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Ano Letivo – 2018/2019

Licenciatura em Arqueologia
Unidade Curricular: Arqueologia da Expansão Portuguesa

A faiança descartada dos séculos XVI-XVII


no Largo das Olarias (Mouraria, Lisboa)

Docente: Prof. Dr. André Teixeira


Discentes: Bruna Galamba nº51309
Jéssica Monteiro nº55134
Rodrigo Dias nº51505
RESUMO
Lisboa revela-se em plena Idade Moderna como um centro de comércio, de
conhecimento e de inovação tecnológica. O país tem um crescimento populacional,
económico e é alvo de várias migrações. Havia toda uma necessidade de providenciar
alimentos e outros objetos, entre eles os de luxo, às comunidades. Esta população
desejava adquirir peças tipo porcelana chinesa a baixo custo, como sinal de ostentação.
Isto fez a faiança portuguesa conhecer neste período umas fortes influências orientais
como forma a satisfazer o mercado nacional e Europeu. A faiança é então comercializada
por Portugal, mas também em espaços de expansão e rotas comerciais. Neste contexto, o
Largo das Olarias produzia faiança, encontrando-se no acervo das escavações de
2016/2017 alguns fragmentos e peças (podiam ser apenas de consumo e não de produção).
No entanto, a coleção que aqui estudámos, encontra-se num estágio de produção óbvio:
a chacota foi esmaltada e pintada, mas não procedeu à cozedura de vitrificação.

Palavras-chave: Idade Moderna; Chacota; Cerâmica; Olaria; Cozedura de Vitrificação.

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Índice

1. Introdução .............................................................................................................. 4
1.1. Metodologia ....................................................................................................... 5
2. A Mouraria de Lisboa e o Largo das Olarias......................................................... 7
2.1. Contexto Histórico-Geográfico .......................................................................... 7
2.2. O Caso de Estudo na Mouraria ........................................................................ 15
3.4.1. Fabricos e Formas ......................................................................................... 15
3.4.2.1. As Taças ..................................................................................................... 17
3.4.2.2. Os Pratos .................................................................................................... 24
3.4.2.3. Outros ......................................................................................................... 29
3.4.3. Motivos Decorativos e seus Paralelos ...................................................... 31
3.4.4. Quantificação Geral .................................................................................. 36
3.5. Interpretação dos Dados ................................................................................... 39
4. Conclusão ............................................................................................................ 43
5. Bibliografia .......................................................................................................... 44
1. Introdução
No âmbito da unidade curricular de Arqueologia da Expansão Portuguesa, foi nos
colocado o desafio de realizar um estudo sobre materiais provenientes das escavações
realizadas em 2016, no Largo das Olarias nº19 a 23 e na Travessa do Jordão nº1 a 15, na
Mouraria de Lisboa, atualmente no centro histórico da freguesia de Santa Maria Maior.
Esta intervenção teve como objetivo minimizar o impacto sobre o património, devido ao
projeto de alteração promovido pela empresa de investimento imobiliário Sustentoasis
S.A. (A.A.V.V., 2017, :1731)

A história da Mouraria baliza-se pelo foral de 1170 e o édito de expulsão de 1496, o


primeiro que reconheceu a sua existência e o segundo que marcou o seu fim enquanto
comunidade isolada. Este último édito incapacita a comunidade islâmica de impedir a
conversão do bairro islâmico para cristão.

Nesta intervenção descobriu-se uma olaria que continha quatro fornos que, devido ao
espólio, atestavam uma produção entre os séculos XVI e XVII. Dentro do espólio
recolhido, foi analisada a coleção de faiança que não foi alvo de uma segunda cozedura,
ou seja, não passou pelo processo final de vitrificação. É muito caraterística a constante
libertação de pó por parte destas peças, o que não facilitou o processo de colagem, visto
que muitas não podiam ser consolidadas com a fita enquanto secavam.

O objetivo primário coincidia com a determinação das principais formas produzidas


nesta olaria, as técnicas de fabrico e a sua decoração. Em seguida procurou-se explicar o
descarte destas cerâmicas dentro do forno. Por fim, tentámos inserir estas faianças num
contexto de produção em época de expansão do império português e possíveis paralelos
para estas peças no que concerne a forma ou decoração.

Neste trabalho apresentamos a metodologia usada para a realização do trabalho em


laboratório e de redação. Introduzimos o contexto geral da Mouraria e também das
intervenções de 2016 dos já referidos fornos. Passaremos de seguida para o estudo deste
universo, apresentando o fabrico, as formas, os motivos decorativos, a quantificação geral
e por fim, a interpretação dos dados. Numa última apreciação, apresentamos paralelos às
peças aqui apresentadas.

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1.1. Metodologia
Para a realização deste projeto, no dia 29 de setembro de 2018, em contexto de
compensação de aula, o grupo esteve presente em laboratório a expor os fragmentos
provenientes da escavação por unidade estratigráfica.

Com consenso dos elementos do grupo, escolhemos trabalhar a faiança coberta com
um pó branco e vestígios de decoração a azul, o que evidenciava a falta de uma segunda
cozedura das peças, de forma a que o esmalte vitrificasse. Em variados dias, os membros
do grupo deslocaram-se ao laboratório a fim de continuar a separação dos fragmentos e
efetuar colagens das peças. Esta foi a primeira fase do trabalho.

De seguida efetuámos uma pesquisa bibliográfica sobre a Mouraria de Lisboa, de


forma a obter contextos, e sobre faianças, tentando reunir o máximo número de estudos,
de forma a entender melhor esta cerâmica, a sua produção e difusão.

Em laboratório começámos a individualizar tipos dentro desta coleção, para entender


quais as principais formas. Definiu-se 7 tipos de taças e 5 tipos de pratos. Com esta
separação procedemos aos desenhos das peças por tipo, que poderão ser observadas
noutro ponto deste estudo. Os desenhos foram posteriormente corrigidos e confirmados,
tendo em consideração a sua altura, espessura e diâmetros, de forma a serem o mais fiel
às peças quanto possível. Foi de igual modo selecionados alguns fragmentos deste acervo,
que possuíssem motivos decorativos percetíveis e distintos, de forma a entendermos
preferências estilísticas. Após esta escolha, as peças e fragmentos foram fotografados
juntamente com um número de inventário. Nos casos em que existiam colagens entre as
duas unidades estratigráficas em análise, à mesma peça foram atribuídos dois números
distintos e correspondentes. O número de inventário foi selecionado a partir de uma base
de dados feita para o efeito. As peças não foram marcadas devido à libertação do esmalte,
sendo que foram acompanhadas num saco por etiquetas com o número correspondente.

Os desenhos foram vetorizados em Adobe Illustrator, tal como os fragmentos com


decoração foram recortados em Adobe Photoshop para realizar estampas. Em seguida
procedemos à divisão final dos tipos para iniciar a contagem dos fragmentos, de forma a
entender este universo em estudo. A contagem neste acervo foi realizada a partir do
número mínimo de indivíduos, ou seja, bordos, bojos, fundos e até perfis. Para
exemplificar, apresentamos tabelas com os números absolutos, mas comentaremos com
recurso às percentagens.
Após todo este processo, procedemos à redação do presente trabalho e à análise, o
mais detalhada possível, destas cerâmicas muito singulares.

Gostaríamos de agradecer a André Teixeira e Joana Torres pelo tempo que


disponibilizaram para nos auxiliar, guiar e corrigir ao longo do semestre, de forma a
apresentarmos um trabalho do qual nos orgulhamos. Agradecemos de igual forma à Inês
Henriques que auxiliou e teve uma enorme paciência com colagens difíceis e fotografou
duas peças que permaneceram em repouso após colagem durante o ano novo.

Por fim, este trabalho encontra-se escrito sobre égide do Novo Acordo Ortográfico e
referenciado/citado de acordo com a Norma Portuguesa.

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2. A Mouraria de Lisboa e o Largo das Olarias
2.1. Contexto Histórico-Geográfico
A Mouraria localiza-se na freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa (A.A.V.V.,
2017, :1731). Esta é designada no século XII como Arrabalde dos Mouros após a
reconquista da cidade em 1147 por D. Afonso Henriques. Este concede em 1170 o foral
à comunidade islâmica que se instala no sopé da vertente Norte da colina do Castelo,
desenvolvendo-se ao longo do vale formado pelas colinas do Castelo, da Graça e de S.
Gens. Este era um espaço segregado e periférico da restante cidade, como acontece em
Portugal com a formação de outras mourarias (Figura 1) (SEBASTIAN, 2010, :210).
Apesar das populações islâmicas serem uma das camadas sociais mais desfavorecidas,
eram apreciadas pela sua capacidade artesanal (tecelões de tapetes e os oleiros), dando
lhe algum reconhecimento social (ALMEIDA, 2016, :40). A atividade oleira deste novo
núcleo muçulmano deve ter sido desde sempre um ofício de eleição nesta comunidade
devido à sua reconhecida tradição. Já no foral concedido a Lisboa em 1179 por D. Afonso
Henriques observamos as olarias a serem isentas do pagamento da décima (SEBASTIAN,
2010, :210-211). No Foral dos Mouros Forros de Lisboa, Almada e Alcácer de 1170, foi-
lhes garantida tolerância religiosa, poder de eleger o seus oficiais e proteção do rei. Isto
tornara-os servos do mesmo, possibilitando a coleta de impostos e terem de cumprir
serviços concelhios, algo que estavam isentos desde a conquista (OLIVEIRA e VIANA,
1993, :192; ALMEIDA, 2016, :37).

Durante o século XIII verifica-se um rápido crescimento urbano. Este espaço teria
duas mesquitas de bairro, a Mesquita Grande e a Mesquita Pequena. Estes espaços
públicos eram restritos aos habitantes da comunidade para rituais religiosos como o
Hamam (banhos públicos), a Madrasa (escola onde se ensinava o Corão aos jovens)
(BARROS, 2008-2010, :125), entre outros (Figura 2). Também possuía o bulício
comercial, que iria desde a Rua Direita da Mouraria até à rua do Benformoso (importante
centro oleiro). Este era um espaço fechado com quatro portas de acesso. As ruas eram
estreitas e com becos e não linear ou aberto à circulação. Isto mostra um planeamento
desregulado tipicamente islâmico, possuindo duas ruas direitas que seriam as vias
principais (ALMEIDA, 2016, ;43, 46-47; MOYA e BATISTA, 2017, :142; OLIVEIRA
e VIANA, 1993, :194).

Durante o século XIV, o Mestre de Avis ordena que as portas das Mourarias
fechassem ao toque das trindades (pôr do sol) (OLIVEIRA e VIANA, 1993, :192). Novas
obrigações internas foram impostas a cada islâmico para com a população, na qurba de
1471, revendo-se a estipendio pago ao Iman e do porteiro as esteiras da mesquita e a
manutenção dos muros que rodeavam a Mouraria (BARROS, 2008-2010, :128). Contudo,
existiam negócios entre cristãos e islâmicos sobre produtos como o azeite e cerâmica. É
na Rua de Benformoso (conhecida como Rua de Benfica) que se verifica a referência de
trabalho em atelieres de olaria por parte de moçárabes e cristãos que ali se fixavam
(ALMEIDA, 2016, :39). As famílias nobres, instalaram-se no arrabalde novo, em casas
senhoriais, em lotes maiores e ruas mais largas. (MOYA e BATISTA, 2017, :142). Já no
século XV regista-se um aumento da população devido à vinda de populações islâmicas
de todo o país e de cristãos do Sul, formando um Arrabalde Novo. Esta expansão fora de
muros da Mouraria original teria sido no início por razões comerciais, com a fixação
sobretudo de olarias junto a um dos principais eixos de entrada e saída da cidade. Também
se observa cada vez uma maior residência cristã ao longo da Rua dos Lagares, das Olarias
e chegando à Porta de S. Vicente (SEBASTIAN, 2010, :210).

Contudo, é entre os séculos XV e XVII, que o bairro se integra espacialmente e


socialmente no espaço cristão da cidade de Lisboa. Termina a natureza multiétnica da
Mouraria, com o édito de expulsão das minorias religiosas, em 1496 por D. Manuel
(MOYA e BATISTA, 2017, :141). Este édito transforma a Mouraria num bairro cristão
rebatizado como Vila Nova. Todavia as olarias no Arrabalde Novo não terão sofrido com
este facto em termos do seu desenvolvimento. A sua continuidade terá sido assegurada
pela substituição de oleiros muçulmanos por oleiros cristãos, e ao facto de se terem ainda
juntado casos de oleiros muçulmanos convertidos ao cristianismo. (SEBASTIAN, 2010,
:211). Os edifícios públicos e religiosos islâmicos são “desmantelados”, reaproveitando
os seus materiais para construções de edifícios, como o Hospital Real de Todos-os-
Santos. Neste espaço nasce uma rede de equipamentos religiosos e escolas que se abrem
ao resto da cidade. Há uma chegada acentuada de população vinda das várias regiões de
Portugal. É construída, no início do século XVI, a ermida de São Sebastião, mais tarde
designada por capela de Nossa Senhora da Saúde em 1662, primeira paróquia da freguesia
do Socorro. O Colégio dos Meninos Órfãos de 1549 e a igreja de São Lourenço. Neste
período edifica-se conventos como Santo Antão-o-Velho entre (1540-1759), o Convento
Santo Antão-o-Novo (1593) e o Mosteiro da Rosa (1519-1755). Por fim, a construção de
palácios, como o do Marquês de Tancos, 1539, sobre o qual se construiu o Palácio da
Rosa (MOYA e BATISTA, 2017, :141).

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Dados Geográficos e Geológicos
Na Nova Carta Geológica de Portugal da LNEG os terrenos desta região do Concelho
de Lisboa são compostos na sua maioria por arenitos, conglomerados, biocalcarenitos,
siltitos e argilitos, sendo estes depósitos de tipo marinho formados durante o Miocénico
(Figura 4) (RIBEIRO e BENTO, 2010).

Segundo os dados cartográficos do mapa de Tinoco de 1650 não aparenta a existência


de uma fonte de água nas proximidades. Para estas populações seria necessário recolher
água dos chafarizes presentes na cidade, como o chafariz de’l Rei e Chafariz Novo
(Figura. 3). Mas estes como se pode ver pelo mapa estão a uma grande distância. Contudo,
encontra-se descrições históricas de uma ribeira, (designada de ribeira de Arroios), que
atravessaria pela Rua do Benformoso. Esta sim seria muito mais acessível às populações
e às indústrias que ali se localizavam (por exemplo a oleira) (ALMEIDA; 2016, :15).

Para podermos falar das olarias devemos indicar onde se localizam os barros, matéria-
prima destra produção. A localização dos barreiros iria definir a localização das olarias
(tal como a proximidade a uma fonte de água). Os oleiros raramente mudavam a origem
do barro que compravam, pois, barros diferentes implicam técnicas de tratamento
distintas que podiam trazer prejuízos para a produção. Logo se sabemos a origem do barro
e a percentagem dos seus componentes (quartzos, micas, feldspatos…), podemos indicar
proveniência das peças em qualquer contexto arqueológico, permitindo saber os circuitos
comerciais destas cerâmicas. A cidade de Lisboa tem, devido à sua expansão, uma vasta
documentação sobre a existência de barreiros. Esta matéria-prima seria recolhida nas
zonas ribanceiras do Tejo e nos terrenos agrícolas próximos das olarias (SEBASTIAN,
2010, :202-203).

Para a zonas das olarias em estudo possuímos dados históricos da existência de


barreiros bastante próximos. Segundo os dados do Padre António Lourenço Farinha em
1932, este descreve a existência de extração de argilas no sopé do Monte de S. Gens, a
norte da Mouraria. Há também indicações de 1563 sobre extração de barros numa zona
mais próxima onde atualmente está implantado o Castelo de São Jorge. Esta zona fica
ligeiramente a Sul dos fornos encontrados nas campanhas de 2015-2017 (Figura 5)
(SEBASTIAN, 2010, :203-204).

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Intervenção Arqueológica
A intervenção arqueológica no conjunto de olarias localizadas no Largo das Olarias
nº 19 a 23 e Travessa do Jordão nº 1 a 15 teve como objetivo minimizar o impacto sobre
o património. Devido ao projeto de alteração promovido pela empresa de investimento
imobiliário Sustentoasis S.A. (A.A.V.V., 2017, :1731).

Esta intervenção decorreu entre 27 de janeiro e 26 de março de 2015, tendo sido


realizadas oito sondagens de diagnóstico dentro dos edifícios e jardins. Contudo, durante
a fase de obra, os resultados obtidos das sondagens justificaram uma escavação entre
fevereiro de 2016 a junho de 2017. A metodologia aplicada procurou adaptar-se às
realidades arqueológicas previamente conhecidas. As camadas contemporâneas foram
removidas com recurso a força mecânica. Apenas quando se decapou cerca 0,50 m é que
se iniciou a remoção de unidades estratigráfica manualmente. A área de intervenção nesta
escavação arqueológica foi de 881,55m2. O espaço escavado continha estruturas de
combustão abandonas. Estas continham materiais provenientes de despejos de olaria,
peças com defeito e suportes de produção (A.A.V.V., 2017, :1732).

Neste trabalho iremos tratar as faianças em chacota com vestígios de esmalte das
camadas 1154 e 1156 que estavam contidas dentro do forno 2 (cuja unidade estratigráfica
era a 1162). No entanto, nesta intervenção foram detetados quatro fornos de produção
oleira. Estes trabalharam entre os séculos XVI e XVII. Eram todos feitos de tijolo, argila
cozida misturada com cerâmica doméstica não vidrada (fragmentos de caixa refratária,
que era usada no fabrico de produção de faiança). Os fornos eram de dupla câmara, que
permitia que a combustão fosse feita na parte inferior da mesma, onde eram cozidas as
peças, separados por grelhas assentes em arcos, que permitem a passagem de calor e o
controlo da temperatura. Esta tipologia de fornos vem desde a Antiguidade Tardia, e são
retomados, mais tarde, no período de domínio Islâmico na Península Ibérica. No entanto
podemos definir que os fornos circulares da Mouraria predominam face aos fornos de
planta quadrangulares islâmicos. Nas paredes do forno é possível observar os negativos
do arranque dos arcos que suportavam a grelha, rematada pela câmara de cozedura. As
câmaras de combustão e de cozedura tinham forma circular e o fundo era semicircular. A
grelha era constituída por tijolos, podendo ter uma forma circular, subcircular,
quadrangular ou retangular. O corredor de acesso à câmara era revestido parcialmente de
uma argila esverdeada (A.A.V.V., 2017, :1732).

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Estas estruturas foram encontradas maioritariamente no substrato geológico. Do seu
interior foi recolhido um vasto conjunto de materiais cerâmicos, incluindo suportes e
desperdícios da produção, tanto de faiança como de cerâmica de barro vermelho sem
vidrado, surgindo escassas peças revestidas com vidrados plumbíferos (A.A.V.V., 2017,
:1732).

Pode-se afirmar, que no contexto das produções de faiança, podemos encontrar uma
evolução estrutural dos fornos, que acompanha as pequenas estruturas medievais
circulares e os grandes fornos quadrangulares de época moderna. (A.A.V.V., 2017, :1732)

No contexto português, os vestígios arqueológicos correspondentes aos fornos de


produção de cerâmica são muito reduzidos. Dos poucos existentes, restringindo-nos a
Lisboa e às cidades circundantes, temos por exemplo, em Alcochete, onde foi identificada
a fornalha, a grelha e a câmara de cozedura; na zona de Santos, onde existiriam olaria,
que foram assinaladas na zona oriental e na zona ocidental da cidade de Lisboa; em
Palmela na Rua de Nenhures, foi encontrado um formo seiscentista. Em contrapartida,
estes fornos têm algumas caraterísticas semelhantes a fornos fora do território português,
como por exemplo o forno de San Agustín, em Múrcia (GOMES, 2012, :55-57).

2.2. O Caso de Estudo na Mouraria


3.4.1. Fabricos e Formas
As peças em estudo apresentam, na generalidade, uma pasta de cor laranja
avermelhada clara, bem depurada e com algumas inclusões de minerais escuros. Devido
à libertação de esmalte por parte dos fragmentos, é difícil entender se os minerais possuem
algum brilho para os podermos classificar como micas pretas.

Os indivíduos em estudo contêm vestígios, nuns casos mais abundantes que


noutros, de esmalte estanífero tanto no interior como no exterior dos fragmentos. O
esmalte foi aplicado sobre as peças em chacota, no entanto, não foi alvo de uma segunda
cozedura, a de vidragem, para adquirir a faiança vitrificada que é habitual encontrar-se
em contextos arqueológicos desta época.

Sobre este esmalte branco, em alguns casos, verifica-se a presença de alguma


decoração pintada a azul de cobalto, cujos motivos são distintos. Será para essas pinturas
que tentaremos encontrar paralelos e inserir numa cronologia específica.
Neste universo em investigação encontrámos uma variedade de tipos no que
concerne a taças e pratos. Com a divisão efetuada procedemos aos desenhos das peças e
a uma descrição o mais detalhada possível. Determinámos então 7 tipos de taças. O
mesmo se aplica aos pratos, no qual definimos 5 tipos.

Claro que a coleção em estudo não se restringe apenas a estas tipologias, sendo
que encontramos outros fragmentos (apenas 5) que representam outros tipos de peças que,
apesar de não afetarem a contagem geral deste acervo, foram alvo de nossa análise, tal
como as tampas de caixas, pegas ou asas e gargalos.

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3.4.2.1. As Taças

A taça que identificamos como Tipo A é representada pela peça de número de


inventário LOL16SD11SE2[1156]-7. Apresenta um bordo ligeiramente extrovertido e
fino, cujo diâmetro ronda os 12 a 12,5 centímetros. O seu corpo apresenta uma forma
semi globular, de paredes com uma espessura que ronda os 0,3 cm. Assenta sobre um
fundo em pé de anel que ronda uma altura de 0,5 cm e cujo diâmetro ronda os 5 cm. De
altura, estes tipos de taças rondam os 6 cm. É, portanto, uma taça de dimensões mais
reduzidas, quando comparadas às restantes que aqui apresentamos.

A taça que identificamos como Tipo B é representada pela peça de número de


inventário LOL16SD11SE2[1156]-6. Apresenta um bordo ligeiramente extrovertido e
fino, cujo diâmetro ronda os 12,5 cm a 13 cm. O seu corpo apresenta uma forma semi
globular com as paredes modeladas (com linhas retas que começam perto do bordo e
acabam perto da curvatura para o fundo). Esta peça assenta sobre um pé de anel cuja
altura ronda os 0,5 cm e um diâmetro que ronda os 6,5 cm e os 7 cm. De altura, estes tipos
de taças rondam os 6 centímetros. É então uma taça de dimensões um pouco maiores que
a anterior e apresenta a caraterística distinta das paredes modeladas.

As taças Tipo A e
B respetivamente,
com vista a partir
da base. É possível
verificar a
caraterística
distinta das paredes
modeladas entre os
dois casos. (Jéssica
Monteiro, 2018)

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A taça de Tipo C é exemplificada pela peça de número de inventário
LOL16SD11SE2[1156]-8. Apresenta um bordo ligeiramente extrovertido e uma seção
semicircular, cujo diâmetro ronda os 15,5 cm e os 16 cm. O seu corpo apresenta paredes
mais direitas com um suave arredondamento perto da sua base e são consideravelmente
mais espessas que as duas prévias (cerca de 0,5 cm de espessura). Assenta sobre um pé
de anel que ronda os 0,5 cm e cujo diâmetro ronda os 11,5 cm e os 12 cm. De altura, estes
tipos de taças rondam os 6 centímetros. É então uma taça de dimensões e forma
completamente distintas das já apresentadas, sendo que os diâmetros do bordo e fundo
são superiores (ou mais largos) apesar de apresentar exatamente a mesma altura que as
restantes.

A taça de Tipo D é exemplificada pela peça de número de inventário


LOL16SD11SE2[1156]-9. Apresenta um bordo um pouco extrovertido e fino, cujo
diâmetro ronda os 15 cm e os 15,5 cm. O seu corpo apresenta paredes mais direitas com
um ligeiro arredondamento para a sua base e são, um pouco mais espessas face às duas
primeiras (cerca de 0,4 cm de espessura). Esta taça assenta sobre um pé de anel mais
baixo que as restantes, rondando os 0,3 cm de altura e cujo diâmetro ronda os 9 cm e os
9,5 cm. De altura, estes tipos de taças rondam os 5,5 centímetros. É uma taça mais
semelhante à do Tipo C à exceção do bordo e algumas medidas.

A taça de Tipo E é demonstrada pela peça de número de inventário


LOL16SD11SE2[1156]-20 e LOL16SD11SE2[1154]-53 (possui fragmentos que colam
entre unidades estratigráficas). Apresenta um bordo ligeiramente extrovertido e com
seção arredondada, cujo diâmetro ronda os 14,5 cm e os 15 cm. O seu corpo apresenta
paredes muito direitas com ligeira curvatura para a base da peça, e são ligeiramente finas
(cerca de 0,4 cm de espessura). Esta taça assenta sobre um pé de anel com altura que
ronda os 0,4 cm e cujo diâmetro ronda os 9,5 cm e os 10 cm. De altura, estes tipos de
taças rondam os 6,5 centímetros, sendo a taça mais alta desta coleção. É uma taça mais
semelhante à do Tipo D à exceção das medidas e do bordo.

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As taças Tipo C, D e E,
com perspetiva a partir do
topo da peça e a partir das
laterais, respetivamente.
(Jéssica Monteiro, 2018;
Inês Henriques, 2019)
A taça que identificamos como Tipo F é representada pela peça de número de
inventário LOL16SD11SE2[1156]-24. Esta taça não apresenta um perfil completo,
registando-se a ausência de bordo, daí ser impossível descrever esta seção da taça. As
suas paredes são completamente lisas, arredondadas e de considerável espessura (cerca
de 0,5 cm). A peça assenta sobre um pé de anel baixo (cerca de 0,3 cm de altura), cujo
diâmetro ronda os 13,5 cm e os 14 cm. É impossível determinar a altura total da peça.
Podemos determinar que é uma peça de dimensões superiores às restantes apresentadas,
pelo menos pelo fundo assim o consideramos, apesar de servir a mesma função.

A taça que identificamos como Tipo G é representada pela peça de número de


inventário LOL16SD11SE2[1154]-35. É uma taça que apresenta um bordo um pouco
extrovertido, cujo diâmetro ronda os 20,5 cm e os 21 cm. O seu corpo apresenta paredes
modeladas, de considerável espessura (cerca de 0,5 cm) e arredondadas perto da base.
Assenta sobre um pé de anel baixo (entre 0,2 a 0,3 cm de altura), cujo diâmetro ronda os
13 cm e os 13,5 cm. De altura, estes tipos de taças rondam os 4,5 cm e os 5 cm, sendo,
portanto, mais baixa que as restantes. À semelhança da taça de Tipo F, apresenta
dimensões superiores às outras que aqui representamos, mas serviria a mesma função.

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As taças Tipo F e G. Na
primeira verifica-se a
inexistência de bordo
enquanto que na segunda
verifica-se a presença de
modelação nas paredes.
(Jéssica Monteiro, 2018)
3.4.2.2. Os Pratos

O prato que identificamos como Tipo 1 é exemplificado pela peça de número de


inventário LOL16SD11SE2[1156]-21. É um prato de bordo arredondado e ligeiramente
extrovertido, cujo diâmetro ronda os 20,5 cm e os 21 cm. O seu corpo apresenta uma
ligeira caldeira perto da base e as suas paredes são espessas (entre os 0,5 cm e os 0,8 cm).
Assenta sobre um pé de anel largo e baixo (a altura ronda os 0,3 cm) e cujo diâmetro
ronda os 11 cm e os 11,5 cm. De altura, estes tipos de pratos rondam os 3,5 centímetros.
Dentro desta coleção, este prato apresenta dimensões médias.

O prato que identificamos como Tipo 2 é exemplificado pela peça de número de


inventário LOL16SD11SE2[1156]-22. É um prato de bordo arredondado e um pouco
extrovertido, cujo diâmetro ronda os 30 cm e os 30,5 cm. O seu corpo apresenta uma
caldeira que conduz à base do prato (no exterior apresenta duas saliências que
correspondem à caldeira) e as suas paredes são mais espessas comparadas às restantes
(entre 0,5 a 1 cm). Assenta sobre um pé de anel (que ronda os 0,4 cm) e cujo diâmetro
ronda os 18,5 cm e os 19 cm. De altura, estes tipos de pratos rondam os 4 centímetros.
Dentro desta coleção, este prato apresenta as maiores dimensões.

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O prato que identificamos como Tipo 3 é exemplificado pela peça de número de
inventário LOL16SD11SE2[1156]-23 e LOL16SD11SE2[1154]-47 (fragmentos que
colam entre unidades estratigráficas). É um prato de bordo arredondado e pouco
extrovertido, cujo diâmetro ronda os 16 cm e os 16,5 cm. O seu corpo apresenta uma
caldeira redonda que conduz à base do mesmo e as suas paredes são mais finas dentro dos
parâmetros desta coleção (cerca de 0,4 cm). Assenta sobre um pé de anel baixo (cerca de
0,3 cm) e cujo diâmetro ronda os 6,5 cm e os 7 cm. De altura, estes tipos de pratos rondam
os 2,5 centímetros. Dentro desta coleção, este prato apresenta as menores dimensões,
aproximando-se muito mais do que consideramos atualmente um pires. Este pequeno
prato apresenta uma pasta acinzentada.
Os pratos Tipo 1, 2 e 3, na
sua perspetiva a partir do
topo. (Jéssica Monteiro,
2018; Inês Henriques, 2019)

26
O prato que identificamos como Tipo 4 é exemplificado pela peça de número de
inventário LOL16SD11SE2[1156]-19 e LOL16SD11SE2[1154]-30 (dois fragmentos
que colam entre unidades estratigráficas). É um prato de bordo arredondado e pouco
extrovertido, cujo diâmetro ronda os 21,5 cm e os 22 cm. O seu corpo é caraterístico pela
caldeira bem pronunciada que conduz ao fundo da peça e as paredes são ligeiramente
espessas (cerca de 0,6 cm). Assenta sobre um pé de anel baixo (cerca de 0,2 cm de altura)
e cujo diâmetro ronda os 12,5 cm e os 13 cm. De altura, estes pratos rondam os 3,5
centímetros. É, à semelhança do primeiro prato apresentado, uma peça de dimensões
médias face às outras.

O prato que identificamos como Tipo 5 é exemplificado pela peça de número de


inventário LOL16SD11SE2[1154]-31. É um prato de bordo ligeiramente extrovertido
com seção semicircular, cujo diâmetro ronda os 21 cm e os 21,5 cm. O seu corpo
apresenta paredes lisas com uma ligeira caldeira junto ao fundo e são ligeiramente
espessas (cerca de 0,5 cm). O seu fundo é em pé de anel, ligeiramente alto ( cerca de 0,5
cm de altura) e arredondado, cujo diâmetro ronda os 11 cm e os 11,5 cm. De altura, estes
pratos rondam os 4 centímetros. Portanto, de forma parecida ao primeiro e quarto prato
aqui apresentados, detém dimensões médias face ao segundo e terceiro prato da coleção.

Os pratos Tipo 4 e 5 em perspetiva a partir do bordo. O primeiro


encontra-se apoiado sobre uma borracha de forma a se encontrar na
posição correta para a foto. (Jéssica Monteiro, 2018)

28
3.4.2.3. Outros

A peça de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-2 corresponde a uma


pequena tampa de uma caixa. A sua pasta é laranja avermelhada clara e bem depurada.
Contem vestígios de esmalte branco e sem decoração pintada a azul. Porém, possui
elementos vegetalistas e geométricos moldados. A peça não se encontra completa, sendo
que falta a parte inferior direita. Tem 8,1 centímetros de comprimento e 5,2 centímetros
de largura na seção mais larga.

A peça de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-3 corresponde a uma asa


ou pega de uma possível escudela. A sua pasta é laranja avermelhada clara e bem
depurada. Contem vestígios de esmalte branco e decoração a azul que segue as linhas de
relevo da própria peça. A asa não se encontra completa. Tem 4,8 centímetros de
comprimento e 4,2 centímetros de largura na sua seção mais larga.

A peça de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-4 corresponde a uma


pequena tampa de uma caixa. A sua pasta é laranja avermelhada clara e bem depurada.
Contem vestígios de esmalte branco e decoração a azul, cujas linhas numa parte sugerem
a letra B. Tem 5,4 centímetros de comprimento e 5,6 centímetros de largura na seção mais
larga. As fotos não se encontram tiradas sob perspetiva.

A peça de número de inventário LOL16SD11SE2[1154]-32 corresponde a um


gargalo de uma garrafa ou jarro pequeno. A sua pasta segue a tipologia das anteriores.
Encontra-se revestida de esmalte pelo interior e exterior e não possui decoração a azul.
Tem 3,6 centímetros de altura e tem uma espessura de 0,4 centímetros. O seu raio é de
1,5 centímetros.

30
A peça de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-32 corresponde a uma
asa de um possível jarro pequeno. A sua pasta é congruente com a tipologia das anteriores.
Encontra-se revestida de esmalte branco sem decoração a azul. Possui uma altura de 2,8
centímetros e uma espessura de 1 centímetro.

3.4.3. Motivos Decorativos e seus Paralelos


32
O fragmento cujo número de inventário é LOL16SD11SE2[1156]-5 corresponde
ao fundo de uma taça Tipo A. Está coberta por esmalte estanífero e possui decoração
pintada a azul. Os motivos decorativos assemelham-se muito à técnica das espirais
concêntricas. Um possível paralelo a esta decoração foi encontrado na Rua de Buenos
Aires em Lisboa, cujo desenho mostramos de seguida (A.A.V.V., 2011, :397).

O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1154]-33 corresponde ao


fundo de um prato (indeterminado). Encontra-se coberta de esmalte e detém alguns
motivos decorativos a azul, que parecem ser vegetalistas.

O fragmento cujo número de inventário é LOL16SD11SE2[1154]-34


corresponde ao bordo de um prato Tipo 1. Ainda é possível detetar a presença do esmalte
e de decoração pintada a azul, embora o fragmento se encontre danificado por concreções
do depósito. Os seus motivos englobam duas linhas azuis perto do bordo e o que poderá
ser de estilo vegetalista pela aba.

O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-25 é um fundo de


um prato indeterminado. À semelhança das restantes encontra-se esmaltado e pintado a
azul. Para os seus motivos decorativos não encontrámos paralelos.

O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-27 é um bordo de


um prato Tipo 4. Encontra-se esmaltado e pintado a azul. Os seus motivos decorativos
englobam duas linhas azuis perto do bordo e o que aparenta ser de meios círculos pela
aba.

A peça de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-26 é um perfil completo


de um prato Tipo 1. Possui vestígios do esmalte pelas superfícies e alguns restos dos seus
motivos decorativos. A decoração encontra-se separada por cartelas e tem decoração
vegetalista, exemplificada pelas grandes pétalas e folhas. O paralelo mais óbvio a esta
decoração encontra-se no Museu de Vila Franca de Xira e foi documentado por Tânia
Casimiro e João Sequeira (2016-2017, :264), que mostramos de seguida.
O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-28 é um bordo de
um prato Tipo 1. Apresenta além do esmalte, decoração azul dividida por cartelas e parte
do que se assemelha a um aranhão. O fragmento cujo número de inventário é
LOL16SD11SE2[1156]-31 corresponde ao bordo de uma taça Tipo A. Encontra-se quase
coberto de esmalte e possui vestígios de pintura a azul.

O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-30 é um bordo de


uma taça Tipo A. Esta possuí, para além do esmalte, vestígios da decoração a azul, no
qual é percetível uma espiral. O seu paralelo encontra-se também na Rua de Buenos Aires
em Lisboa. (A.A.V.V., 2011, :398)

Peça Tipo C da Casa do Infante


CI/91/1708/038. (SÁ, 2012,
:967)

34
O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-29 é um fundo de
um prato indeterminado. Apresenta esmalte e decoração a azul, neste caso com motivos
geométricos. Os seus paralelos podem ser encontrados na Casa do Infante no Porto e no
Museu de Vila Franca de Xira.

Peça Tipo C da Casa do Infante Museu de Vila Franca de Xira


CI/91/1708/038. (SÁ, 2012, :967) (CASIMIRO e SEQUEIRA,
2016-2017, :264)

O fragmento de número de inventário LOL16SD11SE2[1156]-33 é um fundo de


uma taça Tipo F. Apresenta alguns restos de esmalte nas superfícies e a sua decoração
não é a azul. Aparenta uma tonalidade laranja ou castanha.
3.4.4. Quantificação Geral
Para a quantificação deste universo em estudo seguimos o método do Número
Mínimo de Indivíduos. Contabilizamos então bordos, bojos, fundos e perfis por tipologia
e por unidade estratigráfica. Do total de 659 indivíduos (664 se contarmos com as tampas,
asas e gargalo), apresentamos a contabilização do NMI nas seguintes tabelas.

De modo a termos dados mais absolutos recorremos ao método da regra de três


simples, onde multiplicamos o número total de bordos resultantes das duas unidades
estratigráficas [1154] e [1156] por 100% e dividimos pelo valor total de fragmentos, neste
caso 659. O mesmo processo foi repetido também para os fundos. Para determos um valor
final mais preciso deixamos as duas em casas decimais, tendo em conta que os valores
obtidos são números muito baixos.

Na tipologia de taças observamos que o maior valor obtido relativo aos bordos é
de 22.4%, correspondente às taças de Tipo A e o menor valor obtido é de 0.15%,
correspondente às taças de Tipo G. Relativo aos fundos, o maior valor observado é de
7.13%, correspondente ao Tipo A e o menor valor observado é de 0.15%, correspondente
ao Tipo B, tendo em conta que os Tipos C, D e G não apresentam fragmentos de fundos.

Na tipologia de pratos observamos que o maior valor obtido relativo aos bordos é
de 4.85%, correspondente ao tipo indeterminado e o menor valor obtido é de 0.15%,
correspondente aos pratos de Tipo 2. Relativo aos fundos, o maior valor observado é de
9.25%, correspondente ao tipo indeterminado e o menor valor observado é de 0.30%,
correspondente ao Tipo 1. Os Tipos 3 e 5 não apresentam fragmentos de fundos.

Com estes dados podemos afirmar que, as taças de Tipo A predominam em relação
aos outros tipos, tanto ao nível dos bordos, como dos fundos. E, em relação aos pratos, o
tipo indeterminado é que se salienta mais, tanto ao nível dos bordos, como dos fundos,
seguindo-se do Tipo 4, com valores de 2.12% e 1.51%, respetivamente.

É ainda possível analisar que dentro das taças e pratos, o valor total de bordos e
fundos corresponde a cerca de 61.4%, relativo ao número total geral de fragmentos em
estudo.

36
Taças [1154]

Tipo A Tipo B Tipo C Tipo D Tipo E Tipo F Tipo G Indeterminados

Bordo 58 1 1 3 3 2 1 2

Bojo 71 1 - - - 1 1 4

Fundo 15 1 - - - 2 - 7

Perfil - - - - - - 2 -

Total 176

Pratos [1154]
Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 5 Indeterminados

Bordo 2 - - 3 5 16

Bojo 1 - 2 3 - 8

Fundo - 3 - 4 - 28

Perfil - - - 1 1 -

Total 77
Taças [1156]

Tipo A Tipo B Tipo C Tipo D Tipo E Tipo F Tipo G Indeterminados

Bordo 90 6 1 3 3 2 - 2

Bojo 109 6 - - 1 4 4 17

Fundo 32 - - - 4 2 - 7

Perfil 1 1 1 1 1 - - -

Total 298

Pratos [1156]
Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 5 Indeterminados

Bordo 7 1 4 11 3 16

Bojo 1 1 - 4 - 12

Fundo 2 - - 6 - 33

Perfil 3 1 1 1 1 -

Total 108

38
3.5. Interpretação dos Dados
Este acervo que acabamos de analisar insere-se num contexto de continuidade de
produção oleira caraterística da Mouraria de Lisboa. Os oleiros (entre outros artífices)
muçulmanos, moçárabes e cristãos eram valorizados pela comunidade em geral no que
concerne aos seus dotes artesanais. Com a demanda por cerâmica tipo porcelana chinesa
a baixo custo, a faiança portuguesa conheceu uma produção abundante para abastecer não
só Portugal, mas também a Europa e espaços de expansão.

Apesar de a sua produção se ter iniciado em meados do século XVI, será no XVII
que encontra a sua maior expressão e influências orientais. Esta imitará com sucesso
formas e a decoração chinesa, sendo vendida a um preço mais acessível às populações.

A faiança é feita com argila de elevada plasticidade e a temperaturas reduzidas.


Como é bastante permeável e tem pouca resistência, é coberta por uma camada de esmalte
opaco composto por chumbo e estanho, de modo a aumentar a sua durabilidade. É em
Faenza que surgem as ditas “faianças” com esmalte e, devido às suas tipologias de
fabrico, ganha importância e espalha-se por toda a Europa, difundindo-se principalmente
em Portugal e Espanha. Majólica é a terminologia usada para se designar as loiças
produzidas no território itálico, nomeadamente em Faenza. É importante realçar que
existe uma proximidade entre a majólica e a faiança, possivelmente devido à influência
sofrida. (SEBASTIAN, 2010, :51)

Com o desenvolvimento da técnica de produção oleira de faiança por parte das


oficinas Islâmicas em Espanha, estes a exportam para os restantes países da Europa, entre
os séculos VIII e XV. Estas faianças tinham um aspeto metálico e é a partir daí vai haver
uma grande difusão das formas de fabricos de faianças das produções espanholas, o que
nos revela uma grande inspiração para às produções de faiança portuguesa, pois em
Espanha situavam-se grandes centros produtores. (SEBASTIAN, 2010, :51)

Antes de aparecer o esmalte pré-industrial, nas olarias de Coimbra, mas


certamente noutros ateliers pelo país, usava-se uma mistura proporcional de chumbo e
estanho e até de cloreto de sódio para adquirir, por definição, o esmalte estanífero. Este,
após ser moído, apresentará condições de ser aplicado sobre uma peça previamente
cozida. A principal preocupação com o esmalte será sempre a sua espessura, não deverá
ser em excesso ou insuficiente. (SEBASTIAN e FORMIGO, 2016, :34-35, :61)
A pintura, caraterizada pela sua cor azul, devido ao cobalto, com ou sem contorno
vinoso de manganês, é aplicada sobre o esmalte em cru. Será no tornilho, um género de
roda de oleiro de dimensões mais reduzidas, que a peça é colocada, de forma ao oleiro
não estragar ao esmalte com as mãos ao aplicar a decoração. (BANDEIRA, 2013, :111;
SEBASTIAN e FORMIGO, 2016, :63)

É na decoração que se poderá eventualmente efetuar uma diferença crono-


estilística, mas existe a probabilidade das diferenças nas variantes de um estilo não
indicarem uma cronologia, mas sim uma produção em olarias destintas num mesmo
período de tempo. Reconhece-se que a decoração será sempre influenciada por fatores
internos e externos, visto que também recebe novos motivos decorativos devido à
expansão do império marítimo português. (BANDEIRA, 2013, :113; CASIMIRO, 2013,
:352)

Em 1960, Reynaldo dos Santos levou a cabo a primeira tentativa de atribuição de


uma evolução crono-estilística relativa às faianças. Para isto, Reynaldo dividiu as
produções de faiança em quatro períodos, correspondentes aos quatro quartéis do século
XVII e baseando-se nas peças já datadas que estariam em museus e coleções privados por
todo o país. No entanto, ignora toda a informação arqueológica. (CASIMIRO, 2013, :351-
367)

O primeiro momento da produção de louça esmaltada acontece entre 1520 e 1570.


Estas primeiras datações são possíveis com análise de peças do forno da Mata da Machada
(Barreiro) escavado pelo Dr. Cláudio Torres. Neste contexto também a produção
cerâmica ficou em biscoito. Estas peças aparecem com maior frequência em contextos
palatinos como o palácio do Corpo Santo, ocupado pela família Côrte-Real até aos finais
do século XVI e na Casa do Infante da segunda metade do seculo XVI. Estas primeiras
produções não chegam a todas as classes sociais apenas as mais abastadas (CASIMIRO,
2013, :354).

Entre 1570-1610 encontram-se peças inspiradas nas produções nas porcelanas


Ming do século XVI e inícios do XVII. O que impulsionou os artistas lisboetas a iniciarem
este tipo de produção é desconhecido, mas a proposta mais aceite é a procura destas peças
orientais ser superior à oferta. As formas mais comuns deste período são os pratos e taças
que já não imitam os modelos espanhóis, mas orientais e italianos (CASIMIRO, 2013,
:355).

40
A nível decorativo as peças de influência oriental, são peças com as abas divididas
em cartelas, no interior das quais são desenhadas flores, como os crisântemos e frutas,
como pêssegos, distintas das peças mais estilizadas do período seguinte. São raros os
estilos decorativos dos aranhões. A nível de influência de decorações, da europeia
observa-se as primeiras tentativas de imitação das penas de pavão. Este estilo é comum
nas produções italianas, mas os oleiros portugueses devem-se ter influenciado pelas
produções espanholas (sobretudo de Talavera). Das produções de influência espanholas
surgem as pequenas espirais dentro de cartelas pseudo-geométricas (CASIMIRO, 2013,
:355-356). Segundo estes dados podemos aferir que parte das taças e pratos que foram
analisados encaixam nesta descrição. Contudo, não há no nosso contexto peças que usem
a decoração do tipo penas de pavão. Outro aspeto são as decorações presentes no nosso
estudo serem bastante estilizadas algo mais típico do período seguinte das faianças
portuguesas.

Na nossa opinião, estas peças devem ser de um período compreendido entre 1635
e 1660, descriminado por Tânia Casimiro como o «a época da explosão criativa da
Faiança Portuguesa». As peças têm decoração como: riscas verticais e horizontais,
decorações vegetalistas, elementos das famílias de espirais, os aranhões. Os elementos
como crisântemos, que aparecem neste período não estão presentes no nosso universo de
estudo (CASIMIRO, 2013, :358). É preciso referir que apesar da maioria das peças que
analisámos estão muito fragmentadas e a sua decoração desapareceu ou está impercetível.
É possível que estas terão tido reproduções de paisagens com animais (coelhos aves cães,
entre outros) e o seu habitat natural, copiando modelos chineses de meados do século
XVI. Ou elementos figurativos, de um coração alado envolvido em motivos vegetalistas,
sendo esta uma temática recorrente na faiança portuguesa do século XVII. Estas peças
com este tipo de decoração aparecem no nosso contexto (A.A.V.V.; 1738; 2017).

Temos possíveis paralelos em Lisboa e área evolvente como as peças encontradas


nas entulheiras detetadas no decorrer dos trabalhos arqueológicos na Rua de Buenos
Aires, Lisboa. Sendo estas de produções cerâmicas dos séculos XVII e XVIII (A.A.V.V.,
2011, :393). A partir da leitura do artigo Faiança Portuguesa dos Séculos XVI-XVIII
recuperada no Tejo temos várias peças recuperadas dos bancos de areia do rio entre Muge
e Vila Franca de Xira. Estas peças que não estão associadas a um contexto arqueológico
encontram-se depositadas nas reservas arqueológicas do Museu de Vila Franca de Xira.
A faiança para lá das influências chinesas iria buscar influências europeias como
na majólica Italiana e nas produções espanholas dos oleiros islâmicos que produziram
peças de pastas finas e bem depuradas dos séculos VIII a XV. (SEBASTIAN, 2010, :51)

Portanto, resumindo estas ideias, será no referido Período II, de 1570 a 1610, que
se admite uma decoração de influências exógenas, nomeadamente orientais, prováveis até
de imitar porcelana chinesa. No Período III, compreendido entre 1610 e 1635 que, para
além da forma predominante ser pratos e taças, é o momento em que mais fielmente é
copiado o modelo oriental. Por fim, no Período IV, de 1635 até 1660, nota-se um
acréscimo da produção nos centros produtores, de forma a abastecer tanto Portugal como
colónias e parceiros comerciais, no entanto, em detrimento da qualidade, nomeadamente
no que respeita a pastas e esmaltes. (CASIMIRO, 2013, :355-356, :358)

Com estes princípios, podemos providenciar hipóteses para o descarte dos


fragmentos que compõe esta coleção. Se as peças receberam esmalte é porque se
encontravam em bom estado, portanto terá sido neste estágio que a produção falhou.
Existem três possibilidades: ou o esmalte foi aplicado em demasia, em quantidades
insuficientes ou simplesmente carecia de qualidade. De facto, algumas peças receberam
uma pintura a azul, portanto o esmalte teria sido bem aplicado ou não gastariam recursos
a decorar uma peça defeituosa. Portanto, uma hipótese é um lapso na decoração, o que
levou, ao total deste acervo em si, imperfeito, a ser descartado para dentro de um forno
(o 2) de forma a entulhá-lo e prosseguir com a produção noutro.

42
4. Conclusão
Este universo em estudo proveniente do Largo das Olarias na Mouraria de Lisboa
atesta uma produção cerâmica que comprova uma continuidade no espaço e tempo. Os
oleiros muçulmanos eram valorizados pela sua destreza e talento no que concerne o
artesanato. Logo, facilmente se adaptaram a novas realidades, especialmente a pastas,
formas, produção de esmalte e pintura a azul de cobalto e a uma cozedura de vitrificação.

As faianças produzidas neste local, atestam o uso de barros de proveniência


próxima, pois o atelier devia encontrar-se perto da matéria-prima. Portanto, poderiam
recorrer a dois barreiros documentados e próximos.

Dos fragmentos do qual foi possível verificar decorações, atestamos que se


encontram de acordo com a cronologia e pela influência oriental (uso de motivos
fitomórficos) mas também europeia, o que marca uma persistência das tendências
decorativas provenientes do século XVI.

Dentro deste acervo destacam-se as taças e pratos, com 7 e 5 tipos respetivamente.


Seriam peças destinadas para o consumo de alimentos, tal como atualmente.
Relativamente à tipologia das taças, existe um claro predomínio das de Tipo A face às
restantes. Para a tipologia dos pratos, existem mais fragmentos como indeterminados do
que aos que conseguimos determinar o tipo.

Estes dados evidenciam uma preferência por certas formas (especialmente nas
taças) para a produção. No entanto, estas peças não passaram pelo processo final, a
cozedura de vitrificação, sendo que acabaram por ser descartadas para dentro de um forno
de maneira a entulhá-lo. Damos então algumas hipóteses para as peças não passarem pelo
último estágio de produção, como por exemplo: exagero ou insuficiência do esmalte nas
superfícies, problemas com a constituição do mesmo ou então, falhas no processo
decorativo. Tais problemas terão impossibilitado a continuação do processo.

Este estudo é importante para entender os estágios da produção de faiança


portuguesa e compreender que existem lapsos. Logo, é possível ao investigador opinar os
vários problemas que as técnicas revelariam desde o momento em que a peça sai do forno
pela primeira vez até ao momento em que é esmaltada e decorada e vai ao forno uma
segunda vez para vitrificar.
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