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Mariangela Gargioni Donice

Rua: Groenlândia, 197-Jd. Paulista


Tel/ Fax: (011)3884-4702 Cel(011)9911-3488
Email: mgdonice@terra.com.br

TRABALHO BIOENERGÉTICO COM CRIANÇAS:

EXPERIÊNCIAS EM UMA UNIDADE DE

PSIQUIATRIA INFANTIL

Arnt W. Halsen

ARTIGO RETIRADO: The Journal of the International Institute for


Bioenergetic Analysis – 1992. Volume 5/number 1: 30-40
Bioenergetics Work with Children: Experiences in a Child Psychiatric
Unit

Tradução e Revisão:
Mariangela G. Donice - CBT, Local trainer do Instituto de Análise Bioenergética de
São Paulo ( IABSP ), Mestre Psicologia Clínica-Núcleo: Psicossomática e Psicologia
Hospitalar PUC/SP- Psicoprofilaxia Obstétrica- Instituto Sedes Sapientiae.

Silvia Helena Gomes C. Colli – Psicoterapeuta Reichiana pelo Instituto Sedes


Sapientiae de São Paulo, Especialização em Psicoterapia Corporal com Crianças

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Trabalho Bioenergético com Crianças


Experiências em uma unidade de psiquiatria infantil

*Arnt W. Halsen

INTRODUÇÃO:

Considerando a ênfase que a bioenergética dá sobre a influência da


infância para a posterior formação de caráter (Helfaer, 1988-89, Lewis, 19*76), é
impressionante quão pouco se tem escrito sobre terapia bioenergética com
crianças. Eu presumo que isso reflete a falta de princípios e experiência de
trabalhar diretamente com crianças na analise bioenergética. Wilhelm Reich era
muito preocupado com jovens e crianças, principalmente sobre o ponto de vista
da prevenção. Ele esperava que através de mudanças na formação e sistemas
educacionais haveria menos problemas e patologias em adultos. Com seu próprio
filho Peter, ele usava um tipo de “play Therapy” (terapia de jogos), na qual lidava
diretamente com expressões emocionais e com o fluxo de energia através do
contato, jogos corporais, e movimentos musculares (Sharaf, 1983).

Reich viveu e trabalhou na Noruega, de 1934-1939, onde um de seus


alunos foi o Dr. Nic Waal, um pioneiro na psiquiatria infantil norueguesa (Waal

*
Arnt. W. Halsen, M.D. psiquiatra infantil e terapeuta certificado em bioenergética, é presidente do
Norwegian Forum for Karakteranalytisk Vegetoterapi e diretor da clínica psiquiátrica infantil na
Noruega. Ele tem uma clínica onde atende adultos em trabalho bioenergético.

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1958). O Instituto Nic Waal em Oslo é o mais importante centro de treinamento de
psicoterapeutas infantis e psiquiatras infantis num trabalho de equipe. Aspectos de

diagnósticos corporais e terapia foram então integrados em muitos trabalhos de


psicoterapia com crianças na Noruega.

Após meu treinamento no Instituto em 1968-71, me tornei diretor da Clínica


psiquiátrica infantil em Fredrikstad, localizada 60 milhas ao sul de Oslo.
Temos uma pequena unidade interna para sete crianças (7 a 12 anos de idade) e
um jardim de infância para tratamento diário de cinco crianças pré-escolares.
Nossa unidade de atendimento não-interna trata cerca de 2 mil crianças e seus
familiares por ano.

É oferecido tratamento residencial em crianças com distúrbios severos ma


unidade de pacientes internos e jardim de infância Nos primeiros anos eram
crianças psicóticas, autistas ou muito agressivas. Agora recebemos mais crianças
borderline e sexualmente e fisicamente abusadas com severos problemas de
relacionamentos interpessoais.

Para ajudar estas crianças é preciso tempo. A maioria das crianças está em
nossos programas por um ou dois anos, algumas até três. Durante este tempo
tentamos criar um elo de dependência entre a criança e o terapeuta. Acreditamos
que a verdadeira independência e autoconfiança somente podem ser alcançadas
se a criança tem ou não tem um relacionamento de dependência com um adulto
que possa oferecer uma base segura (Bowlby, 1988).

Construir este tipo de relacionamento com crianças traumatizadas,


rejeitadas, agressivas e fechadas é uma tarefa gratificante. Educando,
supervisionando e dando suporte neste ambiente, para os terapeutas (enfermeiras
psiquiátricas e trabalhadores que cuidam de crianças) é crucial para garantir o
progresso. A compreensão dos terapeutas sobre as dinâmicas infantis, problemas
de transferência, e suas próprias contratransferências reações por um lado,

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combinadas e por outro lado com boas ferramentas terapêuticas, parecem
promover o crescimento e cura nestas crianças.

Em nossa clínica estabelecemos uma atmosfera quente e acolhedora.


Oferecemos programas com estruturas claras as quais dão sustentação e
contenção às nossas crianças. A estrutura não é baseada em regras fixas, mas no
adulto definindo limites na relação com a criança. Adultos responsáveis criam
crianças responsáveis.

Trabalhar com crianças com distúrbios é uma questão que envolve muito o
corpo. Os conceitos de Winnicott de “holding” e “handling” são muito úteis numa
unidade de psiquiatria infantil.Para promover o relacionamento e crescimento este
holding precisa ir além das ações. De uma maneira muito concreta e corporal
devemos oferecer calor, cuidados, segurança, responsabilidade e proteção para a
criança em seu ambiente. Os terapeutas devem ser bons para entender e reagir à
mensagem emocional das reações corporais da criança. A compreensão dos
conceitos de energia, bloqueios e expressões das emoções em bioenergética têm
sido de imenso valor para o desenvolvimento geral de nosso trabalho (Lowen,
1975).

O PROGRAMA BIOENERGÉTICO

A terapia corporal com nossas crianças começou em 1976 com o que


chamamos de estimulações corporais. Foi baseado em psicoterapia e na terapia
do movimento (inspirado por Veronica Sherborne e Rudolf Laban) e ampliado na
psicoterapia infantil com orientação corporal. Nos últimos anos os exercícios
bioenergéticos indicados para crianças tornaram parte importante da terapia.

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Designamos um programa para cada criança com exercícios específicos
relacionados aos problemas daquela criança. Cada criança tem uma sessão
semanal de 15 a 60 minutos com seus terapeutas. A sessão acontece em uma
sala montada especialmente para esse uso, com um carpete grosso, colchão,

muitos travesseiros e almofadas. Na parede há um espelho que pode ser fechado.


Não há nenhum outro móvel.

Os programas e as sessões são supervisionados por um psiquiatra infantil


ou um psicólogo treinado em bioenergética através de encontros semanais com 3
ou 4 dos terapeutas que atuam neste ambiente.

Os objetivos do programa são ambos terapêuticos e educacionais, e são


intercalados no trabalho diário com as crianças. Trabalhar com seus déficits,
preencher sua falta de experiências usuais do desenvolvimento, e construir novas
habilidades são tarefas essencialmente educacionais. Trabalhar com seus
traumas precoces, conflitos internos, e sentimentos reprimidos são tarefas mais
terapêuticas.

Acima de tudo, nós precisamos reforçar seus egos aumentando seu


autoconhecimento, auto-expressão, e autocontrole (Lowen 1989). Queremos criar
um espaço terapêutico com um programa baseado na bioenergética com os
seguintes princípios:

1) Melhorar o conhecimento, a consciência e contatos das crianças, com seus


corpos e seus sentimentos;

2) Aumentar sua capacidade de expressar estes sentimentos, corporalmente e


verbalmente;

3) Aumentar seu controle consciente de suas expressões emocionais,


melhorando sua capacidade de tolerar e conter emoções e tensões, ajudando-
as a ver o significado e a razão de suas emoções e reações;

4) Construir e proteger seus limites, físicos e psicológicos;

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5) Reduzir a tendência ao split (divisão), reconhecendo que as outras pessoas
não são totalmente boas nem totalmente más;

6) Reforçar suas identidades e habilidades de se sustentar em seus próprios pés;

7) Trabalhar com concentração, definindo e buscando objetivos, desenvolvendo


mecanismos de enfrentamento;

8) Oferecer uma base segura para posterior desenvolvimento de


relacionamentos interpessoais.

CATEGORIAS DE EXERCICIOS BIOENERGETICOS PARA CRIANÇAS

Alguns dos exercícios bioenergéticos que usamos são os mesmo usados


com adultos. Muitos foram modificados, e alguns freqüentemente os mais
divertidos são designados especialmente para crianças. Os exercícios que
usamos têm várias funções no trabalho que é dado à criança. Listei 12 categorias
mostrando diferentes funções e objetivos para os exercícios. Com certeza,
qualquer exercício pode ser usado com objetivos diferentes em momentos
diferentes.

- Reconhecendo o Corpo e as parte do Corpo:

A criança ou o terapeuta aponta para ou toca diferentes partes do corpo e dá


nomes a elas. É impressionante o quanto algumas crianças com distúrbios
desconhecem seu corpo, mesmo quando têm um nível alto de informação geral.

- Qualidades de toques:

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Estes exercícios ajudam a criança a conhecer, nomear, e testar diferentes tipos
de toques (firme, leve, gelado, bom e que machuca). Geralmente, o terapeuta
toca a criança, que então informa suas sensações e sentimentos. Nós podemos
também deixar a criança tocar o terapeuta. Isso é freqüentemente assustador
para nossas crianças. Elas não têm experiência em ser o ativo e facilmente

sentem-se como transgressoras. Através destes exercícios a criança também


aprende a tolerar prazer desde uma massagem nos pés, carinhos e assim por
diante.

-Sentindo a força do corpo:

Estes exercícios são desenvolvidos para ajudar a criança a sentir que podem ser
fortes ou fracas, que podem resistir ou desistir, que têm uma escolha. A criança é
solicitada para deitar de costas e resistir aos esforços do terapeuta em girá-la.
Após sentir sua força, ele é instruído a render-se ao terapeuta e rolar. O mesmo
princípio pode ser usado com a criança em pé apoiada nas mão e joelhos. Pode
ser impressionante para um terapeuta ver e sentir a grande diferença entre a
força disponível nas partes superiores do corpo e a completa falta de força nas
partes baixas, a bacia, e a área da coxa em crianças abusadas sexualmente.

O mesmo exercício pode ser feito pela criança com o terapeuta deitado em suas
costas ou em pé sustentado pelas mãos e joelhos. Desta forma é permitido à
criança usar sua força em empurrar um corpo adulto.

-Exercícios de “Grounding”

Todos os “exercícios de grounding” conhecidos podem ser usados. O terapeuta


trabalhando com os pés da criança (massagem nos pés) podem preceder estes
exercícios. Muitas de nossas crianças parecem estar sempre “voando”.

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Elas estão fugindo de si mesmas. Ficar de pé ou deitar de costas podem ser
aterrorizantes.

Ficando de pé, a criança lentamente aprende que seus pés a suportarão.


Elas também sentem como é estar sobre a terra. Deitar de costas também dá
uma experiência de contato do corpo com o chão. Aceitar o suporte do solo e do

terapeuta ao mesmo tempo pode as fazer mais seguras. Uma combinação de


apoiar e defender seu ponto de vista pode ser necessário (Ludwing 1990).

-Trabalhando com limites e fronteiras

Muitas destas crianças que podem ser classificadas como borderline ou não,
foram perturbadas por pais ou outros adultos abusivos ou ignorantes.
Os exercícios nesta categoria são muito concretos. A criança deita enrolada em
uma manta sobre o chão para marcar suas fronteiras e demarcar seu território.
A criança é pedida para andar sobre seu território e dizer “Isso é meu.
Isso me pertence.” A criança pode decidir se quer abrir seus limites, quem quer
deixar entrar e por quanto tempo devem permanecer.

Outro exercício nesta categoria envolve segurar as palmas das mãos contra as
mãos do terapeuta, algumas vezes para empurrar, algumas vezes para deixar o
terapeuta chegar perto. Geralmente a criança precisa aprender a não deixar os
outros chegarem muito perto.

-Exercícios de Confiança

Estes exercícios ajudam a aumentar a confiança da criança nos adultos. A


criança é pedida para deitar de costas e ficar rígida, enquanto o terapeuta a
levanta para uma posição de pé. O exercício pode ser invertido, com a criança

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iniciando de pé, mas isso pode ser mais assustador. O terapeuta pode também
guiar a criança de olhos fechados pela sala.

Em outro exercício a criança deita e o terapeuta segura sua cabeça. A criança


pode lentamente aprender a deixar ir o controle e a constante preocupação
(Lewis 1986).

- Exercícios de Expressão

É preciso ser muito cuidadoso ao usar exercícios de expressão com nossas


crianças impulsivas e desorganizadas. Precisamos de um lento processo para
que a criança possa tolerar os fortes sentimentos e gradualmente expressá-los
sem tornarem-se caóticas. Para a maioria de nossas crianças, é necessário
ajudá-las a identificar seus sentimentos e ensiná-los a expressar estes
sentimentos. Temos um quadro de caras do Pato Donald mostrando diferentes
expressões emocionais: triste, bravo, feliz e etc. a criança pode apontar para a
expressão que corresponde a seus sentimentos. Ele pode tentar imitar as
expressões e usar um espelho par ver sua própria cara.

Nós também usamos exercícios com brincadeiras. Um garoto, que tinha muita
raiva reprimida e somente falava com sussurros, foi permitido imitar um cachorro
latindo.

Após certo tempo, isso fez uma diferença dramática em sua voz na escola e na
enfermaria. Briga de travesseiros é outra brincadeira que usamos.

-Exercícios de Controle

Estes são designados para ajudar crianças impulsivas a ter mais controle e para
ajudar crianças controladas a “desistir” e “deixar rolar”. Expressar raiva mantendo
controle e mantendo contato com o adulto é uma difícil e importante tarefa.

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Para obter isso nós geralmente usamos expressões bem detalhadas: “conte até
três.” “Bata no colchão uma vez.” “Olhe para mim.”

- Exercícios Regressivos e Progressivos

Nossas crianças facilmente regridem. Portanto, uma sala com travesseiros e


colchão oferece a oportunidade para uma regressão onde a criança pode
simplesmente desaparecer entre os travesseiros.

Com uma de nossas crianças regressivas nós introduzimos um exercício de


crescimento. Foi pedido a ela para deitar de lado e encaracolar-se.

O terapeuta coloca uma de suas mãos na cabeça e outra nos pés da criança, e
oferece alguma resistência quando for pedido para expandir-se um pouco a cada
vez que ele inspirar o ar. Regressão não é tão assustador para a criança (e para
o terapeuta) quando eles conhecem maneiras de crescer.

É importante evitar regressões totais, mas permitir e encorajar regressões


parciais. É permitido à criança se comportar com uma idade inferior à sua e se
permitir comportamentos mais infantis, mas ao mesmo tempo queremos manter
parte de seu ego funcionando de acordo com sua idade.

Um menino pode receber uma massagem nos pés mas nós pedimos a ele para
sentar-se, ao invés de ficar deitado. Uma garota está enrolando-se nos
travesseiros, mas dizemos a ela para manter-se em contato com o terapeuta.
Após alguns minutos nós pedimos a ela que fique de pé.

-Exercícios de Suporte:

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Talvez estes não devessem ser chamados de “exercícios” porque incluem
procedimentos como cobrir a criança com um cobertor, fazendo uma suave
massagem, e assim por diante, o que aumenta a habilidade da criança em ser
receptiva e sentir prazer. Isso pode ser extremamente difícil para crianças
abusadas e inseguras. Uma pequena menina abusada disse: “Talvez você vá de
repente tocar minha partes intimas. Eu sei que você não vai, mas não consigo
parar de pensar nisso.”

-Exercícios Cooperativos

Aqui nós ajudamos as crianças a usar seus corpos junto com o terapeuta.
Por exemplo: criança e terapeuta deitados de costas, com os pés um contra o
outro e pedalando. Algumas vezes o terapeuta determina a velocidade e direção,
algumas vezes a criança. “Remar o barco” e outras brincadeiras de crianças pode
ser úteis.

-Exercícios de Distância

Aqui nós deixamos a criança e/ou o terapeuta mover-se na sala.


Que tipo de distância ou proximidade se sente bem? Quando está muito
irresistivelmente perto? Quando o sentimento de abandonado aparece?
A criança pode pedir ao terapeuta para se aproximar ou para se afastar?
A criança pode mover-se para uma distância em que se sente confortável?
É geralmente difícil de sentir o que é bom e ainda pior expressar isso claramente.

Sentados lado a lado, separados, mas perto, é ainda outra opção. Isso pode dar à
criança a experiência de ter um adulto ao seu lado.

USANDO OS EXERCICIOS

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Há considerações sobre o uso destes exercícios antes, durante e depois das
sessões.

-Antes dos exercícios

As sessões sempre consistem de um programa bem definido de um a quatro


exercícios que a criança conhece. O programa é geralmente baseado em acordos
entre a criança e o terapeuta. Novos exercícios são sugeridos e explicados pelo
terapeuta antes de serem executados.

-Durante os exercícios

As crianças são raramente forçadas a fazer exercícios, mas para crianças com
baixa autoconfiança que geralmente dizem “não” a tudo, é preciso usar suave
pressão ou persuasão.

Às vezes, muitos sentimentos fortes aparecem. O terapeuta necessita de todas as


suas habilidades para gerenciar estas situações. Às vezes as sessões devem se
limitar a 10-15 minutos para ser gerenciável. Às vezes é necessário quebrar o
programa e apenas conversar.

-Após os exercícios

É muito importante processar os exercícios após as sessões. O terapeuta e a


criança conversam sobre os diferentes exercícios e o que experimentaram.
O terapeuta toma notas destas avaliações, não apenas para supervisão, mas
para usar com a criança antes da próxima sessão. Isso dá à criança um
sentimento de importância, de continuidade, e de controle sobre a modificação do
programa de exercícios.

EXEMPLOS CLINICOS

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Robert tinha sete anos quando chegou à nossa unidade. Ele ficou por 3 anos e
teve sessões individuais de bioenergética por 2 anos.

Ele tinha um ano quando mudou para sua casa adotiva de um orfanato
onde esteve por alguns meses porque seus pais o negaram severamente.
Nós não sabemos muito sobre sua vida antes do orfanato, exceto que seu pai
tinha abusado sexualmente de seu irmão mais velho e provavelmente abusou de
Robert também. Um ano depois de chegado à sua casa, os pais adotivos tiveram
um filho deles. Quando Robert fez 3 anos, a família aceitou seu irmão de 5 anos
como adotivo também. Robert foi trazido a nós por sua professora de jardim da
infância por causa de um visível impedimento em seu

desenvolvimento social e intelectual. Ele ficava sentado em um canto, em silêncio

todo o tempo. Quando ele chegou a nós nos foi revelado que seu irmão mais
velho tinha abusado dele sexualmente e o ameaçado de morte se ele contasse a
seus pais adotivos, que tinham mantido a conduta de fingir que não sabiam do
abuso. O irmão foi mudado para outra casa adotiva. Mais tarde tornou-se claro
que Robert também abusou de seu irmão mais novo, o que significa que Robert foi
ambos, vítima e abusador.

Robert era extremamente frágil e assustado quanto chegou a nós.


Sua angústia facilmente levava a pânico com agressividade incontrolada.
Em outras vezes, ele regredia, escondendo-se em um canto, com seu dedo
polegar na boca. Uma grande dificuldade era que toda emoção era
imediatamente sexualizada. Alegria, tristeza, raiva – tudo lhe provocava ereções –
e ele podia verbalizar, “Eu só sinto isso no meu pênis.” Geralmente, quando um
adulto tentava ser gentil, lia para ele, ou sentava e brincava com ele, ele
começava movimentos sexuais. Rapidamente ele provocou comportamentos
sexuais com as outras crianças da clínica, e era muito fácil os adultos ficarem
nervosos com ele.

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Como deveríamos trabalhar corporalmente com esse menino?
Seu terapeuta era uma enfermeira psiquiátrica devotada e com experiência que
também tinha tido aulas de exercícios de bioenergética.

Chegando a nossa “sala de almofadas”, o convidávamos a regredir,


pulando no meio das almofadas, escondendo-se e chupando seu dedão.
Começamos com simples exercícios de”grounding”, ficando de pé e deitando-se
de costas. Ele era inquieto, mexendo antes que ele pudesse sentir. Deitar-se o
assustava. Ele pulava e corria para as almofadas.

Nós introduzimos os exercícios de crescimento descritos acima. Ele gostou


deste. Suportando seus pés nos exercícios de crescimento o fizeram capaz de
ficar de pé por um tempo. Ele disse com alguma surpresa: “Eu posso sentir

alguma coisa indo de meus pés para minha cabeça.” Ele começou a prestar
atenção a sua respiração e disse que essa respiração fez seus sentimentos mais
fortes.

Nós também trabalhamos com Robert em uma posição sentada, o


terapeuta segurando seus pés, suavemente os pressionando no chão para
suportar sua “base”. Após algum tempo ele podia ir de uma posição sentado para
a de pé. Ele também começou a gostar de ficar deitado. “Sabe, isso é melhor que
ficar de pé.”, ele disse. Sentindo-se com mais base o permitia a começar a falar
sobre o abuso de seu irmão.

De início ele disse que gostou da “brincadeira” sexual e sádica de seu


irmão, mas gradualmente ele admitia que estivesse muito nervoso e desafiado em
expressar isso.

Como uma criança cujos limites não tinham sido respeitados, era muito
importante começar com exercícios de limites. Ele foi encorajado a dividir a sala
com travesseiros e cobertores. Ele deveria andar pelas bordas de “sua” sala,
batendo seus pés ao chão, gritando ”Não!”. De repente, ele caia no chão, como
se toda sua energia fosse perdida. Ele ficava triste e então regredia. Ele então foi

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encorajado a rastejar com suas mãos e joelhos. Ele podia manejar isso.
Lentamente, ele reconquistava força nos pés e levantava-se novamente.

Não havia progresso constante na terapia. Um exercício que um dia podia


proporcionar diversão e sentimento de força, na semana seguinte podia iniciar um
sentimento de catástrofe. Ele gritava: “Sangue! Morte! Colisão!” Ele falava muito
sobre pesadelos e sobre seu irmão. Às vezes ele não queria fazer nenhum
exercício. Isso era respeitado como um sinal de crescimento de sua habilidade de
sentir o que era bom para ele.

Movimentos sexuais apareciam de tempos em tempos durante os


exercícios. Ele perguntava à sua terapeuta se ela gostava dele e o amava.
Quando ela dizia “sim”, ele perguntava porque ela não fazia sexo com ele.

Ela explicava a ele a diferença entre crianças e adultos. Ela o assegurava


que quando ele crescesse, ele poderia conhecer uma garota e fazer sexo com
ela, mas agora ele precisava ser uma criança e ser tratada com tal.

Mais e mais ele era capaz de expressar seus sentimentos de alegria, força,
raiva, e tristeza. Ele dizia: “Você pode ver que sou tão forte quanto aço?
Eu era tão fraco antes e agora sou tão forte. Você pode ver isso?” Ele fez uma
forte afirmação: “Eu nasci há dez anos, mas não vivi por dez anos”.

Seu corpo e sua maneira de se mover mudaram bastante assim como a


expressão em seu rosto e seus olhos. Ele começou a aprender na escola.
Após estar conosco por dois anos, ele nos disse que nunca deixaria a clinica.
Após três anos, ele está orgulhoso de poder ir a uma escola real.
Ele está também começando a se identificar com seu pai adotivo. Ele continuará
com psicoterapia individual não-internado por algum tempo.

Alice nos foi trazida à unidade de internação por sua escola aos sete anos
de idade e ficou conosco aproximadamente por dois anos. Quando ela chegou,

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ela começou a se esconder, puxando seu suéter sobre sua cabeça, chupando
seu dedão, e sempre deixando outras crianças ir antes que ela. Ela e suas duas
irmãs mais novas viviam com sua mãe que era dedicada e calorosa, mas imatura
e incapaz de cuidar devidamente de suas crianças. A mãe divorciou-se do pai
alguns anos atrás. Ele estava desempregado, viciado em drogas e tinha abusado
sexualmente de suas duas filhas. Quando Alice estava conosco, ele finalmente
admitiu o abuso. Isso foi um grande alívio para Alice, que até então se sentia
culpada pela separação da família.

Alice é uma garota magra, que parece quase transparente. Suas atitudes e
comportamento rapidamente mudaram de calorosa e afetiva para dependente e
exigente ou rejeitadora e hostil. Às vezes ela é um adulto que toma conta da
família (como sua mãe queria). Às vezes é um bebê, e às vezes uma prematura

sexualmente sedutora adolescente provocando os meninos na clínica. Ela divide


os adultos em alguns bons e outros ruins.

Ela imediatamente gostou da terapia corporal e tinha melhor contato com o


corpo do que imaginávamos. Iniciamos com exercícios de distância. Ela era
capaz de dizer que distância era boa para ela.

Ela pode informar que quando estava apoiada em suas mãos e joelhos, ela
estava forte nos ombros e parte superior do corpo, mas fraca em suas partes
inferiores. Ela adorava os exercícios de crescimento. Ela insistia em ficar pequena
por um tempo e decidia ela mesma quando crescer.

Nós introduzimos um exercício de expressão. Ela deitaria de costas e


chutaria um travesseiro que o terapeuta segurava. Primeiro ela se recusou.
Quando o terapeuta perguntou se ela sabia por que não faria isso ela disse:
“Sim e não direi”. Obviamente Alice entendeu que este exercício estava
conectado ao abuso de seu pai e seus sentimentos reprimidos por ele.
Na próxima sessão ela expressamente pediu este exercício e pôs muita energia e
raiva nisso.

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De tempos em tempos ela regredia, chupando o dedão, ou mordendo todos
os colchões e almofadas da sala. Quando era então oferecida a ela uma toalha
para morder ela dizia com um sorriso: “Você realmente acha que posso morder o
quanto eu quero?” Ela podia sentir a força em sua mandíbula e dentes enquanto
o terapeuta puxava a toalha que ela estava mordendo.

Lentamente, ela era capaz de aceitar e tolerar seus fortes sentimentos e de


integrar e expressar eles diretamente ao invés de reprimí-los ou dissociar.

Chris tinha 9 anos quando chegou a nossa clínica e foi paciente interna
por 10 meses. Ela tinha menos distúrbios do que Robert ou Alice. Ela nos foi
indicada por causa de severa encoprese. Ela tinha repetidas infecções urinárias e

tinha sido internada e liberada de um hospital desde 4 anos de idade. Sua primeira
hospitalização foi quando seu irmão, que depois cresceu como uma “perfeita”
criança na família nasceu. Os pais desistiram e rejeitaram Chris. Eles encararam
sua encoprese como um ato agressivo dela contra eles.

Na terapia corporal nós começamos com exercícios de segurar e soltar.


Ela foi pedida para prender a respiração e então soltar. Então o terapeuta
segurava seu pulso e Chris podia gritar “me deixe ir, cai fora!”. Nós trabalhamos
muito para ajudá-la a sentir e expressar sua agressividade. Lentamente ela era
capaz de expressar mais raiva. Eventualmente, ela podia jogar um travesseiro no
chão e dizer “não!”. Um dia ela de repente começou a gritar “Inferno! Merda!
Foda!” Isso era um ponto de reversão e depois ela ficava menos tensa.

Um exercício de andar nas suas nádegas ajudou Chris a sentir mais


sensações nessa parte de seu corpo. O que continuava a ser difícil para ela era
aceitar o carinho, suporte e suave massagem do terapeuta. Era difícil também
para ela pedir ajuda.

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Entretanto, sua situação geral melhorou. Chris sentia-se descarregada
conforme seus problemas eram trabalhados. Neste sentido, o trabalho
bioenergético foi de grande importância a Chris e sua família foi oferecida terapia
familiar sem internação.

DISCUSSÃO

Em nossa clínica nós avaliamos todo o programa a cada seis meses. Os


terapeutas acreditam que a terapia corporal é cada vez mais importante no
programa. Mas eles também acham esse trabalho difícil e exigente. Eles têm
muito pouco tempo para a preparação antes e para reflexão depois das sessões
em nossa enfermaria movimentada. Como os terapeutas estão divididos em dois

grupos eles só têm supervisão a cada duas semanas. Eu concordo com eles que
isso não é suficiente.

Tem sido uma excitante experiência e um grande desafio para todos nós
desenvolver esse tipo de trabalho bioenergético com crianças. Esse é um
processo contínuo na unidade. A estrutura clara do programa reduz
comportamentos agressivos, sexualizados e regressivos a níveis gerenciáveis
sem parar completamente esses comportamentos. É óbvio a todos os terapeutas
e trabalhadores da equipe em nossa clínica que as crianças são muito
beneficiadas com essa terapia corporal, e as crianças geralmente esperam
impacientes pelas sessões. Esse entusiasmo nos dá energia e coragem para
continuar com o trabalho.

Em minha própria visão não são apenas as crianças que se beneficiam com
a introdução de trabalhos bioenergéticos. Os terapeutas recebem uma
preparação onde o afeto e relacionamento pode crescer. E seu entendimento
sobre a psicodinâmica geral das crianças melhorou substancialmente.

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O trabalho bioenergético aumenta sua habilidade de usar os olhos como um
importante instrumento de compreensão. Suas habilidades de tolerar e lidar com
fortes emoções também melhoraram fora das sessões de terapia corporal.

MINHAS CONCLUSÕES SÃO:

- Exercícios bioenergéticos adequadamente indicados têm se mostrado


úteis em terapia corporal com crianças. Crianças respondem melhor
nestes concretos enfoques corporais. (talvez nós não devêssemos nos
surpreender, pois expressões corporais são muito mais próximas à
crianças do que aos adultos que são mais verbais).

- Nossas modificações de terapias bioenergéticas podem ser conduzidas


por terapeutas se eles forem supervisionados por terapeutas
bioenergéticos.

- A terapia bioenergética na construção de ego pode ser usada com


sucesso em diversas crianças com distúrbios. Podendo contribuir com a
construção da relação terapêutica, para o desenvolvimento da relação e
para o crescimento do ego.

- Alguns dos princípios de nosso trabalho com crianças com distúrbios


podem também ser valiosas em trabalho com adultos com dificuldade
de limites (borderline), narcisistas e com desordens do caráter
esquizóide.

- Baseado em nossa experiência, é possível desenvolver uma


psicoterapia infantil individual com base na analise bioenergética.

MINHAS ESPERANÇAS SÃO:

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- Que consigamos coletar o conhecimento presente e experiências de
terapia bioenergética de quem trabalhou com crianças e adolescentes.

- Que continuemos a desenvolver terapia bioenergética para crianças e


colocar mais energia em novas investigações e explorações.

- Que analise bioenergética infantil será parte substancial do Instituto


Internacional de Analise Bioenergética no futuro.

Este artigo foi apresentado na Sociedade De Analise Bioenergética de


Massachusetts em Abril de 1991, e no Terceiro Congresso Europeu
de Psicoterapia Corporal em Lindau, Alemanha em Setembro de 1991.

REFERÊNCIAS:

1. BOWLBY, J.1988. A secure base. London: Rutledge

2. HELFAER, P.M. 1988-1989. The hated child: An aspect of borderline


personality. Bioenergetic Analysis 3, n° 2.

3. LEWIS, R. 1976. Bioenergetics and early ego development. Energy and


Character 7, n°2 and 3.

4._____. 1986. Getting the head to really sit on one’s shoulders: A first step in
grounding the false self. Bioenergetic Analysis 2, n°1.

5. LOWEN, A. 1975. Bioenergetics. New York: Coward, McCann & Geoghegan,


Inc.

6._____. 1989. Some observations on the relation between the ego, character and
sexuality. Unpublished manuscript.

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7. LUDWIG, M. 1990. Swimming in a human sea: A developmental approach to
grounding. Energy and Character 21,n°2.

8. SHARAF, M. 1983, Fury on earth: A biography of Wilhelm Reich. New York:


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9.WAAL, N. 1958. On Wilhelm Reich, In Wilhelm Reich memorial volume.

10. RITTER Press: Nottingham. Reprinted, 1973 by D. Boadella. Wilhelm Reich:


The evolution of his work. London: Vision Press.

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