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DISCIPLINA: LITERATURA INFANTIL

SEMESTRE: 2022.2

MEDIAÇÃO DA LEITURA E FORMAÇÃO DO LEITOR1

A leitura está presente em nossas vidas, no cotidiano, desde as situações mais habituais, como tomar um
ônibus observando o seu itinerário, preparar uma receita de bolo de chocolate ou mesmo lendo uma bula de
remédio, às mais complexas, a exemplo das pesquisas científicas e
terminológicas, leituras filosóficas etc.
Podemos afirmar que a vida é mediada pela palavra, seja
ela dita, vivida, narrada, contada, lida, cantada ou escrita. Vivemos
a observar aquilo que está em nosso entorno, com o que
interagimos, interrogamos, concordando ou discordando, a partir
das condições de inserção no mundo social e cultural do qual
fazemos parte.
As possibilidades de leitura são amplas. Fazemos leituras
de jornais, romances, poesias, músicas, revistas em quadrinhos,
mensagens em redes sociais, lemos fotografias, imagens em
movimento, obras de arte, esculturas, partituras, leituras técnicas
ou escolares...
Lemos por distração e lazer, para adquirir conhecimento,
obter informação, para tomada de decisão. Fazemos leituras
despretensiosas ou mesmo com objetivos definidos. A leitura,
portanto, é um ato de simbolização e representação do mundo.
Formar leitores críticos que compreendam o papel da leitura no dia a dia representa um desafio para
educadores, bibliotecários, agentes de leitura, pais, mães e uma gama de profissionais e pessoas que chamam
para si essa importante ação. Assim, começamos por lançar um questionamento: De que depende o incentivo à
leitura? O que podem fazer os mediadores de leitura para contribuir na formação de leitores críticos? No
decorrer deste texto, pedimos que você reflita sobre essas questões.
Esperamos, ao longo desse nosso diálogo, acender uma fagulha nessa discussão coletiva, de modo a
envolver todos nesse trabalho instigante que é contribuir na formação de leitores e, consequentemente, na
construção de um mundo melhor.

MEDIAR A LEITURA: EXERCÍCIO DE SI E DO OUTRO


Começamos aqui por relembrar a primeira questão apresentada anteriormente: De que depende o
incentivo à leitura? Ao aprofundarmos essa reflexão, cabe-nos refletir sobre as condições que levam uma pessoa
a se tornar leitora, especialmente em nosso contexto, diante da complexidade e diferenças existentes no Brasil.
Você, por exemplo, se considera um(a) leitor(a)?
Na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, de mapeamento do
comportamento leitor dos brasileiros, em sua 4. edição (2016), identificamos uma realidade que vale a pena uma
reflexão. Sobre a pergunta referente à presença de uma pessoa que influenciou o gosto pela leitura dos
pesquisados, os dados apresentados indicam que isso é mais marcante entre as crianças até 13 anos, ao
revelarem a presença dos pais e professores como mediadores da leitura. Já para os entrevistados a partir de 25
anos, fica evidente a pequena presença de pessoas que tiveram ou têm efetiva participação nessa influência.
Concluímos, assim, que é na infância, por meio da escola, da família ou na biblioteca onde aparecem as
oportunidades de práticas e ações mediacionais, como as rodas de leitura, contação de história ou indicação de
livros.
Por outro lado, pensar a mediação da leitura para promover a formação de leitores deve levar em
consideração os diferentes públicos e pessoas de diversas idades e níveis de alfabetização e letramento. O leitor
se constrói ao longo da vida. Para tal, é necessário que se desenvolvam práticas leitoras educativas, críticas
literárias e poéticas que tragam as memórias afetivas e que os indivíduos se reconheçam nessas leituras,
evocando liberdade e autonomia. Quando revisitamos nossas memórias, é possível reconhecer que o que
construímos criticamente em relação ao conhecimento que possuímos está envolto no que somos e naquilo que
experimentamos ao longo da vida.
No Brasil, ainda é pequena a parcela da população que tem acesso a bibliotecas, ao livro e à leitura em
suas formas tradicionais ou não. Além disso, o exercício crítico, pedagógico, dialógico e mediador da leitura
parece não ser bem compreendido e a leitura acontece desconectada com a realidade do cotidiano e dos

1CAVALCANTE, Lidia Eugenia. Curso Formação de Mediadores de Leitura – Módulo 1. Fortaleza, CE: Fundação
Demócrito Rocha, 2018.
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interesses do leitor. No processo de mudança que nós educadores buscamos, sem dúvida nenhuma está o desejo
de acesso ao livro e à leitura para todos, nas residências, escolas, bibliotecas, terminais de ônibus, centros
culturais, praças, condomínios, canteiros de obras, fábricas, hospitais, presídios etc.
Mas, é importante saber que não adianta somente o acesso ao livro se não houver um convite à leitura,
especialmente para os iniciantes dessa aventura, independentemente da faixa etária ou classe social. E é desse
convite, que denominamos mediação, que trataremos a seguir. Refletir sobre o conceito de mediação nos
apresenta diferentes possibilidades, algumas abordagens mais simples, outras complexas, dependendo do
contexto e do lugar de fala dos sujeitos envolvidos. Por ora, o que nos interessa aqui é especialmente a mediação
da leitura.
Na memorável obra de Paulo Freire, “A importância do ato de ler”, publicada originalmente em 1982, o
autor “relê” momentos de sua prática pedagógica, guardados na memória e vividos desde a infância, destacando
que é necessário “[...] uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra
escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo” (FREIRE, 1989, p.9).
A leitura, em suas diferentes linguagens, verbais e não verbais, é fundamental para a construção do
conhecimento, desde que seja valorizada a compreensão crítica do leitor e o seu conhecimento de mundo,
podendo ser visto em uma das afirmações mais conhecidas e citadas de Freire:

A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem
dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a
percepção das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 1989, p.9).

Na perspectiva da dialogicidade, uma das principais categorias das teorias de Paulo Freire, nascem às
práticas sociais e culturais de mediação da leitura. Assim, o diálogo apresenta-se como essencial à construção e à
apropriação do conhecimento, numa ação libertadora e autônoma, na qual todas as pessoas envolvidas
encontram-se inseridas e precisam se sentir valorizadas. Do interesse em aprender, surge o desejo de ler e de
conhecer. Dessa forma, quando as leituras propostas estão relacionadas às experiências, o processo de
construção do leitor não tem apenas a relevância teórica do discurso pedagógico, situa-se, também, no lugar
social dos envolvidos, reconhecendo aspectos da vida que são fundamentais para a compreensão da realidade
apresentada nas argumentações, nos exemplos e nas linguagens do texto lido mediado. A leitura, portanto, faz
parte do processo de comunicação cotidiana que ocorre entre os sujeitos e que envolve interações sociais e
trocas, fomentadas em situações diversas, expressas pela memória, cultura, tradições e contextos sociais. No
desafio de mediar à leitura, não podemos esquecer a importância das linguagens, pois a mediação é um ato de
comunicação entre os sujeitos e de partilha entre interlocutores.

AS DIMENSÕES DIALÓGICAS DA MEDIAÇÃO DA LEITURA

A mediação da leitura caracteriza-se pelas relações dialógicas entre os


sujeitos, o texto mediado e o ato mediador. É um diálogo constituído de
múltiplas vozes e narrativas, de natureza dinâmica, fl exível e crítica. Em
forma de diálogo, a mediação pode ocorrer em diferentes formatos para
públicos diversos em ambiências como bibliotecas públicas, escolares e
comunitárias, centros culturais, livrarias, museus e teatros, apenas alguns
dos espaços tradicionais de promoção da leitura. Ou mesmo em locais
improvisados ou públicos como varandas, calçadas, condomínios,
garagens, praças e parques.
Na dialogicidade da mediação da leitura para conectar pessoas e
textos, devemos levar em consideração também a participação efetiva e a
história de vida do leitor, por meio de outras dimensões como aquelas que
Vincent Jouve (2002) nos apresenta e nas quais acrescentamos a leitura
crítica. Vamos conhecer essas dimensões? São elas:
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a) Afetiva: a leitura está envolta em sentimentos e memórias que levam as pessoas a se conectarem com o
que é lido, revelando emoções as mais diversas possíveis, como paixões, indignação, intimidade, identifi
cação ou mesmo parcialidade. Jouve (2002) salienta que o “charme da leitura” advém das emoções.
Leitores amam, admiram ou mesmo odeiam personagens das obras que leem, criando relações afetivas e
pessoais (componente importante da leitura literária).
b) Simbólica: a dimensão simbólica da leitura se apresenta no imaginário do leitor, que leva a uma
pluralidade de interpretações do que é lido. Nesse sentido, cada indivíduo traz traços de suas
experiências pessoais, dos valores e da cultura, como salienta Jouve (2002). O leitor ressignifica o que
lê, permitindo a ele o direito de apreender o que lhe interessa de modo interativo.
c) Argumentativa: a leitura é argumentativa e polifônica (traz consigo muitas vozes). Na mediação de
leitura, o mediador apresenta uma direção argumentativa, porém permite ao leitor que ele interaja com
o texto, dialogue com o autor, o questione, concorde, discorde, acrescente ou faça inferências. Vale
salientar que cabe ao mediador avaliar o nível de compreensão argumentativa do grupo para quem a
prática é desenvolvida.
d) Cognitiva: ler significa descortinar, mudar de horizontes, interagir com o real, interpretá-lo,
compreendê-lo e decidir sobre ele. Desde o início a leitura deve contar com o leitor, com a sua
contribuição ao texto, sua observação ao contexto, sua percepção do entorno. O prazer de ler é também
uma descoberta. Assim, o conhecimento vai se construindo aos poucos, acompanhando o indivíduo em
suas diversas fases de desenvolvimento cognitivo ao longo da vida. A leitura é um ato cognitivo-afetivo.
e) Crítica: Ezequiel Theodoro da Silva ressalta que um leitor crítico adentra um texto desejando
compreender as circunstâncias, as razões e os desafi os sociais permitidos ou não por este texto (SILVA,
2002). A leitura, além de crítica, deve ser prazerosa. O ato de ler destrói certezas, pois a pessoa que lê
questiona, se inquieta, analisa, pondera, processa, identifica-se.

O PRINCIPAL RECURSO DA MEDIAÇÃO DA LEITURA: O SER HUMANO!2


A palavra é, e continuará sendo, o mais importante meio de comunicação.
Ela é expressão cultural responsável pela constituição de acervos, que proporcionou todos os avanços
tecnológicos, hoje tão presente na vida dos jovens e de todos nós. É de todas as invenções humanas o chip
original. É também a que melhor traduz o ser humano em suas características sociais e históricas. Sociais,
porque depende da relação com outras palavras. Históricas, porque transcende no tempo: tem passado, presente
e futuro.
No ato de ler, quanto mais analisarmos esses aspectos históricos e sociais de um texto, mais efi caz será
a sua leitura. As palavras são dotadas de humanidade, e os humanos são seres dotados de palavras. O ato da
leitura é uma grande viagem humanista. Somos seres complexos: vivemos em um contexto presente que dialoga
com o contexto passado e flerta com o contexto futuro. Vivemos diversos papéis sociais. Na leitura, podemos
assumir diversos papéis, a partir de pontos de vista distintos: o do leitor – e aqui eu proponho seguir o “eu-
lírico”; o do autor; o do personagem. Além disso, posso também abordar o texto na perspectiva do contexto
histórico, ou seja, o momento da publicação do texto em comparação com o do momento da leitura.
Ora, se é a palavra que predomina, e sendo ela a invenção mais utilizada por todo ser humano em todo
lugar do mundo, não há alternativa senão buscar no próprio ser humano o recurso para a mediação da leitura,
notadamente, do texto literário, pois ele é, ao mesmo tempo, seu produtor e usuário.
A palavra tem todas as características de seu criador. Elas são “seres” históricos, ou seja, são dotadas de
presente, passado e futuro, e vivem de relações. O maior desafio é, portanto, sensibilizar crianças, jovens,
adultos – que também são produtores de palavras – de assumir um papel de leitor de palavras.
Ler as palavras que diz e as palavras que ouve, é compreender a si mesmo e aos outros. Para isso,
devemos sensibilizar o leitor a perceber sua localização no mundo e sua relação com as pessoas, consigo mesmo
e com todos para além das pessoas com quem interage. Isso vai fazer com que se perceba um ser único, mas de
possibilidades múltiplas e, importante, um protagonista da própria história.

FORMANDO OS FORMADORES: AFINAL, O QUE É SER UM “MEDIADOR DE LEITURA”?


Vamos refletir um pouco sobre a segunda questão apresentada no começo deste módulo: O que podem
fazer os mediadores de leitura para contribuir na formação de leitores críticos? Aqui ousaríamos dizer que não
há modelos para formar leitores ou para formar mediadores de leitura, pois os modelos certamente se
esgotariam. O que nós queremos propor é a possibilidade da mediação sensível que se constrói no cotidiano de

2 BRAVOS, Kelsen. Os jovens. Curso Formação de Mediadores de Leitura – Módulo 6. Fortaleza, CE: Fundação
Demócrito Rocha, 2018.

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professores, bibliotecários, pais, agentes de leitura e outros indivíduos que se dedicam a provocante missão de
contribuir com o ato da leitura.
Quando nos referimos ao que chamamos aqui de formação do leitor, precisamos deixar claro tratar-se
de uma ação educativa, e não de gerar formas ou moldes. Pensamos nas práticas dialógicas do ato de ler, do
leitor como elemento principal dessa prática pedagógica, visto no seu todo como ser que pensa, age, reflete,
analisa e decide. Estamos falando de uma ação de protagonismos, tanto do mediador quanto do leitor.
Cada sujeito tem o direito de voz, de expressar-se e de comunicar aquilo que para ele não nasce na
prática mediada, e, sim, em sua inserção no mundo com autonomia que muitas vezes lhe é negada por inúmeros
motivos, como a falta de acesso à escola, à biblioteca e ao livro. Porém, a exposição direta à leitura por meio da
mediação apresenta estímulos humanizadores das práticas sociais e culturais, ampliando o campo de
compreensão do que é lido e de suas linguagens.
A leitura, se bem entendida, é sedutora, pois se alia às experiências do viver para além do tempo e do
espaço. Isso explica, por exemplo, a atemporalidade e as paixões que despertam Dom Quixote de La Mancha, de
Miguel de Cervantes, cuja primeira edição é datada do ano de 1605 e continua sendo uma das obras mais lidas
da atualidade. Lembramos também de outra obra, Romeu e Julieta, tragédia amorosa datada do século XVI, de
Willian Shakespeare, que já recebeu diversas adaptações para o cinema. Ou mesmo os contos de fadas e as
fábulas que tanto encantam o universo infantil. Somente ressignificada, a leitura fará sentido e conquistará
leitores, pois ela não existe isolada ou fora de contexto, sempre revelará outros textos e contextos, encontrando
eco nas vozes plurais dos leitores.
Sobre o que caracteriza o mediador de leitura, temos algumas pistas:
a) Inicialmente, deve tratar-se de um(a) leitor(a), alguém que gosta de ler. É um(a) leitor(a) crítico(a),
cujas experiências são partilhadas no processo de interação com o outro;
b) Além da experiência de leitura, é necessário gostar de comunicar-se, de falar do que lê, compartilhar
seus repertórios e afetividade;
c) Percebe na mediação a possibilidade de mudança a ser realizada no cotidiano das pessoas, de modo
que compreendam o espaço que a leitura ocupa em suas vidas;
d) Compreende as diferentes fases pelas quais um leitor se constrói e se torna íntimo da leitura, sem
exigências, deixando fl uir, sem estabelecer juízos.
O texto, em suas diferentes formas e dimensões, com linguagens verbais
ou não verbais, é mote para desvelar o ato vivido. Por isso, a leitura
precisa ser atrativa, pois ela deve ser reconhecida e (re)siginificada no
sentido mais amplo que esses termos possam ter. Com esse
pensamento, podemos concluir que a leitura é uma prática social
exercitada no cotidiano, da solidariedade, do compartilhamento ou
mesmo em momentos de solidão como um direito do(a) leitor(a).
A mediação da leitura, portanto, é um ato de comunicação
com o outro ou consigo mesmo, daí a necessidade de se ler criticamente
para o exercício da cidadania.
O(A) mediador(a) deve ser, antes de tudo, um(a) leitor(a).
Dessa forma, em uma mediação de leitura, é possível envolver os
leitores pelo encantamento do ato de ler, de modo digno, verdadeiro e
afetivo. Assim como declara Petit (2008), ao afi rmar que a transmissão
do amor pela leitura se dá pela experimentação desse amor. É comum
leitores narrarem suas histórias de leitura a partir da presença de um
mediador, sejam avós, pais, outros familiares, professores, contadores
de histórias, entre outros que, de algum modo se tornaram fi guras
marcantes nesse processo de se construir enquanto leitores.

A MEDIAÇÃO DA LEITURA NA PRÁTICA


Após as reflexões realizadas até o momento, cremos que seja
importante apresentar um pouco sobre a mediação na prática.
Planejar e trilhar um caminho atraente para mediar à leitura e formar leitores é, sem dúvida, um
desafio, tendo em vista que são muitas as possibilidades de leitura nos tempos atuais, inclusive em épocas de
redes sociais e o poder de atração da internet. Entre os desafios queremos destacar:
 As competências do(a) mediador(a)
 As condições nas quais as práticas se desenvolvem
 Os objetivos da mediação
 As ambiências
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 A periodicidade das práticas


 A acessibilidade da leitura
 A existência de acervos atrativos que gerem o interesse do público
O que nos leva a ler? A leitura na forma como é vista atualmente constitui-se em um ato libertador e
emancipatório. Lemos por diferentes motivos, entretanto, o que mais deve aguçar o interesse do leitor é o desejo
de ler o que a ele interessa, de modo a gerar desejo no conhecimento obtido. “Ler é, pois, interrogar as palavras,
duvidar delas, ampliá-las. Deste contato, desta troca, nasce o prazer de conhecer, de imaginar, de inventar a
vida” (YUNES, 1995, p.188).
O(A) mediador(a), ao preparar práticas leitoras, deve reconhecer a priori os objetivos que deseja
alcançar, assim como ao escolher possibilidades de leitura como livros, gêneros textuais, temáticas e material de
apoio para ampliar o diálogo, tendo conhecimento prévio do público a que se destina e de suas competências
leitoras.
Além disso, torna-se indispensável para a sua mediação:
a) Planejar a prática de leitura com antecedência, de modo bem detalhado: textos a serem lidos,
ambiências, atividades etc.;
b) Escolher textos adequados à situação e ao nível de compreensão dos leitores;
c) Ler previamente os textos a serem trabalhados;
d) Organizar a ambiência onde se dará o encontro (biblioteca, sala de aula, residência, sala de estar,
varanda, quintal, praça etc);
e) Expor livros e outros materiais de leitura de modo que possam gerar atração e curiosidade;
f) Estimular o grupo para gerar interação com as obras e a temática apresentada;
g) Conversar informalmente com os participantes sobre livros, leitura e assuntos diversos; Elaborar
atividades dinâmicas e criativas;
h) Utilizar o próprio livro para a leitura, de modo a gerar familiaridade;
i) Relacionar a leitura a outras possibilidades: música, teatro, dança etc.
j) Ler em voz alta e com boa entonação para que todos compreendam o que está sendo lido;
k) Dar autonomia aos leitores para partilharem suas histórias, leituras e narrativas, bem como
exporem posicionamentos.

RETOMANDO ALGUNS PONTOS E ACRESCENTANDO OUTROS


Como destacamos, formar leitores em meio a tantos suportes e possibilidades de leitura atraentes que
hoje se apresentam, pode parecer um grande desafi o, se observarmos de forma pessimista. Por outro lado, se
ampliamos o conceito de leitura e o signifi cado do ato de ler para incorporarmos a presença da leitura no espaço
virtual, explorando bibliotecas digitais, museus virtuais e as mais variadas possibilidades textuais, verbais e não
verbais, como imagens em movimento e sons, por exemplo, percebemos que a complexidade da leitura sempre
encontra novos espaços e leitores.
Ao entendermos a leitura como algo que perpassa tempos e espaços e que vão além de fronteiras
geográficas ou cronológicas, vislumbraremos maior aproximação com os leitores das novas gerações,
especialmente as crianças e jovens, cuja intimidade com as questões tecnológicas são muito perceptíveis. Assim,
é importante ouvir esses leitores, o que eles pensam sobre a leitura e o que dela esperam e desejam, fazendo com
que a mediação não ocorra de forma desconectada da realidade.
À medida que as possibilidades se expandem, percebemos transformações nos perfi s de leitores,
percebendo outras apropriações e concepções de leitura para além do texto escrito, dos espaços tradicionais de
promoção e formação do leitor. Nessa dinâmica, práticas no âmbito da cultura se estabelecem, fazendo emergir
novas confi gurações para o ato de ler e para as relações dos leitores com a leitura.
Por outro lado, enquanto se percebe uma velocidade vertiginosa das possibilidades de leitura na
atualidade, observa-se também que a inclusão democrática dos indivíduos nas práticas sociais de escrita e
leitura ainda não é uma realidade a se comemorar no Brasil.
Em linhas gerais, as dificuldades percebidas estão relacionadas ainda ao acesso à informação e à leitura,
dentro ou fora dos espaços da educação. São evidentes as fronteiras visíveis e invisíveis de acesso à biblioteca e à
leitura, especialmente em zonas rurais ou comunidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
onde a maioria dos alfabetizados não compreende o que lê, como demonstra a pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil (2016), citada anteriormente.
É importante ressaltar o papel das políticas públicas para promoção do acesso ao livro e à leitura,
especialmente para populações de baixa renda. Essas políticas, a exemplo do Plano Nacional do Livro e Leitura
(PNLL), criado em 2006, têm mobilizado pessoas e instituições na promoção da leitura e democratização do
acesso ao livro e às bibliotecas nos estados e municípios brasileiros. Nesse ponto, cabe destacar o forte
movimento e inserção das bibliotecas comunitárias no Brasil, nos últimos anos, e suas ações em rede que têm
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contribuído com a formação de mediadores de leitura para atuarem nas comunidades, bem como fomentando o
acesso às bibliotecas.
Para concluir, afirmamos que a mediação da leitura é ação de acolhimento em primeira instância. Do
mediador que acolhe, do texto que dialoga e das ideias que abraçam o leitor.

REFERÊNCIAS

CALVINO, Italo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das letras, 1999.

FAILLA, Zoara. Retratos de leitura no Brasil 4. Rio de Janeiro: Sextante, 2016. Disponível em:
http://prolivro. org.br/home/images/2016/RetratosDaLeitura2016_
LIVRO_EM_PDF_FINAL_COM_CAPA.pdf

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
1989.

JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002.

PETIT, Michele. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Editora 34, 2008.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

YUNES, Eliana. Pelo avesso: a leitura e o leitor. Curitiba: Editora da UFPR, 1995.

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