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Um celular, 250 mil patentes

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
cienciasaude/205655-um-celular-250-mil-
patentes.shtml
Pesquisadores de área de telecomunicações esbarram em dezenas de milhares de
registros de propriedade intelectual; quem ficou para trás no jogo da inovação, como
o Brasil, terá dificuldades para recuperar o tempo perdido

GABRIELA MALTA DE SÃO PAULO

Pesquisadores especializados em tecnologias na área de telecomunicações,


especialmente no desenvolvimento de smartphones, estão esbarrando em um muro cada
vez mais alto de patentes.

A estimativa dos escritórios de advocacia especializados em inovação é que físicos,


engenheiros e cientistas da computação tenham agora o seu trabalho limitado por cerca
de 250 mil patentes ligadas ao setor de smartphones.

"É impossível para um pesquisador nesta área, mesmo em empresas do porte de


uma Apple ou Samsung, analisar completamente todas as potenciais infrações de
patentes de um novo trabalho", disse à Folha o desenvolvedor de softwares Florian
Muller, consultor na área de violação de patentes da Microsoft.

"São dezenas de milhares de relatórios de patentes que teriam de ser analisados a


cada caso", diz. Pesquisadores que não trabalham em grandes empresas, como os
que são vinculados a universidades ou start-ups, têm dificuldades ainda maiores
sem o suporte de um departamento jurídico robusto.

Entre as patentes, estão itens muito específicos como sistemas que tornam links
clicáveis ou servem para identificar o fuso horário do usuário, além de características de
design ou hardware. Para oferecer a mesma função, as empresas têm que desenvolver
mecanismos alternativos.

Tal limitação tem duas consequências. Uma é a guerra na Justiça entre as maiores
empresas de tecnologia para impedir a utilização pelas concorrentes de sistemas
que já tinham patenteado.

No ano passado, um tribunal da Califórnia condenou a Samsung a pagar US$ 119


milhões à Apple por violações de patentes de smartphones. As duas empresas estão
envolvidas em disputas judiciais sobre patentes de smartphones em ao menos outros
nove países, da Alemanha à Coreia do Sul.

Outras ações judiciais envolvem o Google, a Microsoft, a Nokia e a Sony, entre outras
empresas.
O setor de celulares é tão repleto de registros de propriedade intelectual que, segundo
estimativa da consultoria americana RPX, 16% das patentes americanas ativas já se
referem a smartphones.

Contribui para o valor ser alto o fato de o setor ser muito jovem --patentes valem por
20 anos. Em comparação, a indústria farmacêutica, também conhecida por ter
muitas patentes, responde por 6% do total de registros.

BRASIL E CHINA

A segunda consequência, segundo especialistas, é que novos atores teriam dificuldade


para entrar nesse mercado. Uma empresa brasileira que desejasse desenvolver
smartphones competitivos no mercado internacional, por exemplo, teria de desviar
de dezenas de milhares de patentes.

"Como mero montador de smartphones, e não desenvolvedor, o Brasil hoje quase


não esbarra nessas questões de patentes. O projeto e os componentes vêm de fora,
então o valor das patentes já está embutido", afirma o engenheiro Eduardo Tude,
presidente da Teleco Consultoria, especializada no ramo de comunicações.

"Dessa forma, as empresas teriam que ficar pagando pelas licenças, mesmo que
desenvolvessem um projeto de smartphone nacional."

Pedro Augusto Francisco, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV


Direito Rio, também aponta que a detenção de patentes por empresas tradicionais do
setor de smartphones torna a situação de empresas novas ou pequenas difícil. "Elas
acabam sendo barradas", afirma.

Um caso curioso é o da China. A empresa local Xiaomi conseguiu se tornar a


terceira maior vendedora de smartphones do mundo mesmo sem ser detentora de
uma grande coleção de patentes.

Isso ocorre porque quase todas essas vendas foram feitas na China, onde a
aplicação de direitos de propriedade intelectual é deficiente.

Por isso, os produtos não teriam como competir no mercado dos EUA, por exemplo.
Mesmo na Índia os smartphones chineses foram banidos, após a empresa ser processada
pela Ericsson pelo não licenciamento de tecnologias que empregava.

A situação pode estar mudando na própria China, que montou em novembro o seu
primeiro tribunal especializado em propriedade intelectual, em boa medida por pressão
do governo americano.

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