Ucrânia, que decidiu ler a Bíblia “​como homem civilizado e com

23 de Outubro de 2020  interesses culturais​”. Assim, ele declara: “​enquanto lia, pouco a
Universidade Federal de Santa Catarina
pouco cheguei à convicção de que a Bíblia revela a verdade a nós​”.
Estudo Biográfico Indutivo
Realizado por Alexssander, Hallan de Oliveira, Rookmaaker continuou a estudar todas as áreas das
Lucas Ávila e Milena J. Noll. 
humanidades durante seu período de aprisionamento por meio de
livros que um ou outro lhe disponibilizavam. Ele cita filosofia,
Hans Rookmaaker
psicologia, literatura e história da literatura em especial. Enquanto
Biografia se aprofundava nos estudos, surgiu um dilema fundamental para
ele: posso tornar-me um cristão e ser um intelectual atuante ao
Henderik (Hans) Roelof Rookmaaker nasceu na cidade de
mesmo tempo, especialmente em filosofia? Na época,
Haia, na Holanda, em 27 de fevereiro de 1922. Sua família não era
aproximava-se muito da filosofia kantiana. Foi só quando ouviu de
religiosa, a ponto de terem esquecido de batizá-lo ao nascer.
seu novo capitão acerca de Dooyeweerd que sancionou sua
Entretanto, não havia oposição ao cristianismo. Como conta
dúvida. O livro emprestado, ​New Critique​, iniciava com a mesma
Rookmaaker, seu pai até “cria na existência de um Deus e que a
pergunta que ele havia feito, com uma resposta negativa em
Bíblia era um livro valioso - [...] mas isso era tudo”. Estudou numa
relação à Kant, porém com a esperançosa afirmação de que “​o
escola secundária cristã, pela qualidade do estudo, mas não foi
cristão tem uma tarefa clara, também como filósofo. ​[Dooyeweerd]
alcançado pelo evangelho ali e havia pouco interesse missional por
afirmava que o pensamento cristão não é fechado, mas, na
parte dos professores. Quando adulto, aspirava à Marinha, mas por
verdade, aberto​”.
ocasião da invasão alemã em maio de 1940, dedicou-se aos
Com seus últimos obstáculos a Cristo removidos, as leituras
estudos na Universidade de Delft. Ele diz: “​Naqueles dias, comecei
de Dooyeweerd foram uma espécie de catecismo para
a pensar mais seriamente acerca de problemas, e às vezes tinha a
Rookmaaker. Após seu retorno à Holanda, foi batizado e admitido
sensação de que Deus podia desempenhar um papel importante
na Igreja Reformada. Com a rendição japonesa, abandonou a
em nossa vida”​ . Secularista e formado em engenharia naval, foi
Marinha e focou seus estudos na história da arte. Seu desejo
após ser aprisionado num campo próximo a Nuremberg, na
sincero de avançar o Reino de Deus em algum campo da cultura e
seu entendimento do Senhorio de Cristo levou-o voluntariamente a,
conversando com um amigo, saber a área de menor atuação dos
cristãos, e assim a encontrou: a arte. Estudou teoria estética, e
fundou o departamento de arte da Universidade Livre de Amsterdã
(esta última sendo fundada por Abraham Kuyper).
Encontrou-se com Francis Schaeffer em 1948 na Holanda,
no Encontro Organização Internacional de Igrejas Cristãos.
Schaeffer viu em Rookmaaker alguém com quem poderia
conversar tudo acerca do que pensava e estudava; e o holandês
sentia-se grandemente fortalecido em sua fé pelo fervor que
Schaeffer refletia em seu amor por Deus. A amizade e influência
entre os dois durou toda a vida de Rookmaaker.
A observação final de Rookmaaker é: “​experimentei
pessoalmente como a filosofia da ideia cosmonômica tem
importância evangelística. Estamos suficientemente conscientes
disso? E estamos usando-a o bastante?​”**
Hans Rookmaaker faleceu num domingo à tarde, no dia 13
de março de 1977.
Teologia e Filosofia da Estética
O contexto dos tempos onde Hans Rookmaaker vivia, era
um tanto complexo, onde de um lado acontecia uma deterioração
gradual da cultura ocidental à medida que deixava sua base bíblica
e se tornava mais secularizada, pagã e irracional, uma herança do
liberalismo, uma sociedade pós-cristã. E do outro lado, justamente
por conta dessa realidade, a igreja tinha adotado uma postura
muito dissociativa, fugindo de tudo que fosse “do mundo”, se das
esferas das artes, ciência e política, e tornando-se completamente
alheia a elas, coisa que ainda podemos ver em alguns meios do
evangelicalismo brasileiro.
Rookmaaker foi um historiador e crítico cultural. Sua visão
da arte teve influência da filosofia da ideia cosmonômica de
Herman Dooyeweerd (herdeiro do pensamento de Kuyper), que
enxerga o ser humano e a vida de uma forma integral, conectados
ao cosmo (universo) criado por Deus de maneira organizada,
regido por leis distintas em cada esfera da vida. Rookmaaker critica
a arte moderna, pois esta se tornou apenas uma busca
individualista da própria identidade do artista (apenas uma
expressão do “eu”), enquanto que a arte anterior ao período
moderno possuía ligação com a vida e suas funções cotidianas.
Em suma, a arte se tornou algo abstrato, desconectado da vida.
A arte, segundo Rookmaaker, não precisa de justificativa,
pois Deus deu talentos para os artistas e, portanto, eles devem
usá-los. Isso significa que os artistas cristãos não precisam fazer
apenas arte evangelística. A arte tem sua importância na vida
assim como qualquer outra profissão e, assim como todos os
profissionais cristãos devem trabalhar para a glória de Deus, os
artistas também devem trabalhar dessa forma, sem precisar
“justificar com argumentos sagazes o porquê de estarem fazendo o
seu trabalho”*. ​A arte tem um fim em si mesma: glorificar a Deus!
Portanto, o artista adora a Deus quando faz algo bem feito, que
possua beleza. Rookmaaker faz, inclusive, uma provocação
dizendo que o mundo não se tornou ateu porque os ateus
pregaram, mas porque eles trabalharam. Os artistas cristãos,
então, devem trabalhar a partir de seus dons, como ato de amor e
serviço a Deus e ao próximo, e não precisam da justificativa da
“propaganda religiosa” para fazer isso. A arte, em si mesma, é um
potencial dado por Deus! A arte cristã não é aquela feita na igreja,
mas a que é elaborada por alguém com o coração voltado para
Deus.
“​Lutamos para expressar claramente o que é o elemento na
obra do cristão, aquilo que a Bíblia chama de fruto do Espírito
(Gl 5.22). O que precisa ser enfatizado é que a arte deve ser
humana, real. ​O elemento cristão nunca vem simplesmente
como um anexo​”*
Para Rookmaaker, o núcleo da esfera de lei Estética é a
“harmonia bela”. Seguindo a filosofia da ideia cosmonômica, ele
sugere que as diversas esferas da vida (número, espaço, física,
psíquica, histórica, lógica, linguística, social, econômica, fé etc.)
interagem de algum modo na estética. Por exemplo, a esfera
econômica ajuda a eliminar o que é esteticamente excessivo,
supérfluo em uma obra de arte; na esfera social, uma obra de arte
deve ter correspondência com os membros de alguma cultura
específica; a esfera linguística exige que a obra de arte tenha algo
a dizer para nós, algo que nos atraia; a esfera lógica mantém as
partes de uma obra de arte em uma conexão lógica (coesa); a
esfera psíquica tem a ver com a emocionalidade expressa pelo
artista em sua obra; a esfera do amor impede que uma obra de arte
degrade o ser humano e que justifiquemos um conteúdo feio com
uma forma bela; a esfera da fé nos mostra que todo processo de
criação de uma obra de arte é regido por uma crença. Além disso,
Rookmaaker afirma que a arte tem funções pré-estéticas: a função
social, a jurídica, a ética e a função da fé. Sobre a dimensão da fé,
o pensador holandês nos desafia a não ignorar o aspecto espiritual
das obras de arte, já que todo artista expressa aquilo que acredita.
Finalmente, Rookmaaker afirma que a arte só pode ser significativa
quando está plenamente integrada à vida.**
“Eu leio Rookmaaker; você Jean Paul Sartre”
O famoso trecho da canção da banda brasileira de rock
Palavrantiga, além de fazer alusão a uma diferença geral entre o
pensamento ateísta e a cosmovisão cristã, provavelmente faz
referência a contraposição específica das ideias de Sartre, que
afirmava que o Deus cristão era uma invenção do ser humano para
não assumir a sua liberdade, ou seja, que o homem só é livre se
contestar a Deus; enquanto que Rookmaaker declara o oposto: “as
coisas, ações e esforços humanos só alcançam seu significado a
partir de seu relacionamento com Deus”.*
*citação retirada do livro ​A arte não precisa de justificativa (​ Viçosa, MG: Ultimato, 2010)
 ** ideias retiradas do livro ​Filosofia e Estética ​(Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018)
Legado e contribuições
É notória a atualidade do tema proposto por Rookmaaker,
onde, mesmo estando em uma sociedade mais antiga, quando
comparada à nossa dos dias de hoje, traz reflexões profundas a
respeito na maneira a qual vemos os dons de Deus e a sua
aplicação. Temos de um lado a proposta da igreja, exigindo dos
artistas cristãos uma produção usando puramente as convicções
religiosas e do outro temos a crítica externa referente ao
ultraconservadorismo adotado para agradar o público de mesma
cosmovisão.
Neste contexto, Rookmaaker apresenta esta falha na nossa
visão de dom. No decorrer de seu livro ‘A arte não precisa de
Justificativa’, mostra que Cristo não veio apenas para salvar-nos,
mas para nos redimir do pecado, de forma que seja possível ser
humano no sentido pleno da palavra. Isso mostra que há total
liberdade de utilizar os dons de Deus, não apenas glorificando o
nome dEle, mas em benefício das outras pessoas.
Como foi apresentado ao longo do estudo, há uma
chamada para que este padrão seja rompido, permitindo uma
expressão genuína e pura, em todas as esferas da sociedade, sem
preocupações a respeito da aceitação ou da crítica futura.
Não cristãos, mesmo não sendo filhos de Deus, no sentido
soteriológico, não podem ser ignorados pela igreja, como se toda
sua produção fosse ruim. Pelo contrário, eles são criaturas de Deus
e, portanto, podem produzir algo benéfico para a sociedade
também. Esta era a linha de raciocínio por trás da argumentação
de que a arte não necessitava de um pretexto para sua realização.
“Jesus não veio para nos tornar cristãos. Jesus veio para nos
tornar totalmente humanos.”
Perguntas:
1) O que Rookmaaker, em todo o seu processo de conversão,
percebeu sobre a Palavra de Deus? Que testemunho é
esse para nós vivermos o dia de hoje?
2) De acordo com o que estudamos, o que é a arte cristã?
3) Qual a crítica de Rookmaaker sobre a submissão da arte ao
evangelismo que ocorre comumente dentro das igrejas?
Como a soberania de Cristo altera essa ordem?
4) Rookmaaker procurou saber qual era a área em que havia
menor atuação dos cristãos para então decidir de que forma
serviria a Deus. O que isso nos ensina sobre nosso
chamado e vocação?
5) É notável a crítica do pensador na forma a qual o cristão
atua como agente cultural. Então, levando em consideração
este panorama, como é possível nós, como cristãos,
produzirmos uma mudança na sociedade e na igreja,
alterando este paradigma?