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Brazilian Journal of Development 98515

ISSN: 2525-8761

O ensino de piano para crianças: considerações psicopedagógicas em


aulas presenciais e virtuais

Piano teaching for children: psychopedagogical considerations in


presential and virtual classes
DOI:10.34117/bjdv7n10-257

Recebimento dos originais: 07/09/2021


Aceitação para publicação: 19/10/2021

Ana Lúcia Iara Gaborim-Moreira


Doutora em Artes, pela Universidade de São Paulo
Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Endereço: Rua Ataulfo Alves, 268, Bairro Jd TV Morena – Campo Grande, MS, CEP:
79050-130
E-mail: ana.gaborim@ufms.br

Helena Karavassilakis Uzun


Mestranda pela Universidade Estadual de Maringá
Instituição: Escola de Música Amadeus Mozart
Endereço: Rua José Paes de Farias, 540 – Jardim Jacy – Campo Grande, MS, CEP
79006-330
E-mail: helenakms@hotmail.com

Cristiane Santos do Nascimento Bernardo


Licenciada em Música pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Instituição: Academia de Música Sonata
Rua Tropical, 36 – Jd. Aero Rancho – Campo Grande, MS, CEP 79083-070
E-mail: crisweberbernardo@gmail.com

Patricia Kettenhuber de Lima


Graduanda em Música pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Rua Gazela, 116 - Jd. Santa Emilia – Campo Grande – MS CEP 79093-370
E-mail: patricia.kettenhuber@hotmail.com

Vanessa Araújo da Silva


Graduanda em Música pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Rua Engenheiro Edno Machado, 269 – Jd. Santa Emilia – Campo Grande – MS CEP
79093-350
E-mail: vanessa.araujo@ufms.br

RESUMO
Neste artigo, trazemos uma discussão sobre duas distintas experiências de iniciação
musical ao piano para crianças realizadas no programa de extensão “Escola de Música da
UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)” a partir de 2018: aulas presenciais
coletivas e aulas virtuais individuais, que se fizeram necessárias a partir do contexto de
pandemia. As autoras deste artigo são também as professoras de piano, que
constantemente analisam os seus próprios procedimentos de ensino e acompanham o
desenvolvimento das crianças ao instrumento, o que caracteriza este trabalho como

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pesquisa-ação. No que concerne à compreensão dos processos de aprendizagem e


desenvolvimento da criança – para uma atuação mais consciente nas aulas de piano –
buscamos suporte teórico na área de Psicologia, e assim trouxemos para este artigo
importantes conceitos da obra de Lev Vygotsky (1896-1934) que se relacionam ao nosso
objeto de pesquisa. Para embasar nossa discussão em termos de prática pedagógico-
pianística, partimos de um artigo em que analisamos a proposta de ensino coletivo
presencial e seus resultados (GABORIM-MOREIRA ET. AL, 2019), e assim buscamos
explicar as mudanças ocorridas no ensino de piano diante da atual conjuntura, levando
em conta os desafios da educação musical por meios tecnológicos - o ensino virtual.
Assim, buscamos contribuir para a difusão dessas duas modalidades de ensino visando a
uma ação psicopedagógica mais eficaz do professor de piano e consequentemente, um
aprendizado mais significativo e motivador para os alunos. Descrevendo o resumo do
trabalho a ser publicado.

Palavras-chave: ensino coletivo de piano, ensino virtual de piano, psicopedagogia


pianística, iniciação musical da criança.

ABSTRACT
In this article, we present a discussion on two distinct experiences of musical beginning
at the piano for children carried out in the extension program "Escola de Música da UFMS
– Universidade Federal de Mato Grosso do Sul" (Music Scholl at Federal University of
Mato Grosso do Sul) since 2018: collective presential classes and individual virtual
classes, which were necessary based on the context of pandemic. The authors of this
article are also the piano teachers, who constantly analyze their own teaching procedures
and follow the children's development to the instrument, which characterizes this work as
research-action. Regarding the understanding of the child's learning and development
processes – for a more conscious performance in piano lessons – we sought theoretical
support in the field of Psychology, and thus we brought to this article important concepts
from the work of Lev Vygotsky (1896-1934) that relate to our research object. To support
our discussion in terms of pedagogical-pianistic practice, we start with an article in which
we analyze the proposal for classroom collective teaching and its results (GABORIM-
MOREIRA ET. AL, 2019), and thus seek to explain the changes that have occurred in
piano teaching given the current situation, taking into account the challenges of musical
education through technological means - virtual teaching. Thus, we seek to contribute to
the dissemination of these two teaching modalities aiming at a more effective
psychopedagogical action of the piano teacher and, consequently, a more meaningful and
motivating learning for the students.

Keywords: collective piano teaching, virtual piano teaching, pianistic psychopedagogy,


children's musical initiation.

1 INTRODUÇÃO
Até pouco tempo atrás, as pesquisas sobre o ensino de piano para crianças, no
Brasil, estavam mais voltadas ao desenvolvimento de estratégias para que as aulas
presenciais se tornassem mais interessantes e criativas, bem como à proposição de novos
materiais didáticos que fossem mais atrativos pelo seu aspecto visual e pelo uso de
diferentes abordagens, inclusive com propostas de criação e improvisação (MOREIRA,

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2005; TELES, 2005; ILLESCAS, 2008; ALMEIDA, 2015). Além disso, buscava-se cada
vez mais elementos lúdicos para incorporar a rotina das aulas, como contação de histórias,
exploração sonora, brinquedos e brincadeiras musicais, de forma a motivar as crianças ao
aprendizado do piano. Nessa perspectiva, as aulas coletivas de instrumento também foram
ganhando adesão nas escolas de música e conservatórios, como um elemento motivador
para a participação de crianças. Cerqueira (2009) destaca, nesse contexto, o
compartilhamento positivo na construção do aprendizado: “os alunos com dificuldade são
ajudados pelos colegas, tanto na técnica quanto no entendimento musical” (p.135). Há,
portanto, uma interação constante, em uma dinâmica própria das aulas em grupo, que leva
ao aprendizado.
Aos poucos, o tradicional ensino de piano no Brasil foi incorporando elementos
da contemporaneidade, como a inclusão de jogos, aplicativos e até métodos em formato
digital; o repertório também foi se abrindo com a inclusão de canções do repertório
popular, incluindo os hits da mídia e melodias do cotidiano (BOZZETTO, 2009). Novos
projetos para o ensino virtual - ou a distância - foram gradativamente ganhando destaque
no cenário da pedagogia pianística1, uma vez que o deslocamento para uma aula
presencial passou a ser impeditivo para conquistar novos alunos ou mesmo para permitir
a continuação das aulas de alguns alunos já adiantados. Essas novas propostas on-line
foram sendo experimentadas e investigadas, como uma alternativa inovadora, produzindo
resultados satisfatórios.
Contudo, desde o início da pandemia (março de 2020), o ensino de piano precisou
ser rapidamente adaptado ao modo virtual, uma vez que o isolamento social se
estabeleceu como regra para evitar a contaminação pela COVID-19. O que era antes
totalmente presencial, passou a ser essencialmente virtual na pandemia, e pôde-se
observar as constantes dificuldades de adequação de muitos professores e alunos ao
ambiente on-line. Os professores de piano – assim como professores de outras áreas do
conhecimento – precisaram rapidamente se voltar às possibilidades de ensino com novas
ferramentas através do meio digital, para garantir a continuidade de suas aulas, e assim,
se fizeram presentes nas aulas o uso de plataformas e aplicativos que estabelecessem a
comunicação entre professor e aluno.

1É importante, nesse contexto, destacar a realização do CONVEP (Congresso Nacional Virtual de Ensino de Piano), organizado pela
pesquisadora Naira Poloni. A primeira edição do Congresso aconteceu de 24 a 30 de agosto de 2015, e segundo a pesquisadora, teve
716 inscritos, de vários estados do Brasil e também do exterior.

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De forma intensa, muitos professores de piano passaram a compartilhar seus


anseios, dificuldades e expectativas em grupos de Whatsapp e Telegram2, em lives ou
reuniões nas plataformas de videoconferência, na esperança de encontrarem apoio para
poder planejar e executar suas aulas com mais segurança - uma vez que muito dessa
adaptação ao modo on-line se deu de forma intuitiva ou experimental. Nesse processo,
houve muitas trocas de materiais, discussões de metodologias, propostas de jogos e uso
de ferramentas digitais - o que, sem dúvida, representou uma considerável inovação para
o ensino de piano.
Estando ainda em pleno período de pandemia, não podemos vislumbrar o futuro
do ensino de piano. Mas podemos inferir que a tendência para esse ensino, é que
coexistam as práticas presenciais e as virtuais, em um sistema que podemos denominar
de “híbrido”. Portanto, nosso objetivo com este artigo é demonstrar possibilidades do
ensino presencial e coletivo de piano, que já se mostrou eficaz no contexto da Escola de
Música da UFMS até 2019, e ao mesmo tempo, apresentar nossa proposta de ensino
virtual e individual, que no momento vigora como única possibilidade para a continuidade
do ensino de piano.

2 AULAS PRESENCIAIS COLETIVAS


As aulas coletivas de piano, em modo presencial, puderam trazer novas
perspectivas de aprendizagem musical, por meio do estímulo ao compartilhamento dos
saberes em um contexto cooperativo e interativo. Torres e Araújo ressaltam esse aspecto
motivador do ensino coletivo de piano:

aprender música em grupo não é somente um processo de execução musical


coletiva, mas é também um ato de trocas de experiências no âmbito do
contexto social (...) Desta forma a motivação na prática em grupo é
fortemente indicada no sentido da observação e da vivência de experiências
(2014, p.23-24)

Segundo a professora e pianista Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves (1924-


2015), uma das pioneiras na implementação do ensino coletivo de piano no Brasil, “o
aprendizado em grupo torna-se importante na medida em que é dinâmico, motivador,
econômico, atraente e divertido” (Gonçalves, 1986, p.1). Com a colaboração da
compositora Cacilda Borges Barbosa, Gonçalves elaborou o método denominado

2Antes mesmo da pandemia, por iniciativa do pianista Eduardo Fontes (ES), já existia um grupo de professores de piano que visava
o compartilhamento de materiais denominado “Professores de Piano”, no aplicativo Whatsapp. Posteriormente, e devido à grande
procura, o grupo também foi aberto no aplicativo Telegram.

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“Educação Musical através do Teclado”, publicado na década de 1980. Gonçalves dividiu


a obra em etapas (musicalização – leitura nas teclas brancas – leitura nas teclas brancas e
pretas – habilidades funcionais), sendo que para cada parte há um manual do professor –
que traz orientações precisas para a atuação pedagógica – e um livro do aluno - onde os
conhecimentos e habilidades são apresentados de forma gradual, com temas do universo
infantil e notação musical simplificada.
Gonçalves valorizava a educação musical como meio de formação da pessoa
humana, e o ensino de piano em grupo como um estímulo ao aprendizado, por meio da
ludicidade. Segundo a pianista,

a educação musical deve ser dada a todos, sem objetivos preconcebidos de


orientação para a profissão ou para o lazer e sim por seu valor no
enriquecimento da vida das pessoas e da sociedade; o teclado não encontra
paralelo como meio capaz de oferecer tantas oportunidades de experimentar,
perceber, compreender a expressividade da música, através dos elementos dela
– melodia, ritmo e harmonia. (GONÇALVES, 1986. p. v).

Gonçalves fez críticas aos métodos tradicionais de iniciação musical, que


valorizavam a memorização das notas através da leitura de claves separadas e soletração
de notas, em uma abordagem mecânica e muitas vezes, sem sentido musical. Gonçalves
então procurou explorar a leitura musical partindo do teclado para a partitura: utilizando
o retrato de cluster, executando as teclas brancas e pretas desde o início, estimulando a
percepção visual de direções e distâncias por intervalos, trabalhando o ritmo a partir da
variação de sons curtos e longos. Dessa forma, o processo de desenvolvimento das
habilidades musicais/pianísticas independe e vai além do aprendizado da leitura – que
muitas vezes atrasa ou engessa esse processo. Portanto, Gonçalves concebia a integração
entre a linguagem musical e execução instrumental em um processo de aprendizagem
simultânea de conceitos e de habilidades funcionais.
Com relação à metodologia de ensino, Gonçalves ressalta a importância do
planejamento do professor, contribuindo para uma boa organização e consequentemente,
para o sucesso das aulas. Segundo a pianista, o planejamento deve pontuar o grau de
musicalização dos participantes, a faixa etária, o limite de vagas, a duração e frequência
das aulas. Para a autora, esses passos citados devem ser observados na composição de um
grupo, uma vez que a busca pela homogeneidade pode tornar o ensino mais satisfatório.
A autora ainda frisa que é responsabilidade do professor realizar seu plano de aula de
forma criativa, responsável e flexível; o professor deve ministrar aulas alegres, dinâmicas,

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estabelecendo uma relação de respeito e consideração uns com os outros. Há o


envolvimento de todos no processo, com a valorização da participação ativa do aluno,
estimulando sempre a criatividade, a verbalização, as discussões, o treino auditivo e a
audição crítica.
No Programa “Escola de Música da UFMS”, as aulas coletivas de piano foram
aplicadas desde o segundo semestre do ano de 2018, como forma de iniciação musical,
e posteriormente analisadas à luz de referenciais teóricos das áreas de Pedagogia
Pianística e Psicologia. Para essas aulas, foram selecionados alunos que não tinham um
contato anterior com o estudo do instrumento, ou seja, fariam a iniciação ao piano (do
“zero”). Para analisar o ensino coletivo de piano sob a perspectiva da Psicologia,
compreendendo os processos de aprendizagem e desenvolvimento do aluno, nos
embasamos nos estudos do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934). Em sua
compreensão dialética do desenvolvimento do homem - envolvendo os aspectos
biológicos, sociais, culturais e históricos - Vygotsky desenvolve sua Teoria Histórico-
cultural, segundo a qual, é na interação com o meio social e cultural que o indivíduo vai
se desenvolvendo e aprendendo. Rego (2014) nos explica que

para Vygotsky, o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das


constantes interações com o meio social em que vive, já que as formas
psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social. Assim, o
desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro (outras
pessoas do grupo cultural), que indica, delimita e atribui significados à
realidade. Por intermédio dessas mediações, os membros imaturos da espécie
humana vão pouco a pouco se apropriando dos modos de funcionamento
psicológico, do comportamento e da cultura, enfim, do patrimônio da história
da humanidade e de seu grupo cultural. Quando internalizados, estes processos
começam a correr sem intermediação de outras pessoas. (REGO, 2014, p. 61).

Nessa perspectiva, revela-se um importante aspecto do ensino coletivo de piano,


que é a interação entre os alunos com a mediação do professor. Vygotsky (2007, p.95)
pondera que “o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de
desenvolvimento da criança”, portanto, o professor de piano precisa estabelecer critérios
para a formação do grupo e para a seleção de métodos e conteúdos que estejam
apropriados para o aprendizado desse grupo, isto é, ter ciência do que as crianças já
conhecem e sabem realizar, bem como do que elas podem vir a desenvolver. Em termos
práticos, podemos afirmar que ensinar notas musicais para uma criança que já possui esse
conhecimento, ou que já sabe onde elas se localizam na pauta musical e nas teclas do
piano, não possibilitará uma transformação em seu processo psicológico. Da mesma

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forma, tentar ensinar para essa mesma criança conceitos musicais complexos ou
habilidades práticas que vão muito além de sua capacidade de aprender naquele momento
(como tocar encadeamentos harmônicos, por exemplo), será algo demasiado ineficaz.
Vygotsky denomina nível de desenvolvimento real as “conquistas que já estão
consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina,
pois já consegue utilizar sozinha (...), os processos mentais da criança que já se
estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram” (Rego, 2014, p.72).
Por outro lado, o nível de desenvolvimento potencial, segundo Zanella (1994, p.98), é o
“conjunto de atividades que a criança não consegue realizar sozinha mas que, com a ajuda
de alguém que lhe dê algumas orientações adequadas (um adulto ou outra criança mais
experiente), ela consegue resolver”.
Já a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) vai representar a distância entre o
nível real e potencial, definindo aquelas funções mentais que ainda não amadureceram,
mas que estão em processo de maturação – o que precisa ser compreendido pelo professor.
Assim, a ZDP “é definida como a diferença (expressa em unidades de tempo) entre os
desempenhos da criança por si própria e os desempenhos da mesma criança trabalhando
em colaboração e com a assistência de um adulto” (Ivic, 2010, p. 32). Nas palavras de
Vygotsky, a ZDP

é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar


através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de
um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY,
2007, p. 97).

Consideremos então, que por meio do ensino coletivo de piano a criança aprende
habilidades musicais, na interação com as colegas e com a mediação do professor. Essas
habilidades são postas em prática quando a criança estuda em casa, individualmente,
reforçando o conteúdo da aula – algo que já pode realizar sozinha – e isso permite que ela
se desenvolva ainda mais no aprendizado do piano, transcendendo o conteúdo aprendido
nas aulas – buscando, até mesmo, outros repertórios ou outras formas de executar músicas
ao piano que vão além da partitura. Desta maneira, a criança tende a evoluir mais
rapidamente e permanece motivada para aprender – até mesmo porque no grupo, todas se
esforçam para estar no mesmo nível de desenvolvimento. De certa forma, temos um
ambiente saudavelmente competitivo, em que ninguém perde ou ganha, porém, nenhuma
criança quer ficar “para trás” em relação às suas colegas de grupo.

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Consideremos ainda, que a criança não apenas aprende conteúdos e habilidades


musicais nas aulas de piano coletivo, mas que se desenvolve integralmente: aprende
regras de convivência no meio social, pondera suas atitudes, controla sua ansiedade,
procura se mostrar autônoma e independente, faz novas amizades, demonstra o domínio
da coordenação motora e atenção necessária para executar a lição, constrói sua própria
performance ao piano em exercícios de auto avaliação constantes e tem como mediadores
o seu professor e as próprias colegas. Então a criança é constantemente estimulada em
outras áreas (cognitiva, socioafetiva, motora), à medida em que vai internalizando o
conhecimento musical e consequentemente, formando suas funções psíquicas. Segundo
Rego (2014, p.107), “Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao
desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se
completarem”. Em outras palavras, ao ponderarmos que o processo de desenvolvimento
psicológico necessita de mediadores que possibilitem a sua consolidação, estaremos
trabalhando de forma a potencializar esse processo com as aulas coletivas de piano.

2.1 ENSINO DE PIANO NO PROGRAMA “ESCOLA DE MÚSICA DA UFMS”


Tendo em vista todas as possibilidades de aprendizagem musical e de
desenvolvimento infantil que poderiam ser oferecidos por meio do ensino coletivo de
piano, foi proposto um projeto junto ao curso de Licenciatura em Música da UFMS, por
meio da Pró-reitoria de Extensão, Cultura e Esporte (PROECE). Iniciaram-se então, em
julho de 2018, as inscrições para as aulas coletivas de piano no programa de extensão
“Escola de Música da UFMS”. Houve grande procura, principalmente pelo baixo custo
da taxa de matrícula (não são cobradas mensalidades), considerando ainda a possibilidade
de isenção da taxa em determinadas condições sócio-econômicas. Dessa forma, foi
possível formar 4 turmas de 2 ou 3 alunos cada, no período da manhã, agrupando as
crianças por faixa etária aproximada e gênero (masculino/feminino). No semestre
seguinte, foram formadas outras 4 turmas, no período da tarde. Como pré-requisito para
a matrícula, os alunos precisariam ter em casa (ou disponibilizado para estudo) um piano
ou teclado de boa qualidade.
Dentro da proposta do Programa, os acadêmicos do curso de Licenciatura em
Música da UFMS têm a oportunidade de ministrar as aulas de instrumento e teoria
musical para os alunos da Escola, com a supervisão de um professor do curso. Sendo
assim, tivemos duas professoras de piano (acadêmicas) para cada turma, e dessa maneira,
enquanto uma atuava lecionando, a outra poderia fazer o registro das aulas, sendo que

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essas funções poderiam se alternar. Os acadêmicos do Programa recebem uma ajuda de


custo em forma de bolsa de extensão, que vigora durante o período letivo. Também há a
possibilidade de receber estagiários do curso nas aulas de piano, participando ativamente.
Com isso, os acadêmicos têm a oportunidade de passar pela experiência de lecionar antes
mesmo de concluir o curso, de forma que se tornam mais capacitados para atuar nessa
área.
A aprendizagem inicial de piano em aulas coletivas (nível 1) tem como principais
objetivos musicais: despertar o gosto pela música explorando o instrumento; estimular a
capacidade de tocar em duplas ou trios; desenvolver tecnicamente as habilidades motoras
ao teclado, bem como a leitura e a percepção musical; incentivar a criação e a
improvisação. No nível 2 essas habilidades são aperfeiçoadas, em um contínuo processo
de desenvolvimento. Contudo, para este artigo, nos limitaremos a descrever como
ocorrem as aulas presenciais do nível 1, que corresponde ao período de iniciação ao
instrumento – isto é, quando as crianças ingressam no Programa.
Nas primeiras aulas, a parte interna do piano é exposta para que os alunos possam
compreender o seu mecanismo, manipular suas peças e assim, entenderem como é
possível obter sons suaves ou fortes, longos ou curtos. Os pedais também são
apresentados, atendendo à curiosidade dos alunos quanto às possibilidades de execução.
Todo o teclado é explorado: as crianças tocam da tecla branca mais grave, até a branca
mais aguda em movimento ascendente (“subindo”) e descendente (“descendo”), depois
repetem os movimentos com as teclas pretas. Identificam a topografia do teclado e
encontram a nota “Dó”, a partir da posição das teclas pretas. Geralmente, as crianças já
vêm para a primeira aula de piano com o conhecimento da ordem das notas na escala
ascendente, portanto, já conseguem localizar todas as notas vizinhas (graus conjuntos) a
partir da nota “Dó”.
Após essa introdução com exploração do instrumento, é apresentado o método de
leitura (livro didático impresso). Embora nossa metodologia de trabalho siga muito dos
princípios estabelecidos por Gonçalves para o ensino coletivo de piano, não utilizamos
os livros que a própria autora publicou, pois concluímos que seu aspecto visual não é
atrativo para as crianças de hoje. Optamos pela utilização de métodos americanos, que
trazem imagens coloridas, temas do universo infantil nas lições e visual mais atrativo,
podendo ser adquiridos pela Internet, inclusive em formato e-book. Para as crianças
menores (6-7 anos), adotamos “The Music Tree” (Clark, Goss e Holland, 2000), cujos
conteúdos são mais repetitivos; para as crianças a partir de 8 anos, utilizamos “Piano

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Lessons”, da coleção Hal Leonard (Kreader, Kern, Keveren e Rejino, 2000), que avançam
os conteúdos de maneira mais progressiva. Cabe dizer que o método “The Music Tree”
apresenta muitas semelhanças com o método de Gonçalves, e isso provavelmente se
justifica pelo contato direto de Gonçalves com Clark, nos Estados Unidos, na década de
1970. Contudo, outras lições complementares também são utilizadas e apresentadas na
aula, e exercícios de fixação do conteúdo são elaborados para serem feitos em casa.
Os livros didáticos de piano adotados no projeto3 apresentam estilos variados de
ritmos, melodias e propostas de criação e improvisação. Segundo os autores do método
“The Music Tree” (Clark, Goss e Grove, 1973, p.15), “todas as crianças são criativas. Os
alunos de piano demonstram entusiasmo e orgulho, produzindo ideias originais e criativas
ao instrumento, se forem encorajadas desde o início”. Assim, os alunos partem daquilo
que já aprenderam para criar peças muito simples, isto é, utilizando poucos elementos
musicais e sem a exigência de grandes habilidades técnicas. Porém, à medida que o
conhecimento vai se expandindo, as criações vão envolvendo um maior número de
elementos musicais e aumentando sua complexidade.
Algumas lições apresentam um acompanhamento a ser executado pelo professor;
para isso, é preciso estimular o aluno a se empenhar para tocar com segurança. Esta
também é uma forma de fixar o conteúdo da lição e buscar uma execução precisa, livre
de erros ou atrasos. Outra estratégia utilizada nas aulas é a gravação (em vídeo) da música
aprendida na aula, para enviar aos pais: as crianças tocam repetidas vezes, sem se
chatearem, até que se sintam satisfeitas e orgulhosas com sua própria performance e
assim, demonstrem o que aprenderam por meio do Whatsapp – o que também podemos
classificar como um recurso tecnológico utilizado para motivação dos alunos.
Os livros são em língua inglesa e esse é outro fator bastante estimulante para os
alunos, ampliando seus conhecimentos em outra área. Os alunos criam textos em
português para serem cantados juntamente com as lições, ou traduzem os títulos
apresentados. São também utilizados materiais complementares para leitura na aula,
como “Poco Piano” (Alfred’s), alguns métodos brasileiros de iniciação ao piano ou livros
com propostas de criação e improvisação (como “Divertimentos”, da autora Laura Longo)
e “Europäische Klavierschule” (método alemão), que traz ilustrações ricamente coloridas
e peças para serem tocadas por imitação.

3 Atualmente, um método próprio da Escola de Música se encontra em processo de elaboração.

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As crianças se sentam ao piano diante de um dos seus três registros: grave, médio
ou agudo. A aula é bem dinâmica, e durante a aula os alunos trocam de posição,
alternando os registros. A aula dura 45 minutos – o tempo que consideramos ser suficiente
para que elas não se cansem e voltem motivadas na semana seguinte. Inicialmente, a
notação musical das lições não traz pautas ou claves, de modo que podem ser tocadas em
qualquer região do piano. Apresenta-se a posição das mãos ao teclado, determinando as
teclas a serem tocadas. A professora estimula a curiosidade dos alunos a cada nova lição,
perguntando quais são os elementos novos e os já conhecidos, ao que as crianças
respondem instantaneamente. Em seguida, são lidos pequenos trechos individualmente
(tocando) e depois, em duplas ou trios (simultaneamente), juntando os trechos até que se
complete a lição. Isso exige maior atenção e concentração dos alunos e os ensina como
devem estudar em casa: sempre por trechos pequenos e de forma cumulativa,
concentrando-se nos detalhes (como dedilhado e indicações de dinâmica e articulação,
por exemplo) e procurando manter o andamento da capo al fine.
O que pudemos perceber nesse período de realização das aulas de piano coletivo
(2018-2019) é que as crianças interagem positivamente, buscando ajudarem-se umas às
outras. É bastante perceptível o nível de facilidade ou de dificuldade de cada criança
frente às habilidades pianísticas, e naturalmente, as crianças demonstram uma atitude
cooperativa: as que têm mais facilidade auxiliam as que têm mais dificuldade de
aprendizado, criando estratégias ou explicando a lição em sua linguagem, própria da
idade. Além disso, o ambiente cooperativo inibe a preguiça ou o desânimo (muito comuns
em aulas individuais) e permite que a aula se torne leve e divertida.
Dentre os resultados obtidos, citamos a realização de “Recitais” ao final do
semestre, onde cada aluno preparou uma peça escolhida para ser tocada em situação de
apresentação pública. Devido ao pouco espaço físico da sala disponibilizada para os
recitais, não foi possível que cada criança trouxesse mais convidados além dos familiares
mais próximos (pais e irmãos). Houve uma preparação técnica e psicológica dos alunos
para esse momento de apresentação, e apesar de todo nervosismo causado pela
expectativa e ansiedade – o que é perfeitamente normal – todas as crianças conseguiram
se apresentar com êxito.
De modo geral, não houve um número significativo de desistências das aulas de
piano presenciais por desmotivação ou desinteresse. Algumas crianças pararam de
frequentar as aulas por problemas pessoais (trabalho/estudo dos pais, mudança de cidade
ou incompatibilidade de horários com as atividades da escola, por exemplo). Alunos e

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seus pais preocuparam-se em acompanhar os estudos e raramente faltavam nas aulas, pois
sabiam que isso prejudicaria o andamento do grupo como um todo. Um fato interessante
e inesperado é que as crianças buscaram, por conta própria, recursos midiáticos e novas
tecnologias (tutoriais em canais como o “Piano X”, no site YouTube, e aplicativos para
tablets e celulares) para expandir o conteúdo apreendido nas aulas. Esses recursos foram
compartilhados entre as crianças e vieram a complementar o repertório desenvolvido,
contemplando músicas mais atuais e ouvidas nas mídias. Hartmann (2021) analisa esse
tipo de aprendizado pelos tutoriais no YouTube em artigo recentemente publicado, e
pondera que se trata de materiais que podem ser usados eventualmente, porém, “não como
objeto exclusivo ou mesmo central no processo de aprendizagem” (p.113). Segundo a
análise do autor, “este tipo de tutorial pode colaborar para o repertório de estratégias,
desde que não se torne, sistematicamente, a única abordagem a ser empregada, subtraindo
a leitura musical e os essenciais trabalhos técnico e expressivo, presentes em qualquer
abordagem séria” (HARTMANN, 2021, p.114). Portanto, é necessário sempre reafirmar
a importância das aulas com a orientação de um professor de piano, e oferecer recursos
diferenciados que levem o aluno a perceber seus progressos nas aulas, independentemente
de suas práticas autodidatas e/ou alternativas.
Ao longo das aulas, as crianças fizeram novas amizades e sem dúvida, e o encontro
com novos amigos já é um elemento motivador no processo de aprendizagem do piano.
Assim, consideramos que atingimos nosso objetivo de proporcionar um aprendizado
pianístico prazeroso e significativo para as crianças nas aulas presenciais coletivas.
Consideremos que, ao agrupar crianças com diferentes experiências pessoais e advindas
de distintos contextos culturais, proporcionamos uma troca de conhecimentos gerais e
estabelecemos um ambiente favorável, tanto ao desenvolvimento global das crianças,
quanto ao aprendizado de algo novo – no caso, tocar piano. Encontra-se aí, a motivação
para o estudo individual, para a participação nas aulas, e, porque não, motivação para o
professor preparar com mais entusiasmo e afinco suas aulas coletivas.

3 AULAS ON-LINE / A DISTÂNCIA


Logo nos primeiros meses de 2020, as aulas coletivas e presenciais de piano do
Programa “Escola de Música da UFMS” precisaram ser suspensas, em virtude da
imposição do isolamento social. Essa situação inesperada e repentina foi um grande
desafio para os professores envolvidos no Programa, considerando os anos de formação
e prática consolidados no modo presencial. Aliás, considerando que ainda estamos

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vivenciando o período de pandemia e que a cada dia surgem novos aplicativos, programas
plataformas e outros recursos digitais, esse desafio ainda se faz presente, conforme
comenta Barros:

um dos grandes desafios para o trabalho efetivo com ensino remoto


emergencial de música é relacionado à falta de familiaridade ou mesmo ao
preconceito com as práticas musicais próprias da cultura participativa digital.
Muitos dos professores de música não possuem ou nunca tiveram
aproximações com as práticas apresentadas, ou não as consideram como
válidas, o que pode causar muitas dificuldades para o trabalho remoto
emergencial. (BARROS, 2020, p.296).

Embora já estivéssemos atentas ao uso de tecnologias como complemento aos


estudos de piano, sendo uma forma de motivar os alunos, não havíamos desenvolvido
uma metodologia para o ensino estritamente virtual. Alves (2018, p. 27) discorre sobre
esse desafio contemporâneo da educação:

analisando esse contexto, pode imaginar um grande desafio para os docentes


atuais em participarem de um processo de mudança tão grande, no qual de um
lado, uma grande parcela dos alunos nasce e cresce em contato constante com
o meio digital, através de seus tablets e smartphones por exemplo, e do outro
lado, docentes que já se atentavam com suas diversas atividades, agora tendo
que repensar novas possibilidades mediante a conjuntura das novas
tecnologias. E não falamos apenas do esforço em conhecer o uso de um novo
dispositivo, ou ambiente virtual, aplicativo etc., mas, sim, pensarmos em como
colocar isso em prática e de maneira com que o processo de ensino
aprendizagem alcance seus objetivos. (ALVES, 2018, p. 27).

Naturalmente, diante desta situação inesperada, muitos professores de piano se


sentiram inseguros para planejar e realizar suas aulas no formato on-line. Contudo, nos
Estados Unidos, esse tipo de ensino a distância já era experimentado muito antes da
pandemia. A Profa. Pamela Pike, docente na Louisiana State University, já desenvolvia
pesquisas nesse campo desde 2009. A professora ressalta, entre as vantagens do ensino a
distância, “a questão de maior viabilidade e flexibilidade de tempo (...)”. Além disso, a
professora percebeu que os alunos que experimentam o ensino de piano a distância
“tornam-se mais abertos a utilizar também outras opções online, como tutoriais de vídeo
e dropbox. Isto viabiliza outras atividades (...). Esta abertura de possibilidades pode ser
bastante útil do ponto de vista educativo” (BARANCOSKI, 2014, p.45-46). Com essa
perspectiva positiva, iniciamos então as aulas em abril de 2020, após um período de
muitas reuniões e discussões com a equipe de professoras do Programa. Foi um momento
importante e necessário, de muitas pesquisas, reflexões e planejamento, e sobretudo, de

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se compartilhar otimismo, resiliência e persistência diante da situação. Participamos de


grupos de professores de piano no Whatsapp e Telegram4 para trocar experiências,
buscando ferramentas digitais e analisando novos materiais didáticos. A cada aula,
avaliávamos o que havia funcionado, o que podia melhorar e o que precisaria ser adaptado
para a aula seguinte, para que dessa forma pudéssemos construir nossa nova metodologia.
A escolha do material didático (método) a ser utilizado para as aulas virtuais foi
uma das primeiras preocupações ao planejarmos as aulas on-line, pois as professoras
precisavam ensinar cada lição com a exibição do conteúdo na tela (modo de
apresentação), e essa necessidade não era compatível com os métodos que usávamos até
então, nas aulas coletivas presenciais. Para esse formato, os métodos americanos 5
novamente se mostraram mais adequados, e poderiam ser adquiridos pela Internet,
inclusive no formato Kindle6. Assim, optamos pelo Piano Adventures, uma coleção de
autoria de Nancy Faber e Randal Faber. Experimentamos reduzir o tempo de aulas
individuais para 30 minutos semanais, para que dessa forma os alunos ficassem mais
focados no estudo, e para que essas aulas fossem mais objetivas, não se tornassem
cansativas e não consumissem muitos dados de Internet. As aulas foram então realizadas
por aplicativos ou plataformas de vídeochamada, sendo que as mais utilizadas foram
Google Meet (disponibilizada pela Universidade), Google Duo, Whatsapp e o já
consolidado Skype, em dias e horários combinados com os alunos no momento da
matrícula.
A princípio, tentamos realizar as aulas coletivamente, como fazíamos no modo
presencial. Porém, nas plataformas de videoconferência, o delay de sons e imagens não
permitia que os alunos tocassem simultaneamente. Também não era possível enxergar
todos os alunos como nas aulas presenciais, tendo uma visão geral das seis mãos ao
instrumento; era preciso visualizar cada aluno em uma “janela” diferente, e dar instruções
para cada aluno separadamente. Constatamos que a maioria dessas crianças tinha um
teclado eletrônico para estudo, ao invés de um piano, e precisava de instruções do
professor para operar os comandos do instrumento. Foi interessante observar que em
alguns casos, a posição do aluno em relação ao teclado precisava ser modificada: alguns
estavam com o teclado muito alto em relação à cadeira ou banquinho onde se sentavam;

4 É importante, nesse contexto, destacar a atuação da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) com a iniciativa de
disponibilizar um repositório coletivo com diversas propostas pedagógico-musicais para o ensino remoto emergencial de música, bem
como a realização do "Fórum de Temas Emergentes da Educação Musical Brasileira", em seu canal no YouTube.
5 É importante mencionar que nos Estados Unidos os métodos para piano têm um custo bastante acessível e oferecem versões digitais,

já comercializadas bem antes do início da pandemia.


6 Kindle é um aplicativo e também um aparelho portátil para leitura de livros em formato digital comercializado pela empresa

Amazon.com.

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outros, ficavam estudando em pé todo o tempo, o que os levava ao cansaço rapidamente.


Observamos, ainda, que por estarem tendo aulas em casa, as crianças se dispersavam
facilmente, tendo inúmeras interferências de familiares na aula. Sendo assim, seria mais
objetivo trabalhar com cada aluno individualmente, em horários separados,
proporcionando o atendimento às necessidades de cada um.
Quanto à adaptação dos alunos ao modo on-line, de modo geral, percebemos que
alguns ficaram ansiosos ou inseguros no início, se adaptando aos poucos à nova realidade
– embora sempre houvesse a expectativa de retorno às aulas presenciais. Alguns alunos,
no entanto, não conseguiram se adaptar ao ensino a distância, e o que pudemos identificar
como motivos de desistência foram: a sobrecarga de atividades on-line das crianças na
escola regular, levando a um esgotamento físico e psicológico para as atividades
complementares (no caso, o piano); a distância física, que prejudicou o relacionamento
professor-aluno (que é um elemento motivador no aprendizado); a dificuldade de
concentração no ambiente doméstico, até mesmo com interferência dos vizinhos (fazendo
muito barulho no momento da aula, ou com reforma em casa); as limitações e problemas
dos recursos tecnológicos e internéticos (dificuldades de conexão, aula
“travando”/“caindo” demais, ou ocupando muitos dados móveis). Outra dificuldade
constatada era o descuido de alguns com o horário de aula, e falta de preparação: não
deixavam o instrumento pronto, nem o material didático organizado, deixando para fazer
isso na hora da chamada – o que tomava muito tempo da aula). Sem dúvida, foi preciso
muita persistência e força de vontade de ambas as partes (professoras e alunos), pois além
de todos esses problemas que se tornaram comuns nesse contexto, muitas vezes as
professoras tiveram que lidar ainda com o estresse e ansiedade dos alunos, causados pela
pandemia. Uma das professoras do Programa, acadêmica do curso de Música, descreve a
sua experiência nesse contexto:

“enquanto professora, senti falta do contato presencial, mas o ensino on-


line,me fez pensar em outras maneiras de realizar a aula: como explicar e
mostrar, como fazer aquele conteúdo, além de ter que aprender a utilizar os
recursos de vídeo chamada, improvisar suportes para colocar o notebook perto
do piano, gravar vídeo explicando algo que o aluno não entendeu, e pensar em
como interagir com o aluno no momento da aula. Mas, apesar de todas essas
dificuldades, foi uma experiência muito enriquecedora. Tive o prazer de
conhecer crianças incríveis, e o prazer de fazer parte do aprendizado de piano
delas, podendo proporcionar um momento diferente e divertido. No início,
quando entravam na chamada, pareciam tensos e tímidos, e ao final já estavam
mais animados - até contavam algumas coisas do seu dia a dia” (BERNARDO,
2021).

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Nas palavras da professora, podemos perceber que houve um período inicial de


adaptação ao modo remoto de aulas de piano, caracterizado por muita ansiedade e
incerteza, contudo, podemos afirmar que toda a dedicação empreendida valeu a pena,
afinal, os alunos permaneceram envolvidos com o aprendizado de piano e aos poucos
aquela instabilidade inicial foi se transformando em uma rotina segura para professoras e
alunos. Ao final do primeiro semestre a distância, realizamos um “Recital on-line”, onde
cada aluno escolheu uma peça estudada e gravou em vídeo, enviando para a professora;
posteriormente, foi feita uma edição desses vídeos e o mesmo foi disponibilizado no
YouTube, no Canal da Escola de Música da UFMS. O Recital representou uma inovação
no ensino de piano – transmitindo uma imagem positiva da Escola de Música – e ao
mesmo tempo, foi um motivo de orgulho para todos os alunos que se esforçaram em se
adaptar ao ensino de piano a distância.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência do ensino de piano em grupo (em aulas presenciais), já consolidada
no Brasil, se mostrou bastante positiva no contexto do programa de extensão Escola de
Música da UFMS. Além dessa experiência contribuir para a formação acadêmica dos
Licenciandos e constituir um objeto de pesquisa contínua, a proposta da Escola tem
tornado esse ensino acessível a um grande número de interessados, fomentando o
aprendizado de piano na comunidade.
Com relação ao ensino virtual, pelo fato de ainda estarmos vivenciando a situação
de pandemia, podemos inferir que ainda é cedo para analisarmos os resultados dos
processos de ensino-aprendizagem, que se verificam a longo prazo. Porém, como
resultados da experiência, podemos afirmar que as professoras do Programa e a maior
parte dos alunos já se adaptaram ao modo on-line, e esses alunos permaneceram
estudando, mesmo diante das adversidades – o que, a nosso ver, representa que houve
motivação suficiente para que não desistissem das aulas. Estamos estabelecendo uma
nova metodologia para o ensino de piano on-line, que ainda não se consolidou, mas que
está inserida no caminho da pesquisa acadêmica.
Pretende-se, portanto, estabelecer uma pesquisa contínua acerca desses processos
de ensino e aprendizagem realizados na Escola de Música da UFMS. O primeiro passo é
refletir sobre a formação do professor de piano, em nível de graduação, e suas concepções
enquanto um educador musical contemporâneo. Dando segmento, pretendemos

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investigar o campo de atuação dos professores de piano em nossa cidade – e quiçá em


nosso país – para analisarmos o contexto em que se realizam as aulas. Para tanto, será
feita uma pesquisa social com esses profissionais, o que inclui a realização de entrevistas
por meio de questionário estruturado. Esse questionário trará um enfoque
psicopedagógico e artístico-cultural acerca da formação do professor de piano/pianista
enquanto educador musical e nos trará dados a respeito de suas metodologias de trabalho
– dados esses, que serão cuidadosamente analisados. Posteriormente, serão
sistematicamente observadas novas experiências no modelo de aula on-line proposto na
Escola de Música da UFMS, podendo abranger outras instituições de ensino, e essas
observações serão criteriosamente analisadas. Investigaremos, ainda, os processos de
capacitação de professores de piano em atividade, no que diz respeito à utilização das
ferramentas tecnológicas propostas (isto é, se ainda houver o oferecimento de cursos
voltados para isso). A partir dos dados coletados, e com o aporte de um referencial teórico
em literatura específica, buscaremos construir propostas para um ensino de piano eficaz
dentro das demandas contemporâneas.
Desta forma, acreditamos estar contribuindo para fomentar esse ensino tão
significativo para o desenvolvimento humano e tão importante no contexto cultural do
nosso país – embora, nem sempre, com o devido reconhecimento. Por fim, esperamos que
o presente artigo possa contribuir para com a pedagogia pianística, enquanto campo de
conhecimento, e que impulsione novas pesquisas e ações nesse campo.

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