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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ACRE

DECISÃO SJAC-1ª VARA 2/2022


Ref. Ação Civil Pública recebida em plantão judicial na tarde de 1º/11/2022
AUTOR: Ministério Público Federal
RÉUS: União e Estado do Acre

A DISTRIBUIR

DECISÃO

Em decisão proferida na data de ontem, o STF determinou a atuação das Polícias Rodoviária Federal e Militares
Estaduais, para mero cumprimento de suas missões cons tucionais, naquilo que lhes cabe diante dos inúmeros
bloqueios que estão ocorrendo em estradas do país, de conhecimento público, porque amplamente no ciados em
veículos de comunicação.
Na decisão em questão, determinou-se aos Ministérios Públicos o acompanhamento das ações, assim como a
adoção de medidas legais, inclusive para fins de responsabilização de autoridades omissas, cujos atos implicassem
resistência ao cumprimento da ordem emanada da Suprema Corte nos autos da ADPF 519/DF.

Nesse intento, apresenta o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO ACRE a presente ação civil pública narrando
aparente violação de deveres legais por parte de autoridades públicas da UNIÃO e do ESTADO DO ACRE que, mais que
se omitindo, estariam atuando para que os bloqueios realizados em rodovias acreanas se mantenham.

Nesse sen do, informando que a instalação de barreiras em rodovias locais foram retomadas a par r das 6h da
manhã de hoje, apresenta relatório da Polícia Federal segundo o qual, na BR 317, aproximadamente no Km 02, equipe
da PRF local aguardava reforços de Rio Branco para efetuar a desobstrução da via, ao mesmo tempo em que, por nota
pública, a Secretaria de Segurança Pública e o Comando de Polícia Militar do Acre no ciaram inexis r qualquer
solicitação de apoio por parte da PRF, sinalizando a ausência de ar culação local para o uso dos meios necessários para
o restabelecimento do fluxo nas rodovias.

Nesse mesmo contexto, o MPF traz a juízo filmagens dos locais de barreiras, uma delas com pessoa
denunciando que o impedimento de tráfego não se dava por atos de manifestantes, mas pela própria PRF, e outro com
policial militar aclamado, aplaudido e carregado por manifestantes na rodovia, sinalizando adesão do militar ao
movimento que culminava na barreira impedi va de fluxo. Ainda, apresenta vídeo de pessoa que se iden fica como
Policial Rodoviário Federal aposentado que dá instruções para desvio da fiscalização e impedimento de autuação de
manifestantes.

Assim, afirmando a existência de um aparente estado de coisas incons tucional, invoca a necessidade de
medidas judiciais com ordens destinadas às polícias para que:

a) procedam ao imediato desbloqueio das rodovias federais no Estado do Acre, com o levantamento de
informações sobre a identidade de lideranças do movimento nelas existente;

b) não admitam e nem realizem por si bloqueios nas rodovias federais;


c) adotem medidas suficientes para inibir a prá ca de crimes nas rodovias durante os protestos, com a
identificação de eventuais responsáveis por ilícitos;

d) a PRF aplique penalidades administrativas aos responsáveis pelos bloqueios das rodovias e

e) apresentem as polícias relatório de resultados das medidas realizadas, a cada três horas.

Decisão 2 (16827539) SEI 0002456-39.2022.4.01.8001 / pg. 1


Decido.

O pano de fundo das manifestações locais, conforme amplamente no ciado em veículos de comunicação, é o
mesmo das que ocorrem por todo o país: são protestos contra o resultado da eleição para Presidente da República,
recém finalizada no Brasil.

Considerando esse contexto, o Ministro Alexandre de Moraes consignou que as manifestações que estão
ocorrendo em território nacional, que obstruem, interrompem e obstaculizam de modo indiscriminado vias públicas
federais, desnaturam e desvirtuam o direito de reunião e são notoriamente mo vadas por uma pretensão
an democrá ca. São essas as palavras do Ministro a respeito da an juridicidade dos protestos realizados no país (ADPF
59/DF):

“O direito de reunião, – que incluiu o direito de passeata e carreata –, configura-se como um dos princípios
basilares de um Estado Democrá co, assim como a liberdade de expressão, pois não se compreenderia a
efe vidade de reuniões sem que os par cipantes pudessem discu r e manifestar suas opiniões livremente,
tendo que se limitar apenas ao direito de ouvir, quando se sabe que o direito de reunião compreende não só o
direito de organizá-la e convocá-la, como também o de total par cipação a va. A Cons tuição consagra que
todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de
autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente, tratando-se, pois, de direito individual o coligar-se com
outras pessoas, para fim lícito. O direito de reunião é uma manifestação cole va da liberdade de expressão,
exercitada por meio de uma associação transitória de pessoas e tendo por finalidade o intercâmbio de ideias,
a defesa de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas reivindicações. Paolo Barile bem
qualifica o direito de reunião como, simultaneamente, um direito individual e uma garan a cole va, uma vez
que consiste tanto na possibilidade de determinados agrupamentos de pessoas reunirem-se para livre
manifestação de seus pensamentos, concre zando a tularidade desse direito inclusive para as minorias,
quanto na livre opção do indivíduo de par cipar ou não dessa reunião (Diri dell’uomo e libertà
fondamentali. Bolonha: Il Molino, 1984. p. 182-183), não podendo ser obrigado pelos manifestantes a cessar
suas atividades. (...)

No caso vertente, entendo demonstrado o abuso no exercício do direito de reunião direcionado, ilícita e
criminosamente, para propagar o descumprimento e desrespeito ao resultado do pleito eleitoral para
Presidente e vice-Presidente da República, cujo resultado foi proclamado pelo Tribuna Superior Eleitoral na
data de ontem e que vem acarretando gravíssima obstrução do tráfego em rodovias e vias públicas,
impedindo, a livre circulação no território nacional e causando a descon nuidade no abastecimento de
combus veis e no fornecimento de insumos para a prestação de serviços públicos essenciais, como transporte
urbano, tratamento de água para consumo humano, segurança pública, fornecimento de energia elétrica,
medicamentos, alimentos e tudo quanto dependa de uma cadeia de fabricação e distribuição dependente do
transporte em rodovias federais – o que, na nossa realidade econômica e social, tem efeitos dramáticos.

Diante disso, foi proferida ordem especificamente voltada à Polícia Rodoviária Federal e às Polícias Militares
estaduais para que adotassem “todas as medidas necessárias e suficientes para a imediata desobstrução de todas as
vias públicas que, ilicitamente, estejam com seu trânsito interrompido, com o resguardo da ordem no entorno e,
principalmente, à segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios participantes do movimento...”.

À luz da decisão proferida pelo STF, despiciendo nestes autos fazer maiores considerações acerca da ilegalidade
da obstrução das rodovias federais. As rodovias em questão são bens públicos da União, de uso comum do povo,
fundamentais para o exercício do direito de ir e vir de cada cidadão e também para o trânsito de insumos dos quais
depende toda a sociedade. E os atos que estão impedindo o fluxo nelas neste momento decorrem de manifestações já
declaradas ilegítimas pela mais alta Corte do país.

Nada obstante, em que pese estejam a Polícia Rodoviária Federal e as Polícias Militares Estaduais obrigadas ao
cumprimento da ordem emanada do STF, como impera vo de suas atribuições legais, extrai-se verossimilhança da
afirmação ministerial de inoperância ou, no mínimo, de ausência de atuação eficiente das corporações especificamente
no Acre. Isso porque os pontos de bloqueio persistem e a no cia divulgada em nota oficial pela PM é de que ainda não
nha sido acionada, embora es vesse à disposição da PRF. Associada à declarada falta de ar culação entre as polícias,
o MPF junta aos autos indícios de conivência de agentes policiais com a manutenção das obstruções nas rodovias e até
mesmo a realização de bloqueios por estes, e não por particulares.

Decisão 2 (16827539) SEI 0002456-39.2022.4.01.8001 / pg. 2


Dos elementos supra ressai a necessidade do acolhimento em parte das medidas pleiteadas pelo órgão
ministerial, que vão além da ordem proferida pelo STF por postularem a atuação transparente das polícias no
desempenho de suas atribuições.

Indubitável o perigo da demora, considerando a gravidade da situação, que já resulta em impedimento de


circulação pessoas e bens e pode culminar em desabastecimento local dos mais diversos insumos, se não rever da com
rapidez. A excepcionalidade do contexto jus fica, inclusive, o diferimento da oi va dos réus antes de se proferir esta
decisão.

Ante o exposto, defiro tutela de urgência nestes autos para determinar que a Polícia Rodoviária Federal e a
Polícia Militar do Estado do Acre atuem imediatamente para a re rada de pessoas, veículos e/ou objetos que estejam
obstruindo o regular tráfego nas rodovias federais no Estado do Acre, assim o fazendo em ação isolada ou ar culada,
mas que esgote os meios de inteligência e de uso lícito da força para o cumprimento desta ordem, re rando inclusive
as barreiras que eventualmente tenham elas – polícias – estabelecido, ressalvado, obviamente, o direito de fiscalização
dos transeuntes.

Determino, ainda, que a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Militar do Estado do Acre demonstrem efe va
atuação desde antes desta ordem judicial, no cumprimento de seus deveres de o cio, mediante a apresentação nos
autos, no prazo de 24 horas:

a) De relatório das medidas que adotaram até esta decisão para a efe va re rada de pessoas, veículos e/ou
objetos que estavam obstruindo o regular tráfego nas rodovias federais no Estado do Acre, informando o
quan ta vo de pessoal mobilizado nas operações, os planos para retomada dos locais e os mo vos pelos
quais não obtiveram êxito na retomada do fluxo das rodovias federais até este momento;
b) Da iden ficação das lideranças do movimento realizado nos locais de obstrução, trazendo para os autos os
dados respectivos para viabilizar a adoção de medidas posteriores de responsabilização;
c) De cópias das multas e autos e infração lavrados nos locais de obstrução, assim como dos bole ns de
ocorrência de crimes eventualmente ali pra cados, para demonstrarem efe va atuação e não mera
presença na localidade.

Por ocasião da apresentação dos dados acima referidos, deverão o Diretor da Polícia Rodoviária Federal e o
Comandante da Polícia Militar explicar as ações constantes nos vídeos que instruem esta inicial, adotadas por pessoas
das corporações, informando as medidas que tenham adotado a partir do conhecimento dos fatos.

In mem-se o Diretor da Polícia Rodoviária Federal e o Comandante da Polícia Militar do Estado do Acre para
cumprimento imediato, in mando-se, também, a UNIÃO e o ESTADO DO ACRE, réus nesta ação, para manifestação, em
48 horas, sobre os fatos articulados nesta inicial.

Ciência ao Ministério Publico Federal.

Sirva esta decisão de mandado.


Citem-se oportunamente.

CAROLYNNE SOUZA DE MACÊDO OLIVEIRA


Juíza Federal Plantonista

Documento assinado eletronicamente por Carolynne Souza de Macêdo Oliveira , Juíza Federal, em
01/11/2022, às 23:39 (horário de Brasília), conforme art. 1º, § 2º, III, "b", da Lei 11.419/2006.

Decisão 2 (16827539) SEI 0002456-39.2022.4.01.8001 / pg. 3


A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://sei.trf1.jus.br/autenticidade informando
o código verificador 16827539 e o código CRC 6FB83187.

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0002456-39.2022.4.01.8001 16827539v7

Decisão 2 (16827539) SEI 0002456-39.2022.4.01.8001 / pg. 4

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