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Relatório "Conversatorio - Estudios multidisciplinarios sobre un torso de estuco (Ceiba

Rico A, Río Bec, Campeche)"

Ilustração 1: Programa do Evento

Ilustração 2: A peça em análise


Este "Conversatorio" foi uma iniciativa do Instituto Nacional de Antropologia e História
(INAH) de Campeche (México) realizada no dia 6 de Março de 2021 entre as 10h e as 12h (16h-
18h em Portugal). Teve como participantes o Dr. Dominique Michelet, a Dr. Luisa Straulino e o Dr.
Daniel Salazar e a Dr. Adriana Velázquez Morlet como moderadora.
O Dr. Dominique Michelet é um arqueólogo francês especializado na cultura maia (e, mais
amplamente, mesoamericana). É diretor de pesquisas do CNRS, foi editor-chefe do Journal de la
Société des Américanistes de 1993 a 2016 e faz parte do conselho de assessores das revistas
mexicanas Arqueología Mexicana e Arqueología. O Dr Michelet foi o primeiro interveniente e falou
acerca da escultura nos contextos arqueológico e político-cultural.
Abriu o tema com o contexto geral de descobrimento da peça durante o projeto Río Bec
(2002-2009). A peça foi encontrada no sitio de Ceibarico A, na zona do rio Bec, no sul de
Campeche. Segundo ele, esta zona atraiu exploradores desde finais do século XIX devido ao seu
estilo particular e ao seu padrão de ocupação do espaço (diferente de outras zonas maias). Não
existe pois um centro, mas muitos grupos monumentais separados mas próximos. Corresponderá
então a uma organização sócio-política especial?
O projeto Río Bec foi realizado em duas escalas diferentes: uma zona quadrada de 100
km2, onde o objetivo era localizar o máximo de coisas, para um conhecimento mais geral do
espaço, e uma zona mais central de 159 héctares, onde se desejava um conhecimento mais
profundo. Ao longo dos 100km2 foi dado conta da existência de 73 grupos monumentais, 50 dos
quais eram novos. Um destes novos grupos, localizado no limite este, era Ceibarico A.
Devido a esta grande multiplicidade de centros um dos temas mais debatidos é a questão
de se terá ou não existido um verdadeiro poder real local.
Segundo Dominique Michelet existem três grupos que podem ser considerados como
sendo os melhores candidatos
O primeiro deles é o Grupo II, um grupo do tipo "real" com altar, pirâmide, campo de
futebol, grupo astronómico e 5 estelas que lhe permitiram ser datado como do século V. Apesar de
ser um bom candidato é anterior ao desenvolvimento do estilo "rio Bec".
O Grupo V é outro candidato que, apesar de não ter pirâmide, possui praça, campo de
futebol e 6 estelas. Data de 751-811 d.C., sendo bastante tardio, e faltam-lhe também vários
elementos para ser considerado um centro político.
O terceiro grupo chama-se Kajtun-Dzibil e possui pirâmide e 7 estelas. Além de ser tardio é
também contemporâneo do Grupo V, o que levanta várias questões. Katjun possuia também um
glifo-emblema provavelmente alusivo a algum nome de linhagem ou sitio.
Além destes três sitios, foi ainda apresentado outra possibilidade através do chamado
Grupo B, possuidor de palácios e residências, embora mais humildes e discretos. O elemento
chave que torna esta alternativa viável prende-se com a estrutura 6N2 composta por uma série de
tronos (norte, sul e oeste), associados à data de 802. Do que foi possivel apurar, estes tronos
possuiam uma iconografia real associada a um nome.
No que diz respeito ao contexto arqueológico da peça, Ceibarico A é um sitio arqueológico
que possuia palácio principal com 9 quartos e 2 pirâmides falsas. A peça foi encontrada na
sondagem 35, no recheio da última plataforma e coberta por pedras. Havia sido enterrada e nunca
mais tinha sido movida. Encontrava-se de cabeça para baixo, sem a cabeça nem a parte de baixo.
Estavam perante um elemento escultórico retirado do seu local de depósito original,
provavelmente quebrado intencionalmente e depositado no recheio. Ou seja, havia ocorrido uma
dessacralizaçao da peça, enterrada provavelmente com o objetivo de não ser vista.
Nas conclusões do Dr. Michelet, é possivel considerar a presença de familias nobres à
cabeça de cada um desses grupos e atestar com mais ou menos certeza a existência de
permanente conflito e violência sendo, possivelmente, realizados acordos entre alguns grupos
dado que viviam tão próximos.
Depois do Dr. Dominique Michelet, foi a vez da Dr. Luisa Straulino, restauradora/
conservadora do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH) e da Coordenação Nacional
de Conservação do Património, falar sobre o trabalho de restauração da peça.
Segundo ela, para uma boa restauração é necessário observar e analisar, para perceber
os materiais e componentes, a forma da manufatura, a existência de pigmentos e amostras de cor,
etc. Assim, foi possivel perceber que, por exemplo, existia cor na cabeça zoomórfica do cinturão
(olhos e boca vermelhos) e no umbigo que era preto. O resto da peça teria a cor original do
material utilizado (cor cal).
Foi possivel também apurar que os componentes da peça eram constituidos por entre 90 a
100% de calcite, isto é, carbonato de cálcio, e também por vezes por alguns elementos de
quartzo.
Depois disto, a Dr. Straulino explicou brevemente o Ciclo da Cal: inicialmente era
necessário encontrar as pedras de cal ideais colocando-as depois em fornos, a mais de 900º,
tornando-se cal ativa; essa cal passava depois por um processo de hidratação, sendo-lhe
adicionada água, virando cal hidratada, uma espécie de pasta que poderia ser utilizada
juntamente com pedras ou areia para fazer a argamassa que foi utilizada na peça.
Em primeiro lugar, foram identificados os problemas de conservação da peça: a
fragmentação, a recristalização, raízes e marcas de raízes e sedimentos. Nesse sentido foram
realizadas ações de conservação. Os fragmentos foram limpos separadamente e passaram
depois por um processo de remineralização. De seguida, foram unidos através de diferentes
processos: as partes maiores foram unidas através de "espinhos" e as partes mais pequenas
através de proteina natural. Finalmente, os buracos e falhas foram tapados com ligas de
argamassa de cal e de pedra polmes.
Por último tivemos a apresentação do Dr. Daniel Salazar Lama, investigador associado do
Centro de Estudos Mexicanos e Centroamericanos (CEMCA) na área de história da arte e
iconografía pré-hispânica, arquitetura e ambiente construido. O Dr. Daniel Salazar falou sobre o
significado e contexto arqueitectónico da peça.
Segundo ele, os elementos escultóricos da peça são considerados elementos decorativos
básicos do estilo "rio Bec". Este tipo de peças parecem ser predominantes na parte superior dos
edificios, sobretudo nas fachadas.
Colocaram-se então duas questões:
"Esta forma de representar personagens foi comum na região?"
"Que se pode dizer acerca da iconografia da peça e da sua integração na fachada do
edificio?"
Trata-se de uma representação bastante naturalista que representa a escala humana de 1
para 1 e que reproduz as formas do corpo humano através de curvas e linhas e de jogos de
constrastes de luz/ sombra.
A sua postura evidencia um ligeiro desvio à esquerda, sugerindo movimento, uma
linguagem corporal associada à nobreza, já que o comum era uma postura hierática, simétrica e
parada.
No que diz respeito à iconografia da peça, é uma iconografia de guerra, com um tipo de
colar associado ao oficio da guerra e a uma nobreza guerreira, um peitoral bastante comum
durante o clássico tardio e um cinturão com cabeça zoomórfica, com uns olhos e nariz de felino,
criaturas relacionada aos guerreiros devido à sua ferocidade.
Algumas conclusões poderam ser feitas acerca do personagem representado: seria um
personagem com peso social, provavelmente membro da elite local com certa autoridade e poder,
representado com o mesmo repertório iconográfico/ formal dos governantes e dignatários maias e
conotado com elementos que aludem ao oficio da guerra. Uma sugestão feita pelo Dr. Daniel
Salazar foi a de que talvez os edificios principais de cada grupo podessem ser sedes de poder
local e as imagens de dignatários, concentradas nas fachadas poderiam ser representações de
quem exercia o poder, ou até representar a linhagem das familias poderosas.

Ana Margarida Oliveira Nunes

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