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O Modelo Harrod-Domar e a

Substitutibilidade de Fatores (*)

Luiz C. Bresser Pereira (**)

i. INTRODUÇÃO

O M odelo H arrod-D om ar de crescim ento económico a p re ­


senta um a g ran d e sim plicidade e, n a m edida em que dá p rim a ­
zia à acum ulação de cap ital e não g aran te q u alq u er equilíbrio
autom ático e necessário da econom ia atra v és dos m ecanism os
de m ercado, p arece se ad eq u ar m elh o r à explicação do processo
de desenvolvim ento económico que outros m odelos m ais com ­
plexos. E n treta n to , tem sofrido críticas por não d eix ar explícito
o p ap el do progresso técnico e p o r não a d m itir su b stitu tib ilid a­
de de fatores. A lguns críticos concluem que o m odelo H arro d -
D om ar não lev a ao crescim ento da ren d a p o r h ab itan te.

E ste artigo, depois de fazer um a ressalva m etodológica so­


b re a valid ad e de m odelos deste tipo, p reten d e d em o n strar que
o m odelo H arro d -D o m ar é obviam ente com patível com p ro ­
gresso técnico e aum ento de ren d a per capita. R ealm en te não

(*) P a ra escrever este artig o contam os com a contribuição de diversos


econom istas aos q uais devem os u m g ran d e n ú m ero de crítica s e suges­
tões. São eles: D ennis C in tra L eite, P ed ro M alan , E d u ard o Suplicy,
A ry B ouzan, A ffonso Celso P asto re, Luiz A ntonio O liveira Lim a,
M arcos A lbuquerque C av alcan ti, A lkim ar M oura, N ilson Q uesado
C a v alcan ti, Jo sé L an g ier, O rlan d o Figueiredo, R ob erto P ero sa e P au lo
R o b erto Silva. A gradecem os a todos, em b o ra caib a ex clu siv am en te a
nós a resp o n sab ilid ad e pelos ev en tu ais erro s com etidos.

(**) O a u to r é P ro fesso r d a Escola de A d m in istração de E m p resas de São


P au lo d a F u n d a ç ã o G etú lio V argas.
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adm ite su b stitu tib ilid ad e de fato res a cu rto prazo, nos term os
neoclássicos, m as é p erfeita m en te com patível com su b stitu tib i­
lidade a longo prazo. P a ra to rn a r m ais ex p lícitas essas re la ­
ções, definiu-se um a nova v ariáv el, o coeficiente ou ta x a de
substituição a longo prazo de trab a lh o p o r capital, e se a incor­
p o ra rá ao m odelo H arrod-D om ar, d en tro de u m m odelo am ­
pliado, m as que p ro cu ra co nserv ar a sim plicidade e clareza do
m odelo básico. T am bém n a exposição se p ro c u ra rá ser claro e
sim ples, ainda que com risco de rep ro d u zir conceitos que já
fazem p a rte do conhecim ento com um dos econom istas. Estes
poderão p assar rap id am en te p o r essas p artes, e os leigos terão
oportunid ad e de com preender todo o trab alh o .

2. RESSALVA METODOLÓGICA

Os m odelos form ais de desenvolvim ento económico, q u er


nos term os da visão keynesiana, como é o caso dos m odelos de
H arro d (1939) e de D om ar (1946), como baseados n a concepção
neoclássica de Solow (1956) ou de M eade (1961) são essenciais
p ara a com preensão do processo de desenvolvim ento económ i­
co, em bora ap resen tem sérias lim itações que não podem ser
perdidas de vista.

E stas lim itações d eriv am do alto n ív el de abstração em que


são concebidos esses m odelos, os quais, buscando u m a ex trem a
generalidade, acabam por elim in ar ou ig n o rar o c a rá te r essen­
cialm ente histórico do processo de desenvolvim ento económico.
Em consequência, esses m odelos form ais não conseguem consi­
d e ra r todos os aspectos estrita m e n te económicos da realidade;
m uito m enos logram a b ran g e r os aspectos sociais, políticos e
c u ltu rais envolvidos no processo de desenvolvim ento e, p o rta n ­
to, não têm possibilidade de lev ar em consideração as relações
de dependência e dom inação e n tre os países e e n tre as regiões
de um m esm o país, as quais definem , em cada m om ento h istó ri­
co dado, os respectivos estágios de desenvolvim ento e subde­
senvolvim ento.

P o r outro lado, q u an to m ais a b stra to e q u an to m ais sim ­


ples for um modelo, m aior re su lta rá seu poder explicativo ge­
ra l e m ais fácil sua com preensão. D efine-se, assim , u m dilem a
m etodológico básico, que pode ser resolvido pelo cien tista so­
cial de form a sim plista, seja pela recusa rad ical dos m odelos,
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como fazem os econom istas historicistas, seja por sua aceitação


su b o rd in ad a ao pressuposto da possibilidade de desenvolver
um m odelo g eral aplicável ao sistem a capitalista, in d ep en d en ­
te m en te de considerações históricas. N enhum a das duas a lte r­
n ativ as é aceitável. N ecessitam os desenvolver teorias ab stratas,
m as não se pode p e rd e r de v ista as situações históricas concre­
ta s em que as relações económ icas estão inseridas. A solução
g eral p a ra este dilem a é co n tin u ar a p ro c u ra r d efin ir m odelos
alta m e n te ab strato s, m as que possam, em seguida, ser a d a p ta ­
dos ou aju stad o s p a ra a explicação de cada situação concreta.
Ao m esm o tem po é preciso te r em m en te que esses m odelos
ap resen ta m sem pre u m a visão p arcial do problem a. C o n tri­
bu em p ara a visão global, m as não a esgotam . São m odelos de
crescim ento, ao invés de d esenvolvim ento(1).

D entro dessa perspectiva, este artigo p reten d e an alisar o


m odelo H arro d -D o m ar(2) p a ra v erificar sua com patibilidade com
su b stitu tib ilid a d e de fatores, progresso técnico e crescim ento
de re n d a per capita.

3. O MODELO HARROD-DOMAR

O m odelo H arrod-D om ar foi o p rim eiro modelo específico


de crescim ento a ser elaborado. Sem dúvida, Ricardo, M arx e
S ch u m p eter já h av iam elaborado m odelos de desenvolvim ento.
E n a obra de outros econom istas já estavam contidos m odelos
de desenvolvim ento, m as n u nca sob a form a ex plícita e precisa
do m odelo H arrod-D om ar. Mais im p o rtan te que essa p rio rid a­
de no tem po, porém , este m odelo ap resen ta u m a característica
que o to rn a notável: sua ex tre m a sim plicidade.

E stá baseado em dois conceitos básicos: do lado da o ferta


agregada, n a relação m arg in al produto-capital,a, ou seja, em

íl ) P a ra a d istin ção e n tre desenvolvim ento e crescim ento ver, e n tre outros,
J a g u a rib e (1962, cap. I ) , S u nk el e P az (1970, pp. 17 a 42).

(2) E m b o ra H arro d e D o m ar te n h a m desenvolvido m odelos cu jas d ife ­


ren ça s podem ser cla ra m e n te estabelecidas, a p re se n ta m su ficien te
sem elh an ça p a ra que, n este artig o , possam ser id en tificad o s e consi­
d erad o s a versão k ey n esian a dos m odelos de desenvolvim ento. A
rig o r se p o d eria sim p lesm en te ch am á-lo m odelo H arrod, já que coube
fu n d a m e n ta lm e n te a esse econom ista o desenvolvim ento do modelo.
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quanto au m en ta a produção ou a o ferta global, quando, atrav és


do investim ento, au m en ta de u m a u n id ad e o estoque de capital;
e do lado da dem anda, no propensão m ag in al a poupar, s, ou
seja, em q u anto au m en ta a poupança, quando au m en ta de um a
unidade a ren d a ou dem an d a agregada.

Do lado da o ferta tem -se a função de produção

Y ==a K (1)
A Y =a A K (2)
A Y = a I (3)

sendo

Y = ren d a ou p ro d u to
K = estoque de cap ital
A K = I = in v estim en to
a — relação p ro d u to -cap ital m édia e m arg i­
nal.

P o r outro lado, tem -se a dem anda agregada, definida em


term os keynesianos, a p a rtir da função consum o e de u m a série
de pressupostos sim plificadores:

Y = C + I (4)
C = bY (5)

Pode-se, assim , d efin ir a equação g eral da dem anda agre­


gada (6) e da dem anda agregada in crem en tal (7)

Y = — I (6)
s

AY = — AI (7)
s
sendo

C = consum o
b = propensão m arg in al e m édia a consum ir
s = 1 - b = propensão m arg in al e m édia a poupar.
li

Dada a condição de equilíbrio entre a oferta e a procura


cgregada, corresp o n d en te à igualdade ex-ante e n tre in v estim en ­
to e poupança, pode-se eq u alizar a o ferta (2) e dem an d a (6)

A I
= as (8)
I
P o r outro lado, isolando-se I em (3) e em (6), tem -se
lam bém que:

AY
= as (9)

Tem -se, p o rtan to , que, p a ra u m desenvolvim ento em con­


dições de equilíbrio, a ta x a de crescim ento da ren d a d ev erá ser
ig u al à ta x a de crescim ento dos investim entos, e am bas dev e­
ria m ser ig u al ao pro d u to da relação p ro d u to -cap ital pela p ro ­
pensão m arg in al a poupar. P o r outro lado, n a m edida em que
a relação m édia e m arg in al p ro d u to -cap ital são constantes, o
estoque de cap ital deve tam b ém crescer à m esm a ta x a que a
ren d a. T em -se pois,

AY AI AK
= ------- = -------= as (10)
Y I K

4. CONCEPÇÃO DE FIO DA NAVALHA

E ste m odelo ex tre m am e n te sim ples está baseado em um a


concepção de fio da navalha do crescim ento. O processo de
desenvolvim ento, nesses term os, é em in en tem en te instável.
E xiste apenas u m a ta x a de crescim ento dos investim entos e da
ren d a que assegura o equilíbrio, e, d en tro de um a perspectiva
tip icam en te keynesiana, não h á n en h u m m ecanism o autom ático
que g a ra n ta o crescim ento àq u ela taxa.

O sistem a cap italista, segundo este m odelo, é n ecessaria­


m e n te dinâm ico, p a ra q u e h a ja equilíbrio, m as este só o co rrerá
p o r sim ples acaso, já que os m ecanism os de m ercado não o g a ra n ­
tem . O dinam ism o do sistem a decorre da du p la função do in ­
vestim ento: de u m lado, d eterm in a a dem anda agregada, via
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m u ltip licad o r; cte o u tro ; p ro d u z um au m en to da oferta, através


da função de produção. Se o in v estim en to fo r positivo, m as não
crescer, a econom ia d e ix a rá ociosa p a rte de sua capacidade pro­
d u tiv a crescente, já que a o ferta ag reg ad a co n tin u ará a crescer
(dada a acum ulação líq u id a de ca p ita l p o sitiv a), enquanto que
a dem an d a ag reg ad a p erm a n ece rá estag n ad a (dada a m an u ten ­
ção do m esm o volum e absoluto de in v estim en to s). É preciso,
portanto , que o in v estim en to seja não apenas positivo, m as cres­
ça sem pre, à m esm a ta x a do crescim ento da re n d a p ara que a
econom ia en co n tre o difícil e único cam inho do equilíbrio.

O m odelo H arro d -D o m ar faz, p o rtan to , u m a opção clara por


um tipo de crescim ento instável, em que as três v ariáv eis básicas
AY
do m odelo, a ta x a n a tu ra l de c re s c im e n to , (correspondente
à ta x a de crescim ento da população som ada à ta x a de desen­
volvim ento tecnológico), a propensão m a rg in a l a p o u p ar e a
relação p ro d u to -cap ital são d eterm in ad as independentem ente.
A lém disso, estas duas ú ltim as v ariá v eis são consideradas cons­
tantes. Nesses term os, conform e observam H alin e M athew s
(1964, p. 784), o m odelo conduz a u m tipo de crescim ento ins­
tável. D ada a equação básica,

AY

se o e s são constantes e indep en d en tes, n ad a assegura que a


econom ia cresça em equilíbrio.

Dois tipos de crítica fo ram dirigidos a esta abordagem . De


u m lado, os econom istas neo-keynesianos de C am bridge, e p a r­
tic u la rm e n te K aldor, o b serv aram que, se se tra n sfo rm a r a pro­
pensão m arg in al a p o u p ar em u m a v ariá v e l endógena do modelo,
d ependen te da d istribuição de re n d a e n tre cap italistas e tra b a ­
lhadores (ad m itid a a hipótese clássica, com um a R icardo e a
M arx, de que a propensão m a rg in a l a p o u p ar dos prim eiros é
m aior que a dos ú ltim o s), a v ariação n a d istrib u ição da renda
g a ra n tiria o eq u ilíb rio a longo prazo do sistem a. A dem anda
agregad a é co n stitu íd a pelos lucros dos ca p italistas e pelos salá­
rios dos trab alh ad o res. Nos m om entos de p ro sp erid ad e os in ­
vestim entos estariam crescendo, a d em an d a ag reg ad a cresceria,
os preços e os lucros idem , en q u an to se red u ziria o consumo
real. O correria, p o rtan to , um processo de concentração de
renda. Nos m om entos de crise dar-se-ia o inverso. Em am bos
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os casos o sisteitia te n d eria "para ò eq uilíbrio ^através de u m


m aior ou m en o r g rau de concentração de renda, que a fe ta ria
a propensão a p o u p ar da economia. Nas p alav ras de K ald o r
(1956, p. 95): “ ( • ) u m aum ento do investim ento, e p o rtan to
n a dem an d a total, fa r crescer os preços e as m arg en s d e lucro, e
p o rtan to red u zirá o consum o real, enq u an to que u m a dim inuição
nos investim entos, e p o rtan to n a dem anda total, causa u m a
queda nos preços (relativ a ao nível dos salários) e consequen-
tem en te u m aum ento co n trab alan çad o r no consum o real. P re s­
supondo-se preços flexíveis (ou m elhor, m argens de lucro fle­
x ív eis), o sistem a é p o rtan to estáv el ao nív el de pleno em ­
p reg o ’^).

A o u tra crítica teve origem nos econom istas neoclássicos,


p a ra os quais o m odelo keynesiano in stáv el era in aceitáv el n a
m edida em que o equilíbrio autom ático da economia, via siste­
m a de preços, co n stitu i o ponto de p a rtid a e o necessário ponto
de chegada de todos os raciocínios. Em v ista disso, os neoclás­
sicos criticaram o m odelo H arrod-D om ar e ap resen ta ra m a lte r­
n ativ as nos term os do m odelo de Solow e de M eade, m ais com ­
patív eis com a visão m arsh allian a da concorrência p erfeita e
do equilíbrio g eral autom ático da economia. Ao invés de faze­
rem v a ria r a propensão m arg in al a p o u p ar atra v és do m aior ou
m enor g rau de concentração de renda, como os neo-keynesianos
e neo-m arxistas, os neoclássicos p re fe rira m fazer v a ria r a re la ­
ção p ro d u to -cap ital atrav és da adoção de u m a função de p ro ­
dução que p erm itisse p erfeita substituição de capital p o r tr a ­
balho.

5 A FUNÇÃO DE PRODUÇÃO: PRIMAZIA AO CAPITAL

E m sua crítica ao m odelo H arrod-D om ar, os neoclássicos


p erce b eram que o centro da discussão deveria ser a função de
produção, n a m edida em que a escolha de um a função de p ro ­
dução, p erm itin d o ou não su b stitu tib ilid ad e de fatores, im p lica­
ria em u m a opção p o r u m m odelo de equilíbrio instável, do

(3) E ste a rtig o n ão p rete n d e a n a lis a r o m odelo de K aldor. D eve-se, to d a ­


via, re g is tra r a g ran d e im p o rtâ n c ia desse modelo, que p a rtin d o do
m odelo key n esian o , nele in clu iu a variável d istrib u ição de re n d a ,
c o n trib u in d o assim p a ra recolocar a E conom ia P o lítica em acordo com
a tra d iç ã o clássica de R icard o e M arx, que ta n ta im p o rtân cia d eram
à v ariáv el d istrib u ição de re n d a em seus modelos.
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tipo H arrod-D om ar, ou um m odelo de eq u ilíb rio autom ático,


como q u erem os neoclássicos. P o r o utro lado, H arro d e D om ar,
u tilizand o a relação
Y — ol (3)
davam p rim azia à acum ulação de cap ital sobre os dem ais fato-
res de produção. V oltavam , assim , à tradição clássica de Sm ith,
R icardo e M arx, p a ra os quais o m óvel fu n d am en tal do desen­
volvim en to era sem pre a acum ulação de capital. Os dem ais
fato res capazes de d e te rm in a r o desenvolvim ento — o progres­
so técnico, a educação, a capacidade em presarial, etc. — são
considerados fato res subsidiários, em g ran d e p a rte dependentes
da acum ulação de capital, a q u al m odificam q u alitativ am en te.
O ra, todo o esforço analítico dos neoclássicos tem -se voltado
e x a ta m e n te no sentido de te n ta r d em o n strar a prim azia dos
elem entos q u alitativ o s, no processo de desenvolvim ento.
E sta discussão n ão apresenta, ev identem ente, q uaisquer
p ersp ectiv as de conclusão. Tem -se trê s fato res de produção:
trab a lh o , te rra e capital. P a ra que cresça a ren d a p o r h ab itan te,
h á duas a ltern ativ as, ou cresce q u an tita tiv am en te o capital, ou
m odifica-se a q u alid ad e dos fato res de produção e a form a de
com biná-los, via progresso técnico, educação, espírito em p resa­
rial. O au m en to sim plesm ente q u an tita tiv o do n ú m ero de tr a ­
b alhado res não produz resultado, já que o objetivo reside no
au m en to da produção p o r trab alh ad o r. Poder-se-ia, n a tu ra lm e n ­
te, im a g in a r o au m ento de ren d a p o r h ab itan te atrav és do au ­
m ento da jo rn ad a de trab alh o . No século passado esta foi um a
d as estra tég ias utilizadas. N este século, depois do progresso so­
cial ocorrido, ta l a lte rn a tiv a tem pouca im portância. O au m en ­
to q u a n tita tiv o d a te rra não é possível, já que se tra ta de um
fa to r fixo que se pode m ais ou m enos u tilizar, dependendo da
disponibilidade dos outros dois fatores. Dispõe-se, assim, ap e­
nas das duas a lte rn a tiv a s iniciais: au m en to q u an titativ o da
acum ulação de cap ital ou m elh o ra q u alita tiv a de todos os fato ­
res. C laro q u e as duas a lte rn a tiv a s não são m u tu a m e n te ex clu ­
sivas, contudo, re sta sa b er q u al das d uas é m ais im p o rtan te.
O m odelo H arrod-D om ar, adotando u m a função de produção
em que ex p licitav a apenas a v ariá v el acum ulação de capital,
adotou claram en te a p rim eira altern ativ a. As m odificações q u ali­
ta tiv a s nos fatores, em bora possam ocorrer autonom am ente, não
devendo de form a algum a ser desprezadas, estão em g eral liga­
das, a tra v é s de u m a relação de interdependência, à acum ulação
de capital, que se localiza no cen tro do sistem a.
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6. A SUBSTITUTIBILIDADE DE FATORES

A lém de d a r p rim azia à acum ulação de cap ital e de p o stu lar


o equilíb rio em term os de fio da n av alh a, o m odelo H arro d -
D om ar feriu u m princípio básico da econom ia neoclássica: e x ­
cluiu a su b stitu tib ilid ad e de fato res a cu rto prazo.
Em u m a função de produção os fato res de produção são
su b stitu ív eis quando as correspondentes isoquantas ou cu rv as
de igual produção p erm item com binações de q u an tid ad es de
c ap ital e de trab alh o , sem que h a ja m odificação n a produção,
desem prego ou capacidade ociosa. A isoquanta é suavem ente
convexa em relação à origem . A função Cobb-D ouglas, em
sua form a g eralm en te u tilizad a pelos econom istas neoclássicos,
é desse tipo, e tem ainda a característica de ser hom ogénea e
de g rau um , sendo a elasticidade de substituição do cap ital pelo
trab a lh o igual a 1.
Em co n trap artid a, u m a função de produção que não ad m ite
substituição de fato res possui isoquantas em form a de L. H á
p a ra elas apenas um a com binação técnica v iável de cap ital e
trab alh o , p ara cada m om ento dado. E m o u tras p alavras, os coe­
ficientes técnicos são fixos. Dado um d eterm in ad o estágio de
tecnologia, dada a disponibilidade de u m d eterm inado tipo de
equipam ento, só se pode com binar m ão-de-obra e cap ital de u m a
única form a. O m odelo H arrod-D om ar adota u m a função de
produção com coeficientes técnicos fixos a curto prazo.

O ra, a su b stitu tib ilid ad e de fato res é essencial, d en tro da


visão g eral dos econom istas neoclássicos. É atra v és dela e da
variação no preço dos fato res q u e se consegue o aju ste au to ­
m ático da econom ia, quando esta é am eaçada de crise. Im agine-
se u m a dad a com binação inicial de fato res de produção. Se,
por algu m acaso, tem início um processo de recessão e de desem ­
prego d en tro da economia, os salários b aix arão im ed iatam en te,
au m entan d o com isso o em prego, ao m esm o tem po em que b a i­
x am os custos de produção e os preços. A ta x a de ju ro s tam b ém
te n d e rá a b aix ar, porém , desde que a ta x a de salários caia m ais
ou m enos do que a ta x a de juros, a com binação de cap ital e
trab a lh o se te rá alterado. A su b stitu tib ilid ad e de cap ital por
trab a lh o e vice-versa, no cu rto prazo, é, p o rtan to , essencial p ara
o equilíb rio autom ático da economia.
O m odelo H arro d -D o m ar realm en te não ad m ite essa su b sti­
tu tib ilid a d e a cu rto prazo. E, de fato, é difícil adm iti-la, d en tro
16

da persp ectiv a das sociedades in d u striais, em que, dado um


determ in ad o tipo de equipam ento e u m d eterm in ad o tipo de
tecnologia disponíveis, a relação cap ital-trab alh o , K /L , se não
é fixa, está m uito m ais p ró x im a da com pleta inflexibilidade
que da p len a flexibilidade.
P a ra se a d m itirem coeficientes técnicos flexíveis, seria
necessário, em p rim eiro lugar, re la x a r o pressuposto da ex is­
tên cia de u m d eterm in ad o estoque de cap ital (o que signifi­
caria já não se e sta r m ais raciocinando em term os de curto
p razo). N esse caso, porém , ainda é difícil a d m itir grande subs-
titu tib ilid a d e de fatores. P a ra os setores in d u striais econom i­
cam ente m ais significativos em g eral não h á grande variedade
de a lte rn a tiv a s tecnológicas. D entro de faix as de variação dos
preços dos fato res b a stan te am plas, re sta n a m aioria das vezes
u m a ú n ica a lte rn a tiv a tecnológica e, p ortanto, u m a única re la ­
ção cap ital-trab alh o . A clássica te n ta tiv a dos chineses de p ro ­
dução de aço m ed ian te técnicas trabalho-intensivas, por ex em ­
plo, não p ro d u ziu bons resultados.

E m segundo lu g ar, é possível a d m itir coeficientes técnicos


flexíveis, se se ab an d o n ar o pressuposto de que não ocorrem
m udanças e stru tu ra is n a econom ia que im pliquem em m odifi­
cação significativa n a particip ação rela tiv a dos diversos setores
prod u tiv o s no p ro d u to total. Sem dúvida, existem setores em
que os coeficientes técnicos são m enos flexíveis (in d ú stria p etro ­
quím ica, in d ú stria de aço) e aqueles em que os são m ais fle­
xíveis (ag ricu ltu ra e in d ú stria de construção). U m a ênfase no
desenvolvim ento de in d ú stria s deste últim o tipo poderia lev ar a
um aum ento da flex ib ilid ad e dos coeficientes técnicos. À m edida
em que os países se desenvolvem , porém , a tendência parece
e x a ta m e n te a oposta, ou seja, tende a au m e n ta r a participação
de in d ú stria s capital-intensivas, com coeficientes técnicos a lta ­
m en te inflexíveis.
A lém disso, h á in d ú stria s que, tendo coeficientes técnicos
rela tiv a m e n te fixos no cu rto prazo, são m ais trab a lh o -in ten ­
sivas, en q u an to que o u tras são m ais capital-intensivas. Nesses
term os, seria possível m u d a r a relação cap ital-trab alh o global
da econom ia, m esm o que os coeficientes técnicos de cada in d ú s­
tria fossem fixos e, p o rtan to , não houvesse su b stitu tib ilid ad e de
fatores in tra-in d u strial, desde que a participação n a produção
to tal dos diversos setores se alterasse. Isto está sem pre se v e ri­
ficando nas econom ias em desenvolvim ento, atra v és do aum ento
da im p o rtân cia re la tiv a da in d ú stria, m ais cap ital-in ten siv a que
a ag ricu ltu ra.
17

F in alm en te, caso se relax e o pressuposto de u m n ív el de


progresso técnico dado, é ev id en te que os coeficientes técnicos
d eixam de ser n ecessariam en te fixos. H ostoricam ente, te n d e a
a u m e n ta r a relação cap ital-trab alh o , u m a tecnologia que te n d e
a p o u p ar m ais m ão-de-obra que cap ital vai sendo in stalad a e o
trab a lh o sendo sub stitu íd o pelo capital em todas as sociedades
indu striais.

À m edida, porém , em que deixem os de racio cin ar a p a r tir


de um estoque de cap ital dado, de u m a e s tru tu ra da econom ia
(rep artição do produto e n tre setores produtivos) dada, e de um
n ív el de progresso tecnológico dado, já não se pode m ais fala r
em su b stitu tib ilid ad e de fato res a curto prazo. E xiste substi-
tu tib ilid a d e de fatores, porém a longo prazo, já que no cu rto
prazo, por definição, todos aqueles elem entos são constantes.
Os coeficientes técnicos são flexíveis apenas no longo prazo. A
curto prazo co n tin u am basicam ente fixos, não possibilitando o
equilíbrio autom ático da economia, tão im p o rtan te p a ra os eco­
nom istas neoclássicos.

Não se p reten d e com esta análise a firm a r que os coeficien­


te s técnicos sejam abso lu tam en te inflexíveis no curto prazo nas
sociedades in d u striais m odernas. A existência de certos setores
m enos capitalizados p erm ite certa flexibilidade. A lém disso,
indicações em píricas rev elam que o n ív el de em prego se a lte ra
com variações a curto prazo no n ív el de preços, as quais, porém ,
são suficientem ente reduzidas p a ra p e rm itir a suposição, p a ra
efeito de construção de um modelo, de que um a sim ples função
de produção com coeficientes técnicos fixos no curto prazo, do
tipo da função H arrod-D om ar, aproxim a-se m uito m ais da re a li­
dade do q u e com plexas funções de produção neoclássicas, p e r­
m itindo em diversos g rau s su b stitu tib ilid ad e de fato res no cu rto
prazo.

A re la tiv a in flexibilidade ex-post (ou seja, a cu rto prazo,


dados os investim entos já realizados) dos coeficientes técnicos
não possibilita, p o rtan to , o equilíbrio autom ático da econom ia,
atra v és do m ecanism o dos preços, como o q u eriam os neoclás­
sicos. Isso não significa, porém , que os preços dos fato res de
produção sejam irrelev an tes. Ex-ante, ou seja, an tes de se re a ­
lizarem os investim entos, pode-se im ag in ar um g ra u m aior
(ainda que lim itado) de su b stitu tib ilid ad e. N esse caso os preços
relativos do cap ital e do trab alh o são im p o rtan tes p a ra d e te r­
18

m in a r a tecnologia em p reg ad a(4). A adoção de técnicas cada


vez m ais cap ital-in ten siv as está inclusive relacionada com a
ten d ên cia secu lar à redução rela tiv a dos preços do cap ital em
íelação aos preços do trabalho.

7 A CRÍTICA NEOCLÁSSICA

A su b stitu tib ilid a d e de fato res no longo prazo, porém , q u an ­


do não se tem m ais n em capital, n em e s tru tu ra produtiva, nem
tecnologia fixos, não está de fo rm a algum a excluída do m odelo
H arrod-D om ar. Os econom istas neoclássicos, todavia, partin d o
da função de produção ex tre m am e n te sim ples de H arrod-D om ar,
confundiram , ou não se le m b ra ra m de distinguir, su b stitu tib i­
lidade de fato res a cu rto e a longo prazo, v erificaram que o
m odelo não p rev ia “su b stitu tib ilid a d e”, e concluíram que o m o­
delo tam b ém não com portava progresso técnico, já que este
não só não estav a p revisto ex p licitam en te no modelo, como além
disso, seria logicam ente incom patível com u m a função que não
adm itisse su b stitu tib ilid ad e de fatores.
Solow, por exem plo, que foi responsável pelo prim eiro
m odelo explícito de desenvolvim ento nos term os da teo ria neo­
clássica, afirm a que o m odelo H arrod-D om ar (que tam bém ele
id en tifica p ara efeitos de análise) possui u m a ta x a de equilíbrio
tipo fio da navalha devido ao “pressuposto crucial de que a p ro ­
dução ocorre sob condições de proporções fix as” (1956, p. 65), ou
seja, pressupondo coeficientes técnicos inflexíveis. E em segui­
da d eclara q u e “o centro deste artigo dedica-se a u m m odelo
de crescim ento a longo prazo que aceita todos os pressupostos
de H arrod-D om ar, exceto o das proporções fix as” (1956, p. 66).
J á S hapiro (1966, pp. 561 a 566), em bora m enos explícito,
em preen d e toda um a análise p ara concluir que o m odelo H arro d -
D om ar acaba não sendo u m m odelo de crescim ento económico,
u m a vez que não com porta crescim ento da ren d a per capita.
O raciocínio de Shapiro é sim ples. O bservou-se, pelo m odelo
H arrod-D om ar que, em equilíbrio,

(4) Ju stific a esta observação a p rá tic a nos países subdesenvolvidos — onde


a m ão -d e-o b ra é a b u n d a n te e o cap ital escasso — de su b sid iar este
ú ltim o en q u an to o tra b a lh o é onerado com pesados encargos, o que
d,á origem à realização de in vestim entos a in d a m ais cap ital-in ten siv o s
do que n o rm alm en te ocorreria, d ad as as técn icas existentes.
19

AK AY
I T - “y “
P o r o u tro lado, visto ser im possível h a v e r su b stitu tib ilid a d e
de fatores, cap ital e trab a lh o devem se m a n te r em proporções
fixas, ou seja, devem crescer à m esm a taxa.
Logo,
AY AK AL
( 11)
K
O ra, o crescim ento da re n d a per capita, que se d en o m in ará
d, é ap ro x im ad am en te ig u al à ta x a de crescim ento da re n d a
m enos a ta x a de crescim ento da população (que, p a ra efeito
desta análise, pode se considerada igual à ta x a de crescim ento
do tra b a lh o ):

AY AL
d = --------------- (12)
Y L '

Dados (11) e (12), p o rtanto ,


d = 0

M eade (1961, p. 16), p o r sua vez, adota um técnica m ais


sutil, p ara te n ta r d em o n strar, ao m esm o tem po, que o m odelo
H arrod-D om ar é u m caso p a rtic u la r de seu m odelo m ais geral,
não com portando progresso técnico nem aum ento da população.
E m seu raciocínio M eade p a rte de seu m odelo geral, que não
cabe aqui ap resen tar,

mK AK AL wL
d . = -------- ( 1 ---------- ) + t (13)
Y K L Y
em que
m — p ro d u tiv id ad e m arg in al do capital
w = ta x a de salário
t = ta x a de progresso técnico
mK = ta x a de p articip ação dos lucros to tais n a ren d a
~Y~
w L — ta x a de particip ação dos salários to tais n a re n d a
Y
20

j 6 cresc^m en to da ren d a per capita seria, p o rtan to ,


o resu ltad o do p ro d u to da participação dos lucros n a ren d a pe-
a ax a e crescim ento do capital, somado a u m a ta x a adicional
evi a ao progresso técnico. A este to tal seria necessário sub-
r a ir o p ro d u to da ta x a de crescim ento da população pelo com-
p em en o (em relação a 1) da participação dos salários na

O bserve-se que este m odelo é ao m esm o tem po com plicado


(em relaçao ao de H arrod-D om ar) e caren te de operacionalida­
de, devido a ex istên cia de t, ou seja, de u m a ta x a adicional de
progresso técnico que, n a realidade, é m uito difícil, senão im ­
possível, d estac ar^ ). Todavia, assum e interesse analítico P e r­
m ite alg u m as análises, inclusive aquela que M eade faz logo em
seguida a ap resen tação de seu m odelo geral.

S upõe ele u m a econom ia em que não h aja progresso téc­


nico e cujo crescim ento da população seja igual a zero Nesses
term os, elem inando-se A L e t de (13), obtém -se:
ÍT

A Y = mK AK (14)
~Y~ ~Y~ K

= mK 1 (14’)
~Y~ K

ora, em eq uilíbrio

I ■= S = sY (15)
em que

S = poupança

<5) Os econom istas neoclássicos (A bram ovitz, Solow, M assel D enison)


fizeram v árias te n ta tiv a s de isolar os fato res q u alitativ o s, p rin c ip a l­
m e n te a educação e o progresso tecnológico, das quais H ag én faz u m a
boa resen h a, e conclui: “T o d as essas estim ativ as são irrea lista s, n a
m ed id a em que o progresso tecnológico é “d esencorpado” (disem ­
bodied), isto é, n ão depende d a ta x a de form ação de cap ital. Eles
pressupõem , por exem plo, que a p a rte de crescim ento d a p ro d u tiv i­
dad e devida ao progresso técnico não se m o d ificaria se a fo rm ação de
ca p ita l líq u id a caísse p a ra zero. N a verdade, a p a rte do leão do p ro ­
gresso técnico é “en co rp a d a” em novo c a p ita l” (1968, p. 195).
21

Logo, pode-se su b stitu ir (15) em (14’), obtendo,

AY = mK sY (16)
~Y ~ ~K
= ms (16’)

A dm itindo-se, fin alm en te, q u e a p ro d u tiv id ad e m a rg in a l


do capital, m, corresponda à relação p ro d u to -c ap ital(6) (m édia
e m a rg in a l), cr, chega-se ao m odelo H arrod-D om ar, a p a rtir do
m odelo de M eade, com os pressupostos de que não oco rreria
nem progresso técnico n em crescim ento da população. Nesse
caso, porém , d iferen tem en te (e co n trad ito riam en te a) da análise
de Shapiro, h á crescim ento da ren d a per capita. O crescim en­
to da ren d a per capita é igual ao crescim ento da renda, já q u e
o crescim ento da população é nulo. P o r outro lado, o cap ital
vai substitu in d o o trab a lh o à m edida em que u m cresce e o
outro está estagnado. E stá, p o rtan to , curiosam ente im p lícita
n esta análise a su b stitu tib ilid ad e a longo prazo de trab a lh o por
capital que se p rete n d eu in tro d u zir fo rm alm en te no m odelo
H arrod-D om ar atra v és deste artigo. A análise, porém , gan h a
coerência d en tro do p ensam ento neoclássico, n a m edida em
que, dada a pressuposição de progresso técnico nulo, o au m en to
de estoque de capital, ao m esm o tem po em q u e p erm an eceria
co n stan te a população, lev aria a e n tra r em ação a lei dos re n d i­
m entos decrescentes. A longo prazo se te ria a estagnação.

N a verdade, análises como esta que se acabou de resu m ir,


ap resen tam um a contribuição lim itad a à com preensão do p ro ­
cesso de desenvolvim ento económico, n a m edida em que ado-
tam pressupostos irre alistas (progresso técnico e /o u crescim en­
to da população n u lo s), e chegam a conclusões tautológicas, que
já se achavam contidas em suas prem issas. De fato, se o m ode­
lo H arrod-D om ar só considera ex p licitam en te a acum ulação de
capital, no processo de desenvolvim ento económico, e o m odelo
de M eade reconhece outros dois fato res (o trab a lh o e o p ro g res­
so técnico), p a ra em seguida anulá-los, os dois m odelos to rn am -
se m u ito sem elhantes. Isso não significa, porém , que o m odelo

((6) E xiste, obviam ente, u m a p eq u en a d ifere n ça e n tre os dois conceitos.


A p ro d u tiv id ad e m a rg in a l do cap ital, m, in d ica de q u a n to a u m e n ta
o pro d u to to ta l, q u an d o a u m e n ta de u m a u n id a d e o estoque de c a p i­
tal, dado um estoque de tra b a lh o ; n a relação p ro d u to -c a p ita l 0 , o n í­
vel de em prego a u m e n ta co rresp o n d en tem en te. No prim eiro caso se
te m u m a d eriv a d a p arcial, no segundo u m a d eriv ad a to tal.
22

H arrod-D o m ar p re te n d a que não h a ja n em progresso técnico,


nem crescim ento da população. Deve-se reconhecer, todavia, que
os m odelos neoclássicos tiv e ra m o m érito de dar, form alm ente,
a devida ênfase ao progresso tecnológico no processo de de­
senvolvim ento.

8. UM NOVO COEFICIENTE

E n treta n to , estas críticas — q u er as que p a rte m da confu­


são e n tre su b stitu tib ilid ad e de fato res a curto e a longo prazo,
q u e r as que p reten d em concluir que o m odelo H arrod-D om ar
não leva em consideração progresso técnico e crescim ento da
população, apenas porque tais fato res não estão explícitos no
m odelo — su g erem a necessidade de ex p licitar m elh o r no m o­
delo estas variáveis.

P a ra isso se propõe u m a solução q u e ev en tu alm en te resol­


va o p ro b lem a e ao m esm o tem po m a n ten h a in ta cta a sim pli­
cidade, clareza e operacionalidade do modelo. P a ra tan to se
necessita de u m a nova relação, o coeficiente ou ta x a de su b sti­
tuição a longo prazo e n tre trab a lh o e capital, que pode ser
assim definido:

AL
p. = T (17)
AK
~K

E sta ta x a de substituição a longo prazo e n tre capital e tr a ­


balho, pt, é ao m esm o tem po u m coeficiente que relaciona a
p ro cu ra de m ão-de-obra com a acum ulação de capital e um a
m edida de elasticidade que indica de que form a o trab alh o é
su b stitu íd o pelo cap ital à m edida em que cresce o estoque de
capital.

E stá im plícita n esta relação que a p ro cu ra de m ão-de-obra


é um a função da acum ulação de capital. E sta idéia é com um
e n tre os econom istas clássicos. Nos m odelos de R icardo e de
M arx, por exem plo, o volum e de em prego cresce m ais ou m e­
nos rap id am en te de acordo com o ritm o de acum ulação de
23

capital. A ta x a de salário funciona como um elem ento de eq u i­


líbrio no cu rto prazo, au m en tan d o quando cresce a p ro cu ra de
m ão-de-obra provocada pela aceleração dos investim entos.

Tem -se, p o rtan to , que

- ( 4 5 . )

No m odelo neoclássico, quando se tr a ta de d e te rm in a r o n í­


vel de em prego, a acum ulação e a ren d a ten d em a tra n sfo r­
m ar-se em p arâm etro s, cabendo à ta x a de salários o p ap el de
p rin cip al v ariáv el independente. E sta m udança de ênfase se
deve, em g ran d e p arte, ao c a rá te r estático e de cu rto prazo do
pensam en to neoclássico. J á no m odelo keynesiano o volum e de
em prego torna-se essencialm ente função de nív el de renda. A
ta x a de crescim ento do em prego crescerá à m edida em que
cresce a renda.

AL = f / AY N
— ( — ) (i9 >

E n tretan to , n a m edida em que, no modelo H arrod-D om ar,


a ta x a de crescim ento da ren d a e a ta x a de crescim ento do ca­
p ita l ten d em a se eq u ip a ra r como condição de equilíbrio, não
há q u a lq u e r conflito e n tre a tradição clássica de fazer a p ro ­
cu ra de m ão-de-obra dep en d er da acum ulação de cap ital e a
visão keynesiana, segundo a q u al esta p ro cu ra depende da re n ­
da total. A p a rtir da equação (17), p o rtan to , pode-se escrev er
que o aum ento relativ o do em prego depende do aum ento re la ­
tivo do estoque de capital, sendo \l o coeficiente que define essa
relação, dando form a específica à função (18):

A L = jr A K (20)
L K

A ta x a ou coeficiente de substituição a longo prazo do tr a ­


balho pelo capital, y., é tam b ém um a m edida de elasticidade.
Como q u a lq u e r o u tra m edida de elasticidade, estabelece u m a
íelação e n tre duas variações relativ as, u m a das quais é d ep en ­
d en te da outra. Q uando a elasticidade é u n itá ria, sendo ig u al
a 1, o estoque de cap ital e o n ív el de em prego estão crescendo
24

a m esm a tax a. Não há, nesse caso, crescim ento da ren d a p er


capita, visto que o n ív el de ren d a tam b ém cresce, em equilíbrio,
à m esm a ta x a que o estoque de capital.

E n tre ta n to , h istoricam ente, à m edida em que ocorre o de­


senvolvim ento tecnológico, [x tende a ser m enor que 1. Nesses
term os, cham a-se fx de ta x a de substituição a longo prazo de
trab a lh o p o r capital, porq u e ela indica em que proporção o ca­
p ita l su b stitu i a m ão-de-obra no longo prazo, ao longo do tem ­
po, à m edida em que se processa o desenvolvim ento tecnológi­
co e o estoque de cap ital e o n ív el de em prego crescem . Esta
ca ra cte rístic a de [x pode se r observada no G ráfico 1. Se jx fosse
ig u al a 1, não h av e ria substituição de trab alh o p o r capital. A
função seria u m a cu rv a de 45°. N a m edida, porém , que [x seja
m en o r que 1, a função, conform e se observa no G ráfico 1, ainda
que ap resen te inclinação constante, indica que o esto q u e'd e ca­
p ita l au m en ta m ais que p roporcionalm ente em relação ao
em prego.

GRÁFICO I

COEFICIENTE DE SU BSTITUIÇÃO DE TRABALHO POR CAPITAL

L
25

E m bora |x in d iq u e su b stitu ição de trab a lh o p o r capital, é


im p o rta n te o b serv ar que essa sub stitu ição ocorre no longo p ra ­
zo, à m edida em que o estoque de cap ital e o volum e to ta l da
produção au m en tam . E sta ta x a não tem n ad a a ver, p o rtan to ,
com a elasticidade de su b stitu ição e n tre trab a lh o e cap ital de
Hicks. E sta é u m a m edida de elasticidade ao longo de u m a
m esm a isoquanta, que, dada sua form a curva, p erm ite su b sti­
tuição de trab a lh o por cap ital e vice-versa no cu rto prazo, d a ­
dos o volum e de capital, a disponibilidade de m ão-de-obra e o
volum e to ta l da produção. M ais p recisam en te , a elasticidade
de substituição m ede a m u d an ça re la tiv a da relação capital-
trabalho, dada u m a m u d an ça proporcional n a ta x a m a rg in a l de
substituição técnica e n tre cap ital e trab alh o , sem pre em u m a
m esm a iso q u a n ta(7>.

E m co n trap artid a, nosso coeficiente de substituição a longo


prazo de trab a lh o p o r capital, fx, indica a ta x a de substituição
de tra b a lh o por cap ital em d iferen tes níveis de produção, cor­
respondentes a sucessivos m om entos no tem po, e p o rtan to , em
d iferen tes isoquantas. Estas, n a m edida em que não ad m item
su b stitu tib ilid ad e no curto prazo, têm fo rm a de L. N a m edida,
porém , em que [x ten d e a ser m enor que 1, a cu rv a de expansão
da produção, que liga os ângulos das isoquantas, reflete este fa ­
to, indicando u m a relação cap ital-trab alh o crescente à m edida
em que au m en ta a produção total.

A cu rv a de expansão da produção, Y, ap resen ta u m a in ­


clinação crescente. Dado que {x é, em nosso modelo, constante,
o trab a lh o vai sendo rela tiv am en te su bstituído pelo cap ital (ou
seja, o cap ital au m en ta p ro p o rcio n alm en te m ais que o trab a -

(7) E m term o s fo rm ais a elasticid ad e de su b stitu ição a cu rto prazo, que


faz p a rte in te g ra n te d a lite r a tu r a económ ica neoclássica, pode ser
d efin id a como
K
A <— >
e — L ^TM ST

K TM ST

L
em que e é a elasticid ad e, e T M S T é a ta x a m a rg in a l de su b stitu ição
té c n ic a e n tre c a p ita l e tra b a lh o , ou se ja d a d a u m a m esm a

Al ’
iso q u an ta.
26

™ *ax a c°n stan te, o que im plica que a relação capital-


tra b a lh o K , ex p ressa n a cu rv a de expansão da produção, se-
L
ja crescente. No curto prazo, nos term os da função de produção
.liarrod-D om ar, não h á q u alq u er su b stitu tib ilid ad e de fatores,
conform e se pode v e r pela form a em L das isoquantas. Mas no
longo prazo, à m edida em q u e tran sc o rre o tem po e que o de­
senvolvim ento tecnológico v ai se incorporando ao processo de
acum ulação de capital, o trab a lh o vai sendo sub stitu íd o pelo
capital, dado que \l ten d e a ser m en o r do que 1(8).

GRÁFI CO 2

S UBSTI TUI ÇÃO DE L POR K EM D I FE RE NTE S ISOQUANTAS

(8) É essencial pai-a o m odelo a incluisão d a v ariável tem po. As


iso q u an tas não in d icam ap en a s níveis de produção d ifere n tes (asso­
ciados com d ifere n tes com binações de ca p ita l e tra b a lh o ), m a s ta m ­
bém m om entos sucessivos no tem po (associados a crescen tes níveis de
progresso tecnológico). Se n ão fic a r c la ra essa d u p la condição, po­
d e r-se -ia o b je tar, esquecendo um a, ou o u tra, ou am b as as condições
que a ex istên cia de um g ran d e nú m ero de iso q u an tas com coeficien­
tes fixos a c a b a ria resu ltan d o , n a p rá tic a , em iso q u an tas de coeficien­
tes flexíveis, conform e p o stu la a função de p rodução neoclássica
(- •)
27

9. MODELO AMPLIADO

D efinido o coeficiente de su b stitu ição a longo prazo de tr a ­


balho po r capital, p., pode-se ag o ra introduzi-lo no m odelo H ar-
rod-D om ar, p a ra calcu lar a ta x a de crescim ento em eq u ilíb rio
da ren d a per capita.
Sabe-se, de acordo com o m odelo H arrod-D om ar, que em
equilíbrio, as ta x as de crescim ento da renda, do estoque, de ca­
p ita l e dos inv estim en to s devem ser iguais à relação pro-
du to -cap ital m u ltip licad a p ela propensão m arg in al a p o u p ar
(equação 10).
Logo, pode-se reescrev er (17) su b stitu in d o seu denom ina­
dor

AL
P* = L (21)
as
A L '= p. as (21’)
L
P o r outro lado, já se viu que, desde que a ta x a de cresci­
m ento da população, A N, seja igual à ta x a de crescim ento do
N
em prego, A L, a ta x a de crescim ento da ren d a per capita será:
"17
d = A Y — AL (12)
~y “ T 7

Aliás, os com plexos m odelos neoclássicos putty-clay e clay-


clay, são te n ta tiv a s de co m p atib ilizar a visão neoclássica como fa to
de que, u m a vez realizad o o in v estim en to , os coeficientes técnicos to r ­
n a m -se fixos. P a ra u m le v a n ta m e n to dos m odelos p utty-putty, putty-
clay e clay-clay, ou seja, m aleáveis-m aleáveis, m aleáveis-rígidos e rí-
gidos-rígidos, ver W an (1971). E ste artig o não e n tra r á n a d iscu s­
são desses modelos. D evem os a A ffonso Celso P asto re o te r ch am ad o
a aten ção p a ra a possibilidade de o m odelo am p liad o que se está a p re ­
se n ta n d o ser reduzido a re fin a m e n to s do m odelo neoclássico do tipo
que se acabou de citar.
28

S ubstitu in d o (12) por (10) e (18’), obtém -se

d = a s — pi a s (22)
d — a s (1 — p.) (23)

Tem -se, p o rtan to , que o crescim ento da ren d a per capita


é função do pro d u to da relação produto-capital, da propensão
m a rg in a l a poupar, e do com plem ento (em relação a 1) do coe­
ficiente de substituição a longo prazo de trab a lh o por capital,
desde que a ta x a de crescim ento do em prego seja igual à ta x a
de crescim ento da população(9).

A propensão m arg in al a p o u p ar é u m a relação estritam en te


económica. É u m a função de com portam ento, que contém a
tendência a consum ir e a p o u p ar da população. N a situação
de equilíbrio, define tam b ém a acum ulação de cap ital da eco­
nom ia, n a m edida em que, em equilíbrio, poupança e in v esti­
m ento p lan ejad o são iguais.

A relação p ro d u to -cap ital define a p ro d u tiv id ad e do capi­


tal. É u m a relação ao m esm o tem po económica, que pode v a ­
ria r à m edida que v ariem os preços relativos, e tecnológica,
porque estabelece u m a relação técnica (dependente do g rau de
desenvolvim ento tecnológico de cada produção) en tre o capital
utilizado e o pro d u to obtido. E sta relação au m en ta rá ou dim i­
n u irá, dependendo do progresso tecnológico que estiv er ocor­
rendo n aq u ela in d ú stria, e do aum ento ou dim inuição dos p re ­
ços dos fato res em pregados n a produção.

O coeficiente de substituição a longo prazo de trab alh o por


cap ital é tam b ém u m a relação tecnológica e económica. P re s­
supõe a ex istência de u m desenvolvim ento tecnológico p erm a­
n ente, q u e possibilite a substituição de m ão-de-obra p o r capi­
ta l e que pode ocorrer, seja pela introdução de novas técnicas
que u tilizem m enos m ão-de-obra n a economia, seja pela difusão

(9) Eis u m exem plo sim ples de aplicação deste modelo H a rro d -D o m a r
am pliado. S u p o n h a-se u m a econom ia cu ja propensão m édia e m a rg i­
n a l a po u p ar, s, seja de 20%, cu ja relação p ro d u to -ca p ita l, G, seja de
0,5, e cu ja elasticid ad e de su b stitu ição de cap ital por m ão -d e -o b ra, ^
seja de 0,25, porque o em prego cresce a u m a ta x a m édia de 2,5% p a ra
u m crescim ento m édio do c ap ital de 10% ao ano. Nesses term os,
d’ — s g d — pt)
0,20 x 0,5 x 0,75
7,5%
29

dessas novas técnicas e n tre as d iversas em presas, à m edida em


que o eq uip am en to antigo vai se depreciando, seja ainda (den­
tro de um a concepção am pla de desenvolvim ento tecnológico)
devido a m odificações e s tru tu ra is n a econom ia, que im pliquem
em m odificações das p articipações rela tiv a s de seus diversos
setores (prim ário, secundário e terciário ) e subsetores. Em
q u alq u er um a das hipóteses, a acum ulação de cap ital im plica
em progresso técnico e substituição de trab alh o por capital, na
m edida em que este crescer à m esm a ta x a que o crescim ento
da renda.

A trav és de toda essa análise está se pressupondo q u e o


desenvolvim ento tecnológico seja n eu tro , de acordo com a con­
cepção de n e u tra lid a d e de H arrod. Com base no conceito de
Hicks, é com um se d efin ir desenvolvim ento tecnológico n eu tro
como aquele “que leva a deslocações da função de produção de
ta l modo que não m odifica atrav és do tem po o equilíbrio e n tre
cap ital e trab alh o n a produção co rre n te ” (A lien, 1968, p. 237).
N a verdade, esta é um a boa definição p ara desenvolvim ento
tecnológico n e u tro nos term os de u m a análise estática, como o
próprio H icks reconhece (1969, p. 181). P a ra H arro d o desen­
volvim ento tecnológico n eu tro é aquele que m an tém constante
a participação dos lucros e dos salários n a ren d a (como p a ra
H icks) e que tam b ém m an tém constante a relação produto-capi-
tal (1966, pp. 22 a 27). E stas duas condições, que estão n a base do
m odelo H arrod-D om ar, são b astan te realistas. Pode-se, n a tu ­
ralm en te, te r invenções poupadoras de m ão-de-obra quando
levam a relação p ro d u to -cap ital a se reduzir, e invenções p o u p a­
doras de cap ital quando conduzem a u m aum ento da relação
p ro d u to -cap ital e a correspondentes m odificações n a distribuição
de renda. P arece, todavia, razoável considerar, senão por seu
prov áv el m aio r realism o, pelo m enos por sua m aior sim plicidade,
que o desenvolvim ento tecnológico tende a ser neutro.

P o r outro lado, esta concepção de desenvolvim ento tecno­


lógico n eu tro não e n tra em n en h u m conflito com um a relação
cap ital-trab alh o crescente. Na verdade, no desenvolvim ento
tecnológico n eu tro de H arro d “está im plícito que u m a d e te r­
m in ad a produção pode ser obtida de um dado insum o de capital
com binado com u m insum o de trab a lh o L, m edido em núm ero
de hom ens q u e dim inui atrav és do tem p o ” (Alien, 1968, p. 238).
As novas invenções p erm item o aum ento da relação capital-
trabalho, su b stitu em m ão-de-obra por capital. À m edida, porém ,
em que, graças ao crescim ento da ta x a de salários, a d istrib u i­
ção da ren d a e n tre os lucros e o to ta l dos salários é m an tid a
30

co n stan te(10), e que a relação p ro d u to -cap ital não se m odifica,


não se deve considerar esta invenção “poupadora de m ão-de-
o b ra ”, e sim “n e u tra ” nos term os de H a rro d (11)

A adoção de u m m odelo de longo prazo de desenvolvim ento


capitalista, em que a relação p ro d u to -cap ital e a distribuição
da ren d a p erm anecem constantes, en q u an to a relação capital-
trab alh o cresce, parece, em term os m uito gerais, com patível
com o desenvolvim ento secular dos países cap italistas avança­
dos. P a ra que estas condições ocorram , é necessário que a
ta x a de lucro perm an eça constante, ao invés de decrescer como
p rete n d ia M arx, e que a ta x a de salários cresça proporcional­
m en te ao aum ento da p ro d u tiv id a d e(12).

E ste crescim ento da relação cap ital-trab alh o atrav és do


tem po, que está, p o rtan to , im plícito no m odelo H arrod-D om ar

(10) P o d er-se-ia, n a tu ra lm e n te , a d m itir variações n a d istribuição d a re n ­


d a que te n d a m a e q u ilib rar o sistem a. Nesse caso se deveria am p liar
g ra n d e m e n te os objetivos d este artig o p a ra in clu ir o modelo de K al-
dor (1956) a que j á se fez re fe rê n c ia e todo o p en sam en to que vem
sendo desenvolvido rece n tem e n te em C am bridge, In g la te rra , a res­
p eito destes problem as. Não cabe re alizar esta ta re fa no m om ento.

(11) As vezes se fa la em desenvolvim ento tecnológico “poupador de m ão-


d e-o b ra” q u an d o o m esm o leva a um au m en to d a relação c a p ita l-tra b a ­
lho, em b o ra m a n te n d o co n stan tes a relação p ro d u to -ca p ita l e a d istri­
buição de ren d a. De acordo com esta definição esse desenvolvim ento
tecnológico “p o u p ad o r de m ã o -d e -o b ra ” seria u m tipo de desenvolvi­
m e n to tecnológico n e u tro em term o s d a definição de H arrod. S eria o
desenvolvim ento su b stitu id o r de m ão -d e-o b ra po r cap ital, que estam os
a d o ta n d o com o pressuposto d u ra n te todo este tra b a lh o , o qual m an tém
c o n sta n te a relação p ro d u to -c a p ita l e a rem u n eração re la tiv a aos
fato re s de produção.

( 12) P reten d e m o s desenvolver em um o u tro artig o esta an álise do processo


de desenvolvim ento a longo prazo do sistem a c a p ita lista , em que o
crescim en to d a ta x a de salários, dois fenóm enos que te n d em a ocorrer
equilíbrio do sistem a depende d a m a n u ten çã o d a ta x a de lucro e do
nos países c a p ita lista s desenvolvidos, ao m esm o tem po em que p e r­
m an ece c o n sta n te a ta x a de co n cen tração de ren d a. J á nos países
subdesenvolvidos, em que o desenvolvim ento se realiza em term os
d ep en d en tes, com adoção de tecnologia de pro d u to e de processo dos
países c en trais, o equilíbrio do sistem a ten d e a o correr a tra v é s de um
processo de co n cen tração de re n d a d a classe m éd ia p a ra cim a. T o rn a -
se en tão necessário um m odelo de crescim ento m ais com plexo em
que se p rev eja o equilíbrio do sistem a a tra v é s do crescim ento d a t a ­
xa de salários d a classe m édia e dos lucros absolutos d a classe c a p i­
ta lis ta , en q u an to p erm an eceriam estag n ad o s os salário s d a classe
baixa.
31

e n a concepção de n e u tra lid a d e de H arrod, explicita-se no m o­


delo am pliado que se está ap resen tan d o atra v és do coeficiente
[x. E ste coeficiente, dado que h a ja progresso técnico, d ev erá
ser sem pre m en o r q u e 1. Caso |x seja ig u al a 1, isso significaria
que o estoque de capital, a ren d a to ta l e o em prego (população)
estão crescendo à m esm a taxa. Nesse caso, ev id en tem en te, não
h av e ria crescim ento da re n d a per capita. N a hipótese de [x
ser m aior que 1, h av eria m esm o u m decréscim o da ren d a p o r
h ab itan te. E stas duas ú ltim as hipóteses, porém , são m eram en te
teóricas. Não h á no tícia n a h istó ria de períodos de desenvol­
vim ento tecnológico significativos que ten h am se caracterizado
por um a dim inuição n a relação cap ital-trab alh o . De u m m odo
geral, o que se está pressupondo é q u e o desenvolvim ento te c­
nológico ten d e em g eral a ser incorporado à acum ulação de
capital. Não se exclui o desenvolvim ento técnico desincorpo-
rado, m as se im agina que sua significação p rátic a seja m uito
pequena.

10. EMPREGO E POPULAÇAO

P a ra concluir, deve-se ab an d o n ar o pressuposto da ig u al­


dade e n tre o crescim ento do em prego e o crescim ento da popu­
lação. Ao invés de u m pressuposto, deve-se-lhe a trib u ir an tes
AK
o c a rá te r de um a condição de equilíbrio. D ado ------ e dado
K
AL
[/., te m -s e , que é a ta x a de crescim ento da p ro cu ra de em pre-
L
go. P a ra que h a ja equilíbrio, esta ta x a dev erá ser ig u al à do
crescim ento da população, que aq u i se pressupõe corresponder
à ta x a de crescim ento da o ferta de trab alh ad o res. Tem -se, p o r­
tanto, como condição de equilíbrio:

AK AN
|a = ------ (24)
K N

Como os coeficientes técnicos são fixos, não havendo su b sti­


tu tib ilid a d e de fato res no cu rto prazo, as ev en tu ais variações
nos preços relativ o s do trab a lh o e do cap ital não g aran tem o
pleno em prego. No m odelo keynesiano de cu rto prazo, o pleno
em prego não é g aran tid o porq u e os salários não são flexíveis
32

p a ra baixo. No m odelo H arrod-D om ar esse pressuposto pode


ser m antido, em bora não seja necessário, já que a inexistência
de su b stitu tib ilid ad e no curto prazo to rn a ineficientes as even­
tuais variações nos preços relativ o s dos fatores.
A igualdade e n tre a p ro cu ra e a o ferta de em prego cons­
titu i condição adicional de equilíbrio. D a m esm a form a que a
condição de equilíbrio básica do m odelo H arrod-D om ar, ou
AY
seja, que ------- = os, não está au to m aticam en te garan tid a, só
Y
sendo atingida, ou p o r acaso, ou como resu ltad o de política eco­
nóm ica, a ig u ald ad e e n tre a p ro cu ra e a o ferta de em prego,
expressa na equação (23) tam b ém não está autom aticam ente
g aran tid a. O m odelo continua, p o rtan to , baseado em u m a con­
cepção de fio da navalha. Só se te rá alcançado a ta x a n a tu ra l
de crescim ento, a que se refere H arrod, quando D = os (1 -
re p re se n ta r efetiv am en te o crescim ento da ren d a per capita,
ou seja, quando a população estiv er crescendo à m esm a taxa
da p ro cu ra de trab alh o , dada a ta x a de crescim ento do estoque
de ca p ita l e o coeficiente de substituição a longo prazo de tra ­
balho por capital.

Segundo H arro d (1939, p. 30), a ta x a n a tu ra l de crescim ento


“é a ta x a m áx im a de crescim ento p erm itid a pelo aum ento da
população, p ela acum ulação de capital, pelo desenvolvim ento
tecnológico, e pela relação de p referên cia tra b a lh o /la z e r, supon­
do-se que, àe acordo com u m conceito p rev iam en te definido,
p rev aleça sem pre ò pleno em p reg o ”. A trav és da ta x a n atu ral,
p o rtan to , H arro d leva em consideração, explicitam ente, o desen­
volvim ento tecnológico e o crescim ento da população. Ao con­
trário do que acontecera com a ta x a g aran tid a (w arran ted ) de
crescim ento, ou seja, com a ta x a de crescim ento de equilíbrio,
à q u al ele deu u m a conceituação form al (correspondente à
equação 9), H arro d não ap resen to u um a definição correspon­
den te p ara a ta x a n a tu ra l de crescim ento. E ntendem os que a
equação fu n d am e n tal de nosso modelo am pliado (23) pode ser
considerada u m a definição fo rm al da ta x a n a tu ra l de cresci­
m ento da ren d a per capita, que, nesse caso, corresponde à tax a
g a ra n tid a da ren d a per capita, resp eitad a a condição adicional
de equilíbrio expressa n a equação (24)(13).

(13) D evem os a P ed ro M alan , e n tre o u tras observações, a de te r assin alad o


que se po d eria d iscu tir o m odelo aq u i ap resen tad o no contexto d a t a ­
x a n a tu ra l de crescim ento de H arro d . C abe observar que, no m odelo
(• •)
33

H istoricam ente, no sistem a cap italista, n ad a g a ra n te ta l


equilíbrio. N as épocas de p ro sp erid ad e a p ro cu ra de tra b a lh a ­
dores ten d e a ser m aior que a oferta. Nesse caso, a ex istên cia
de um reserv ató rio de desem pregados, em condições de desem ­
prego ab erto ou disfarçado, ou a possibilidade de re c o rre r à
im igração con stitu em v álv u las de aju stam en to im p o rtan tes que
ev itam ou red u zem o au m en to dos salários e a inflação. N as
épocas de depressão, ocorre o inverso. E xiste, n atu ra lm en te, a
possibilidade de que, m esm o n as épocas de prosperidade, dado
um desenvolvim ento tecnológico altam en te su b stitu id o r de
m ão-de-obra, seja m en o r que a oferta. A s elevadas ta x as de
acum ulação de cap ital que p rev alecem n as econom ias cap ita­
listas têm , todavia, evitado que isso ocorra.

11. CONCLUSÃO

Em conclusão, viu-se que progresso tecnológico, su b stitu i­


ção de trab a lh o por cap ital e crescim ento da ren d a per capita não
são incom patíveis com o m odelo H arrod-D om ar, como p re te n ­
d eram alguns críticos neoclássicos. E ste m odelo de cres­
cim ento económico, ressalvadas as lim itações que são com uns
a todos os m odelos económ icos gerais, é ex tre m am e n te sim ples e
possui g ran d e capacidade ex p licativ a do processo de desenvolvi­
m ento, n a m edida em que o relaciona com a capacidade de
acum ulação de cap ital da econom ia. E n tretan to , não é suficien­
tem en te explícito q u anto à incorporação do progresso técnico,
essencial p a ra o desenvolvim ento económico, e não deixa claro
como co m patibilizar um a função de produção com coeficientes
técnicos fixos, com a tendência a su b stitu ir m ão-de-obra por

de H arro d , a ta x a n a tu ra l de crescim en to é igual à ta x a de crescim en ­


to d a população, n , so m ad a à ta x a de crescim ento do progresso te c n o ­
lógico, r. Temos’, pois, em condições a longo prazo de equilíbrio que
n_j_r — 0s. N essa equação a ta x a de progresso tecnológico corresponde
à ta x a de crescim ento d a re n d a po r h a b ita n te , d, d efin id a n a equação
d — r — 0 s - n. N essa fo rm u lação o rig in al do m odelo de H arro d ,
porém o progresso tecnológico é sim plesm ente id en tificad o com o cres­
cim en to d a re n d a po r h a b ita n te . E m nossa am p liação do m odelo, o
progresso tecnológico e o crescim ento d a re n d a po r h a b ita n te são d e ­
finidos em fu n ção d a ta x a de crescim ento d a re n d a 0s, e d a n o v a
v ariáv el que se in tro d u ziu , o coeficiente de su b stitu ição a longo p r a ­
zo do tra b a lh o por c ap ital,
34

capital, que caracteriza q u alq u er processo de desenvolvim ento


económico.

E ste artig o p ro cu ro u c o n trib u ir p a ra a solução deste p ro ­


blem a, fazendo um a distinção e n tre su b stitu tib ilid ad e de fato-
res a cu rto prazo, que o m odelo H arrod-D om ar de fato não prevê,
e su b stitu tib ilid ad e de fato res a longo prazo, que é p erfeita­
m ente com patível com o modelo. Em seguida, e p a ra to rn ar
m ais explícito esse segundo tipo de su b stitu tib ilid ad e, p ara que
o progresso técnico pudesse ser tam b ém m elh o r incorporado
no modelo, e p ara que o m esm o se tornasse claram en te com pa­
tív el com o crescim ento da ren d a p o r h ab itan te, introduziu-se
no m odelo um a nova v ariá v el p., que se definiu como sendo o
coeficiente de substituição a longo prazo de trab a lh o por capi­
tal. Essa v ariáv el pode ser in tro d u zid a no m odelo de form a
operacional, utilizando-se dados históricos de cada economia, e,
sem ro u b ar-lh e sua sim plicidade, p reten d e torná-lo m ais expli­
cativo do processo de crescim ento económico.
Torna-se então claro que o crescim ento em equilíbrio da
ren d a per capita depende da propensão m arg in al a poupar, ou
seja, da capacidade de acum ulação de cap ital da economia, da
relação produto-capital, ou seja, da p ro d u tiv id ad e dos investi­
m entos, do coeficiente de substituição a longo prazo de tr a ­
balho pelo capital, ou seja, do desenvolvim ento tecnológico, e
do crescim ento da população, o qual, em equilíbrio, deve crescer
à m esm a ta x a de crescim ento da p ro cu ra de trab alh o . E sta nos
é dada pelo coeficiente jx e pela ta x a de crescim ento do estoque
de capital. N ada g aran te que o crescim ento ocorra em condi­
ções de equilíbrio. F ica claro, porém , que o crescim ento econó­
mico só pode ocorrer atrav és da com binação de acum ulação de
cap ital e desenvolvim ento tecnológico.
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