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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Centro de Comunicação e Letras


Curso de Letras
Prova de Língua Portuguesa IV

Nome:______________________________________________________Data: ____________

I - Aponte 3 elementos conceituais de contraste entre a Linguística saussuriana e a


Linguística textual. Explique as diferenças em termos de abrangência e aplicabilidade (o que
é possível analisar com os conceitos; a quais análises se aplicam).

R: A Linguística Estrutural Saussureana caracteriza-se por enxergar a gramática como um


sistema de regras referentes às relações entre os elementos gramaticais estabelecidos, sendo
que cada língua possui seu sistema de regras e características particulares (a não ser pela
dinâmica estrutural, que é algo comum entre elas), ou seja, vê a língua de maneira estrutural,
alheia ao texto e ao contexto em que surgem tais elementos da língua, em oposição a enxerga-
la de uma forma mais dinâmica, como veremos no caso da Linguística Textual.

A partir daí podemos definir três pontos de afastamento conceitual (sem uma ordem
cronológica determinada) na qual a chamada Linguística Textual se distancia da Linguística
Saussureana:

1- O interesse, por um lado, voltava-se para a Análise Transfrástica, que abrangia fenômenos
não explicados por teorias sintáticas ou semânticas que se limitavam à frase apenas (como no
caso do estruturalismo). É um tipo de análise que se aplica, por exemplo, no caso da co-
referenciação, onde não se pode encontrar um sentido definido apenas na frase em si, mas é
necessária a exploração do interior do texto para que se construa uma unidade de sentido,
sendo que se parte da frase e estende-se a abrangência para o texto.

2- Por outro lado, encontramos a tentativa de uma descrição da competência textual dos
falantes de uma certa língua, sob influências da gramática gerativa, resultando na criação das
Gramáticas Textuais. Aqui, a proposta era reconstruir o texto de forma que fosse analisado
como objeto linguístico uniforme, estável e com propriedades que diziam respeito ao próprio
sistema abstrato da língua. Tais análises abrangiam o texto como mais do que uma soma dos
significados das frases que o constituíam, mas como um todo mais elevado do que a mera
soma das partes.

3- Finalmente, o texto passa a ser estudado como um processo, em oposição a um produto


acabado, em constante diálogo com os elementos externos e internos para que se atingisse
um sentido, resultado de eventos comunicativos em que converge a o processo linguístico e as
ações sociais (contexto) e cognitivas (compreensão). Com isso, é possível analisar as relações
entre criação, proposta e recepção de um texto (as operações linguísticas, cognitivas e
discursivas que controlam o processamento dos sentidos em certa situação social).

II – A coerência de um texto é resultado de: a) trabalho de cooperação do leitor, b) de


julgamentos suscitados a ele pelo texto, c) estabelecimento de relações entre as partes e o
todo por ele realizado.
Explique como os fatores a), b) e c) ocorrem em relação ao texto que segue:

A pesca

Affonso Romano de Sant’Anna

O anil
o anzol
o azul 

o silêncio
o tempo
o peixe 

a agulha
    vertical
    mergulha 

a água
a linha
a espuma 

o tempo
o peixe
o silêncio 

a garganta
a âncora
o peixe 

a boca
o arranco
o rasgão 

aberta a água
aberta a chaga
aberto o anzol 

aquelíneo
agil-claro
esabanado 

o peixe
a areia
o sol. 

R: a) A cooperação do leitor se dá, primeiramente, nos princípios de interpretabilidade que


este possui, ou seja, é preciso que haja o domínio linguístico, o domínio pragmático e o
domínio extralinguístico, para que o leitor entenda não apenas o código no qual o sentido está
sendo construído, como também o contexto e como a construção e a materialidade do texto
se modifica devido a esses fatores (neste caso, uma construção muito peculiar onde as
palavras parecem não ter conexão alguma à primeira vista). A partir daí, o leitor e o texto
trabalham juntos, para que este possa percorrer o campo linguístico, cognitivo e sócio-cultural
na busca de formação de sentido.

b) Aqui, pode-se dizer que o leitor é instigado pelo texto a julgar seu sentido de forma
intuitiva, mas ainda bem clara. Uma vez que o leitor lê o título e percebe como o texto é
escrito, já se pressupõe que lhe será descrita a atividade da pesca, de forma a deixar sua
mente captar e processar essas informações de maneira crua e direta. Neste texto em
particular, deixa-se que o leitor realize sozinho o processo cognitivo de se conectar as partes e
compreender o que o texto está dizendo e como está dizendo, ao passo em já se julga falar
sobre os lugares e processos que envolvem o processo da pesca.

c) O estabelecimento dessas relações se dá absolutamente pelo processo cognitivo do leitor, já


que o texto é composto primariamente por simples substantivos, um seguido do outro e,
dessa maneira, o leitor é levado a entender como o sentido se constrói conforme as relações
dessas palavras, uma seguida da outra, em ordem essencial para a compreensão. O que, para
um leitor menos sagaz, que não fosse capaz de realizar a produção de sentido sem toda a
sintaxe que se espera para tal, ou que apenas estivesse culturalmente alheio à esta forma da
linguagem poética, seria algo completamente indecifrável, torna-se um processo de atribuição
de sentidos e realização de conexões não apenas gratificante, como de suma importância para
a simples leitura (e entendimento) do texto.

III – Explique os conceitos de coesão exofórica e coesão endofórica e exemplifique-os com o


texto que segue, isto é, determine quais elementos do texto possuem (ou não) cada um
desses dois tipos de coesão.

“Era um feriado de Ano Novo, e todos no hospício estavam muito felizes, brincando em uma
piscina, que acabara de ser instalada, quando chega o fim da tarde e um louco fala com o
médico:
- Adorei o dia hoje, todos estão gostando muito da piscina, né, doutor?
O médico responde:
- É verdade.
O louco pergunta novamente:
- Amanhã vamos poder brincar na piscina?
Mais uma vez, o médico responde:
- Sim, amigo, amanhã vai estar muito melhor: vamos colocar água nela.”

R: Ambas se encontram como partes da Coesão Referencial, sendo que a Exofórica, que indica
referência, diz respeito às referências que o texto faz com conteúdo exterior ao texto (coisas
que, geralmente, se espera que o leitor já tenha conhecimento a respeito, como quando
ocorre a intertextualidade), enquanto a Endofórica, que indica co-referência, diz respeito às
referências que podem ser encontradas dentro do texto (referências a outras partes dele
mesmo) e podem ser encontradas nas formas de Anáfora (quando se recupera um termo
antecedente), Catáfora (quando antecipa o termo a que se refere) e Elipse (omissão de um
termo subentendido, sem necessidade de repetição).

No texto, é possível encontrar a coesão exofórica em: “Era”, já que esta ocasião a qual o texto
está se referindo não é explicitada no texto (apesar de ser possível atribuir o termo a alguma
comemoração de fim de ano no hospício); “todos no hospício” e “todos”, já que não fica claro
em momento algum no texto a quem realmente esses termos estão se referindo (nós, como
leitores, podemos interpretar e supor que estão se referindo aos pacientes, ou talvez até aos
funcionários do hospício); “Ano Novo”, já que é necessário certo conhecimento e bagagem
cultural para entender a natureza dessas festividades (algo que não é explicado no texto);
“hospício”, já que este é outro termo para o qual precisa-se de bagagem externa para se
compreender e ele é essencial para que se entenda a ironia e o humor no texto. A coesão
endofórica pode ser encontrada em:

Anáforas: “Nela” referindo-se à piscina, termo que veio antes.

Catáforas: não há neste texto.

Elipses: “Brincando” pois se refere a “todos”, omitindo qualquer outro termo, valendo-se
apenas do verbo, sem comprometer o sentido.

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