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O ataque estratégico do neoliberalismo à educação https://blogdaboitempo.com.br/2019/09/30/o-at...

O ataque estratégico do neoliberalismo


à educação

Por Christian Laval.

Desde o início da sua expansão o neoliberalismo mirou a escola, o sistema


escolar, a universidade etc. Isso por várias razões diferentes, mas uma das
motivações fundamentais é que se trata de um lugar de formação de um
certo tipo de subjetividade. Em termos mais simples, é o lugar de criação
de um “capital humano”, pensado como tal, que vai alimentar um sistema
produtivo baseado na concorrência generalizada. Por isso, acredito que
estudar, analisar o sistema educacional neoliberal é absolutamente
fundamental para compreendermos o que é o neoliberalismo.

O neoliberalismo não é apenas uma política econômica monetária, não é


só austeridade… ele é muito mais do que isso. Trata-se de uma política,
uma estratégia mesmo, que visa modificar a sociedade e transformar o

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“humano” enquanto tal. E transformar como? Procurando transformar


justamente os seus valores, transformar as relações de cada indivíduo
consigo mesmo. Ou seja, ele difunde um modo de relação capitalista do
indivíduo consigo mesmo, fazendo com que cada indivíduo se considere
um capital.

E, para isso, é preciso começar muito cedo, muito jovem, a considerar que
os estudos são, acima de tudo, um investimento que deve produzir uma
renda, que deve ser rentável. A escola neoliberal tem como alicerce a
eficiência, o desempenho, a rentabilidade. E, portanto, cada indivíduo
deve se ver, rapidamente e desde cedo, como um empreendedor de si
mesmo, um gestor de si mesmo, portanto, que cada um se considere um
“capital”. A partir daí, temos uma matriz, uma matriz antropológica se
quiser, que permite visar uma mudança muito mais global, muito mais
geral da sociedade. Os neoliberais têm uma reflexão estratégica sobre a
forma de mudar a sociedade e o homem.

Na verdade, as políticas neoliberais são políticas que visam oficialmente


tornar a escola mais eficiente, melhorar o seu desempenho, porque esse é
o ideal – ou a “ideologia” de fundo, digamos assim – do neoliberalismo.
Mas, além disso, o neoliberalismo acredita que é capaz de realizar melhor
do que outras soluções um objetivo progressista antigo: a igualdade.
Como? Fazendo com que cada indivíduo possa levar as suas capacidades
o mais longe possível. Por quê? Como? Simplesmente estimulando a
competição, a concorrência entre os alunos, através de testes e avaliações
sistemáticas, mas também fazendo os professores, as escolas competirem
entre si.

Em resumo, para obter esse melhor desempenho da escola, essa


igualdade, basta, segundo os neoliberais, instilar, instalar em toda parte
situações de mercado, isto é, situações de concorrência. E, em primeiro
lugar, a concorrência local. Os pais precisam poder escolher a escola e,
para isso, precisam se transformar em consumidores. A ideia
fundamental é que os pais sejam responsáveis… em razão do próprio
dinheiro que têm de gastar… sejam responsáveis pelo investimento que
fazem pelos filhos. Em resumo, o modelo aplicado é o que os neoliberais
chamam de “soberania do consumidor”. E do qual decorreriam todas as
vantagens.

Isso conduz não a uma escola com um desempenho melhor, mas a uma
escola com um desempenho pior. Foi comprovado na França, na Europa,
nos Estados Unidos e em muitos outros países, que a concorrência
conduz a uma segregação escolar generalizada e sistemática. O que
resulta numa queda do nível de educação no conjunto da população
escolar. Portanto, o objetivo não é alcançado, ele apenas aumenta as
desigualdades entre as crianças e entre as famílias.

* Tradução de Mariana Echalar.

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Christian Laval é professor de sociologia da universidade Paris-Ouest


Nanterre-La Défense, e autor, entre outros de A escola não é uma
empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público (Boitempo,
2019). Desde 2004, coordena junto com o filósofo Pierre Dardot o grupo
de estudos e pesquisa Question Marx, que procura contribuir com a
renovação do pensamento crítico. Juntos, escreveram A nova razão do
mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal (Boitempo, 2016) e Comum:
ensaio sobre a revolução no século XXI (Boitempo, 2017). Colabora com
o Blog da Boitempo, esporadicamente.

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