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13/12/2022 02:26 Incidente em Antares, de Érico Veríssimo: resumo e análise

Incidente em Antares, de Érico Veríssimo:


resumo e análise
Rebeca Fuks

Considerada como pertencendo ao Realismo Mágico, a obra Incidente


em Antares (1971), de Érico Veríssimo, foi uma das últimas criações
do escritor gaúcho.

A história, dividida em duas partes (Antares e o Incidente), gira em torno


de uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul que tem a sua
rotina completamente virada de cabeça para baixo após uma greve geral.

Operários, garçons, bancários, enfermeiros, funcionários do cemitério...


todos aderiram a greve e a cidade parou. Diante da impossibilidade de
serem enterrados os sete cadáveres que faleceram durante aquele período,
os defuntos se levantam dos seus caixões e passam a perambular pela
cidade.

Publicado no auge da ditadura militar, Incidente em Antares é uma


história ao mesmo tempo cômica e dramática que promove uma crítica à
política brasileira.

Primeira parte: Antares

Na primeira parte do romance de Érico Veríssimo ficamos conhecendo a


pequena cidade fictícia de Antares, situada no Rio Grande do Sul, quase
na fronteira com a Argentina.

A região era dominada por duas famílias que se odiavam profundamente:


os Vacariano e os Campolargo. A descrição da cidade e do mecanismo de
funcionamento social ocupa quase um terço do texto. Fica claro ao longo

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da leitura das páginas como as duas famílias que geriam a região tinham
valores altamente questionáveis e se alfinetavam mutuamente.

Antares dá conta da genealogia da terra (os primeiros estrangeiros que lá


estiveram) e também da genealogia das duas famílias mais importantes da
região. O domínio do local começou com Francisco Vacariano, que
durante mais de dez anos foi "autoridade suprema e inconteste na vila".

O conflito teve início quando Anacleto Campolargo, no verão de 1860,


demonstrou interesse em comprar terras na região. Francisco Vacariano
logo deixou claro que não queria intrusos na sua região.

Por fim, afrontando Francisco, Anacleto adquiriu as terras vizinhas


fomentando o ódio que duraria gerações:

A primeira vez em que Chico Vacariano e


Anacleto Campolargo se defrontaram nessa
praça, os homens que por ali se encontravam
tiveram a impressão de que os dois estancieiros
iam bater-se num duelo mortal. Foi um momento
de trepidante expectativa. Os dois homens
estacaram de repente, frente a frente, olharam-
se, mediram-se da cabeça aos pés, e foi ódio à
primeira vista. Chegaram ambos a levar a mão à
cintura, como para arrancar as adagas. Nesse
exato momento o vigário surgiu à porta da igreja,
exclamando: “Não! Pelo amor de Deus! Não!”

Anacleto Campolargo foi se fixando na vila, erguendo a sua casa, fazendo


amigos e fundando o Partido Conservador.

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Chico Vacariano, para demonstrar logo a sua oposição, fundou o Partido


Liberal. E assim, de pequenas em pequenas disputas, foi se constituindo a
péssima relação entre as duas famílias.

Deixando de lado o conflito entre as duas dinastias influentes, Antares de


não pequena quase não se percebia no mapa. Apesar de lá terem sido
encontrados encontrados ossos fósseis da época dos dinossauros (os ossos
seriam de um gliptodonte), a cidade permaneceu no anonimato, sendo
mais lembrada a sua vizinha, São Borja.

Segunda parte: O incidente

O incidente, que dá nome à segunda parte do livro, aconteceu sexta-feira,


dia 13 de dezembro do ano de 1963 e colocou Antares no radar do Rio
Grande do Sul e do Brasil. Embora a fama tenha sido passageira, foi graças
ao incidente que todos ficaram conhecendo essa pequena cidade ao sul do
país.

No dia 12 de dezembro de 1963, ao meio-dia, foi declarada uma greve


geral em Antares. A greve abrangia todos os setores da sociedade:
indústria, transportes, comércio, central elétrica, serviços.

A greve começou com os trabalhadores das fábricas, que saíram para o


almoço e não retornaram para o trabalho.

Depois foi a vez dos funcionários dos bancos, dos restaurantes e até da
companhia de energia elétrica abandonarem os respectivos postos. Os
funcionários da empresa que fornecia a luz cortaram a luz da cidade
inteira, só pouparam os cabos que forneciam energia aos dois hospitais da
região.

Os coveiros e o zelador do cemitério também aderiram a greve de Antares,


causando assim um enorme problema na região.

O cemitério havia sido igualmente interditado pelos grevistas, mais de


quatrocentos operários que fizeram um cordão humano para impedir a

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entrada no local.

“Mas que pretendem eles com essa atitude tão


antipática?” – perguntava-se. A resposta era,
quase invariavelmente: “Fazer pressão sobre os-
patrões para conseguir o que querem”.

Durante a greve morreram sete cidadãos antarenses que, com o protesto,


não puderam ser devidamente enterrados. Os defuntos eram:

Prof. Menandro (que suicidou-se cortando as veias dos pulsos);


D. Quitéria Campolargo (a matriarca da família Campolargo que
morreu de enfarto do miocárdio);
Joãozinho Paz (político, faleceu no hospital, com embolia pulmonar);
Dr.Cícero Branco (advogado das duas famílias poderosas, foi vítima
de um derrame cerebral fulminante);
Barcelona (sapateiro comunista, não se sabe a causa da morte);
Erotildes (uma prostituta que morreu tísica);
Pudim de Cachaça (o maior beberrão de Antares, foi assassinado pela
própria mulher, a Natalina).

Impossibilitados de serem enterrados diante da greve, os sete caixões


ficam à espera com os seus corpos dentro. Os mortos, então, se levantam e
seguem em direção à cidade.

Como já estão mortos, os corpos podem entrar em todos os lugares e


descobrir detalhes da condição em que morreram e da reação das pessoas
com o recebimento da notícia do falecimento.

Os mortos se separam e cada um segue em direção à sua casa para


reencontrar os parentes e amigos. Para não se perderem uns dos outros,
eles marcam um encontro para o dia seguinte, ao meio dia, no coreto da
praça.

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Ao meio dia lá se encontram os sete mortos que, sob os olhares da


população, começam a fazer denúncias contra alguns dos vivos sem temer
qualquer tipo de represália. Afirma Barcelona:

Sou um defunto legítimo e portanto estou livre da


sociedade capitalista e dos seus lacaios.

O político Joãozinho Paz, por exemplo, denuncia o enriquecimento ilícito


dos poderosos da região e deixa transparecer a situação da sua morte (ele
fora torturado pela polícia).

A prostituta Erotildes também aproveita a ocasião e aponta alguns dos


seus clientes no meio da multidão. Barcelona, que era sapateiro e ouvia
muitos dos casos na sua sapataria, também acusa os adúlteros da cidade.

Diante do caos provocado pelas denúncias, os grevistas resolvem atacar os


mortos que estavam no coreto. Os defuntos, por fim, conseguem seguir
para o cemitério e são enterrados como era suposto.

A história dos mortos-vivos ganha fama e Antares se enche de repórteres


que querem escrever notícias sobre o assunto, mas nada consegue ser
provado.

As autoridades locais, para acobertarem o caso, dizem que a história foi


inventada para promover uma feira de agropecuária que aconteceria na
região.

Análise de Incidente em Antares

Nota do autor

Antes da narrativa começar, encontramos em Incidente em Antares a


seguinte nota do autor:

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Neste romance as personagens e localidades


imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes
fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que
na realidade existem ou existiram, são
designados pelos seus nomes verdadeiros.

Antares é uma cidade completamente imaginada por Veríssimo, que não


encontra correspondência no mundo real.

Apesar de ter sido inventada, para dar a ideia de que se trata de um lugar
real, o romance faz questão de descrever a região: as margens do rio, perto
de São Borja, quase na fronteira com a Argentina.

A nota do autor incorpora um quê de mistério na narrativa já permeada de


suspense. O realismo mágico, presente ao longo das páginas da obra,
corrobora com o tom de enigma presente já na nota do autor.

O narrador

Em Incidente em Antares encontramos um narrador onisciente, que tudo


sabe e tudo vê, capaz de relatar detalhadamente histórias e características
das duas famílias que dominam a região.

O narrador entra nos meandros do poder concentrado nas mãos dos


Vacariano e dos Campolargo e transmite para o leitor informações que, a
princípio, ele não teria acesso.

Ficamos sabendo, por exemplo, de diversas situações onde vigorou o


favoritismo por parte das famílias importantes ou do poder público:

– Diga também que sou plantador de soja, e da


boa! E se ele quiser estabelecer o negócio dele em
Antares, eu arrumo tudo: o terreno para a
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fábrica, material de construção a preço baixo e


mais ainda: cinco anos de isenção de impostos
municipais! O prefeito da cidade é meu sobrinho
e eu tenho na mão a Câmara de Vereadores.

Traições, acordos escusos, agressões e paternalismo são algumas das


circunstâncias flagradas pelo sujeito que conta a história.

Se na primeira parte do livro o tom é de seriedade, muitas vezes tentando


dar ar de veracidade a história contada inserindo dados científicos e
técnicos (como a presença dos fósseis de gliptodonte), na segunda parte o
narrador já se encontra mais a vontade para relatar fofocas, rumores e
suspeitas sem maiores fundamentos:

– Quita! Quita! Quita! Não te lembras mais deste


teu velho amigo? Estás sendo explorada por um
patife sem escrúpulos, um desclassificado social
que sorrindo confessa em praça pública que é
enganado pela própria esposa. O Cícero está
usando a tua presença, o prestígio do teu nome
para atacar a classe a que pertences. Mas tu és
das nossas, eu sei! Fala, Quita! Conta ao povo de
Antares que ele é um intrigante, um sacripanta,
um mentiroso!

A violência

Em Incidente em Antares vemos diversas formas de violência. Assistimos,


por exemplo, a violência doméstica. Natalina após anos a fio aguentando o

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vício do marido Pudim de Cachaça resolve dar um basta na situação.

Foram anos trabalhando feito escrava para sustentar o marido, além de


testemunhá-lo chegando tarde e, por vezes, apanhando calada. A esposa,
cansada da rotina, coloca arsênico na comida do sujeito em dose suficiente
para matar um cavalo. E é dessa forma que Pudim de Cachaça é
assassinado.

O pianista Menandro também comete uma violência, mas contra si


próprio. Farto da solidão e de se esforçar para tocar a Appassionata, ele
desiste da vida.

A fama e a possibilidade de fazer concertos não chegavam nunca e ele,


num surto de raiva, resolve castigar as próprias mãos cortando os pulsos
com uma navalha.

A violência descrita com maior dureza, no entanto, é a vivida pelo


personagem João Paz. Político, ele é torturado com requintes de
crueldade.

Vale lembrar que a descrição presente no livro era compatível com o que
assistia na vida real, nas sessões de tortura realizada pelos militares,
fazendo assim com que ficção e realidade se aproximassem:

- Mas o interrogatório continua…Vem então a


fase requintada. Enfiam-lhe um fio de cobre na
uretra e outro no ânus e aplicam-lhe choques
elétricos. O prisioneiro desmaia de dor. Metem-
lhe a cabeça num balde d’água gelada, e uma
hora depois, quando ele está de novo em
condições de entender o que lhe dizem e de falar,
os choques elétricos são repetidos…

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O romance, em várias passagens como se percebe no trecho acima,


também dá conta do momento político do país. Outro exemplo bastante
claro acontece durante uma conversa com o governador do Rio Grande do
Sul. Desesperado com a hipótese de uma greve Geral, Cel. Tibério
Vacariano faz uma crítica à sociedade e exige o uso da força.

Depois de horas tentando falar com o governador e tecendo uma crítica à


estrutura política e social onde estava inserido, Tibério perde a paciência.

O que ele queria era que o governador interviesse com força (apesar da
ilegalidade da medida):

– Não há nada que meu governo possa fazer


dentro da legalidade.
– Pois então faça fora da
legalidade.
– Alô? Fale mais alto, coronel.

Mande a legalidade pro diabo! – vociferou
Tibério.
– Envie tropas da Brigada Militar para
Antares e obrigue esses, mequetrefes a voltarem
ao trabalho. O aumento que eles pedem é
absurdo. A greve é dos trabalhadores das
indústrias locais. Os outros apenas se
solidarizaram com eles. Coisas que os chefes do
P.T.B. e os comunas meteram na cabeça dos
operários.
– Coronel, o senhor esquece que
estamos numa democracia.
– Democracia qual
nada, governador! O que temos no Brasil é uma
merdocracia.
– Alô?! A ligação está péssima.
– Eu

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disse que estamos numa mer-do-cra-ci-a,


entendeu?

(...)

Tibério não respondeu. Enquanto metia num


saco de lona os petrechos de chimarrão,
resmungava: “Garanto como ele agora volta pra
cama e vai dormir até às oito. Quando acordar
para o café vai pensar que este telefonema foi um
sonho. Enquanto isso os comunas, os brizolistas e
os pelegos do Jango Goulart estão se preparando
para tomar conta da nossa cidade. É o fim da
picada!”

Sobre a criação do livro


Através de entrevista concedida pelo autor, ficamos sabendo que a ideia de
criar a obra Incidente em Antares apareceu durante uma caminhada que
fazia com a mulher durante a manhã do dia 8 de maio de 1971.

O impulso inicial teria surgido a partir de uma fotografia que Veríssimo


havia visto algum tempo antes.

Não foi o timing perfeito para o surgimento da ideia porque, na ocasião,


Veríssimo estava escrevendo A Hora do Sétimo Anjo. Parte do material do
livro foi aproveitado para Incidente em Antares.

Uma curiosidade: a primeira parte do livro, Antares, foi escrita nos


Estados Unidos, quando Veríssimo estava vivendo por lá.

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O autor manteve a escrita de um diário que dava conta da criação do


romance estabelecendo uma espécie de roteiro com inscrições minuciosas.

Quando voltou para o Brasil, a escrita desse diário foi abortada, por isso
pouco ou nada se sabe sobre o bastidor da escrita da segunda parte do
livro.

Convém sublinhar que o período de escrita do romance foi extremamente


duro para o país. A ditadura militar havia se intensificado entre 1968 e
1972 (lembre-se do Ato Institucional Número Cinco - instituído em 1968).

Um dado interessante: o ocorrido em Antares se passa no dia 13 de


dezembro de 1963. A escolha da data não parece ter sido nada casual, no
dia 13 de dezembro de 1968 havia sido decretado o AI5.

Em uma época de dura ditadura, Veríssimo precisou se blindar de todas as


formas criando na sua obra uma espécie de crítica velada.

Em entrevista concedida sobre aquele duro período, o escritor brasileiro


confessou:

Sempre achei que o menos que um escritor pode


fazer, numa época de violência e injustiças como
a nossa, é acender sua lâmpada […]. Se não
tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o
nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos
fósforos repetidamente, como um sinal de que
não desertamos nosso posto.

Minissérie
O romance de Érico Veríssimo foi adaptado para a televisão pela rede
Globo. Entre 29 de novembro de 1994 e 16 de dezembro de 1994 foram

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exibidos, às 21:30h, 12 capítulos de Incidente em Antares.

O diretor geral responsável pela adaptação foi José Luiz Villamarim, quem
assinou o texto foi Alcides Nogueira e Nelson Nadotti.

No elenco participaram grandes nomes como Fernanda Montenegro (que


interpretou Quitéria Campolargo), Paulo Betti (que fez o papel de Cícero
Branco), Diogo Vilela (que viveu João da Paz) e Glória Pires (que foi
Erotildes).

Filme
Em 1994 a rede Globo lançou um longa metragem baseado na série
exibida entre novembro e dezembro do mesmo ano.

Quem fez a adaptação para o cinema foi Charles Peixoto e Nelson Nadotti.

Os mortos no filme Incidente em Antares.

Conheça também
Melhores livros clássicos da literatura brasileira
Romeu e Julieta, de William Shakespeare

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Quadro As Duas Fridas, de Frida Kahlo

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