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RESUMO

NARRATIVAS PARA CRIANÇAS: INSERÇÃO DE TEMÁTICAS VOLTADA


AO PRECONCEITO RACIAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
MONTENEGRO, Maria do Socorro Moura
socorrommontenegro@gmail.com
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/UEPB

Este artigo tem o objetivo geral de apresentar minha experiência como professora do
componente curricular: Literatura Infantil do Curso de Pedagogia - Campus I, Campina
Grande – PB (semestre 2017.2) da Universidade Estadual da Paraíba oportunizando nas
narrativas para crianças, reflexões voltadas para a inserção de temáticas relacionada ao
preconceito racial na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Essa reflexão fez-se necessária, por entender que, queiramos ou não, a escola é, dentre
as instituições, (enquanto aparelho ideológico do estado), a instituição na qual o
preconceito racial se inscreve e pode ser desconstruída. Considerando que há em
pesquisas, tanto relatos que configuram a existência de preconceito e discriminação
étnica entre crianças, como falas explicitamente preconceituosas no contexto da
instituição escolar. E, em razão disso, a escola deve, necessariamente, privilegiar
narrativas para crianças, a partir da Literatura Infantil para que a história/narrativa possa
ser contada pelo(a) professor(a), de modo que ocupe a mente das crianças de tal modo
que possa modificar o comportamento delas. A experiência de leitura como primeira
etapa para a formação do leitor é de extrema importância para que a escola contribua
para desconstruir o preconceito racial, desde que o(a) professor(a) tome consciência do
quanto a Literatura Infantil pode minimizar essa problemática tão presente no contexto
da escola e da família. Outro fator que merece ser levado em consideração deve-se ao
fato de que quando se trata de leitura, de promovê-la na escola, é importante ter
presentes os diversos estágios por que passa um leitor, já que a sua formação não se dá,
nem de uma só vez, nem de modo único ou mecânico. Vale ressaltar que os discentes do
curso de Pedagogia souberam aproveitar as discussões que se fizeram presentes em sala
de aula, no que concernem as temáticas sobre preconceito racial e discriminação,
sabendo que estes são de fundamental importância para a sua desconstrução no interior
da sala de aula. Para isso, nos ancoramos em autores como: Cadermatori (2008);
Cavalleiro (2014); Cavalcante (2002) e outros.

Palavra-Chave: Narrativas de Crianças; Literatura Infantil; Inserção de Temáticas;


Preconceito Racial.
Introdução

A meu ver, o ensino do componente curricular: Literatura Infantil nos cursos de


pedagogia das universidades brasileiras deveria ser disciplina obrigatória, por entender
que a universidade precisa oportunizar as condições necessárias para que o pedagogo
possa, de fato, contribuir para formar o leitor, tanto na Educação Infantil, como nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
E, associado a isso, percebo que poucas pesquisas acadêmicas no nosso país
tratam do ensino de Literatura Infantil nas universidades, no sentido de que se possa
rever, tanto o que ler, como a própria metodologia, assim como, as temáticas voltadas
para a questão racial no interior da Literatura Infantil nos cursos de pedagogia. E é por
essa razão que trouxe, aqui, a minha experiência, por entender que é nesse e em outros
espaços, dessa natureza, que a Literatura Infantil precisa ser extremamente discutida.
Diante disso, o objetivo geral desse trabalho é apresentar minha experiência
como professora do curso de pedagogia da Universidade Estadual da Paraíba/UEPB –
Campus I, na cidade de Campina Grande – PB, Semestre 2017.1, no componente
curricular: Literatura Infantil, oportunizando nas narrativas para crianças, reflexões
voltadas para a inserção de temáticas relacionadas ao preconceito racial na Educação
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Sobretudo, quando entendo que,
nas histórias que nos contaram, podemos nos lembrar das personagens por nós
reavivadas e chegarmos a pensar nelas como se fossem pessoas conhecidas do nosso
convívio, com as quais estabelecemos uma relação íntima, mesmo não tendo tido a
oportunidade, na maioria das vezes, de conhecer os autores que lemos e ouvimos falar.
Nesse trabalho, entendemos, também, que o professor é, indubitavelmente, no
contexto do espaço formal, é, sim, o protagonista no contexto escolar e da sala de aula,
ou seja, a figura principal para que a formação do leitor seja possível de se concretizar,
ora no espaço da Educação Infantil, ora no dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e
aqui também é oportuno se discutir a experiência do professor como leitor.
Para que possamos tratar da inserção das temáticas voltadas para a questão racial
na Literatura Infantil, sistematizamos esse trabalho na seguinte ordem: em primeiro
lugar, iniciamos pelas concepções de leitura, tanto no sentido restrito da decodificação,
como no sentido amplo; em segundo lugar, tratamos do professor como leitor e de sua
experiência; em terceiro lugar, faremos uma reflexão sobre concepções de Literatura
Infantil estudada em sala de aula e sobre a Lei 10.639/03, que trata da questão racial, a
partir da Educação Infantil e sobre algumas reflexões, nesse sentido, para reforçar e dar
ênfase as reflexões críticas quanto ao racismo, preconceito e discriminação racial
desenvolvidas em sala de aula.

1. Concepções de Leitura
Ao iniciar essas reflexões no interior do componente curricular: Literatura
Infantil, parto do princípio de que, deve-se em primeiro lugar, pensar da seguinte forma:
como os discentes do curso de pedagogia poderão contribuir para formar o leitor sem
que esses discentes tenham clareza de que a Literatura Infantil para ser lida precisa estar
subsidiada por uma concepção de leitura na qual eles possam formar o leitor para a vida
inteira e não um leitor que reproduz o dito, mas um leitor que pode ir além do já-dito?
Iniciemos pela concepção de leitura, em sentido restrito, entendendo que ler é
codificar e decodificar o código escrito e entendendo, também, que todos nós passamos
necessariamente por ela. No entanto, a meu ver, o problema da escola reside no fato de
que precisa transpor, ultrapassar essa concepção restrita da leitura para que possamos
contribuir para que a escola não “estacione” nessa concepção de leitura que não faz com
que os alunos sejam sujeitos leitores, nem faz com que eles compreendam a si e ao
mundo em que vivem.
Ao refletir com os discentes em relação a um conceito amplo de leitura,
entendemos que, segundo Chartier (2009, p. 77), “A leitura é sempre apropriação,
invenção, produção de significados” e é por esta razão que nos apropriamos dessa
concepção de leitura, por compreender que esta concepção de leitura não representa e
jamais representará a “verdade absoluta”, àquela verdade inquestionável, àquela
verdade intocável. Mas, sim, representa nada mais do que “verdades”, que podem, sim,
ser questionáveis, considerando que a leitura faz parte do campo da subjetividade,
conforme atesta Barthes, quando afirma que (2004, p. 41-42), “o campo da leitura é o
campo da subjetividade absoluta”. Por quê? Porque é o sujeito que se coloca por
inteiro, na leitura, com seus sentimentos e emoções e é também esse mesmo sujeito,
“que depressa se encontra na sua estrutura própria, individual: ou desejante, ou
perversa, ou paranoica, ou imaginária, ou neurótica” (IBIDEM, 2004, p. 42). Basta que
o professor atente com extrema seriedade para esse fato que, queiramos ou não, inicia-
se, sobretudo, na Educação Infantil e perpassa os Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
não deixando de se alastrar por sua vida inteira.
Nesse sentido, corroboramos com a ideia de que no âmbito da Literatura Infantil,
“o professor ensina [ou deve ensinar] cada um a perceber que tem uma voz própria, uma
singularidade, e que esse é um dom especial, que ninguém poderá jamais tirar”
(CADERMATORI, 2012, p. 22). Essa voz própria pode se manifestar nas crianças de
diversas formas, seja tendo o direito de gostar ou não, das histórias contadas ou lidas e
isso precisa ser respeitado pelo professor para que as crianças possam, desde pequenos,
posicionar-se, dizendo o que pensa, por intermédio dessa voz própria, dessa
singularidade, que pode e deve se constituir e, ao mesmo tempo, formar esse leitor que a
escola tanto proclama e deseja, mas não consegue, na prática efetivar.
Urge que o professor compreenda que esse conceito de leitura se inscreve numa
perspectiva da Histórica Cultural, que concebe que:

Toda História da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que
desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas esta liberdade
jamais é absoluta. Ela é cercada por limitações derivadas das capacidades,
convenções e hábitos que caracterizam em suas diferenças, as práticas de
leitura. Os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as
razões de ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem. Do rolo
antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias
rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas colocam
em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as
categorias intelectuais de compreensão (CHARTIER, 2009, p. 77).

Portanto, o professor precisa compreender que nessa perspectiva, o leitor é o


sujeito que se utiliza de sua liberdade para deslocar e subverter aquilo que o livro, ou o
autor lhe pretende impor, mesmo que esta liberdade não seja absoluta, por ser cercada
de limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos de cada leitor, de acordo
com as características de suas diferenças e as categorias intelectuais de compreensão das
crianças, em particular.
Corroborando com a ideia de Chartier, trago ainda Michèle Petit, em seu livro A
arte de ler (2009), quando ela diz que ler é:

Mais do que a decodificação dos textos, mais do que a exegese erudita, o


essencial da leitura era, ao que parecia, esse trabalho de pensar, de devaneio.
Esses momentos em que se levantam os olhos do livro e onde se esboça uma
poética discreta, onde surgem associações inesperadas (PETIT, 2009, p.24).
É nessa perspectiva, que fico a me perguntar: será que a escola ainda insiste em
restringir a sua concepção de leitura para a simples decodificação do ato de ler? E a
minha preocupação ainda se torna maior quando reluto em imaginar que essa concepção
de leitura ainda esteja no cotidiano dos diferentes sistemas de ensino de nossos país,
chegando até mesmo no contexto das universidades públicas e privadas de nosso país.
A meu ver, não podemos negligenciar o fato de que precisamos discutir,
necessariamente, concepções de leitura no contexto das universidades, para que
possamos combater a concepção de leitura restrita da decodificação, assim como vivo
fazendo no curso de pedagogia da Universidade Estadual da Paraíba – Campus I –
Campina Grande – PB. Mas como combatê-la, permanentemente?
A esse respeito, Foucambert (1994, p. 14) vem nos dizer que: “A convivência
estreita com livros, o fato de retirá-los em bibliotecas, é atividade normal para quem é
leitor; mas uma atividade necessariamente difícil para quem é decifrador”. Nesse
sentido, o leitor e, sobretudo, o leitor crítico, só será formado se este não for um mero
decifrador. Ao considerarmos que, a meu ver, o sujeito passa, necessariamente, por essa
concepção de leitura enquanto decrifração, no interior do saber escolar, em suas
diferentes fases de ensino, o problema é que não deve permanecer nele. Portanto,
precisa, sim, ultrapassar essa concepção para, não só se tornar um leitor, mas,
sobretudo, um leitor crítico.

2. Professor leitor: da importância à necessidade

E quando se trata do professor como leitor, não me restrinjo tratar da concepção


de leitura como sendo a capacidade de decifrar sinais gráficos, “[...] mas, sim, de doar
sentido ao que se lê, de ser capaz de viver, numa leitura literária, uma experiência
iniciática” (CADERMATORI, 2012, p. 24). Acreditando que é por intermédio dessa
concepção de leitura que o professor não só doa sentido à leitura, como configura que a
leitura é capaz de provocar mudanças, mudanças estas que vão além do mero
entretenimento que, queiramos ou não, é de extrema importância para atrair e animar o
primeiro contato de iniciantes, como é o caso da criança.
Nesse sentido, é preciso deixar claro que, assim como dizia Monteiro Lobato
que não se deve obrigar alguém a ler um livro, mesmo que seja pelas melhores razões
do mundo, em razão de contribuir para que o sujeito seja vacinado para sempre contra a
leitura. Portanto, a escola, conscientemente ou não, acaba forçando as crianças a ler e
acaba desenvolvendo esse tipo de prática, ao invés de atrair os leitores, a partir do
exemplo da experiência do professor com a leitura, quando este professor é capaz de
falar de suas leituras com entusiasmo e paixão.
Podemos citar como exemplo de leitor o filósofo Jean Paul Sartre, que interroga
sobre o porquê de se ler romances e ao mesmo tempo, reponde que deve faltar alguma
coisa na vida da pessoa que lê e é isso que ela deve procurar no livro. O sentido,
obviamente, deve ser o sentido de sua vida, dessa vida que para todo mundo é incerta,
mal vivida, sem sentido, alienada.
Desse modo, o leitor de literatura se distingue pela forma como se relaciona com
a leitura que nada mais é que buscar no livro/leitura um modelo de construção de
sentidos e nele também encontra não só um refúgio para, por meio deste, isolar-se como
certa forma de solidão para construir sua subjetividade.
Segundo Cardematori (2012), o Brasil não é um país de leitores, devido à
situação determinada por fatores de natureza social, econômica, política, histórica,
cultural, de modo que muitos professores foram vítimas do sistema excludente de nossa
sociedade para que pudessem terem se desenvolvido devidamente como leitores.
É na literatura que o professor pode atentar para o fato de que, segundo Bauman
(2009, p. 12), “os observadores indicam que cerca da metade dos bens cruciais para a
felicidade humana não tem preço de mercado adquirida em lojas”. Posto que o sentido
de felicidade não se restringe aos bens de consumo ditada pela sociedade capitalista.

Praticar a arte da vida, fazer de sua existência uma ‘obra de arte’, significa,
em nosso mundo líquido moderno, viver num estado de transformação
permanente, auto-definir-se-perpetuamente tornando-se (ou pelo menos
tentando se tornar) uma pessoa diferente daquela que se tem sido até então.
‘Tornar-se outra pessoa’ significa, contudo, deixar de ser quem se foi até
agora, romper e remover a forma que se tinha, tal como uma cobra se livra de
sua pele ou uma ostra de sua concha; (BAUMAN, 2009, p.99

Compreendemos que a literatura é o único produto cultural no qual o leitor tem a


oportunidade de praticar a arte da vida, fazendo de sua existência uma verdadeira “obra
de arte” na perspectiva de Baumam, já que “significa em nosso mundo líquido moderno,
viver em estado de transformação permanente”.
CONCEPÇÕES DE LITERATURA

[...] Não há como evitar que a literatura, qualquer literatura, não só a


literatura infantil e juvenil, ao se tornar “saber escolar”, se escolarize, e não
se pode atribuir, em tese, [...] conotação pejorativa a essa escolarização,
inevitável e necessária; não se pode criticá-la, ou negá-la, porque isso
significaria negar a própria escola [...]. O que se pode criticar, o que se deve
negar não é a escolarização da literatura, mas a inadequada, a errônea, a
imprópria escolarização da literatura, que se traduz em sua deturpação,
falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou didatização
mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o,
desvirtua-o, falseia-o. (SOARES, 2001, p. 36).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BARTHES, Roland. O rumor da língua. Trad. de Mario Laranjeira. São Paulo:


Brasiliense, 1998.

CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros; leitores, autores e bibliotecas na Europa


entre os séculos XIV e XVIII. Trad. de Mary Del Priori. Brasília: Universidade de
Brasília, 1999.

DARTON, Robert. O Beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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