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A constituição de uma comunidade de leitores na escola

Por Sandra Mayumi Murakami Medrano


Revista Emília & Ce Cedac

“A língua: esse lugar de encontro, onde convivem vozes e as histórias


de outros. Daqueles que vivem longe, dos que já se foram, dos que
estão, daqueles que todavia não tenham sido. Falar, escrever [e ler] é
encontrar com todos, nessa linha do tempo, flutuante e invisível, que
existe além de cada um e também nos pertence, sem ser
estritamente de ninguém. (…) A língua talvez seja o único território da
liberdade, da imaginação, do possível… que nos resta.”
Yolanda Reyes

Deixando de lado a polêmica do fim do livro impresso e a mudança de


perfil do leitor contemporâneo, ou tentando encontrar o equilíbrio entre “a
nostalgia conservadora e a utopia ingênua”, citado por Chartier (1999) ao tratar
da leitura, podemos nos concentrar em considerar a leitura literária –
independente de todos os avanços tecnológicos e mudanças em diferentes
níveis e naturezas que incidem sobre ela – em sua dimensão humanizadora. A
partir daí, pode-se refletir sobre o papel da escola para garantir seu acesso,
contribuir para a formação do leitor, destacar possibilidades de ações e a
constituição de uma comunidade de leitores nessa instituição que, ao fim e ao
cabo, juntamente com outros espaços sociais, se responsabiliza pela formação
do ser humano.
Antonio Candido (2011) nos salienta que a literatura é um direito porque:

“(…) Ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no


universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido
amplo parece corresponder a uma necessidade universal, que
precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.(…) A
literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como
talvez não haja equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono,
talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é
fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o
homem na sua humanidade” (…). (p.177)
Sendo um direito, a leitura literária ganha contornos e proporções que
superam o âmbito escolar e ultrapassam as possibilidades de atuação dos
educadores. Entretanto, considerando a relevância e urgência da efetivação
dessa prerrogativa, cada responsável por sua garantia necessita repensar seu
papel, seus conceitos e, dessa forma, aprimorar suas atuações.
Nesse âmbito, a reflexão recai sobre a leitura literária na escola. Uma
escola que convive com as diversas transformações sociais ao longo do tempo
e que sempre foi e é um espaço privilegiado para garantir a universalização de
acesso aos bens culturais.
O escritor e crítico literário espanhol Gustavo Martín Garzo (2012) indica
que a escola necessita ser “pública, laica e literária”. Pública para assegurar a
igualdade de oportunidades de todos e principalmente atenção aos menos
favorecidos. Laica para que seus valores sejam os “princípios universais da
razão e não ditados por nenhuma igreja nem sujeitos a dogmas particulares”.
Literária para que os adultos se coloquem no lugar das crianças e vejam por
seus olhos, já que a literatura nos permite “ser outros, sem deixarmos de ser
nós mesmos”, como também aponta Teresa Colomer (2007). Ainda segundo a
autora, o objetivo da educação literária na escola é contribuir para a formação
da pessoa, “uma formação que aparece ligada indissoluvelmente à construção
da sociabilidade e realizada através da confrontação com textos que explicitam
a forma em que as gerações anteriores e as contemporâneas abordavam a
avaliação da atividade humana através da linguagem”. (p.31)
Assim, considerando que a leitura não se encerra na escola, mas que
nela tem presença fundamental e especial, as ações de leitura nesse espaço
podem ganhar magnitude e fazer a diferença para todas e cada uma das
crianças que com ela se encontre.

1. A dimensão socializadora da leitura: compartilhar experiências leitoras


na escola

“(…) O fato de ter compartilhado contos nos primeiros anos de vida


duplica a possibilidade de tornar-se um leitor, falar sobre livros com
as pessoas que nos rodeiam é o fator que mais se relaciona com a
permanência de hábitos de leitura, o que parece ser uma das
dimensões mais efetivas nas atividades de estímulo à leitura”.
Teresa Colomer, 2007

A escola enfrenta um desafio diário de trazer para dentro de seus


domínios institucionais conhecimentos construídos e significativos em outros
espaços para que as crianças e jovens possam apropriar-se deles e garantir
seu aprimoramento futuro. A exigência de uma vigilância para que o
conhecimento não se transforme em um objeto meramente escolar é
constante.
Assim ocorre também com a leitura. Ao tratar a leitura na escola, o
desafio é não distanciá-la das práticas sociais em que está inserida fora da
escola, de maneira que as crianças possam vivenciar os comportamentos
típicos de leitores desde muito pequenas avançando de maneira a serem
plenamente cidadãs da cultura escrita.
Considerando a dinâmica escolar, suas diferentes dimensões e
organizações, e para que o ensino da leitura ganhe consistência e relevância, é
importante que a proposta político pedagógica da escola reflita o que é
desenvolvido com as crianças e jovens. Definições dos conteúdos de ensino e
os diferentes objetivos de aprendizagens ao longo da escolaridade, as ações
desenvolvidas em classe e em espaços coletivos, as concepções didáticas que
permeiam as propostas, funções e expectativas de cada participante são
alguns dos aspectos a serem amplamente tratados em reuniões pedagógicas
de forma a garantir a formação do leitor.
Isso significa que as práticas pedagógicas, em diferentes âmbitos, são
temas de discussão e elaboração por toda a equipe escolar, de forma que o
que ocorre de maneira mais concentrada em cada sala de aula também se
relacione de forma coerente e sistêmica com as ações da escola como um
todo. Pois assim, há além da sinergia, uma ampliação do potencial de sucesso
no alcance das metas traçadas em relação às aprendizagens dos alunos.
Partindo desse marco mais amplo, podemos pensar a leitura literária.
Trata-se de uma leitura mais específica, que além de ser desenvolvida em
várias atividades em classe sob a responsabilidade do professor, tem grande
potencial para ocorrer também em âmbito institucional sob a responsabilidade
da equipe gestora (diretor, coordenador pedagógico, orientador pedagógico).
Considerando a dimensão socializadora da leitura literária, ou seja, que
através dos livros podemos estabelecer relações humanas e nos
comunicarmos por meio deles com outros, além das atividades que se realizam
em classe, as propostas que envolvem toda a escola ganham grande
importância.
A constituição, na escola, de espaços em que a leitura literária se realize
de maneira próxima ao que se dá nas práticas sociais permite que as crianças
e jovens se insiram nesses contextos assumindo e compreendendo o que é ser
leitor.
Para que isso ocorra, além do planejamento e realização de ações de
leitura literária com os alunos, é preciso proporcionar a discussão e o
aperfeiçoamento leitor também dos profissionais que compõe a equipe escolar.
Dificilmente se forma um leitor sem que aquele que o forma não seja
leitor, ou ao menos vislumbre a importância e a natureza do ato de ler, assim
como é bastante discutível, por exemplo, que alguém que não sabe nadar
ensine outro a ser exímio nadador… Tomar parte na experiência da leitura, em
especial da leitura literária, é condição para garantir a qualidade da
aprendizagem que se pretende alcançar com essa experiência junto aos
alunos.
Isso significa que para a escola proporcionar experiências leitoras
próximas àquelas que existem fora da escola será preciso que as propostas
conservem semelhanças às vividas nas práticas sociais, com leitores reais, em
situações significativas do ponto de vista do leitor e do ponto de vista da leitura.
Claro que para isso ocorrer, há diferentes estágios e variadas formas de
desenvolvimento. É interessante considerar que à medida que se desenvolvem
as atividades de leitura, o grupo de educadores também se desenvolve e
aprimora suas competências leitoras.
As ações de leitura literária na escola poderão se dividir em quatro
grupos, a depender dos participantes:

• ações que envolvem toda a escola – situações de leitura em que todos os


alunos, educadores e funcionários da escola participam;
• ações que envolvem os alunos – situações de leitura desencadeadas por
algum membro da equipe escolar, mas dedicado à participação das crianças e
jovens da escola;

• ações que envolvem a equipe pedagógica e administrativa – situações de


leitura em que educadores e funcionários da escola participam sem a presença
das crianças e jovens;

• ações que envolvem toda a escola e a comunidade – situações em que


além de toda a equipe escolar, os pais e outros parceiros da escola participam.

Cada uma dessas ações pode ter objetivos diferentes, ocorrer com
distintas durações e em espaços diversos, mas é fundamental que sejam
planejadas com antecedência, acompanhadas e avaliadas para serem
retomadas e aprimoradas.
Segundo Colomer (2007), cabe à escola estimular a leitura e planejar o
desenvolvimento das competências leitoras das crianças e jovens – e também
dos adultos que a constituem – como eixos da tarefa escolar de acesso à
literatura.
Por trás de todas as atividades que se realizam está a proposta de
constituição de uma comunidade de leitores. Por comunidade de leitores
entende-se um grupo que lê permanentemente, aprecia a leitura literária,
compreende e usufrui da experiência leitora, sobretudo coletivamente, mas não
apenas. A partir dessa prática, os integrantes da comunidade leitora passam a
comentar suas leituras, adquirindo, progressivamente, condições para avaliar,
opinar, selecionar e sugerir leituras, estabelecendo relações cada vez mais
amplas e intensas com o universo literário.

2. Propostas de leitura para a formação de uma comunidade de leitores na


escola

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para


que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do
outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai
enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito
caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a
imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de
beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando,
pediu ao pai: – Me ajuda a olhar!”
Eduardo Galeano, 1997

A constituição de uma comunidade de leitores na escola permite que, de


maneira mútua e constante, nas diferentes propostas, uns ajudem os outros a
olhar o que não se pode ver sozinho, ao menos não com a mesma amplitude.
E isso não se relaciona somente à ajuda que dá aquele que é mais
experiente na leitura para aquele que está iniciando seu percurso leitor, pode
se dar também de forma inversa sempre que houver respeito, escuta atenta,
disponibilidade e abertura para interagir com a leitura literária em suas
diferentes dimensões e possibilidades. Desse modo, é fundamental garantir
situações de leitura com agrupamentos variados, unindo, por exemplo, alunos
de diferentes etapas da escolaridade numa mesma ação.
Vale considerar que os exemplos de propostas apresentadas a seguir
podem ser realizadas de diferentes formas, mas ganham em consistência e
envolvimento quanto mais imersas estiverem nesse contexto comunitário de
leitores, ou seja, quanto mais permanentes forem e se aproximarem do
entendimento da leitura literária como experiência humanizadora.

3. Sessões simultâneas de leitura

Esta proposta, baseada no projeto Acompañamiento a la Enseñanza en


los Jardines de Infante propõe uma atividade a ser realizada com todos os
alunos da escola em situações de leitura realizadas pelos professores e que
ocorrem ao mesmo tempo.
Os professores escolhem a leitura que irão realizar para um grupo de
crianças e produzem uma breve resenha do livro de forma a divulgar do que
trata aquela leitura. As resenhas são apresentadas aos alunos (em um cartaz,
ou folheto, de forma visualmente atraente) e cada um se inscrevem para ouvir
a leitura.
Durante 15 a 20 minutos desse dia, toda a escola estará participando da
leitura em voz alta realizada por um professor.
Esta atividade pode ser realizada de maneira habitual, quinzenal ou
mensalmente.
É interessante porque permite que alunos de diferentes idades interajam
em uma mesma atividade. Além disso, os professores podem ter contato com
diferentes crianças e jovens. Há um intercâmbio maior com o grupo de toda a
escola, tanto em relação às opiniões sobre as leituras, às formas de ler e as
experiências com uma diversidade de estilos e gêneros literários.
Do ponto de vista da formação literária do professor é uma oportunidade
de exercitar a escolha dos livros que serão lidos aos alunos, discutindo, para
isso, critérios de qualidade que envolvam a literariedade das obras, a relação
entre o texto e a imagem (no caso dos livros ilustrados), as características
atraentes da narrativa, o quanto podem contribuir para expandir as
experiências leitoras dos alunos etc. Trata-se de um momento em que os
professores se dedicam especificamente a analisar os livros desse ponto de
vista, trocando opiniões sobre as escolhas feitas e construindo assim, novos
observáveis sobre o acervo de livros disponível na escola.
A escrita da resenha, convidando os alunos a participarem da leitura, é
outro exercício importante: é preciso selecionar, de cada livro, o que se destaca
para comunicar aos futuros leitores ouvintes daquela obra numa determinada
sessão de leitura. Além dessa seleção do que dizer sobre os livros, é preciso
também pensar em como dizer, ou seja, como escrever uma resenha que
desperte o interesse dos alunos pela leitura. Estão envolvidas nessa ação dos
professores, várias aprendizagens significativas que se relacionam com as
práticas sociais da leitura e da escrita.
Ao realizar atividades que mobilizam todo o grupo em torno da leitura,
além de ampliar as práticas de leitura e formar leitores, a escola comunica a
valorização institucional em relação ao tema.
4. Exposição e acesso aos livros

Muitas vezes o acervo de livros da escola – seja ele grande ou pequeno


– não é conhecido pelo grupo, tanto de educadores, alunos e comunidade do
entorno.
Assim, planejar exposição dos livros como uma atividade a ser realizada
periodicamente com uma devida organização, divulgação e controle dos
empréstimos pode ser bastante enriquecedora para todos.
Podem ser pensadas duas maneiras de expor:

• exposição com acesso livre

• exposição com acompanhamento e empréstimo

Para uma exposição com acesso livre, é importante comunicar e


combinar com o público – alunos, educadores, funcionários e comunidade – a
forma como poderão ser acessados, emprestados, devolvidos, de forma que os
livros não se percam.
A exposição dos livros pode ocorrer em um corredor de bastante
movimento na escola, num espaço do pátio em que possam ser organizadas
algumas mesas, ou ainda estantes ou mostruários que pode ser
confeccionados pelos próprios funcionários ou com apoio de pais da escola.
Para expor os livros é interessante considerar como podem ficar mais
atrativos, seja pela disposição, organização e escolha dos títulos. Por exemplo,
se a maioria dos alunos forem crianças pequenas, é importante que os livros
estejam dispostos em uma altura que considere o ponto de vista dessas
crianças. Também a escolha dos livros precisa ser feita de maneira criteriosa
para agradar aos olhos de quem os vê e chamar a atenção para o que traz em
si. Os livros ilustrados, com encadernações especiais, capa dura, ilustração
atraente, merecem destaque. É comum que justamente estes livros,
considerados mais bonitos, às vezes até raridades, fiquem “escondidos” e
guardados de modo que poucos, ou ninguém, tenha acesso. Vale lembrar que
o acervo de livros da escola é um patrimônio público e que, embora deva ser
preservado, precisa, antes de tudo ser acessível. O manuseio cuidadoso dos
livros é algo que se aprende.
As exposições podem ser planejadas de várias formas. Alguns
exemplos:

 temáticas: livros informativos sobre animais do mar; histórias com piratas,


bruxas, cavaleiros etc.

 que considerem o gênero: ficção científica, contos de fada, contos e


crônicas de humor etc.

 considerando um autor determinado: conhecido dos alunos, ou mesmo um


autor que ainda poucos conhecem mais é importante ter acesso, também pode
ser um bom ‘chamariz’ para os leitores.

Acrescido à exposição pode haver alguns cartazes que comentem sobre


o tema e chamem a atenção para determinados livros.
Para que as exposições ganhem cada vez mais público, a questão é
conhecer o gosto, as potencialidades, divulgar e manter a proposta de maneira
a fazer parte das atividades da escola.

5. Livros circulantes

Disponibilizar que os livros do acervo da escola possam ir para as casas


dos alunos é sempre uma boa maneira de envolver as crianças, os jovens e
suas famílias.
Organizar “sacolas viajantes” com alguns livros que podem ser
escolhidos pelos alunos ou propostos pelos mediadores de leitura é uma forma
de possibilitar a interação familiar e dos alunos com os livros.
Além do livro que vai para casa, pode ser incluído um pequeno caderno
para que seja feito um breve registro de como foi a leitura do livro em casa.
Não se trata de um resumo ou ficha com questionário sobre a leitura, pois o
objetivo não é verificar o que compreenderam do livro lido, mas possibilitar uma
memória das leituras, contanto com uma apreciação mais pessoal que pode
ser compartilhada posteriormente.
Para que isso possa ocorrer, é interessante que a proposta seja
apresentada para os pais em uma reunião inserida na rotina escolar, com
antecedência, justificando a atividade, explicando como pode ser realizada e
principalmente salientando o valor desse momento para as relações que se
podem estabelecer com as crianças, a partir de conversas em torno da leitura.
O caderno de registro poderá ser preenchido por qualquer uma das
pessoas que possa servir de escriba para escrever o que foi realizado e o que
acharam da atividade.
É importante que os familiares não se sintam avaliados nessa tarefa,
mas que compreendam que é uma maneira de compartilhar os sentimentos
que viveram as sensações e emoções que tiveram ou não com a leitura
realizada com a chegada daquele livro.
As crianças que trazem as sacolas com os registros dos livros lidos
podem ser solicitadas a comentar para o grupo em uma atividade de roda de
leitura na sala ou na biblioteca da escola, de maneira a valorizar ainda mais a
situação e compartilhar a dimensão afetiva da leitura que teve espaço em casa.

6. Rodas de leitura compartilhada

Ler e compartilhar com um grupo a leitura é uma das maneiras mais


potentes de envolver as pessoas no ato de ler. Ao ler e acompanhar, em grupo,
os sentidos atribuídos, os significados construídos ganham, normalmente, uma
dimensão muito maior do que se tinha alcançado numa leitura individual.
Além disso, ao ler junto, cria-se um sentido de coletivo que fortalece
relações e intensifica a cumplicidade e o repertório de conhecimentos literários
construídos coletivamente.
As rodas podem acontecer em sala de aula com cada turma, mas
também pode ocorrer coletivamente em seções com toda a escola ou ainda
envolvendo a comunidade.
O desafio nessa proposta é possibilitar que os leitores possam
acompanhar a leitura em exemplares que estejam em suas mãos, de forma
que a leitura em voz alta possa, em algumas vezes, circular entre os diferentes
leitores.
Ter o livro em mãos e seguir a leitura permite um envolvimento bastante
específico daquele em que somente ouvimos a leitura de outro.
Assim, além de compartilhar a história, se compartilha realmente a forma
como está produzida, permitindo a emissão de opiniões de naturezas distintas
para a construção de sentidos compartilhados.
As rodas que envolvem toda a escola e as rodas com a comunidade,
demandam preparativos e cuidados para que todos possam participar e
sentirem-se parte realmente de uma comunidade de leitores.
Ao se propor as rodas com toda a escola, é necessário considerar, além
de um local adequada, a garantia de que seja audível para todas as leituras
realizadas. Assim, disponibilizar microfones e caixas acústicas pode ser
necessário. Além disso, é importante realizar um convite para todos com
antecedência informando a proposta e indicando o que será realizado e
solicitando confirmação da presença, pois como será necessário providenciar,
ou exemplares iguais do livro a ser lido ou cópias dos textos, é importante
saber quantos serão os participantes.
Num primeiro momento, as pessoas que irão se responsabilizar pela
leitura poderão ser definidas pela equipe gestora, mas com o passar do tempo,
os participantes poderão gradativamente assumir essa responsabilidade.
A quantidade de leitura e a extensão dos textos a serem lidos
necessitarão ser considerados à medida que se avaliar o “fôlego” leitor do
grupo, ou seja, o quanto o grupo se mantém atento e participativo na leitura.
Claro que esse aspecto poderá variar bastante dependendo do texto e do
grupo, mas é necessário atentar para que sempre se encerre com um “gostinho
de quero mais” de forma a garantir a continuidade.
As rodas envolvendo a comunidade é bastante semelhante que a
anterior, porém como inclui pessoas que não estão cotidianamente na escola,
demanda uma organização prévia maior e também a sondagem nos primeiros
encontros, sobre o gosto e as preferências leitoras dos participantes.
Em ambos os casos, organizar um caderno com assinaturas e
depoimentos pode ser bastante produtivo para acompanhar as apreciações do
grupo, assim como para servir de registro de memória do desenvolvimento das
atividades.
Ao longo dos períodos, as leituras do grupo e os depoimentos podem
ser expostos em murais ou varais para socializar as experiências leitoras
também com aqueles que não participam das rodas.

7. Mural de indicações literárias

Uma maneira de compartilhar as leituras, trocar informações sobre o lido


pode ser feito por meio de divulgação e compartilhamento das opiniões sobre
as leituras realizadas. Um mural bem organizado, esteticamente bonito pode
chamar a atenção até mesmo daqueles que não são os maiores
frequentadores da biblioteca. E, por meio da leitura das opiniões e indicações
de quem leu, outros podem se sentir convidados a ler.
Assim, além de servir como meio de trocar “figurinhas” sobre as leituras,
o mural pode ser uma boa forma de propaganda dos livros.
Caso tenha dificuldades, no início, em conseguir que os leitores
coloquem suas opiniões sobre os livros, pode-se reproduzir indicações
literárias de revistas que trazem resenhas e outras indicações literárias,
algumas produzidas por jovens leitores. À medida que os leitores sintam-se
mais à vontade em escrever esse tipo de texto argumentativo, o mural pode
ganhar maior espaço e divulgação nas salas de aula, passando a fazer parte
também de outros momentos da atividade escolar, como reunião de pais,
reunião de professores, atividades extraclasses, eventos.

8. Varal literário

O varal literário também é uma forma de envolver a comunidade escolar


no universo da leitura. O conteúdo do varal pode ser bastante variado, por
exemplo:

• vida e obra de um autor, priorizando os livros que se tem no acervo da escola;


• destaques de determinados tipos de livros: coletâneas de poesia, crônicas,
contos; enciclopédias e outras fontes de pesquisa; romances históricos etc.;

• livros com determinados temas: amor, infância, amizade, heróis, princesas


etc.;

• autores de determinado período, ou país, ou estilo etc.

As possibilidades são inúmeras e podem variar de acordo com o


potencial do acervo e do conhecimento que se têm do interesse dos leitores.
É interessante considerar que os temas do varal podem influenciar nos
empréstimos dos livros do acervo, assim, deixá-los mais disponíveis ou
conciliar com uma exposição de livros pode ser uma boa maneira de
potencializar ainda mais o ambiente leitor e as condições de envolvimento de
todos com a leitura.
Muitos materiais produzidos nessas propostas poderão ser utilizados em
diferentes momentos ao longo dos anos, bastando ser atualizados, ampliados
ou aprimorados. Assim, zelar para que sejam manipulados de forma cuidadosa,
produzidos com materiais resistentes e guardados com capricho pode ser uma
boa forma de garantir que sejam reutilizados em outras oportunidades.
A aprendizagem da leitura tem, dentre outras, uma dimensão social e
uma dimensão afetiva. A realização dessas propostas de leitura literária
incidem nesses dois âmbitos simultaneamente.
Quando se constitui uma comunidade de leitores é possível, segundo
Chambers (2007) compartilhar entusiasmos, compartilhar a construção de
significados, os desconcertos – quer dizer, as dificuldades -, as conexões que
os livros estabelecem entre eles, ou seja, descobrir padrões, dentre outras
coisas.
Estes compartilhamentos não se dão necessariamente de maneira
formal e ordenada, mas sim em conversas que vão se mesclando e avançando
à medida em que se interage com o lido e com o(s) outro(s).
Essa dimensão socializadora da leitura literária faz com que as pessoas
sintam-se parte de uma comunidade de leitores, com referenciais e
cumplicidades mútuas. E “a criação de referências compartilhadas vividas
como um círculo integrado têm uma importância decisiva na motivação da
leitura”, segundo Colomer (2007).

8. A função da equipe gestora

“Na antiga tradição oriental sufi, a sabedoria se aloja nas histórias.


Quando uma pessoa enlouquecia, chamava-se um contador de
histórias para curá-la. Histórias e mais histórias eram narradas ao
louco até ele recuperar a capacidade de ‘pensar o mundo’”
Heloísa Prieto, 1999

Como em uma grande orquestra em que cada desenvolve seu papel


para que haja um todo harmônico, na escola também os diferentes
participantes ocupam responsabilidades diversas, em prol de objetivos comuns.
Para além de uma gestão participativa, cabe à equipe gestora a garantia de
algumas condições institucionais para o desenvolvimentos das atividades.
Partindo das propostas de leitura que se desenvolvem de forma
compartilhada, ora com demandas mais divididas, ora com demandas mais
centralizadas em alguns responsáveis, há dentre as atribuições formais
algumas que se referem à equipe gestora em relação ao desenvolvimento da
leitura na escola.
Uma delas diz respeito à garantia de materiais, e em nosso caso, os
livros como objetos culturais e capital cultural para as situações de leitura.
Nas escolas públicas, os acervos disponibilizados por meio das políticas
públicas contribuem para manutenção e ampliação de livros de qualidade,
segundo critério definido por equipe de especialistas.
Para além desses livros recebidos, as escolas também podem e devem
manter compras periódicas a partir da gestão financeira destinada à melhoria
das condições de aprendizagens das crianças.
Na maioria dos casos, é comum gestores escolares indicaram a
dificuldade em gerir verbas para este fim. Mesmo sabendo dessa dificuldade,
salientamos que caberá à equipe escolar garantir essa verba na mesma
medida que essa ação – de formação de leitores literários na escola – seja
valorizada e implementada como um dos pilares do desenvolvimento da
escola.
Da mesma forma que destinamos verbas para o que é de mais valor em
qualquer contexto, aqui também se contará com mais verba quanto mais claro
estiver o valor dessa proposta no desenvolvimento e aprendizagem das
crianças e jovens dessa comunidade escolar.
Assim, garantidas pelos gestores as condições materiais para que as
atividades de leitura aconteçam, é necessário considerar, que da mesma
maneira que as propostas são planejadas e realizadas, será preciso
acompanhar, avaliar, aprimorar e realizá-las com continuidade. Ou seja, as
propostas não podem acontecer apenas eventualmente na escola. Elas
precisam se tornar parte do funcionamento da escola, práticas reais de leitura
no dia a dia – como já indicado – vivenciadas com regularidade. Para isso, é
necessário que o ciclo seja completo: planejamento, realização, avaliação,
replanejamento, realização, avaliação, replanejamento… em uma espiral
contínua.
Isso significa que as propostas – todas as que forem desencadeadas no
contexto escolar – necessitam ser devidamente monitoradas, com
responsabilidades compartilhadas para que não se percam ao longo de suas
realizações.
Para finalizar, retomando o que tratamos inicialmente, todas as
propostas de âmbito escolar mais amplo necessitam dialogar com as propostas
didáticas realizadas nas salas de aula, de maneira que componham a proposta
político pedagógica da escola em relação à formação leitora das crianças e
jovens como algo que transcende a formação acadêmica de cada uma, e vai
mais além – para a formação humana, social, política e filosófica do indivíduo,
que tem na escola um dos seus principais meios de desenvolvimento.

Referências bibliográficas:

CANDIDO, Antonio. “O direito à literatura” In Vários Escritos. Rio de Janeiro, Ouro sobre azul,
a
2001, 5 ed.

CHAMBERS, Aidan. Dime – los niños, la lectura y la conersación. México, Fondo de Cultura
Economica, 2007.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro – do leitor ao navegador. São Paulo, Editora da UNESP
e Imprensa Oficial, 1999.
COLOMER, Teresa. Andar entre livros, a leitura literária na escola. São Paulo, Global, 2007.

GALEANO, Eduardo. Função da arte 1, in O livro dos abraços. Porto Alegre, Editora L&PM,
1997.

GARZO, Gustavo Martín. “Por uma escola pública, laica e literária” In Revista Emília, Out/2012.

PRIETO, Heloísa. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo da criança. São Paulo,
Editora Angra, 1999.

REYES, Yolanda. Dejar que todos los acentos vayan a los niños, in Fundación Cuatrogatos,
(http://www.cuatrogatos.org/show.php?item=488, acessado em 07/nov/14).

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