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Teodoro Metoquita e Cristo

c. 1316–21

Mosaico de tesselas

Museu de Cora

Istambul, Turquia
Descrição

A obra consiste de um mosaico de tesselas tipicamente bizantino. Foi


confeccionado para ornamentar a luneta acima do portal de entrada da nau da Igreja de
Cora em seu nártex interno. A imagem é composta por duas figuras masculinas em
primeiro plano sobre um fundo completamente dourado.

A figura central retrata Jesus Cristo, de cabelo e barba dourados, vestido com um
tecido comum, e com um halo cruciforme ao redor de sua cabeça. Está sentado sobre um
trono ornamentado e dourado como o plano de fundo. Em seu braço esquerdo, junto ao
corpo, segura um códice que apresenta uma cruz na capa, representando o evangelho de
Deus, e com sua mão direita realiza o gesto de benção e oração. Inscrito no plano de
fundo, em ambos os lados do halo, vemos seu nome e algumas palavras que podem ser
traduzidas como “Jesus Cristo, terra dos que vivem”.

Já a outra figura veste um tecido estampado, com detalhes dourados, e um chapéu


extravagante similar a um turbante. Está ajoelhado à direita da figura central lhe
oferecendo uma miniatura da onde o mosaico se encontra. Há também uma inscrição no
plano de fundo, à direita da figura, que a identifica, podendo ser traduzida como
“Fundador e Ministro do Tesouro, Teodoro Metoquita”.

Contextualização Histórica

O período conhecido Bizantino se inicia com a divisão do império romano em


Ocidental e Oriental após a mudança da capital romana pelo então imperador Constantino
para a região de Bizâncio no Leste do império, onde é fundada Constantinopla (hoje
Istambul, Turquia). Foi um longo período da história que durou por mais de mil anos,
desde c. 330 EC até 1453 EC, com a queda de Constantinopla para os Otomanos.

O que hoje chamamos de Império Bizantino passaria por grandes mudanças ao


longo dos séculos, tanto na esfera territorial quanto nas esferas política, social e religiosa.
Mesmo com o reconhecimento da religião cristã por todo o período do império, o
cristianismo bizantino se modificou expressivamente com o passar do tempo, não só se
diferenciando do cristianismo católico do ocidente como também passando por
transformações internas ao próprio império. Um exemplo disso foi o período da
Controvérsia Iconoclasta, em que houve uma ativa perseguição e destruição de imagens
religiosas por serem consideradas uma forma de idolatria. Ainda assim, mesmo em meio
a mudanças tão significativas na visão religiosa, a iconografia da arte sacra bizantina foi
se consolidando aos poucos e se disseminando por todo o império.

A obra em questão encontra-se na Igreja de Cora, ou Mosteiro de Cora,


originalmente Igreja do São Salvador em Cora e atualmente o Museu de Cora, que se
situava nos arredores de Constantinopla antes de ser incorporada pela cidade. Apesar de
não haver registro exato da construção da igreja, sabe-se que ela passou por diversas
restaurações ao longo do tempo. O mosaico apresentado foi realizado quando da
restauração patrocinada por Teodoro Metoquita, em c. 1316-21, a mando do imperador
Andrónico II Paleólogo. Metoquita foi um grande estudioso da época que se tornara
Mesazonte, uma espécie de “primeiro-ministro”, e passou a ser a pessoa mais rica e
poderosa do império após o próprio imperador. Honrado por ter sido o primeiro não-
membro da família real a ser nomeado como patrono de um mosteiro, não poupou
investimentos para sua restauração, pedindo a instalação de diversos mosaicos com
tesselas folheadas a ouro que hoje são alguns dos mais belos exemplos da arte bizantina.

Análise e Interpretação

A arte cristã se desenvolveu a partir da arte clássica greco-romana e, portanto,


continuou apresentando algumas características importantes da arte presente no império
romano, como uma certa preocupação com o naturalismo das figuras, a presença de
contraposto em certas figurações, o uso de luz e sombra (ainda que de forma crua)
gerando um certo volume, a sinuosidade dos tecidos, a volta no período bizantino tardio
das feições expressivas das figuras humanas e, especialmente, a presença da natureza
propagandista da arte romana ao particularizar as fisionomias dos imperadores e inseri-
las em um contexto divino, reafirmando seu caráter celestial e deificado. Ainda assim, ao
longo do tempo diferenças significativas foram sendo incorporadas, como formas, luzes
e sombras mais geometrizadas, figuras mais alongadas e, em geral, bidimensionais.

A arte bizantina passa a ter um viés claro de evangelização da população, tendo


como motivos principais as cenas da liturgia cristã. Os planos de fundo, por exemplo,
frequentemente são representados por um fundo chapado completamente dourado, como
vemos no mosaico em questão, o que além dar enfoque total às figuras representadas em
primeiro plano, traz uma atmosfera divina para a cena, como se não ocorresse em
nenhuma paisagem conhecida e sim no plano espiritual. O dourado em si era alcançado
ao revestir as tesselas com uma fina camada de ouro, o que não só era uma demonstração
da riqueza e do poder imperial como também, por meio da capacidade do ouro de reluzir
a iluminação, uma maneira de dar ‘vida própria’ às imagens e assim proporcionar uma
experiência ‘divina’ ao observador, aproximando-o assim da religião.

Essa preocupação com a esfera simbólica vai se intensificando cada vez mais na
arte bizantina, o que resulta em uma iconografia altamente consistente, facilitando o
reconhecimento tanto das cenas quanto das figuras representadas. A obra apresenta uma
forma comum de identificação dos personagens por meio de inscrições em texto,
importante para a identificação de Metoquita. Porém, a figura de Cristo pode ser
identificada não só pela inscrição, mas por suas características iconográficas. Sua
fisionomia, estar centralizado e sentado em um trono, o evangelho que segura com o braço
esquerdo, o gesto de benção e oração da mão direita e o halo cruciforme em sua cabeça,
são características que se repetem de forma muito similar por toda a arte bizantina.

A cena de doação da igreja para Cristo é também algo que se repete em outras
obras e era uma forma de prestigiar o patrono responsável pela construção ou, nesse caso,
a restauração da igreja. A pose ajoelhada de Metoquita é uma forma de mostrar sua
devoção a Cristo. Independentemente de seu status na instituição do império,
representado por suas vestes opulentas que se diferem em grande medida da simplicidade
com que Jesus é retratado, há uma diferenciação das figuras imperiais pela ausência do
halo com que a família real normalmente é representada e também a conotação de que
mesmo ele, que possuía uma posição de grande poder, também se curva a Jesus, assim
como todos devem curvar-se diante da presença de Deus. Ao mesmo tempo que
representava a ambição de Metoquita, simbolizava sua esperança na salvação após a
morte.

Em face do longo período pelo qual se estendeu o Império Bizantino, repleto de


disputas territoriais, políticas, sociais e religiosas, o estilo da arte bizantina conseguiu se
manter surpreendentemente estável, desenvolvendo uma iconografia própria. Apesar da
transição para o estilo propriamente chamado de bizantino ser ainda hoje bastante difusa,
devido suas semelhanças e entrelaçamentos com a arte romana e paleocristã, ao longo dos
séculos foi adquirindo características singulares, tornando-se um estilo particular de arte
cristã.
Referências Bibliográficas.

LOPES, G., Semana 2 - A Arte Bizantina, História da Arte 2, 2022.

CIRIC, J. S., Theodore Metochites Mosaic at Chora and the Relics of the True Cross
Journal of Mosaic Research, 2021.

HURST, E., Byzantine Art, an Introduction, Smarthistory, 8 de Ago. de 2014.


Disponível em: <https://smarthistory.org/a-beginners-guide-to-byzantine-art/>. Acesso
em: 10 de Dez de 2022.

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2021. c. 45, p. 431-444. Disponível em: <https://smarthistory.org/guide-to-byzantine-
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OUSTERHOUT, R. G., Brief History of Chora, Chora Museum, 27 de Mar. de 2009.


Disponível em: <https://www.choramuseum.com/history/brief-history-of-chora/>.
Acesso em: 10 de Dez. de 2022.

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