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Citricultura 1

Melhoramento genético de plantas cítricas


Roberto Pedroso de Oliveira 1
Walter dos Santos Soares Filho 2
Marcos Antonio Machado 3
Ester Alice Ferreira 4
Walkyria Bueno Scivittaro 5
Abelmon da Silva Gesteira 6

Resumo - Os citros encontram-se entre as espécies mais estudadas no mundo. Há


várias décadas, são conduzidos programas de melhoramento genético de cultivares
porta-enxerto e copa, principalmente na África do Sul, Austrália, Brasil, China, Es-
panha, Estados Unidos, França, Israel, Itália e Japão. Das estratégias clássicas, e mais
recentemente as ferramentas da biotecnologia utilizadas no melhoramento genético
de citros, destacam-se a hibridação sexual controlada, a seleção de mutantes espon-
tâneos ou induzidos e de híbridos naturais, a hibridação somática via fusão de pro-
toplastos, o mapeamento genético, o sequenciamento de genoma e a transformação
de plantas que têm sido usados na obtenção de novas cultivares cítricas. Ressalta-se
a importância de aspectos relacionados a diversidade genética, taxonomia e biologia
reprodutiva de Citrus (L.) e gêneros afins, tais como a heterozigosidade, apomixia,
poliembrionia, ploidia, juvenilidade, partenocarpia, autoincompatibilidade, esterili-
dade gamética e zigótica. Estes são apontados para as perspectivas futuras na área de
melhoramento genético de plantas cítricas.
Palavras-chave: Fruta cítrica. Hibridação sexual. Hibridação somática. Mutante espon-
tâneo. Mapeamento genético. Sequenciamento de genoma. Transformação genética.

INTRODUÇÃO Em se tratando de porta-enxertos, súbita-dos-citros e nematoide


têm-se buscado com as pesquisas princi- Tylenchulus semipenetrans;
Os citros estão entre as fruteiras mais
plantadas, consumidas e pesquisadas no palmente características como: f) adaptação a solos calcários e pesa-
mundo, visto sua importância econômica a) compatibilidade com as cultivares- dos
e social. Embora apresentem grande di- copa; Considerando-se as cultivares-copa
versidade de gêneros, espécies, cultivares b) indução de alta produtividade e para produção de frutos de mesa, o melho-
e clones, os plantios comerciais de citros qualidade de frutos; ramento genético de citros busca genótipos
restringem-se a um número relativamente c) redução de porte; que produzam frutas saborosas, fáceis de
pequeno de cultivares, sendo importante descascar, sem sementes, de colorações
d) tolerância a fatores abióticos, como
a ampliação dessa base genética em busca intensas da casca, da polpa e do suco, com
da sustentabilidade da cadeia produtiva. seca, salinidade e frio; épocas de produção mais precoces e mais
O melhoramento genético de citros é e) tolerância/resistência a fatores bi- tardias, com alto teor de sólidos solúveis,
dirigido tanto a cultivares porta-enxertos, óticos, tais como tristeza, gomose acidez equilibrada e tolerantes ao cancro
como a cultivares-copa e suas interações. de Phytophthora, declínio, morte- cítrico e à mancha-marrom-de-alternária

1
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Clima Temperado/Bolsista CNPq, Pelotas-RS, e-mail: roberto.pedroso@embrapa.br
2
Engo Agro , D.Sc., Pesq. EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas-BA, e-mail: walter.soares@embrapa.br
3
Engo Agro, Ph.D., Pesq. IAC - Centro APTA Citros Sylvio Moreira, Cordeirópolis-SP, e-mail: marcos@centrodecitricultura.br
4
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG Sul de Minas/Bolsista FAPEMIG, Lavras-MG, e-mail: ester@epamig.br
5
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Clima Temperado, Pelotas-RS, e-mail: walkyria.scivittaro@embrapa.br
6
Engo Agro, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Mandioca e Fruticultura/Bolsista CNPq, Cruz das Almas-BA, e-mail: abelmon.gesteira@embrapa.br

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(OLIVEIRA et al., 2011ab). Quanto às Cruz das Almas, BA; no Instituto Valenciano Gradativamente, a taxonomia dos citros
cultivares-copa para indústria, têm-se de Investigaciones Agrarias (Ivia), em Va- está sendo esclarecida, principalmente pelo
direcionado o melhoramento genético lência, na Espanha; no Usda, em Riverside, crescente uso de marcadores moleculares
para maior produção de sólidos solúveis na Califórnia, Estados Unidos; no National e do sequenciamento de genoma.
totais (SST) por área cultivada, maior Citrus Germplasm Repository (NCGR), em Além da diversidade genética presente
porcentagem de suco por fruto e ampliação Beibei, na China; dentre outros. A maioria em Citrus, há aquela encontrada em gêne-
do período de colheita (SPIEGEL-ROY; desses bancos de germoplasma vem sendo ros próximos, que pode ser transferida por
GOLDSCHMIDT, 2008). mantida no campo. No entanto, em função hibridação sexual controlada.
Após mais de um século da criação de certas doenças, como huanglongbing Assim, existem genes interessantes
do primeiro programa oficial de melhora- (HLB, ex-greening), e de seus vetores, parte aos programas de melhoramento genético
mento genético de citros, coordenado pelo desses germoplasmas está sendo transferida relativos à tolerância a frio em Poncirus
Departamento de Agricultura dos Estados para ambientes protegidos. A distribuição (Rafinesque); boro em Severinia (Teno-
Unidos – United States Department of das cultivares conhecidas de citros obedece re); Phytophthora em Citropsis (Engl.)
Agriculture (Usda), na Flórida, em 1893, à proporção de 39% de laranjeiras doces Swingle & M. Kellerm.; nematoide
muitos avanços foram obtidos, sobretudo [Citrus sinensis (L.) Osbeck], 5% de laran- em Microcitrus (Swingle), e sais em
nos Estados Unidos, Brasil, Espanha, Fran- jeiras azedas (Citrus aurantium L.), 21% Eremocitrus (Swingle) (SPIEGEL-ROY;
ça, Itália, China, Japão, Israel, Austrália, de tangerineiras (diversas espécies), 15% GOLDSCHMIDT, 2008).
África do Sul, dentre outros países. de limoeiros [verdadeiros Citrus limon (L.)
Este artigo, de forma sintética, discute Burm. f. e limeiras ácidas Citrus latifolia GENÉTICA E BIOLOGIA
as principais estratégias clássicas, assim (Yu. Tanaka) Tanaka e Citrus aurantifolia REPRODUTIVA
como o uso de ferramentas da biotecnolo- (Christm.) Swingle], 10% de pomeleiros Os citros pertencem à família Rutaceae,
gia, em apoio ao melhoramento genético de (Citrus paradisi Macfad.) e de torangeiras subfamília Aurantioideae, compreenden-
citros. São abordados, ainda, temas como [Citrus maxima (Burm.) Merr.] e 10% de do seis gêneros: Fortunella (Swingle),
barreiras biológicas e genéticas existen- outras espécies e híbridos (MACHADO et Eremocitrus, Poncirus, Clymenia (Swin-
tes, além de aspectos relacionados com a al., 2005). gle), Microcitrus e Citrus. Em geral, são
diversidade genética, taxonomia e biologia A taxonomia dos citros é bastante com- espécies alógamas, sexualmente compatí-
reprodutiva de Citrus (L.) e gêneros afins. plicada, em função da ampla diversidade veis, altamente heterozigotas e diploides,
de gêneros e espécies e de seus processos com número de cromossomos nas células
DIVERSIDADE GENÉTICA E de geração. Isto ocorre pela possibilidade somáticas 2n = 18 (CAMERON; FROST,
TAXONOMIA de hibridização natural entre as espécies, 1968) e com DNA nuclear medido em cito-
O sudeste da Ásia em especial o leste embrionia nucelar, pela ocorrência de metria de fluxo, variando de 0,8 picograma
da Índia, o norte de Burma e o sudoeste mutações espontâneas e pelo consequente (pg) a 1,0 pg, a depender da espécie (OLLI-
da China, é considerado o centro de ori- grande número de cultivares e de híbridos TRAULT; MICHAUX-FERRIERE, 1992).
gem e de diversidade dos citros (SOOST; existentes (SPIEGEL-ROY; GOLDSCH- A reprodução sexual ocorre por po-
ROOSE, 1996). MIDT, 2008). linização cruzada e por autopolinização,
A domesticação das espécies de citros Swingle (1967) classifica o gênero podendo, também, haver a assexual por
iniciou-se nessas regiões e em localidades Citrus em dois subgêneros (Citrus e apomixia nucelar (CAMERON; FROST,
adjacentes, de onde se espalharam para Papeda), contendo 16 espécies e um amplo 1968).
quase todo o mundo, tendo chegado ao número de híbridos intra e interespecíficos. As cultivares de citros, em sua maioria,
Brasil por volta da metade do século 16, Tanaka (1961), com base em estudos são altamente heterozigotas, havendo pou-
em navios portugueses (SPIEGEL-ROY; botânicos e de distribuição geográfica, ca informação sobre o controle genético
GOLDSCHMIDT, 2008). classifica o gênero Citrus em 162 espécies. de suas características. Muitas destas são
Os citros apresentam grande diversidade, Nicolosi et al. (2000) comentam que poligênicas, sendo sua herança, portanto,
em função de sua genética e biologia. Parte estudos em Citrus realizados na década controlada por vários genes. Por isso, a
dessa diversidade encontra-se armazenada de 1970 por R. W. Scora, confirmados por probabilidade de recombinação de genes
em importantes bancos de germoplasma, H. C. Barret e A. M. Rhodes, sugerem a em um híbrido de sucesso é pequena.
localizados no Centro APTA Citros Sylvio existência de somente três espécies verda- Também existem outras limitações aos
Moreira, vinculado ao Instituto Agronômico deiras: Citrus maxima, Citrus medica e C. programas de melhoramento genético por
de Campinas (IAC), em Cordeirópolis, SP; reticulata sensu Swingle, considerando as meio de hibridações sexuais controladas,
na Embrapa Mandioca e Fruticultura, em demais como espécies híbridas. tais como a pronunciada juvenilidade dos
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seedlings (plantas oriundas da germinação deliciosa Ten.) x pomeleiro] e os citran- de gema ou por embriogênese nucelar e,
de sementes ou pés-francos) tanto zigóticos geiros (laranjeira doce x P. trifoliata) apre- artificialmente, pelo uso de colchicina ou
quanto nucelares, a apomixia (embrionia sentam taxas elevadas de poliembrionia. cultura in vitro de tecidos (SPIEGEL-ROY;
nucelar), que leva à poliembrionia e à Em citros existem, ainda, cultivares GOLDSCHMIDT, 2008). Artificialmente,
necessidade de distinção entre indivíduos monoembriônicas, como as tangerineiras alotetraploides podem ser obtidos por
de origem sexuada (híbridos) e nucelar ‘Wilking’ [mexeriqueira ‘Willowleaf’ x meio de hibridação somática via fusão de
(SOOST; ROOSE, 1996). Fatores como es- tangerineira ‘King’ (C. nobilis Lour.)]; protoplastos, neste caso sendo tetraploides
tes, dentre outros, tornam longos e custosos ‘Kincy’ (tangerineira ‘King’ x tangerineira heterozigóticos (GROSSER; GMITTER
os programas de melhoramento genético de ‘Dancy’ C. tangerina hort. ex Tanaka); JUNIOR, 1990), ou, também, podem ser
citros, além de demandarem grandes áreas ‘Temple’ (tangoreiro, denominação ge- induzidos pelo tratamento com colchicina,
para a avaliação das cultivares em campo. neralizada de híbridos de tangerineira sendo autotetraploides (SPIEGEL-ROY;
com laranjeira doce) e ‘Clementina’ (C. GOLDSCHMIDT, 2008).
Heterozigosidade Clementina hort. ex Tanaka), os pomeleiros Spiegel-Roy e Goldschmidt (2008)
O nível de heterozigosidade das espé- ‘Wheeny’ e ‘Sukega’, as toranjeiras e as comentam que os triploides e, principal-
cies de citros é função da ocorrência dos cidreiras (MACHADO et al., 2005). mente, os tetraploides originados sob a
processos de polinização cruzada, mutação Embora a apomixia viabilize, na forma espontânea são os tipos poliploides
gênica e embrionia celular, que ocorreram prática, a produção de porta-enxertos via mais frequentes na natureza, além, eviden-
durante sua evolução. Assim, em limoeiros sementes, em que várias plantas nucelares temente, dos diploides.
verdadeiros e em limeiras ácidas, a hetero- podem ser produzidas a partir de uma única A frequência de tetraploides naturais
zigosidade é alta, decorrente da origem por semente, dificulta a obtenção e a seleção de é da ordem de 1% a 7% (SALEH et al.,
hibridação interespecífica, enquanto em tan- híbridos em programas de melhoramento 2008).
gerineiras, como ‘Cleópatra’ (C. reshni hort. genético por meio de cruzamentos Em geral, comparativamente às diploi-
ex Tanaka) e ‘Sunki’ (C. sunki (Hayata) hort. controlados. des, as plantas tetraploides são menores,
ex Tanaka), é baixa, sugerindo origem por Em termos evolutivos, a apomixia fa- tendo hábito lento e compacto de cresci-
autofecundação (MACHADO et al., 2005). cultativa, que ocorre em citros, é uma van- mento. A juvenilidade é maior, as folhas
Adicionalmente, Ueda et al. (2003) tagem. Por um lado, isto possibilita que se são verdes bem escuras, mais espessas
determinaram graus de heterozigosidade fixe a heterozigosidade da espécie gerada e mais largas. Os frutos têm casca mais
de 15% a 55% em citros, sendo de 15% por hibridação e por mutação da reprodu- grossa, poucas sementes e menor teor de
em cidreira (C. medica L.), 26% a 50% ção vegetativa, como importante meio de suco. As glândulas de óleo são maiores, a
em tangerineiras, 51% em laranjeira doce adaptação ao ambiente, e, por outro lado, fertilidade é inferior, e a produção de frutos
e 55% em pomeleiros. permite a formação de indivíduos híbridos é menor (CAMERON; FROST, 1968).
para ampliar a variabilidade genética. Normalmente, os tetraploides não
Apomixia e poliembrionia Como desvantagem, a apomixia apresentam valor comercial como culti-
A apomixia é um processo de repro- favorece o acúmulo de genes mutantes vares, embora, em função do menor vigor,
dução assexual, em que embriões são recessivos e deletérios para várias carac- tenham potencial para ser utilizados como
formados a partir de células do tecido do terísticas, o que diminui as chances de porta-enxertos ananicantes, em que a
óvulo, sem haver fusão de gametas (CA- sucesso dos programas de melhoramento menor produção por planta é compensada
MERON; FROST, 1968). Em decorrência por hibridação, especialmente nos casos de pelo maior adensamento (OLLITRAULT;
disso ocorre a formação de sementes po- autopolinização. MICHAUX-FERRIERE, 1992; SALEH
liembriônicas, sendo os embriões nucelares et al., 2008). A maior importância dos te-
Ploidia
geneticamente idênticos à planta-mãe. traploides consiste no uso como parentais
O nível de apomixia varia de acordo Embora a diploidia seja predominante em programas de melhoramento genéti-
com as espécies e cultivares de citros. Em em citros, outros níveis de ploidia são ve- co, objetivando a produção de triploides
geral, os limoeiros verdadeiros apresentam rificados na natureza, tais como: monoploi- (SPIEGEL-ROY; GOLDSCHMIDT,
número reduzido de embriões nucelares, dia, triploidia, tetraploidia, pentaploidia e 2008).
enquanto as laranjeiras doces, laranjeira octaploidia. Os triploides por sua vez podem ser
‘Azeda’, a tangerineira ‘Ponkan’ (C. Os poliploides podem ter origem somá- obtidos por cruzamentos controlados en-
reticulata Blanco, o Poncirus trifoliata L. tica ou sexual (MACHADO et al., 2005). tre tetraploides e diploides (GROSSER;
Raf.), os tangeleiros [tangerineira (diver- Os autopoliploides de origem somática GMITTER JUNIOR, 1990), espontanea-
sas espécies, incluindo a mexeriqueira C. podem surgir naturalmente, por mutação mente de hibridações convencionais entre
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diploides monoembriônicos e pelo cultivo a formação de grande quantidade de frutos fecundação. Na limeira-ácida ‘Tahiti’,
in vitro de endosperma (MACHADO et sem o processo sexual e, por isso, a pre- um número pequeno de óvulos funcionais
al., 2005). sença de sementes em seus frutos é muito desenvolve-se, podendo, ocasionalmente,
Em geral, existe tendência de os frutos rara. Já a limeira-ácida ‘Tahiti’ consiste haver a formação de sementes (OLIVEI-
dos triploides serem partenocárpicos. Por em outro exemplo bastante conhecido de RA, 2013).
isso, são de grande interesse em programas partenocarpia em citros (OLIVEIRA et Por fim, a esterilidade zigótica ocorre
de melhoramento genético de citros de al., 2004). quando não são produzidos embriões ca-
mesa, em que se desejam obter cultivares A incompatibilidade relaciona-se com pazes de germinar, embora tenha ocorrido
apirênicas (frutos sem sementes). Normal- a esterilidade, que é classificada em função a fertilização. Desenvolvendo ou não o
mente, em função da dificuldade de resga- do estádio em que ocorre, podendo ser embrião zigótico, várias cultivares de
tar os embriões triploides por problemas gamética, de natureza relativa ou absoluta, citros podem produzir embriões nucelares
genéticos em seu desenvolvimento e/ou ou zigótica (FROST; SOOST, 1968). A assexuadamente (FROST; SOOST, 1968).
por endosperma pobre e/ou malformado, autoincompatibilidade, por sua vez, con-
recomenda-se o cultivo in vitro dos embri- Juvenilidade
siste na inabilidade de formação de frutos
ões (OLIVEIRA, 2013). por autopolinização, mesmo sendo férteis A juvenilidade refere-se à incapacidade
Segundo Soost e Roose (1996), as se- os grãos de pólen e as células-ovo de uma de florescimento durante o período de de-
mentes triploides de citros são geralmente mesma espécie. senvolvimento inicial da planta originada
menores que as diploides obtidas no mes- A esterilidade gamética relativa nor- por semente. Segundo Machado et al.
mo cruzamento, sendo, por isso, facilmente malmente ocorre por autoincompatibilida- (2005), a duração do período juvenil varia
selecionadas.
de, não havendo a formação de embriões de dois a 13 anos, em função da espécie
Ainda morfologicamente, os triploi-
após a autopolinização, embora as células de citros, das condições ambientais e do
des possuem folhas grossas, de formato
gaméticas sejam funcionais. Esse tipo de sistema de cultivo adotado. Nesse período,
intermediário entre os diploides e os
esterilidade ocorre em tangerinas do grupo as plantas normalmente apresentam maior
tetraploides.
Clementinas e nos tangeleiros ‘Orlando’, vigor vegetativo, crescimento vertical,
Quanto a exemplos de cultivares tri-
‘Lee’ e ’Nova’. Em outros casos, como o ramos em formato angular e presença de
ploides, têm-se a limeira-ácida ‘Tahiti’,
da laranjeira ‘Shamouti’ (C. sinensis), não espinhos.
provavelmente originária de cruzamento
existe incompatibilidade entre os gametas, Longos períodos juvenis atrasam o
espontâneo entre diploides (CAMERON;
porém a fecundação não ocorre, em fun- melhoramento genético dos citros, pois não
FROST, 1968), e os pomeleiros ‘Oroblan-
ção de os óvulos apresentarem maturação há produção de frutos e, quando estes são
co’ e ‘Melogold’, que foram obtidos de
posterior à dos grãos de pólen (OLIVEIRA produzidos, apresentam, nas safras iniciais,
cruzamento controlado entre tetraploides
et al., 2004). características distintas das plantas com
e diploides (SOOST; ROOSE, 1996).
A esterilidade gamética absoluta, por completo amadurecimento fisiológico, tais
Vale salientar que Espanha, Estados
outro lado, decorre de problemas de viabi- como: frutos mais alongados, casca mais
Unidos e França estão, há anos, aplican-
lidade dos grãos de pólen, sendo verificada enrugada, albedo mais espesso, e suco
do substanciais esforços na geração de
nas laranjeiras doces de umbigo ‘Bahia’, com alterações na porcentagem e no teor
cultivares triploides, produtoras, particu-
‘Lane Late’, ‘Navelina’ e ‘Navelate’, e de açúcares (SPIEGEL-ROY; GOLDSCH-
larmente, de frutos tipo tangerina, com
na limeira-ácida ‘Tahiti’. As cultivares de MIDT, 2008).
características de alta qualidade, sendo,
produzidos, anualmente, milhares de novos tangerineira do grupo das Satsumas (C.
unshiu Marcow.) também são consideradas ESTRATÉGIAS DE
híbridos, para serem avaliados em campo.
macho-estéreis, embora produzam uma MELHORAMENTO GENÉTICO
Partenocarpia, pequena porcentagem de pólen viável As principais estratégias clássicas
incompatibilidade e (FROST; SOOST, 1968). existentes para o melhoramento genético
esterilidade A esterilidade gamética feminina por de citros consistem na hibridação sexual
A partenocarpia consiste na produção defeito na formação do saco embrionário controlada e na seleção de mutantes espon-
de frutos mesmo sem o estímulo à re- é relatada em cultivares de tangerineira tâneos ou induzidos e de híbridos naturais.
produção sexual (CAMERON; FROST, do grupo das Satsumas e nas laranjeiras Enquanto as estratégias com uso de ferra-
1968). Em citros, o nível de partenocarpia do grupo ‘Umbigo’. No entanto, não é mentas de biotecnologia referem-se à hibri-
varia em função da espécie. O pomeleiro uma esterilidade absoluta, pois alguns dação somática via fusão de protoplastos,
‘Redblush’, por exemplo, é uma cultivar sacos embrionários podem completar o sequenciamento de genoma, mapeamento
fortemente partenocárpica, pois estimula seu desenvolvimento, estando aptos à genético e transformação genética.
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Hibridação sexual genética, tem-se dado preferência ao uso Quanto às cultivares porta-enxerto hí-
controlada de parentais femininos monoembriôni- bridas, têm-se os tradicionais citrangeiros
cos nos cruzamentos (SPIEGEL-ROY; ‘Carrizo’ e ‘Troyer’, além do citrumeleiro
A hibridação sexual controlada é
GOLDSCHMIDT, 2008). Assim, espécies ‘Swingle’ (C. paradisi x P. trifoliata), que se
passível de ser realizada, em função de
monoembriônicas, como as cidreiras, to- encontram entre os porta-enxertos mais utili-
as espécies de Citrus e de gêneros afins
rangeiras, Clementinas, dentre outras, que zados no mundo, este último especialmente
serem, geralmente, compatíveis sexual-
somente dão origem a embriões zigóticos, no Brasil, após o advento da morte-súbita-
mente. A técnica é descrita em detalhes por
são as preferidas nos programas de melho- -dos-citros, em relação à qual é resistente.
Bordignon, Medina Filho e Ballvé (1990).
ramento genético por hibridação sexual. Mais recentemente, foram lançados
Além de ser importante na geração de va-
Quanto à obtenção de porta-enxertos pelo Ivia, os porta-enxertos ‘Forner-
riabilidade, essa técnica possibilita o uso
híbridos, Soares Filho et al. (2013) cha- Alcaide no 5’; ‘Forner-Alcaide no 13’;
de fontes de adaptação ao convívio com
mam a atenção para o uso de parentais fe- ‘Forner-Alcaide no 418’; e ‘Forner-Alcaide
estresses bióticos (causados por pragas)
mininos com baixo grau de poliembrionia, no 517’, estando em fase de registro naque-
e abióticos (relacionados com o clima e
destacando, nesse sentido, o emprego da le País outros oito novos porta-enxertos
o solo) e de genes relacionados com as
tangerineira ‘Sunki’. Isto, porque, além obtidos por hibridação controlada (INS-
características horticulturais interessantes
de seu grau de poliembrionia ser pouco TITUTO VALECIANO DE INVESTIGA-
existentes nos citros.
acentuado, em torno de 10%, a ‘Sunki’ CIONES AGRARIAS, 2014).
Vários fatores influenciam no suces-
apresenta elevado nível de heterozigosi- No Brasil, a Embrapa Mandioca e
so da hibridação sexual controlada, tais
dade, permitindo alta previsibilidade nos Fruticultura vem conduzindo um programa
como domínio da tecnologia, condições
resultados de seus cruzamentos, dando ori- de melhoramento genético de citros há 25
climáticas, especialmente temperatura e
gem a expressivas quantidades de híbridos, anos, tendo realizado milhares de cruza-
pluviosidade, ocorrência de doenças nas com bom vigor e relativa uniformidade. mentos entre os principais porta-enxertos
flores, com destaque para a podridão-floral- Alguns dos principais exemplos de utilizados comercialmente. Como resultado
dos-citros, e características genéticas das cultivares-copa, obtidos por meio de desse trabalho, em combinação com copas
espécies envolvidas no cruzamento, no- cruzamentos controlados, são os híbridos de laranjeira ‘Valência’ [C. sinensis (L.)
tadamente, conforme Soares Filho et al. tipo tangerineira ‘Orlando’, ‘Minneola’, Osb.], em ensaios conduzidos no norte do
(2013), o grau de poliembrionia dos pa- ‘Sunshine’, ‘Page’, ‘Sunburst’, ‘Fallglo’, estado de São Paulo, têm-se destacado os
rentais femininos, que, quanto mais baixo, ‘Robinson’, ‘Lee’, ‘Osceola’, ‘Nova’ e híbridos7 HTR - 051; HTR - 069; HTR -
permite a formação de maior quantidade ‘Encore’. 053; HTR - 116; LCR x TR - 001; LVK x
de híbridos. Esses fatores determinam a Mais recentemente, foram lançados pela LCR - 038; TSKC x (LCR x TR) -
eficiência do cruzamento e, também, a Universidade da Califórnia, nos Estados 059; TSKC x (LCR x TR) - 073; TSKC x
proporção entre embriões zigóticos e nu- Unidos, os híbridos ‘Tahoe Gold’, ‘Yose- CTSW - 033; TSKC x CTSW - 041; TSKC x
celares existentes nas sementes. mite Gold’ e ‘Shasta Gold’, e, pelo Ivia, TRFD - 003 e TSKC x TRFD - 006, den-
As limitações dessa tecnologia rela- na Espanha, os híbridos ‘Garbi’ e ‘Safor’. tre outros, os quais estão em fase final de
cionam-se com a existência de barreiras Deve-se, também, destacar o trabalho avaliação em campo. Esses porta-enxertos
biológicas e genéticas para obtenção dos de melhoramento de cultivares-copa con- caracterizam-se pela redução que determi-
híbridos sexuais, muitas das quais podem duzido na Unité Expérimentale Citrus, na o porte da mencionada cultivar-copa,
ser superadas por ferramentas da bio- vinculada ao Centre de Coopération Inter- associada à alta eficiência de produção
tecnologia, tais como resgate in vitro de nationale en Recherche Agronomique pour de frutos e à alta qualidade destes (teores
embriões, seleção de indivíduos zigóticos, le Développment – Institut National de La elevados de sólidos solúveis).
por meio de marcadores moleculares, e Recherche Agronomique (CIRAD-INRA),
seleção assistida por marcadores (OLI- San Giuliano, Córsega, França, onde foram Seleção de mutantes
VEIRA, 2013). gerados milhares de híbridos triploides de espontâneos ou induzidos
e de híbridos naturais
Em função da dificuldade de gerar po- citros, os quais serão avaliados e selecio-
pulações híbridas e de selecionar indivídu- nados em condições brasileiras de solo A maioria das cultivares de citros
os promissores, especialmente em razão da e clima, sob a coordenação da Embrapa existentes originou-se a partir de mutações
ocorrência de esterilidade e de depressão Mandioca e Fruticultura. espontâneas de gema com posterior sele-

HTR - Híbrido trifoliado; LCR - Limoeiro ‘Cravo’; LVK - Limeiro ‘Volkameriano’ - Citrus volkameriana V. Ten. & Pasq.; TR -
7

Poncirus trifoliata; TRFD - P. trifoliata seleção ‘Flying Dragon’; TSKC - Tangerineira ‘Sunki’ comum e CTSW - Citrumeleiro ‘Swingle’.
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6 Citricultura

ção feita por melhoristas e/ou agricultores onde são cultivadas centenas de milhões cada’; ‘Murta’, obtida do tangoreiro ‘Mur-
(SOOST; ROOSE, 1996). de plantas cítricas e, muito provavelmente, cott’; tangerineiras ‘Nulessín’, ‘Nero’,
A mutação somática envolve uma existam mutantes com características inte- ‘Clemenverd’ e ‘Neufina’, provenientes
alteração no DNA, sendo relativamente co- ressantes para ser selecionados. da ‘Clemenules’, por meio de irradiação
mum em citros, podendo ser mantida pela A indução de mutações é outra estratégia (INSTITUTO VALENCIANO DE IN-
propagação vegetativa e pela embrionia utilizada com sucesso no melhoramento ge- VESTIGACIONES AGRARIAS, 2014);
nucelar. A taxa de mutação varia de acordo nético de citros, buscando-se a mutagênese e ‘Tango’, obtido do híbrido ‘Afourer’;
com a cultivar, o ambiente e as práticas genômica ou a mutação de genes. ‘DaisySL’, oriunda da tangerineira ‘Daisy’;
culturais, sobretudo a poda (SPIEGEL- Na mutagênese genômica, são ‘KinnowLS’, mutante da tangerineira
ROY; GOLDSCHMIDT, 2008). utilizados mutagênicos químicos, como ‘Kinnow’; ‘FairchildLS’, proveniente
As principais características envolvidas a colchicina, com o objetivo de alterar de irradiação de tangerineira ‘Fairchild’;
nessas mutações relacionam-se ao vigor, o número de cromossomos, ou seja, o ‘EncoreLS’, resultante de tangerineira
época de produção, coloração interna dos nível de ploidia do genoma. Esta técnica ‘Encore’; ‘Nova Seedless’ e ‘Nova-sin’,
frutos, número de sementes, além de teor é utilizada principalmente para a geração relacionadas com o híbrido ‘Nova’, todas
de açúcares e de ácidos orgânicos da polpa. de autotetraploides, que, em seguida, essas por raios gama (UNIVERSITY OF
Mutantes espontâneos, com características serão empregados em cruzamentos com CALIFORNIA, 2014).
desfavoráveis, tais como frutos anormais e diploides para obtenção de triploides Além disso, em função de a maioria
folhas com características atípicas, também (OLIVEIRA, 2013). das espécies de citros apresentar compati-
têm surgido, sendo, contudo, descartados. Para a mutagênese de ponto, são bilidade sexual, muitas cultivares surgiram
São inúmeros os exemplos de cultiva- utilizados mutagênicos físicos, como raios sob a forma de seedlings híbridos naturais,
res decorrentes de mutação espontânea de gama, raios-x, partículas nêutron, etc. Nesse os quais foram identificados e selecionados
gema, como: laranjeira ‘Pera’, possível caso, o gene é alterado pelo(s) processo(s) por melhoristas e/ou citricultores (SOOST;
mutação de um tipo desconhecido de la- de deleção, adição e/ou substituição de ROOSE, 1996). Como exemplos podem-
ranjeira doce; laranjeira ‘Bahia’, surgida a nucleotídeos. Como apenas um dos alelos se citar o limoeiro ‘Cravo’ (C. limonia
partir da laranjeira doce ‘Seleta’; laranjei- é alterado, a herança é quase sempre reces- Osbeck, de origem Indiana); os tangoreiros
ras doces ‘Baianinha’, ‘Cara Cara’, ‘Nave- siva, o que gera a necessidade de que ocorra ‘Ortanique’, ‘Ellendale’ e ‘Murcott’; a
late’, ‘Lane Late’ e ‘Navelate’, mutantes da homozigose para que haja expressão do tangerineira ‘Okitsu’, de origem nucelar
‘Bahia’; laranjeira doce ‘Shamouti’, oriun- caráter mutado (MACHADO et al., 2005). de semente de ‘Miyagawa’; a tangerineira
da da ‘Beledi’; laranjeira doce ‘Salustiana’, Como a mutação de ponto é um evento ‘Afourer’ (‘Nadorcott’), de seedling de
oriunda da ‘Comuna’, que é um tipo de aleatório, há necessidade de condução de ‘Murcott’, e a laranjeira ‘Delta Seedless’,
laranjeira ‘Caipira’; laranjeira ‘Midknight’, um processo de seleção dos genótipos de seedling de ‘Valência’ (SOOST; ROO-
proveniente da ‘Valência’; diversos mutan- gerados, buscando-se materiais com carac- SE, 1996; OLIVEIRA et al., 2011a).
tes de ‘Clementina’, como a tangerineira terísticas de interesse (OLIVEIRA, 2013).
Hibridação somática
‘Clemenules’, mutação da ‘Clementina As principais características alteradas na
Fina’, tangerineira ‘Clemenpons’, que é mutação de ponto referem-se a variações no A hibridação somática via fusão de pro-
uma variação da ‘Clemenules’, tangerinei- tamanho das árvores, época de maturação, toplastos aplica-se tanto ao melhoramento
ra ‘Marisol’, mutante da ‘Clementina Oro- número de sementes e cor dos frutos. de cultivares porta-enxerto quanto ao de
val’ e tangerineira ‘Lorentina’, resultante As principais cultivares obtidas até cultivares-copa.
da ‘Marisol’; e pomeleiro Ruby, oriundo da hoje por meio dessa tecnologia são: po- Em se tratando de porta-enxertos, as
‘Tompson’ (BONO; SOLER; CÓRDOVA, meleiro ‘Star Ruby’, a partir de irradiação aplicações referem-se, principalmente, à
1996; SOOST; ROOSE, 1996; OLIVEIRA com nêutrons de sementes de ‘Hudson’, e obtenção de híbridos alotetraploides en-
et al., 2011a). pomeleiro ‘Rio Red’, a partir da irradiação tre cultivares que exibam características
Além de ser utilizada nos programas de de gemas de ‘Ruby Red’ (HENSZ, 1985); complementares de interesse agronômico.
melhoramento genético de citros, a seleção ‘Minneola’ sem sementes, a partir do Também pode ser utilizada com a fina-
de mutantes espontâneos é uma prática co- tangeleiro ‘Minneola’ (SPIEGEL-ROY; lidade de enriquecimento de germoplasma,
mum em pequenas propriedades, sobretudo VARDI, 1989); mutantes de laranjeira por possibilitar o cruzamento entre espécies
no Japão e na Espanha. Esse trabalho é co- ‘Pera’, com menor número de sementes por sexualmente incompatíveis. Os híbridos
ordenado por cooperativas ou executado in- fruto, por meio da irradiação de borbulhas somáticos obtidos são alotetraploides, em
dividualmente por viveiristas e citricultores. com raios gama (LATADO et al., 2001); função de o processo ser aditivo, não ocor-
Essa prática deve ser incentivada no Brasil, tangerineira ‘Moncalina’, a partir da ‘Mon- rendo segregação meiótica. Por essa razão,
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os genes deletérios recessivos acumulados no sistema produtivo. informações importantes para novas estra-
nos parentais não se expressam e as carac- No Brasil, pesquisas que visem gerar tégias de melhoramento por transformação
terísticas controladas por genes dominantes híbridos somáticos resistentes a fatores genética estão sendo geradas.
ou codominantes presentes em um ou outro bióticos e tolerantes a abióticos vêm sendo
parental podem-se expressar nos híbridos conduzidas principalmente na Universida- Mapeamento genético
(GROSSER; GMITTER JUNIOR, 1990). de de São Paulo (USP), por meio da Escola Mapas genéticos de ligação saturados
Segundo Oliveira (2013), são exemplos Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” com marcadores moleculares são básicos
dessas características a tolerância ao frio e (Esalq), no Centro de Energia Nuclear na em estudos avançados de genética, pos-
à seca, assim como a resistência a pragas, Agricultura (Cena) e, também, na Embrapa sibilitando a identificação e o isolamento
dentre as quais a gomose de Phytophthora, o Mandioca e Fruticultura. de genes, entendimento da herança de
vírus-da-tristeza-dos-citros (Citrus tristeza características de interesse e de estudos da
virus, CTV) e o nematoide Tylenchulus Sequenciamento de
estrutura, expressão e função desses genes
genoma
semipenetrans. (OLIVEIRA, 2013).
Quanto ao uso da hibridação somática O genoma consiste no conjunto de As espécies de Citrus possuem particu-
no melhoramento de cultivares-copa, os genes de um organismo. Nos últimos laridades bastante favoráveis à construção
alotetraploides obtidos podem ser cruzados anos, grandes conquistas nessa área vêm de mapas genéticos de ligação, dado que
com plantas diploides, objetivando a ge- sendo obtidas com o desenvolvimento da são diploides, apresentam número haploide
ração de híbridos triploides, cujo especial bioinformática e de métodos de sequen- de cromossomos relativamente pequeno
interesse é o da produção de frutos sem ciamento automático de DNA cada vez (n = 9), são altamente polimórficas, e
sementes. Como desvantagens dessa téc- mais eficientes. permitem a produção de híbridos interes-
nica, pode-se obter uma única combinação Inicialmente, em função de o geno- pecíficos e intergenéricos com facilidade
por cruzamento, e os híbridos somáticos ma dos citros ser de alta complexidade e (OLIVEIRA, 2013).
gerados podem apresentar problemas de de grande tamanho, a estratégia foi a de O desenvolvimento das técnicas de
fertilidade, impossibilitando seu uso em sequenciar os principais patógenos da cul- marcadores moleculares viabilizou o
ciclos subsequentes de hibridação sexual tura. Dessa forma, foram sequenciados os mapeamento genético em várias espécies,
(GROSSER; GMITTER JUNIOR, 1990). genomas das bactérias Xylella fastidiosa, na medida em que inúmeros marcadores
Alternativamente, modificações na me- agente causal da clorose variegada dos citros sem interferência ambiental puderam ser
todologia podem ser introduzidas, visando (CVC); da Xanthomonas axonopodis pv. rapidamente produzidos.
à produção de híbridos assimétricos ou de citri, causadora do cancro cítrico, e do vírus- No mapeamento de citros, vários tipos
cíbridos (VARDI; BLEICHMAN; AVIV, da-leprose (Citrus leprosis virus, CiLV). de marcadores moleculares vêm sendo
1990), de forma que contornem essas Posteriormente, iniciaram-se os tra- utilizados, destacando-se o restriction
limitações. balhos de sequenciamento do genoma de fragment length polymorphism (RFLP);
Os cíbridos são híbridos citoplasmá- espécies de Citrus e de gêneros próximos, random amplified polymorphic DNA
ticos que, por sua vez, apresentam DNA tais como: laranjeiras doces em vários paí- (RAPD); amplified fragment length
nuclear de apenas um dos parentais. Já os ses, ‘Clementinas’, na Espanha, tangerineira polymorphism (AFLP); simple sequence
híbridos assimétricos são híbridos somáti- ‘Ponkan’, Poncirus trifoliata e limoeiro repeat (SSR), e single-nucleotide
cos resultantes da fusão de protoplastos de ‘Cravo’, no Brasil, toranjeira, nos Estados polymorphism (SNP), os quais, geralmen-
dois doadores. Desses, um não apresenta o Unidos e Brasil, e citrangeiro ‘Carrizo’, nos te, possibilitam a detecção de um número
conteúdo cromossômico completo, o que, Estados Unidos. Recentemente, cerca de praticamente ilimitado de polimorfismos
normalmente, é conseguido por meio de 87% do genoma da laranjeira ‘Valência’, genéticos diretamente em nível de DNA,
tratamento com irradiação ou com muta- com base em duplo-haploide obtido por de forma que represente todo o genoma
gênico químico (OLIVEIRA, 2013). cultura de anteras, foi sequenciado, apresen- (OLIVEIRA, 2013).
Atualmente, a hibridação somática vem tando um tamanho de 367 megabases (Mb) Dezenas de mapas de ligação foram
sendo utilizada como atividade de rotina (XU et al., 2013). Paralelamente, o Con- gerados em citros, a partir dos quais se
em programas de melhoramento genético sórcio Internacional do Genoma Citros – têm buscado genes e/ou caracteres de locos
de citros conduzidos no Japão, Estados International Citrus Genome Consortium quantitativos de tolerância a sais e ao frio,
Unidos, França, Israel, Espanha e Brasil. (ICGC), que reúne grupos de pesquisa do reguladores da dormência, juvenilidade,
Centenas de híbridos somáticos vêm sendo Brasil, dos Estados Unidos, da França, da vigor, porte de plantas, acidez de frutos,
produzidos e avaliados em campo nesses Espanha e da Itália, está sequenciando um resistência ao vírus-da-tristeza-dos-citros
países, para identificar seu potencial de uso genoma haploide de ‘Clementina’. Assim, (Citrus tristeza virus, CTV), ao nematoide
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Tylenchulus semipenetrans, à gomose cau- transcrição ativa do cromossomo e alta No tocante ao uso da hibridação
sada por Phytophthora, dentre outros (OLI- fertilidade das plantas transgênicas obtidas somática via fusão de protoplastos e da
VEIRA, 2013). Para tanto, a população (MACHADO et al., 2005). Por outro lado, transformação genética, subsidiadas por
segregante e os parentais dos cruzamentos as maiores limitações relacionam-se à estudos de sequenciamento de genoma
devem ser avaliados quanto à resposta à baixa eficiência dos protocolos existentes e de mapeamento genético, centenas de
característica desejada. Quando os fenóti- para a regeneração de plantas de muitas genótipos candidatos a cultivares porta-
pos observados segregam de acordo com as cultivares (DONMEZ et al., 2013). enxerto e a cultivares-copa foram obtidos
proporções esperadas pelas leis de Mendel, Em se tratando da introdução de genes nos últimos anos e estão sendo avaliados
marcadores genéticos associados à carac- de importância agronômica em citros, em estufas e em campo, devendo ser bre-
terística em questão são localizados nos já existem trabalhos relacionados com vemente liberados para cultivo.
mapas de ligação. Uma vez identificados e resistência ao vírus-da-tristeza-dos-citros O avanço tecnológico abriu um universo
isolados, esses genes podem ser clonados e (Citrus tristeza virus, CTV) utilizando de possibilidades no melhoramento genético
transferidos para cultivares comerciais, por gene da capa proteica em laranjeiras doce e de citros, permitindo a superação das barrei-
meio de transformação genética. ‘Azeda’; limoeiro ‘Galego’ (C. aurantifolia) ras genéticas e biológicas existentes. Dessa
e pomeleiro; resistência a fungos; resistên- forma, nos próximos anos, esperam-se res-
Transformação de plantas cia a solos salinos por meio do gene HAL2, postas tecnológicas eficientes aos desafios
As plantas transgênicas ou geneticamente e produção de frutos com menor número de bióticos e abióticos da cultura e às demandas
modificadas são aquelas que expressam sementes e precocidade de produção com dos citricultores e dos consumidores.
genes originados de outro organismo. Parti- os genes LEAFY e APETALA1.
cularmente em citros, esta técnica apresenta No Brasil, o gene que codifica a toxi- REFERÊNCIAS
grande potencial, por possibilitar a introdu- na sarcotoxina IA, de reconhecida ação BARBOSA-MENDES, J.M. et al. Genetic
ção de material genético em situações em que antibacteriana, foi introduzido em laran- transformation of Citrus sinensis cv. Hamlin
as espécies são sexualmente incompatíveis, jeira ‘Pera’, na laranjeira ‘Pineapple’, foi with hrpN gene from Erwinia amylovora and
por acelerar o processo de obtenção de cul- introduzido o gene que codifica a proteína evaluation of the transgenic lines for resistan-
PR-5 de tomate visando resistência a ce to citrus canker. Scientia Horticulturae,
tivares melhoradas e por restringir a adição
Phytophthora citrophthora. As laranjeiras v.122, n.1, p.109-115, Sept. 2009.
de genes indesejáveis, em função dos efeitos
da heterozigosidade decorrente dos cruza- doces ‘Hamlin’, ‘Valência’ e ‘Pera’ foram BONO, R.; SOLER, J.; FERNÁNDEZ DE
transformadas com os genes Xa21 e attA CÓRDOVA, L. ‘Clemenpons’ and ‘Loretina’,
mentos sexuais (MACHADO et al., 2005).
com atividade antibacteriana, visando two early clementine mandarin mutations
A primeira transformação genética de of potential interest. In: INTERNATIONAL
células de citros foi realizada no final da dé- resistência a Xanthomonas axonopodis
CITRUS CONGRESS, 8., 1996, Sun City,
cada de 1980, tendo sido obtida a expressão pv. citri e Xylella fastidiosa (OLIVEIRA, África do Sul. Proceedings… Sun City, Áfri-
e a integração de DNA exógeno em laranjeira 2013). Além disso, a laranjeira ‘Hamlin’ foi ca do Sul: International Society of Citricul-
doce utilizando-se sistema de protoplas- transformada com o gene hrpN de Erwinia ture, 1996. v.1, p.174-176.
tos (KOBAYASHI; UCHIMIYA, 1989). amylovora, visando resistência a cancro cí- BORDIGNON, H.; MEDINA FILHO, H.P.;
Atualmente, a transformação genética trico (BARBOSA-MENDES et al., 2009). BALLVÉ, R.M.L. Melhoramento genético
de citros vem sendo realizada em vários de citros no Instituto Agronômico. Laranja,
laboratórios distribuídos pelo mundo, CONSIDERAÇÕES FINAIS Cordeirópolis, v.1, n.11, p.167-173, 1990.

sendo o cocultivo com Agrobacterium Embora existam poucos programas CAMERON, J.W.; FROST, H.B. Genetics, bre-
tumefaciens o método mais empregado de melhoramento genético de citros no eding and nucellar embryony. In: REUTHER,
W.; BATCHELOR, L.D.; WEBBER, H.J. (Ed.).
(OLIVEIRA, 2013), embora o bombar- mundo, dois dos quais no Brasil, um na
The citrus industry. Berkeley: University of
deamento de partículas, a eletroporação, Embrapa e outro no Centro APTA Citros
California, 1968. v.2, p.325-370.
o cocultivo com A. rhizogenes e o RNA Sylvio Moreira, centenas de outros grupos
DONMEZ, D. et al. Genetic transformation
de interferência também estejam sendo de pesquisa vêm trazendo contribuições
in Citrus. The Scientific World Journal,
utilizados (DONMEZ et al., 2013). significativas à cultura, notadamente na
v. 2013, p.1-8, 2013.
As principais vantagens do cocultivo área de Biotecnologia. Por isso, o número
FROST, H.B.; SOOST, R.K. Seed reproduc-
com A. tumefaciens referem-se a fácil de cultivares lançadas tem aumentado
tion: development of gametes and embryos.
manipulação, integração de poucas cópias nos últimos anos, tanto as decorrentes de In: REUTHER, W.; BATCHELOR, L.D.;
do fragmento de DNA a ser transferido para hibridação sexual, quanto aquelas obtidas WEBBER, H.J. (Ed.). The citrus industry.
a planta, baixo rearranjo no genoma, maior por meio da seleção de mutantes espontâ- Berkeley: University of California, 1968.
probabilidade de integração em região de neos ou induzidos e de híbridos naturais. v.2, p.290-324.

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