sublimidade etérea, é melhor trabalhar com outra
representação e pensá-la como um brinquedo, ou como feita de algo que
se pode tocar, lambuzando-se, como argila ou lama." (DURÃO, 2017, p.
226).

Tendo em vista o exposto, é natural que o processo avaliativo no que diz


respeito à literatura seja sempre um engodo, pois é virtualmente impossível
mensurar quantitativamente qual foi o grau de depreensão do aluno em relação aos
textos trabalhados. É sempre exequível fornecer um texto e julgar a interpretação do
aluno como coerente ou não, mas esse movimento é somente então um desvio
daquilo que deveria constituir o real objetivo dos estudos literários, que é a
transformação da matriz subjetiva do indivíduo, a mutação orgânica de sua
percepção do mundo, de sua capacidade de se relacionar com as potencialidades
de seu próprio ser e do outro. Nesse sentido, talvez ainda não haja uma opção de
avaliação suficientemente adequada, mas é interessante a ideia de transformar a
avaliação em um processo gradual, que se dá ao longo das discussões em torno
das obras, de apresentações, de produção de textos livres que comportem a visão
subjetiva de cada aluno sobre aspectos específicos que mais lhe chamaram
atenção em casa obra. Tudo servindo ao intento de engendrar um momento
educativo que não esteja sob o jugo das injunções sociais que nos tolhem, mas que
se dê enquanto ritual, enquanto acontecimento.
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Referências Bibliográficas

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos.


Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2011, p. 171-193.

DURÃO, Fabio Akcelrud. Da intransitividade do ensino de literatura. Matraga,


Rio de Janeiro, v. 24, n. 40, p. 225-240, jan./abr. 2017.

SALES, Cristiano de. A aula de literatura como gesto. In: CECHINEL, André,
SALES, Cristiano (org.). O que significa ensinar literatura? Florianópolis:
EdUFSC; Criciúma: Ediunesc, 2017.

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