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Coesão textual (1)

quando lemos com atenção um texto bem construído, não


nos per emos por entre os enunciados que o constituem, nem perde-
mos a noção de conjunto. Com efeito, é possível perceber a conexão
existente entre os vários segmentos de um texto e compreender que
todos estão interligados entre si.
A título de exemplificação do que foi dito, observe-se o texto
que vem a seguir:
É sabido que o sistema do Império Romano dependia da es-
cravidão, sobretudo para a produção agrícola. É sabido ainda que
a população escrava era recrutada principalmente entre prisionei-
ros de guerra.
Em vista disso, a pacificação das fronteiras fez diminuir con-
sideravelmente a população escrava.
Como o sistema não podia prescindir da mão de obra escra-
va, foi necessário encontrar outra forma de manter inalterada es-
sa população.

Como se pode observar, os enunciados desse texto não estão


amontoados caoticamente, mas estritamente interligados entre si:
ao se ler, percebe-se que há conexão entre cada uma das partes.
A essa conexão interna entre os vários enunciados presentes
no texto dá-se o nome de coesão. Diz-se, pois, que um texto tem coe-
são quando seus vários enunciados estão organicamente articulados
entre si, quando há concatenação entre eles.
A coesão de um texto, isto é, a conexão entre os vários enun-
ciados obviamente não é fruto do acaso, mas das relações 'de senti-
do que existem entre eles: Estas relações de sentido são manifesta-
das sobretudo por certa categoria de palavras, as quais são chama-
das conectivos ou elementos de coesão. Sua função no texto é exata-
mente a de pôr em evidência as várias relações de sentido que exis-
tem entre os enunciados.
No caso do texto citado acima, pode-se observar a função de
alguns desses elementos de coesão. A palavra ainda no primeiro pa-
O uso adequado dos elementos de coes& confere unidade a qualquer texto, embora isso do rágrafo ("É sabido ainda que"...) serve para dar continuidade ao
seja suficiente para tornar consistentes as ideias veiculadas por ele. Veja-se, por exemplo, o que foi dito anteriormente e acrescentar um outro dado: que o recru-
texto que vem a seguir sobre a sonegaado de impostos. tamento de escravos era feito junto dos prisioneiros de guerra.
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O segundo parágrafo inicia-se com a expressão em vista disso, Muitas vezes, nas suas redações, os alunos constroem períodos
que estabelece uma relação de implicação causal entre o dado ante- incompreensíveis, por descuidarem dos princípios de coesão. Não é
rior e o que vem a seguir: a pacificação das fronteiras diminui o for- raro, por exemplo, ocorrerem períodos desprovidos da oração prin-
necimento de escravos porque estes eram recrutados principalmente cipal, como nos exemplos que seguem:
entre os prisioneiros de guerra.
O homem que tenta mostrar a todos que a corrida armamen-
O terceiro parágrafo inicia-se pelo conectivo como, que mani- tista que se trava entre as grandes potências é uma loucura.
festa uma outra relação causal, isto é: foi necessário encontrar outra
forma de fornecimento de escravos porque o sistema não podia pres- Ao dizer que todo o desejo de que os amigos, viessem à sua
cindir deles. festa desaparecera, uma vez que seu pai se opusera à realização.
São várias as palavras que, num texto, assumem a função de
conectivo ou de elemento de coesão: No primeiro período temos:
— as preposições: a, de, para, com, por, etc.;
— as conjunções: que, para que, quando, embora, mas, e, ou, etc.; 1) o homem;
— os pronomes: ele, ela, seu, sua, este, esse, aquele, que, o qual, etc.; 2) que tenta mostrar a todos: oração subordinada adjetiva;
— os advérbios: aqui, aí, lá, assim, etc.
3) que a corrida armamentista é uma loucura: oração subordinada
O uso adequado desses elementos de coesão confere unidade substantiva objetiva direta;
ao texto e contribui consideravelmente para a expressão clara das 4) que se trava entre as grandes potências: oração subordinada adjetiva.
ideias. O uso inadequado sempre tem efeitos perturbadores, tornan-
do certas passagens incompreensíveis. A segunda oração está subordinada àquela que seria a primei-
Para dar ideia da importância desses elementos na construção ra, referindo-se ao termo ,homem; a terceira é subordinada à segun-
das frases e do texto, vamos comentar sua funcionalidade em algu- da; a quarta à terceira. A primeira oração está incompleta. Falta-lhe
mas situações concretas da língua e mostrar como o seu mau empre- o predicado. O aluno colocou o termo a que se refere a segunda ora-
go pode perturbar a compreensão. ção, começou uma sucessão de inserções e "esqueceu-se" de desen-
volver a ideia principal.
No segundo período, só ocorrem orações subordinadas. Ora,
A coesão no período composto todos sabemos que uma oração subordinada pressupõe a presença
de uma principal.
O período composto, como o nome indica, é constituído de vá-
rias orações, que, se não estiverem estruturadas com coesão, de acor- A escrita não exige que os períodos sejam longos e complexos,
do com as regras do sistema linguístico, produzem um sentido obscu- mas que sejam completos e que as partes estejam absolutamente co-
ro, quando não, incompreensível. nectadas entre si.
O período que segue é plenamente compreensível porque os ele- Para evitar deslizes çomo o apontado, graves porque 'o perío-
mentos de coesão estão bem empregados: do fica incompreensível, não `é preciso analisar sintaticamente cada
Se estas indústrias são poluentes, devem abandonar a cida- Período que se constrói. Basta usar a intuição linguística que todos
de, para que as boas condições de vida sejam preservadas. os falantes possuem e reler o que se escreveu, preocupado com veri-
ficar se tem sentido aquilo que acabou de ser redigido.
Esse período consta de três orações, e a oração principal é: de-
vem abandonar a cidade; antes da principal vem uma oração que es- Ao escrever, devemos ter claro o que pretendemos dizer e, uma
tabelece a condição que vai determinar a obrigação de as indústrias vez escrito o enunciado, devemos avaliar se o que foi escrito corres-
abandonarem a cidade (o conectivo, no caso, é a conjunção se); de- ponde àquilo que queríamos dizer. A escolha do conectivo adequa-
pois da oração principal segue uma terceira oração, que indica a fi- do é importante, já que é ele que determina a direção que se preten-
nalidade que se quer atingir com a expulsão das indústrias poluentes de dar ao texto, é ele que manifesta as diferentes relações entre os
(o conectivo é a conjunção para que). enunciados.

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3? período:
TEXTO COMENTADO O conectivo "no entanto" (de caráter adversativo) introduz
unia argumentação contrária ao que se admite no período anterior:
Um argumento cínico a justificativa para sonegar impostos, como argumento, é cínica e im-
procedente.
(1) Certamente nunca terá faltado aos sonegadores de todos
os tempos e lugares o confortável pretexto de que o seu dinhei- 4? período:
ro não deve ir parar nas mãos de administradores incompetentes Através do conectivo "porque", o enunciador expõe a causa
e desonestos. (2) Como pretexto, a invocação é insuperável e tem pela qual considera cínico o argumento: é cínico porque a sonegação
s mesmo a cor e os traços do mais acendrado civismo. (3) Como ar- não é substituída por outro tipo de contribuição que atenda à neces-
gumento, no entanto, é cínica e improcedente. (4) Cínica porque sidade de recursos do Estado.
a sonegação, que nesse caso se pratica, não é compensada por
qualquer sacrifício ou contribuição que atenda à necessidade de re-
5? período:
cursos imanente a todos os erários, sejam eles bem ou mal admi-
nistrados. (5) Ora, sem recursos obtidos da comunidade não há po-
O conectivo "ora" dá início a uma argumentação que se mani-
io festa contrária à ideia de que o Estado possa sobreviver sem arreca-
liciamento, não há transportes, não há escolas ou hospitais. (6) E
sem serviços públicos essenciais, não há Estado e não pode haver dar impostos e sem se prover de recursos.
sociedade política. (7) Improcedente porque a sonegação, longe
de fazer melhores os maus governos, estimula-os à prepotência 6? período:
15 e ao arbítrio, além de agravar a carga tributária dos que não que- O conectivo "e" introduz um segmento que adiciona um argu-
rem e dos que, mesmo querendo, não têm como dela fugir — os mento ao que se afirmou no período anterior.
que vivem de salário, por exemplo. (8) Antes, é preciso pagar, até
mesmo para que não faltem legitimidade e força moral às denún- 7? período:
cias de malversação. (9) É muito cômodo, mas não deixa de ser, Depois de demonstrár que o argumento dos sonegadores é cíni-
20 no fundo, uma hipocrisia, reclamar contra o mau uso dos dinhei- co, o enunciador passa a demonstrar que é também improcedente,
ros públicos para cuja formação não tenhamos colaborado. (10) Ou o que já foi afirmado no terceiro período. O motivo da improcedên-
não tenhamos colaborado na proporção da nossa renda. cia vem expresso por uma oração causal iniciada pelo conectivo "por-
VILLELA, João Baptista. Veja, 25 set. 1985. que": a justificativa para sonegar é improcedente porque a sonega-
ção, ao invés de contribuir para melhorar os maus governos, estimu-
O produtor desse texto procura desmontar o argumento dos so- la-os à prepotência e ao arbítrio. No mesmo período, o conectivo
negadores de impostos que não os pagam sob a alegação de que os "além de" introduz um argumento a mais a favor da improcedência
administradores do dinheiro público são incompetentes e desonestos. da sonegação: ela agrava a carga tributária dos que, como os assala-
riados, não têm como fugir dela.
Por uma razão prática, vamos fazer o comentário dos vários
argumentos tomando por base cada um dos períodos que compõem 8? período:
o texto: O conectivo "antes", que inicia o período, significa "ao con-
trário" e introduz um argumento a favor da necessidade de pagar im-
1? período: Postos. O conectivo "até mesmo" dá início a um argumento que re-
Expõe o argumento que os sonegadores invocam para não pa- força essa necessidade.
gar impostos: eles alegam que não os pagam porque o seu dinheiro
não deve ir parar nas mãos de administradores desonestos e inco 9? período:
petentes. Observe-se que o produtor do texto começa a desautorizar
esse argumento ao copsiderá-lo um "confortável pretexto", isto é, O conectivo "mas" (adversativo), que liga a oração "É muito
curnodo" à oração "não deixa de ser uma hipocrisia", estabelece
uma falsa justificativa usada em proveito próprio. unta relação de contradição entre as duas passagens: de um lado, é
2? período: 9(5x/1odo reclamar contra o mau uso do dinheiro público, de outro,
O enunciador admite que, como pretexto (falsa razão), essa Isso não passa de hipocrisia quando não se colaborou com a arreca-
justificativa é insuperável e tem aparência de elevado espírito cívico. ' dação desse dinheiro.

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10? período: Questão 5
O conectivo "ou" inicia uma passagem que contém uma alter- Em São Paulo já não chove há mais de dois meses, apesar
nativa que caracteriza ainda a atitude hipócrita: é hipocrisia recla- de que já se pense em racionamento de água e energia elétrica.
mar do mau uso de um dinheiro para o qual nossa colaboração foi
abaixo daquilo que devia ser. Questão 6
Como se vê, os períodos compostos bem estruturados e os co-
As pessoas caminham pelas ruas, despreocupadas, como se
nectores usados de maneira adequada dão coesão ao texto e consis-
não existisse perigo algum, mas o policial continua folgadamente
tência à argumentação. tomando o seu café no bar.

Questão 7
Talvez seja adiado o jogo entre Botafogo e Flamengo, pois
EXERCNIOS crestado do gramado do Maracanã não é dos piores.

Questão 8
Questões de 1 a 4
Nas questões de 1 a 4, apresentamos alguns segmentos de discurso se- Uma boa parte das crianças mora muito longe, vai à escola
parados por ponto final. Retire o ponto final e estabeleça entre eles o tipo com fome, onde ocorre o grande número de desistências.
de relação que lhe parecer compatível, usando para isso os elementos de coe-
são adequados. Questão 9

Questão 1 Leia o período que segue:


O solo do Nordeste é muito seco e aparentemente árido. Quan- Chegaram instruções repletas de recomendações para que
do caem as chuvas, imediatamente brota a vegetação. os participantes do congresso, que, por sinal, acabou não se reali-
zando por causa de fortes chuvas, que inundaram a cidade e para-
lisaram todos os meios de comunicação.
Questão 2
a) É compreensível o seu conteúdo?
Uma seca desoladora assolou a região sul, principal celeiro b) Qual o seu grande defeito?
do pais. Vai faltar alimento e os preços vão disparar.

Questão 3
Inverta a posição dos segmentos contidos na questão 2 e use o conec-
PROPOSTA DE REDAÇÃO
tivo apropriado: Nas dissertações, o uso apropriado dos conectivos assume im-
Vai faltar alimento e os preços vão disparar. Uma seca deso- Portância particular para estabelecer as relações semânticas e,lógicas
ladora assolou a região sul, principal celeiro do pais. entre os vários segmentos do texto.
Elabore um texto dissertativo bem coeso, manifestando seu
Questão 4 Ponto de vista a respeito das ideias contidas neste fragmento:
O trânsito em São Paulo ficou completamente paralisado di2 O Duque de She dirigiu-se a Confúcio, dizendo: — Temos
15, das 14 às 18 horas. Fortíssimas chuvas inundaram a cidade. em nossa terra um homem direito. Seu pai furtou uma ovelha, e
o filho depôs contra ele. — Na nossa, retrucou Confúcio, ser direi-
Questões de 5 a 8 to é proceder de maneira diferente. O pai oculta a culpa do filho,
As questões de 5 a 8 apresentam problemas de coesão por causa d° e o filho a do pai. Gente direita é assim que se comporta.
mau uso do conectivo, isto é, da palavra que estabelece a conexão. A Pala' MÁXIMAS de Confúcio. Apud RUSSELL, Bertrand.
vra ou expressão conectiva inadequada vem em destaque. Procure des
cf,- Ensaios céticos. 2. ed. 5ão Paulo, Nacional.
brir a razão dessa impropriedade de uso e substituir a forma errada pela correw' 1957. p. 82.

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