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A ESCOLA E O DISCURSO DE DISCIPLINA PRODUTIVA

VERSUS A RESISTÊNCIA NO DEVIR


Bianca de Menezes Castro da Silva1

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


biancamenezescastro@hotmail.com

A questão da educação está sendo extensamente discutida nos moldes da ordem vigente
capitalista. Em essência, o argumento é: transformar a educação em um negócio, tendo
expectativa de mobilizar professores e alunos em busca de uma meta quantitativa, que
em primazia busca satisfazer interesses hegemônicos. Adentro disso, cabe então,
aprofundar na compreensão do conhecimento que perpassa a estrutura escolar e que
colabora para a disciplina do sujeito produtivo e vale evidenciar à essência das posturas
de enfrentamento diante desse ideal de educação. Tendo em vista, uma fundamentação
teórico-epistemológica, de cunho investigador, com a contribuição dos autores Deleuze
e Guattari (1997); com o desvelamento do devir, com o autor Foucault (1987); na
perspectiva disciplinadora; com a autora Oliveira (2010); evidenciando como as
avaliações globais perpassam ideais excludentes, com o autor Santos (2004),
apresentando a razão mantedora do padrão e da disciplina, com os autores Simoninii,
Botelho e Amorin (2014), ressaltando o devir em seu conceito e com inspirações
filosóficas. Em suma, é uma pesquisa em andamento.

A chamada educação direito de todos sofre a invisibilidade acerca do Panóptico2: um


implante dos corpos no espaço, de classificação dos sujeitos bilateral, de ordem
hierárquica, de vigor dos centros e dos canais de poder, de definição dos instrumentos e
dos modos de intervenção, que podem e são utilizados no âmbito escolar (FOUCAULT,

1Aluna do curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e bolsista de extensão do


grupo: políticaspráticas educacionais cotidianas e seus praticantespensantes da Pós-Doutora Inês Barbosa
de Oliveira.
2 O Panóptico de Bentham é uma construção em anel, tendo no centro uma torre vazada de largas janelas

que se abrem sobre a face interna do anel. A construção periférica é dividida em celas
(FOUCAULT,1987).
1987). Em decorrência disso, impõe-se uma tarefa ou um comportamento, que no
âmbito escolar, é prescrito por avaliações globais “[...] reduzindo, com isso, a liberdade
de que dispõem as diferentes escolas e sistemas locais com suas diferentes realidades,
para definir seus programas e metodologias de ensino” (OLIVEIRA, 2010 p.21).

Segundo Foucault (1987), no século XVII, a finalidade prescrita do ensino primário era
de fortificar o corpo, adequar a criança a qualquer trabalho mecânico, dando-lhe
capacidade de visão rápida e uma mão firme, isto é, as escolas, norteadas por técnicas,
disciplinavam e produziam sujeitos úteis. O mesmo ideal pode ser reconhecido em
pleno século XXI, em uma propaganda em que a Prefeitura do Rio de Janeiro postara
três crianças em carteiras e enfileiradas sobre uma esteira, como se estivessem em uma
linha de produção de uma fábrica. O conteúdo da propaganda diz: "Nossa linha de
produção é simples. Construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros".
Abaixo, a imagem:

Propaganda da Secretária do Rio de Janeiro

A propaganda expõe o quanto os ideais do âmbito escolar têm inspirações em um


criador demiurgo4, que se utiliza de uma dimensão ideal como modelo para construir a
realidade (SIMONINI; BOTELHO; AMORIM, 2014). O demiurgo exposto na
propaganda visa conduzir a uma ordem, voltada para a produtividade do homem, sendo

3 Imagem extraída da página: Oul Educação, 09 de dezembro de 2014. Disponível em:


http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-escola-a-fabrica-e-gera-
criticas-no-facebook.htm Data de acesso: 18\04\2015.
4 Demiurgo vem a significar um artífice, ou, na cosmogonia platônica, um artesão divino (SIMONINI;

BOTELHO; AMORIM, 2014, p.218).


considerada, a melhor medida, pela Prefeitura do Rio de janeiro para combater um
movimento caótico, que ponha em risco a dimensão ideal. O conhecimento perpassado
na propaganda é designado por uma ordem. Esse pensamento de padronização e ordem,
na escola, é enfatizado pelos sistemas de avaliação globais, autorizando aos Estados
Nacionais decidir o saber a ser ensinado (OLIVEIRA, 2010).

Dessa maneira, tal essência de excelência disciplinadora no Panóptico e uma verdade


que tudo organiza, seriam o alicerce do âmbito escolar. Sobre essa verdade mantedora
de uma ordem, é válido reconhecê-la como sendo, Segundo Santos (2004), a razão
metonímica, que leva a certeza que exista apenas uma lógica que impera e serve de
referência sobre os comportamentos. Ainda com o autor Santos (2004), reafirma-se as
duas consequências:
Em primeiro lugar, como não existe nada fora da totalidade que seja
ou mereça ser inteligível, a razão metonímica afirma-se uma razão
exaustiva, exclusiva e completa. [...] A razão metonímica não é capaz
de aceitar que a compreensão do mundo é muito mais do que a
compreensão ocidental do mundo. Em segundo lugar, para a razão
metonímica nenhuma das partes pode ser pensada fora da relação com
a totalidade. [...] Assim, não é admissível que qualquer das partes
tenha vida própria para além da que lhe é conferida pela relação
dicotômica e muito menos que possa, além de parte, ser outras
totalidade (p.782-783).

Esta passagem é indicativa do quanto a razão metonímica estabelece uma verdade


imutável que dispensa outros modos de ser e compreender o mundo. A propaganda
sugere que é preciso consolidar as forças sociais, sendo isto, maximizar a economia,
disseminar a instrução, aumentar o nível da moral pública (FOUCAULT, 1987).
Porém, a possibilidade dessa ideia se exercer de forma contínua nos alicerces da
sociedade é ineficiente, ao mesmo tempo que a hegemonia tem a expectativa de impor
interesses e preferências, a contra hegemonia movimenta-se em busca do poder do
próprio sujeito diante de suas escolhas. Nesse momento, a razão metonímica exclui os
sujeitos que transpõem seus modos de compreender e ler o mundo. Por exemplo, no
âmbito escolar as avaliações classificam os alunos, determinando turmas de melhores e
piores alunos, ou seja, já impõe aos sujeitos das piores turmas um estigma negativo,
apenas pelo motivo de não corresponder a uma razão autoritária, escapando aos olhos
outras possibilidades de conhecimentos.

O que, pois, incomoda a razão metonímica é o simulacro. “Este é concebido como


aquilo que parece uma cópia, mas não o é; como aquilo que simula representar um
modelo, mas não o representa” (SIMONINI; BOTELHO; AMORIM, 2014 p.220).
Nesse sentido, seria outras formas de compor um mundo, ou seja, possibilidades de se
legitimar como sujeito produtor de seu universo e não um produto do universo ideal. E a
escola diante disso, negligencia em nome do saber cientifico e da cultura ocidental,
outras formas de lógicas de produção. Portanto é importante reconhecer que o que está
na vida dos alunos vai além da racionalidade metonímica. Adentro disso, precisa-se
ampliar os pensamentos na questão do enfrentamento.

A questão é simples, qual seria o motivo da ineficácia da Educação no Rio de Janeiro?


Quando, pois, possui toda uma metodologia voltada para uma excelência disciplinadora
e que tem como base uma epistemologia da razão metonímica exclusiva e completa. Na
ideia da propaganda esse é o percurso do sucesso da educação, norteados por dois
aspectos mantedores dos efeitos hegemônicos, a educação seria eficiente para produzir
sujeitos uteis, logo, a eficiência é reduzida à sujeitos produtivos, descaracterizados em
sua essência e normatizados em suas expressões.

No entanto, esse ideal de educação não contava com a questão do movimento no


cotidiano – “consideramos que o cotidiano é um verbo e não um substantivo. Se o verbo
de uma frase designa ações e implementa um movimento na sentença, também por
cotidiano entendemos uma ação [...]” (SIMONINI; BOTELHO; AMORIM, 2014
p.217). No caso, a razão metonímica e a disciplina do Panoptismo esbarram em uma
força maior, em um devir. “O conceito de devir carrega consigo a proposta de um
deslocamento de uma transformação e de um processo” (SIMONINI; BOTELHO;
AMORIM, 2014 p.218). O cotidiano escolar é um movimento intenso, uma potência
incontrolável de ações. Ao compreender isso: Qual seria o aspecto essencial para o
sucesso do sujeito diante da Educação do Rio de Janeiro? Não só do Rio de Janeiro, mas
diante de qualquer educação que vise privar o sujeito de sua essência e características. A
educação deve desenvolver um conhecimento emancipador, que considere as realidades
ausentes, marginalizadas, e já que se faz o contrário, instaurando aspectos silenciadores
– promovendo o próprio fracasso, o sujeito tem o direito de recuperar a experiência
desperdiçada por esses processos. O devir garante a ineficácia dos sistemas normativos
e produz movimentos que nada se espelha em um ideal de mundo, em outras palavras:

Um devir não é uma correspondência de relações. Mas tampouco é ele


uma semelhança, uma imitação e, em última instância, uma
identificação. [...] Devir é sempre de uma ordem outra que a da
filiação. Ele é da ordem da aliança (DELEUZE; GUATTARI, 1997,
p.18-19).

Sob esse aspecto, a escola pode até tentar impor um ideal de mundo em suas avaliações
globais e métodos, mas o que irá conseguir é apenas a indiferenças de seus alunos. Uma
vez que, o devir não está preocupado com os sistemas. As diferenças que tramam o
cotidiano não podem ser apreendidas como sendo uma re-assimilação contorcida dos
ideais almejados. A potência do devir não se interessa em entender os movimentos que
visam limitar expressões e desejos, mas de usufruir de suas intensificações, se
autolegitimando no cotidiano, em outras palavras, “estar em devir[...] vem a ser
compreendido como compor-se em intensificações que não legitimam modelos
prévios[...]” (SIMONINI; BOTELHO; AMORIM, 2014 p.221). Com isso, compreende-
se a diversidade cultural, seja de gênero, etnia, posição social e afins, um enfrentamento
de empoderamento impulsionado pelo devir, que não corresponde a avaliações globais e
métodos que visam, em sua essência, padronizar os sujeitos para interesses
hegemônicos.

Portanto, as avaliações globais deveriam ser feitas por todos, ou seja, a expectativa é
que cada âmbito escolar tivesse a oportunidade de expor as necessidades e
características da comunidade da escola, tendo atenção ao sujeito e seu movimento. No
entanto, a escola é prisioneira de um sistema disciplinador, tendo em vista, maximizar
interesses e preferências da hegemonia. A própria Secretária do Rio de Janeiro almeja
introduzir um conhecimento mecanicista, que não estimula o aluno a consciência crítica,
ao manuseio ético de seus interesses. A razão metonímica impõe uma direção de
conhecimento e modo de ser, e tudo que não segue essa linha perde a legitimidade. Os
conhecimentos que podem contribuir para o ponto de partida de um método pedagógico
no âmbito escolar são desconsiderados, com isso, o professor não dar abertura a
modificações em seu discurso. Logo, caminha-se ao fracasso do sistema escolar, que
tenta produzir uma realidade que não existe aos olhos dos reais sujeitos potentes. A vida
real não se submete a esse mundo ideal. Para além do autoritarismo tem outras
possibilidades, ou seja, os sujeitos são as potencias que garantem seu espaço, mesmo
que isso ocorra de forma clandestina. O devir é a essência dos vencedores,
empoderando sujeitos nos cotidianos.

Referências

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs. São Paulo: Ed. 34, V4, 1997.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel


Ramalhete. Petrópolis, vozes, 1987, 288p.

OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículo praticados em tempos de globalização: o


cotidiano escolar e seus condicionantes na criação de alternativas emancipatórias.
In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de (org). Práticas cotidianas e emancipação social: do
invisível ao possível. Petrópolis, RJ : DP et Alii, 2010, p. 13-35.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma sociologia das ausências e Uma sociologia
das emergências. In: Conhecimento prudente para uma vida decente. São Paulo:
Cortez, 2004, p.777-823.

SIMONINII, Eduardo; BOTELHO, Cristiane Roque Pereira; AMORIN, Graziele


Corrêa. Cotidianos em devir. In: GARCIA, Alexandra; OLIVEIRA, Inês Barbosa de
(orgs). Aventuras de conhecimento: utopias vivenciadas nas pesquisas em educação, 1.
Ed. – Petrópolis, Rj: De Petrus; Rio de Janeiro, Rj: FAPERJ, 2014, p. 217-228.

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