Você está na página 1de 14

Al-Madan e Al-Madan Online

dois suportes... duas publicações diferentes...


o mesmo cuidado editorial

ISSN 0871-066X

revista impressa ISSN 2182-7265


em venda directa
revista digital
[desde 1982] em formato pdf

Última edição: N.º 22, 2019 [desde 2005]


Em preparação: N.º 23, 2020
Últimas edições:
N.º 22, tomo 4, Julho, 2019

toda a informação em... N.º 23, tomo 1, Janeiro, 2020


Em preparação:
http://www.almadan.publ.pt N.º 23, tomo 2, Julho, 2020

revista digital completa em...


edições
http://issuu.com/almadan
EDITORIAL

A
s presentes diversidade e proficiência da Arqueologia portuguesa estão bem patentes
nas páginas deste tomo da Al-Madan Online. Aqui encontramos os resultados de
trabalhos de natureza preventiva, mas também de projectos de investigação plurianual,
em sítios como a Necrópole das Touças (Sabrosa), o Castro das Coroas (Cinfães), as estruturas
defensivas do Cerro do Castelo de Alferce (Monchique) e do Castelo de Miranda do Douro,
o povoado fortificado do Outeiro do Circo (Beja), ou os contextos urbanos da Rua de Santa
Margarida, em Santarém. À diversidade geográfica e de realidades crono-culturais associam-se
diferentes enquadramentos institucionais e abordagens técnico-científicas e metodológicas
Capa | Jorge Raposo multidisciplinares. Estas vão da prospecção de superfície às sondagens de diagnóstico e ao
Montagem sobre fotografia da acompanhamento de obras, incluindo a incorporação da Geofísica, da aerofotogrametria
Necrópole das Touças, sítio arqueológico
de cronologia predominantemente
com drones e da modelação tridimensional de terreno no processo de intervenção e
medieval localizado no Município de investigação arqueológica. Sem esquecer a necessária sociabilização do conhecimento
Sabrosa. Observam-se alguns dos
ortostatos ou pedras fincadas que assim produzido através da Educação Patrimonial.
acompanham as sepulturas e sarcófagos A abrangência geográfica é alargada ao mundo da lusofonia, através de artigo dedicado
escavados na rocha e, em segundo plano,
vê-se ainda um marco de demarcação da aos fornos de cal artesanais de Estaquinha, em Moçambique, que traça paralelos com os
Ordem de Malta datado de 1776. conhecidos em território português, em destaque no tomo anterior.
Foto | © Gerardo Gonçalves e Dina Pereira. Seguem-se estudos sobre os botões de uniformes militares ao tempo da Guerra Peninsular
resultante das invasões francesas (1807-1814), o sinete municipal de Vila Franca do Campo,
na Ilha de S. Miguel (Açores), e a porcelana decorada de uma tipologia muito particular –
kinrande – identificada entre o espólio da Rua da Judiaria, em Almada.
Três temas justificam a livre expressão da opinião de investigadores portugueses: os
II Série, n.º 23, tomo 1, Janeiro 2020 mecanismos de valoração do Património, tendo por base a arte rupestre do Vale do Rio Côa,
em Portugal, e de Siega Verde, em Espanha; as dinâmicas de (re)construção e interpretação
Proprietário e Editor | do Passado em Arqueologia; e o movimento cidadão gerado por obra que afecta a
Centro de Arqueologia de Almada,
Apartado 603 EC Pragal,
Anta 1 de Vale da Lage (Tomar).
2801-601 Almada Portugal A arte de trabalhar o couro volta a merecer publicação, agora com um texto dedicado
NIPC | 501 073 566 aos estojos dos séculos XIII-XIV; outro artigo analisa o impacto das reformas pombalinas em
Sede (proprietário, editor e redacção) | Lisboa, após o terramoto de 1755, no modelo urbano de outras cidades portuguesas e
Travessa Luís Teotónio Pereira,
Cova da Piedade, 2805-187 Almada
brasileiras; um terceiro cruza várias fontes para perceber o que sucedeu à comunidade
Telefone | 212 766 975 muçulmana de Alcácer do Sal após a reconquista cristã, em 1217.
E-mail | c.arqueo.alm@gmail.com Como é habitual, o tomo encerra com noticiário arqueológico variado, recensões e destaques
Internet | www.almadan.publ.pt de livros e revistas apresentados nos últimos meses. Dedica ainda espaço à partilha de
ISSN | 2182-7265 informação sobre eventos científicos e patrimoniais, com balanço de alguns já realizados
Estatuto editorial | e agenda dos entretanto anunciados.
www.almadan.publ.pt
São 180 páginas onde, creio, se encontrarão bons momentos de leitura.
Distribuição | http://issuu.com/almadan
Periodicidade | Semestral Jorge Raposo
Patrocínio | Câmara M. de Almada
Parceria | ArqueoHoje - Conservação
e Restauro do Património
Monumental, Ld.ª / Câmara Resumos | Jorge Raposo (português), Costa, Ana Cruz, Pedro Cura, José C. Quaresma, Jorge M. Resende,
Municipal de Oeiras / Associação dos Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Pedro Dâmaso, Diogo T. Dias, Fernanda Rodrigues, Nuno Santos,
Arqueólogos Portugueses Santos (francês) Mª Isabel Dias, José d’Encarnação, Miguel Serra, Fernando R. Silva,
Apoio | Neoépica, Ld.ª Modelo gráfico, tratamento de imagem Rui R. Filipe, José P. Francisco, Pedro da Silva, Vanessa Sousa,
Director | Jorge Raposo e paginação electrónica | Jorge Raposo Cristina Gameiro, M. García-Heras, Telma Tavares, Ruth Taylor,
(director.almadan@gmail.com) D. García Rivero, Tiago Gil, Célia Félix Teichner, Marco Valente e
Revisão | Rui Eduardo Botas, Fernanda Gonçalves, Gerardo V. Gonçalves, Humberto Varum.
Publicidade | Centro de Arqueologia Lourenço e Sónia Tchissole Silva Florian Hermann, Carlos Jorge,
de Almada (c.arqueo.alm@gmail.com) Colaboram neste número | Francisco Leal, Marta I. C. Leitão, Os conteúdos editoriais da Al-Madan Online
Conselho Científico | Sérgio Amorim, José Arrais, Luísa Virgílio Lopes, Isabel Luna, Andrea não seguem o Acordo Ortográfico de 1990.
Amílcar Guerra, António Nabais, No entanto, a revista respeita a vontade dos
Batalha, Nuno Bicho, Rogério P. de Martins, César Neves, Mª de Fátima autores, incluindo nas suas páginas tanto
Luís Raposo, Carlos Marques da Silva Campos, Fábio Capela, Guilherme Palma, Dina B. Pereira, Franklin artigos que partilham a opção do editor
e Carlos Tavares da Silva Cardoso, António Carneiro, Aníbal Pereira, Rui Pinheiro, Eduardo Porfírio, como aqueles que aplicam o dito Acordo.
3
ÍNDICE

EDITORIAL...3
CRÓNICAS
Projecto Arqueológico
Como é que eu os vou trompicar? | do Outeiro do Circo (Beja):
José d’Encarnação...6 campanha de 2017 | Eduardo
Porfírio e Miguel Serra...64
ARQUEOLOGIA

Necrópole das Touças, em Sabrosa:


santuário medieval ou algo mais? |
ARQUEOLOGIA LUSÓFONA
Gerardo Vidal Gonçalves e Dina
Borges Pereira...9

De Portugal
a Moçambique:
“Um Metro Atrás e memória dos fornos
Não Apanhavas Nada!”: resultados de cal artesanais
preliminares de uma sondagem de Estaquinha
arqueológica realizada na Rua de Santa (Búzi, Sofala) |
Margarida, Santarém | Nuno Santos, Fernando Ricardo
António Carneiro, Vanessa Sousa Silva e Marco
e José Arrais...18 Valente...70

ESTUDOS
O Castro das Coroas
(Ferreiros de Tendais, Cinfães): Desabotoar o Passado II -
um novo contributo para Os Botões de Uniforme
o seu estudo | Jorge Manuel ao Tempo da Guerra
Resende...26 Peninsular: contributo para
o seu estudo | Rui Ribolhos
Filipe...76

Cerro do Castelo
de Alferce (Monchique): O Sinete Municipal
um emblemático sítio arqueológico | de Vila Franca do
Fábio Capela, Félix Teichner Campo: observações
e Florian Hermann...35 preliminares | Diogo
Teixeira Dias...87

Castelo de Miranda do Douro:


breve notícia de uma escavação
arqueológica | Rui Pinheiro, A Porcelana
Pedro Dâmaso, Francisco Leal, Kinrande da
Tiago Gil, Sérgio Amorim e Rua da Judiaria (Almada) |
Carlos Jorge...50 Telma Tavares...94

4 II SÉRIE (23) Tomo 1 JANEIRO 2020


online
OPINIÃO PATRIMÓNIO

Os Valores do Património: uma investigação Artes do Couro no Medievo


sobre os sítios pré-históricos de arte rupestre do Peninsular. Parte 3: os estojos
Vale do Rio Côa e de Siega Verde | dos séculos XIII e XIV |
José Paulo Francisco...99 Franklin Pereira...129

As Reformas Pombalinas
Ensaio sobre a em Lisboa: modelo de
(Re)Construção organização das cidades
Arqueológica como iluministas portuguesas |
Performance | Pedro Rogério Pereira de Campos,
da Silva...114 Fernanda Rodrigues,
Aníbal Costa e Humberto
Varum...137

Manifesto Vale
da Lage 1 (VL1):
tribulação | Ana
Cruz...119

NOTICIÁRIO A Comunidade Muçulmana


ARQUEOLÓGICO de Alcácer do Sal durante a
Idade Média | Marta Isabel
Convento de Monchique: Caetano Leitão...150
breve notícia da sondagem 20 |
Rui Pinheiro...157

Uma Ocupação da Antiguidade Tardia


EVENTOS
na Aldeia do Penedo (Runa, Torres Vedras) |
Luísa Batalha, Guilherme Cardoso
e Isabel Luna...160 Gestos e Técnicas de Vila Nova Campo Arqueológico de Mértola
de São Pedro: workshops de Arqueologia Distinguido com Prémio da Universidade
Fragmento de Ânfora Africana / Keay 6-7 experimental no Museu Arqueológico do de Córdova | Maria de Fátima Palma
do Vale de Alcântara (Lisboa) | Luísa Batalha Carmo | Pedro Cura, Andrea Martins e Virgílio Lopes...176
e Guilherme Cardoso...162 e César Neves...168
Notícia do XIII Congresso Ibérico de Arqueometria |
Linguística e Epigrafia: em busca Célia Gonçalves, Daniel García Rivero,
da nossa mais vetusta antiguidade! | Maria Isabel Dias, Nuno Bicho, Ruth Taylor e
LIVROS & REVISTAS José d’Encarnação...171 Manuel García-Heras...177

Duas Cidades Romanas, Duas Monografias | São Cucufate: villa romana que é do Povo! | Workshop Identificar, Escavar e Estudar Sítios
José d’Encarnação...163 José d’Encarnação...173 do Paleolítico Superior em Contextos de Arqueologia
Preventiva | Cristina Gameiro...178
Novidades editoriais...165, 7.º LRCW e 5.º SECAH: ceramologia romana
166 e 167 e tardo-antiga | José Carlos Quaresma...175 Agenda de eventos...180

5
ARQUEOLOGIA

RESUMO

O Castro das Coroas é um dos monumentos


arqueológicos com maior potencial científico e turístico
do Município de Cinfães, como se tem vindo
O Castro das Coroas
a argumentar desde a década de 1990.
Alvo de vários estudos e intervenções, o sítio apresenta
quatro linhas de muralhas e várias estruturas internas de
(Ferreiros de Tendais,
planta circular, oval ou angular, tendo fornecido abundante
espólio de superfície, incluindo escória de ferro que parece
indiciar atividade metalúrgica.
Cinfães)
O autor sistematiza o que se conhece de uma ocupação que
remontará ao final da Idade do Bronze, com importante
presença em Época Romana.
um novo contributo
PALAVRAS CHAVE: Idade do Bronze; Época Romana;
Prospecção arqueológica; Povoado.

ABSTRACT
para o seu estudo
The Castro das Coroas is one of the most important
archaeological monuments of the Municipality of Cinfães,
from a scientific and tourist point of view, Jorge Manuel Resende I
as has been claimed since the 1990s.
The site, which has been subjected to several studies
and interventions, presents four rampart lines and several
circular, oval or angular internal structures, including iron
slag, which seems to indicate some form of
metallurgic activity.
The author summarises what is known about the site’s
occupation from the Bronze Age, with an important
Roman presence.

KEY WORDS: Bronze age; Roman times; 1. METODOLOGIA DE PROSPEÇÃO


Archaeological survey; Habitat.

O
RÉSUMÉ s trabalhos de prospeção levados a cabo no Castro da Coroas fizeram parte de
um trabalho de campo mais extenso, que inclui toda a área do vale do Bestan-
Le Castro das Coroas est un des monuments
archéologiques ayant le plus grand potentiel scientifique ça, com vista à caraterização da sua ocupação humana. Tiveram por base a
et touristique de la Municipalité de Cinfães comme ideia proposta nas últimas décadas, que teoriza que, com base em trabalhos de prospeção
cela a été défendu depuis les années 1990.
Cible de plusieurs études et interventions, le site présente sistemáticos, podemos identificar áreas de dispersão de materiais, não necessariamente sí-
quatre lignes de murailles et diverses structures internes de tios arqueológicos, mas que representam importantes locais de atividade humana (RENFREW
plan circulaire, ovale ou rectangulaire, ayant fourni un
abondant matériel de surface, incluant des scories de fer e BAHN, 2004: 78).
qui semblent indiquer une activité métallurgique. Para a área específica do Castro das Coroas, optou-se por uma prospeção de tipo intensi-
L’auteur systématise ce que l’on connaît d’une occupation
qui remonterait à la fin de l’Age du Bronze, de grande
vo, como referida por Nuno BICHO (2006: 98), onde uma equipa de três indivíduos per-
présence encore à l’Epoque romaine. correu o terreno avançando em linhas paralelas espaçados em intervalos regulares. Devido
MOTS CLÉS: Âge du Bronze; Époque romaine;
às caraterísticas do terreno, e a uma equipa reduzida, a distância entre cada elemento era
Prospection Archéologique; Habitat. de 4 a 8 m. Quando eram detetadas estruturas ou outros vestígios de superfície, fazia-se
a sua caraterização numa ficha de campo e identificava-se a sua localização na planta do
sítio. Estes dados eram depois introduzidos numa base de dados informática, onde se
procedia à sintetização dos mesmos.

1
I 2. ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO O Castro das Coroas
Licenciado em Arqueologia, com grau de mestre em está identificado na Base
História e Património (especialização em Mediação
de Dados Endovélico com
Patrimonial) pela Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. Antigo estagiário em Arqueologia na Câmara
Localizada na freguesia de Ferreiros de Tendais (Con- dois CNS: 2988 / 34718,
Municipal de Cinfães (jorge.resende.jmr@gmail.com). celho de Cinfães, Distrito de Viseu – Região Norte, possivelmente devido a
algum erro de relocalização
Por opção do autor, o texto segue as regras
sub-região do Tâmega), mais precisamente no lugar do (http://arqueologia.patrimonio
do Acordo Ortográfico de 1990. Cabouco 1, a área arqueológica das Coroas é também cultural.pt).

26 II SÉRIE (23) Tomo 1 JANEIRO 2020


online
conhecida como Monte das Coroas, Castelo da Coroa de Aldeia ou
Castro Tourão (MONTEREY, 1985: 30) 2. Apresenta as coordenadas
geográficas 41º 3’ 26.903” Norte e 8º 3’ 9.227” Oeste, no ponto
mais alto da acrópole (Fig. 1).
O Castro das Coroas encontra-se implantado no alto de um morro em
esporão (cerca de 554 m) na margem Este do rio Bestança (Fig. 2).
Este curso de água, o maior dentro dos limites do Concelho de Cin-
fães, tem nascente na Serra do Montemuro, no lugar das Portas de
Montemuro, e percorre cerca de 13,5 km com uma direção constante
de Sul-Sudeste para Norte-Noroeste. Em Porto Antigo (freguesia de
Oliveira do Douro), este rio encontra-se com o Douro. A bacia hi-
drográfica desta torrente, localizada entre as bacias do Cabrum (a Es-
te) e do Sampaio (a Oeste), é enriquecida por um grande número de
afluentes e pequenos cursos, desta-
cando-se as correntes tributárias dos 2 FIG. 1 - Localização da área arqueológica do Cabouco
Segundo Mafalda
ribeiros de Ourique e Alhões, na na Carta Militar de Portugal n.º 136, escala 1:25000.
RAMOS (2012: 34, 138),
margem Este, e os ribeiros de Enxe- este Crasto Tauron
corresponderia efetivamente
drô, Prado, Tendais e Canadas, na
ao Castro das Coroas, como
margem Oeste. aparece referenciado nas a grande abundância de granito, do qual predominam os granitos
A Serra do Montemuro (altitude Inquirições de 1258. Onde a biotítico-moscovíticos (cerca de 76 %), com uma maior quantidade
hereditate de termino Sancte
máxima: 1381 m) é um maciço de Marie (in loco, qui dicitur
de rochas porfiroides de grão médio (Granito do Montemuro) subse-
configuração ligeiramente triangular Crasto Tauron) parece quente de elementos de grão grosseiro (Granito de Feirão) e de gra-
e faz parte do conjunto das Mon- localizar-se no limite nitos biotíticos (Granito de Lamego) (VI-
entre as povoações de 4
Augusto Miranda
tanhas Ocidentais. Nela existem Aldeia e Ruivais.
EIRA, 2007: 3-5).
Pinho, inspirado pelo seu pai,
duas orientações imperantes, a mais 3
Estas são de origem José de Pinho (arqueológo),
significativa dirige-se de Norte-Nor- hercínica e tardo-hercínica. embora não fosse arqueólogo
deste para Sul-Sudoeste, outra menos Encontram-se orientadas 3. HISTÓRIA DA INVESTIGAÇÃO de formação, interessou-se por
sobretudo de Norte-Nordeste esta disciplina, em particular
imponente desenvolve-se de Noroes- para Sul-Sudoeste e de pelas metodologias de
te para Sudeste (GIRÃO, 1940: 20). Nordeste para Sudoeste e Ainda que o interesse arqueológico do prospeção. Identificou em
Contudo, serão as falhas geológicas 3 são responsáveis pela Castro das Coroas tenha sido indicado Cinfães, não apenas o Castro
morfologia retilínea dos das Coroas, mas também as
que terão uma influência preponde- cursos de água do Montemuro pelo Eng.º Augusto Miranda Pinho 4 nos Mamoas de Chã de Brinco
rante na configuração do vale do (VIEIRA, 2008: 110, 111). anos 70 de novecentos, é na década se- (PINHO e LIMA, 2000: 7).
Bestança, uma vez que este se desen-
volve numa destas ruturas (de orientação Norte-
-Noroeste / Sul-Sudeste), que percorre o maciço
da serra desde as Portas até ao Douro (TEIXEIRA
et al., 1969: 9).
Do ponto de vista geológico, a Serra de
Montemuro faz parte do sector Ocidental do
Maciço Hespérico (Zona Centro-Ibérica), onde
se incluem as Montanhas Ocidentais do
Portugal Central. A sua principal caraterística é

FIG. 2 - Vista Oeste-Este


do Castro das Coroas.

27
ARQUEOLOGIA

guinte que surgem os primeiros trabalhos arqueológicos no âmbito ro e curso médio do Bestança. Nas prospeções realizadas no castro, foi
do projeto Carta Arqueológica de Cinfães, iniciado pelo Grupo de In- possível identificar diversas estruturas, em parte já nomeadas pela an-
vestigação Arqueológica do Norte (LOPES DA SILVA, 1992: 23; LOPES terior bibliografia, algum espólio de superfície (sobretudo materiais
DA SILVA e CUNHA, 1995: 328, 329). Os primeiros resultados são de cronologia romana), e foi feita uma descrição pormenorizada do
apresentados em comunicação feita no 1.º Congresso Internacional arqueossítio (RAMOS, 2012: 65, 69-70, 184). A segunda dissertação é
Sobre o Rio Douro, em 1986, sendo o Castro das Coroas (referido um trabalho de inventário no Município de Cinfães executado por
como Cabouco) descrito como um povoado fortificado com eviden- Jorge RESENDE (2013). Nos trabalhos de campo realizados, embora
tes vestígios de romanização, onde se destaca a existência de um forno tenha sido possível relocalizar, georreferenciar e fazer o levantamento
cerâmico 5 (LOPES DA SILVA e CUNHA, 1995: 333, 339). Ainda em do sítio, a elevada cobertura vegetal não permitiu identificar elemen-
1986, o sítio seria referenciado por Armando Coelho da Silva na sua tos que não tivessem já sido referenciados na bibliografia (RESENDE,
tese de doutoramento dedicada à cultura castreja no Noroeste de Por- 2013: 105, 264-266, Base de Dados IAC082).
tugal, fazendo parte do Inventário das Estações Castrejas do Norte de Entre setembro de 2015 e agosto de 2016, com vista à promoção tu-
Portugal (SILVA, 1986: 105). rística do Castro das Coroas, preconizaram-se vários trabalhos de pros-
Entre 1996 e 2001, Luís Silva Pinho, como arqueólogo camarário, peção, limpeza e levantamento (fotográfico e topográfico), no âmbito
seria responsável pela coordenação de intervenções não destrutivas de do projeto de estágio profissional em Arqueologia promovido pela
prospeção, limpeza, levantamento e colocação de sinalética no sítio, Câmara Municipal de Cinfães. Os trabalhos de limpeza permitiram a
no âmbito do Projecto PRONORTE, Sub-Programa C (PINHO, 1997b). identificação de diversas estruturas (algumas de planta circular), a re-
O interesse daquele investigador permitiu a identificação de um con- colha de algum material arqueológico de superfície e a criação de uma
junto diversificado de estruturas naquela elevação: quatro linhas de planta interpretativa do local (Fig. 3).
muralha, torreões em aparelho poligonal, vestígios de estruturas no
interior do povoado, gravuras rupestres, tégula / ímbrice, fragmentos
de mó, cerâmica comum e elementos de vidro Isings 3, sigillata his- 4. CARACTERÍSTICAS DO ARQUEOSSÍTIO
pânica e cerâmica cinzenta fina, fazendo ainda referência a “alguns
fustes, um silhar almofadado e um capitel toscano muito erodido” (PI- Com cerca de 6 ha, o Castro das Coroas apresenta uma configuração
NHO e LIMA, 2000: 26; PINHO, 1997a: 26, 27, 50, 51) . Assinala ain- oval e destaca-se na paisagem bestantina, implantado no topo de um
6

da a presença de duas galerias escavadas na rocha (furnas) nas imedia- morro que lhe confere uma vista privilegiada para o território envol-
ções do local (PINHO, 1997a: 50, 68). vente (sobretudo para Norte, Oeste e Sul), destacando-se o vale e a
Com a criação do Museu Serpa Pinto, em 2000, muitos dos materiais foz do Bestança, o Douro e os eixos viários. Na base da colina, encon-
provenientes destes trabalhos serão expostos na exposição permanen- tra-se uma pequena linha de água, hoje praticamente extinta, que po-
te de Arqueologia, onde destacamos os elementos de cerâmica co- dia favorecer a prática da agricultura, apresentando também uma fun-
mum, cerâmica cinzenta fina decorada em brunido, e uma forma em ção defensiva. Atualmente, e embora as estruturas arqueológicas este-
frigideira. jam bem preservadas, o sítio encontra-se com uma cobertura vegetal
Em 2004, no contexto do PNTA/2003 - Serra do Montemuro: ocupação bastante densa 7, o que dificulta o acesso e a circulação no castro. O
humana e evolução paleoambiental, coordenado por Domingos de Je- acesso ao local é feito pelo CM 1027, que faz ligação com a EN 222
sus da Cruz, o sítio seria objeto de novos trabalhos de prospeção, sen- no sentido Norte, e com a EN 321
do observados diferentes troços de para Sul. Geograficamente, fica 7
Destaca-se sobretudo a
amuralhado (em aparelho poligo- 5
Infelizmente, devido à entre as aldeias de Ruivais (a Norte) abundância de giestas (genisteae
nal) e várias células de arte rupestre densa vegetação que se e Aldeia (a Sul). spartium) e fetos (pteridium
encontra na zona Sudeste aquilinum), mas também são
na zona Sudeste do povoado (Fonte: do castro, foi impossível
Com base nos dados obtidos nos comuns espécies de maior porte
Endovelico – http://arqueologia.patri- relocalizar este trabalhos de prospeção do castro, como o castanheiro, o pinheiro
moniocultural.pt/). monumento. propomos descrever as diversas es- bravo (pinus pinaster) e os
6
Pinho faz ainda referência carvalhos (quercus).
Outros trabalhos em âmbito acadé- truturas identificadas, tendo em 8
a um conjunto de machados Mais comuns nas áreas
mico revelam especial atenção ao em bronze encontrados no conta os possíveis vestígios de mura- a Norte, Este e Sudeste,
Castro das Coroas. O primeiro, ela- Castro das Coroas “cujo lha 8, as células intramuros, o espólio não sendo identificadas
borado por Mafalda RAMOS (2012), paradeiro se desconhece” de superfície e outros elementos de estruturas a Sul e a poente,
(PINHO e LIMA, 2000: 16). o que não significa que não
teve por base a análise do povoa- Contudo, não indica a fonte interesse arqueológico que distin- existam, podendo estar
mento medieval entre o Montemu- desta informação. guimos no lugar do Cabouco. ocultas pela vegetação.

28 II SÉRIE (23) Tomo 1 JANEIRO 2020


online
4.1. AS LINHAS DE MURALHA

As estruturas arqueológicas do Castro das


Coroas que mais se destacam na paisa-
gem são, sem dúvida, as muralhas.
Embora Mafalda RAMOS (2012: 70)
apenas refira três linhas de amura-
lhado, existem na realidade quatro,
como desde logo referia Luís Silva PI-
NHO (1997a: 26) (Fig. 3). Os quatro
troços por nós identificados estão
organizados em volta do povoado
e são construídos em pedra graní-
tica da região, seca e aparelhada,
por vezes esquadriada, apresen-
tando ocasionalmente elementos
de terra e pedra miúda, e inte-
0 30 m
gram, quando possível, os aflora-
mentos rochosos na sua constru-
ção. O total destas linhas apenas é
percetível nas vertentes Norte e
estruturas de muros
Este, sendo que, na zona Oeste,
apenas foram identificadas a 3.ª e afloramentos rochosos
4.ª linhas. Na parte Sul-Sudeste, linha de água
os vestígios de muralha parecem
estruturas
inexistentes, embora a densa vegeta-
cruz gravada na rocha
ção dificulte a observação. Luís Sil- cavidades escavadas na rocha (furnas)
va PINHO (1997a: 27) refere mesmo FIGS. 3 E 4 - Planta assento de mó escavado na rocha
que nesta área “a encosta rochosa e esquemática do Castro fragmentos de movente de mó
das Coroas, com base nos
abrupta, constitui a única estrutura defensiva”. trabalhos de prospeção.
núcleos de arte rupestre
Estes vestígios tornam-se muitas vezes difíceis zonas de concentração de tégula / ímbrice
Em baixo, aspeto da perfuração
de caraterizar, devido à existência de um grande zonas de concentração de escória de ferro
para o escoamento de água na 1.ª
número de muros de divisão de propriedade, que fo- linha de muralha virada a Este. 1 e 2: torreões
ram construídos com materiais provenientes da muralha
e de outros pontos do castro.
A primeira linha defensiva apresenta uma forma irregular, nomeada-
mente na zona Norte-Noroeste, notando-se, contudo, uma clara ten-
dência oval na sua configuração. Esta linha de muralha apresenta apa-
relho irregular, constituído por rochas de dimensão média, sumaria-
mente trabalhadas. A sua altura máxima é de 1,55 m e a largura é de
50 cm. A Nordeste, foi identificado um troço de muro em aparelho
retangular / subquadrangular de silhares esquadriados de grande por-
te. Aqui encontra-se uma perfuração retangular (35 por 23 cm) para
o escoamento de águas com rego de drenagem associado, elementos
já referidos na bibliografia (PINHO, 1997b: 27; RAMOS, 2012: 84, 85)
(Fig. 4).

29
ARQUEOLOGIA

A segunda linha é também de configuração irregular, apresentando trução, foram reaproveitados alguns materiais, como a já referida ce-
grandes discrepâncias na zona Norte e estabilizando a forma à medida râmica de cobertura para o enchimento e, pelo menos, um fuste de
que se desenvolve para Sul, notando-se igualmente tendências ovoi- coluna para o muro (Fig. 6). É possível que se trate de um muro de
des. Tal como a primeira linha defensiva, os vestígios destes muros divisão de propriedade, embora a sua técnica construtiva diferencie
são mais comuns nas áreas a Norte, Este e Sudeste. A estrutura defen- das restantes estruturas divisórias do local, apresentando caraterísticas
siva apresenta aparelho irregular constituído por rochas de dimensão semelhantes a estruturas defensivas castrejas tardias (SILVA, 1984:
média, sumariamente trabalhadas. A altura máxima é de 1,50 m e a 123). Pode tratar-se de um testemunho da diminuição populacional
largura é de 60 cm. Na parte Nordeste, a estrutura foi completamente do castro, que levaria à diminuição da área ocupada e, consequente-
desmantelada, sendo apenas visíveis os entalhes feitos na rocha. À me- mente, da área amuralhada, ou de uma estrutura delimitadora de es-
dida que nos dirigimos para Sul, os vestígios pétreos vão ressurgindo paços.
e os fragmentos de tégula e ímbrice tornam-se também mais comuns.
Nesta área, foi identificado um troço de muro em aparelho poligonal 4.2 AS ESTRUTURAS INTRAMUROS
e uma estrutura semicircular com cerca de 90 cm de altura e derrube
pétreo no interior, a qual poderá constituir um torreão. Na área intramuros, são identificados alicerces de muros, derrubes de
A terceira linha parece apresentar uma configuração semicircular. Os grandes dimensões e grande quantidade de cerâmica de cobertura,
vestígios destes muros são comuns em todo o povoado, exceto na zo- que parecem indicar a existência de edifícios de grande envergadura.
na a Sul. Estas estruturas apresentam aparelho poligonal, alternado Destacam-se aqui quatro estruturas circulares, três detetadas em tra-
ocasionalmente com aparelho irregular. Os muros são constituídos balhos de prospeção direta, outra apenas percetível através de fotogra-
por rochas de média e grande dimensão, onde a maioria dos
silhares são trabalhados. A altura máxima supera o 1,50 m e
a largura máxima é de 90 cm. Na zona Norte, foi identifica-
do um torreão de forma semicircular (direcionado a Norte).
A estrutura apresenta um raio de cerca de 2,40 m (em rela-
ção à 3.ª linha de muralha), e é construída em aparelho poli-
gonal, sendo que a altura máxima preservada é de 78 cm.
No que toca à quarta linha defensiva, estamos perante uma
estrutura semicircular que se desenvolve em volta da acrópo-
le do castro, servindo-lhe mesmo de contraforte nas verten-
tes Norte, Este e Sudeste, enquanto a zona Sul parece ser des-
provida deste troço de muralha. É a estrutura defensiva me-
lhor preservada e apresenta maioritariamente aparelho qua-
drangular irregular e poligonal na zona Este, constituído por
rochas de média e grande dimensão, sendo os silhares quase
sempre aparelhados. A altura máxima do muro é superior a
1,50 m e a largura ultrapassa em alguns pontos um metro
(Fig. 5).
No interior do povoado, dividindo a acrópole em duas par-
tes, encontra-se uma linha de muro direcionada de Este para
Oeste. Esta apresenta dois paramentos em aparelho poligo-
nal (alternado com irregular) e enchimento de pedra miúda,
terra e pequenos fragmentos de tégula. A altura máxima do
muro é de 1,48 m e a largura de um metro. Para a sua cons-

FIGS. 5 E 6 - Em cima, aspeto da 4.ª linha de


muralha virada a Oeste, junto à acrópole.
Em baixo, pormenor do derrube da linha de
muralha interior, onde é possível ver o enchimento
de pedra miúda e fragmentos de tégula.

30 II SÉRIE (23) Tomo 1 JANEIRO 2020


online
fia aérea. A estrutura melhor preservada (estrutura 1) encon-
tra-se na zona sul da acrópole e tem cerca de 3,80 m de diâ-
metro, com muros de 65 cm de largura. Neste setor, foi ain-
da identificada outra estrutura, de planta oval, com uma al-
tura de muro visível de cerca de 70 cm (Figs. 7 e 8). Estes ele-

FOTO: António Manuel Veiga (com drone, 2016).


mentos encontram-se em paralelo com estruturas de planta
angular. Estas últimas são, contudo, dominantes, surgindo
diversos entalhes nos afloramentos que deixam antever mu-
ros, e mesmo negativos de estruturas de planimetrias retan-
gulares / quadrangulares (Fig. 9). Ao contrário das constru-
ções redondas, que teriam telhado de colmo, estas apresen-
tariam uma cobertura cerâmica, tal como se pode verificar
através dos testemunhos de tégula e ímbrice que se encon-
tram em abundância no castro. Estas estruturas são construí-
das, na sua maioria, em granito. Contudo, foram encontra-
dos alguns elementos de xisto e tijolos que parecem antever
estruturas em alvenaria. Foram ainda identificadas diversas
perfurações circulares nas rochas, nomeadamente na zona
central da acrópole e na parte Sul do castro, as quais possi-
velmente serviriam para sustentar vigas de madeira.

4.3. O ESPÓLIO DE SUPERFÍCIE

Do espólio de superfície destacam-se dois fragmentos de mo-


vente de mó manual giratória (11 e 18 cm de raio), que, a
juntar um assento de mó escavado na rocha (47 cm de diâ-
metro) identificado na zona Sul do povoado, indicam que a
moagem do cereal seria uma das atividades praticadas.
No que toca à cerâmica, foram identificados diversos bordos, fundos
e bojos de feição comum, sobretudo elementos de pasta oxidante e
cozedura redutora feitos à roda 9. As formas são, na maioria, simples
e sem decoração complexa. Destacamos, contudo, um fragmento de
prato (Fig. 10a), um bordo de um recipiente tipo dolium, um elemen-
to com decoração incisa em bandas horizontais (Fig. 10b), e raros
fragmentos de cerâmica cinzenta fina. Note-se que os elementos en-
contrados, mesmo os referidos pela
9
bibliografia, são claramente já de Muitos destes
elementos encontram-se
Época Romana, alguns, como a cerâ- bastante rolados e afetados
mica cinzenta, datáveis do século I. pelo fogo.

FIGS. 7 A 10 - Em cima, fotografia área do povoado, com uma


das estruturas redondas (assinalada com a seta vermelha).
Ao centro, aspeto da estrutura circular 1, zona sul da acrópole.
Em baixo, entalhe feito na rocha para encaixe de silhar
esquadriado de configuração quadrangular.
À direita, desenho arqueológico de dois elementos cerâmicos
encontrados no castro: A) fragmento de prato rústico de pasta
avermelhada; B) fragmento de bojo com decoração incisa em
possíveis bandas horizontais, de pasta cinzenta clara. 0 15 mm

0 5 cm

31
ARQUEOLOGIA

Na zona Este do povoado, encontrou-se grande con-


centração de escória de ferro, elementos que parecem
indicar atividade metalúrgica no interior do Castro
das Coroas. A prática era comum na área correspon-
dente à freguesia de Ferreiros de Tendais, como se po-
de verificar na bibliografia (PINHO, 1997a: 70, 71;
RAMOS, 2012: 40, 75, 184, 217, 225-226, 230). O
próprio topónimo Ferreiros, documentado desde a
Idade Média, parece ser indicativo de uma zona onde
existia uma preponderante indústria ligada ao traba-
lho e fundição de ferro.
FIG. 11 - Cruz patada gravada na rocha junto
ao caminho que dá acesso ao castro.
4.4. OUTROS VESTÍGIOS ENCONTRADOS NO SÍTIO

No lugar do Cabouco, associados ou não ao Castro das Coroas, en- Um outro motivo religioso, de cronologia indeterminada, foi gravado
contramos outros vestígios arqueológicos, a maioria de cronologia in- junto ao caminho que dá acesso ao castro. Trata-se de um cruciforme
determinada, que consideramos importante referir. O uso do lugar patado, que se encontra num pequeno afloramento no cruzamento
para o pastoreio e a agricultura teve consequências na paisagem, com
10
entre o caminho pedestre que liga ao Cabouco e o caminho munici-
a construção de pelo menos três palheiros nas imediações do povoa- pal. É possível, devido à sua localização, tratar-se de um elemento
do. A destacar um de maior dimensão na zona Sudeste, apresentando apotropaico, tendo em conta que o lugar em questão é povoado por
uma eira que se desenvolve no seu lado esquerdo. lendas de Mouros 11 (Fig. 11).
Junto ao CM 1027-1, a cerca de 125 m do povoado, encontram-se Nas imediações do Castro das Coroas, existem três cavidades escava-
umas alminhas construídas em 1861 (segundo se encontra inscrito no das no saibro 12, a que na região se dá o nome de furnas, e estão mui-
monumento). Trata-se de um santuário cristão constituído por uma tas vezes relacionadas com habitat altimedieval, cortes, arrumos e habi-
grande estela de granito, suportada por uma base de configuração re- tat contemporâneo 13. A cerca de 100 m a Este do povoado, encon-
tangular, assente num afloramento de granito aplanado, encimado tra-se um conjunto de dois destes elementos. O monumento 1 apre-
por uma cruz. Na zona central foi gravada uma moldura, ladeada por senta cerca de 3,70 m de comprimento e 2,20 m de altura máxima.
pilastras e rodeada por motivos vegetais (ramos
de oliveira), no centro da qual se encontra um
nicho fechado com portinhola metálica. Sobre 10
O sítio, devido à beber. Esta lenda tem procura de algo de valor no
este encontra-se gravado um pequeno crucifor- irregularidade do terreno e ao claras semelhanças com outra Castro das Coroas, “ou encontra
caos de blocos consequente do do Concelho de Cinfães. o ouro, ou encontra a fome,
me latino. No interior da edícula, foi colocado derrube das estruturas No Castelo de Sampaio ou encontra a guerra”.
um azulejo com a representação de Nossa Se- arqueológicas, é sobretudo (São Cristóvão de Nogueira), 12
Os monumentos 1 e 2
nhora da Conceição, e dois anjos que parecem usado como zona de pastoreio, também um povoado castrejo, foram já referidos pela
o que contribui para o excelente conta-se exatamente a bibliografia (PINHO, 1997a:
salvar crentes do purgatório. Por baixo, destaca- estado de conservação dos mesma narrativa. Desta feita, 50, 68; RAMOS, 2012:
-se a caixa de esmolas, fechada por portinhola vestígios arqueológicos. os Mouros levariam os cavalos 184-186, 295).
11 13
metálica e ladeada por motivos vegetais. Destacamos duas das a beber ao rio Sampaio. A cronologia deste tipo
narrativas que nos foram Os locais falam também da de galerias é, por vezes,
contadas pela população local. existência de três galerias difícil de determinar.
Segundo os locais, existe no subterrâneas escondidas no Para mais informações
Castro das Coroas um túnel povoado. Cada uma delas sobre as furnas no vale do
que liga ao rio Bestança, encerraria, respetivamente, Bestança, ver a dissertação
por onde os Mouros levavam um tesouro em ouro, a fome de mestrado de Mafalda
os cavalos para lhes dar de e a guerra. Assim, quem for à RAMOS (2012).

32 II SÉRIE (23) Tomo 1 JANEIRO 2020


online
Planta
Tem dois compartimentos mais pequenos (um com cerca de 1,80 m
de comprimento) e um nicho na parede do lado esquerdo (Fig. 12).
A cavidade 2 apresenta cerca de 4 m de comprimento e 2,20 m de
altura máxima. No interior, são visíveis diversas perfurações de di-
mensões variadas. A entrada de ambas as cavidades foi reforçada por
uma estrutura pétrea, tendo as galerias planta circular / semicircular.
Do lado oposto do CM 1027-1, encontram-se os vestígios de uma
outra galeria praticamente destruída. Contudo, é possível identificar
diversas pedras toscamente trabalhadas, que podem fazer parte de
uma estrutura que reforçaria a entrada. Apesar de ter abatido sobre si,
Perfil A-A’
é possível determinar o comprimento (3,58 m) e a largura (2,20 m)
da cavidade. Segundo a população local, era usada como corte.

5. POSSÍVEL TRAÇADO CRONOLÓGICO DO SÍTIO


FIG. 12 - Planta e
perfil da furna 1 do Cabouco,
Traçar cronologicamente a ocupação humana do Castro das Coroas segundo Luís Silva PINHO
0 3m
com precisão é um exercício difícil, na medida em que os dados em- (1997a: 68).
píricos resultantes de estudos concretos e científicos, através de meto-
dologia arqueológica, são inexistentes. Como tal, atendendo aos estu-
dos realizados de natureza não intrusiva no solo, apenas podemos de-
linear algumas hipóteses do que terá sido a ocupação do sítio. terá contribuído para o seu desenvolvimento à época. Trata-se da
Ainda que os dados relativos ao início da ocupação sejam escassos, é estrada referida na documentação medieval como “carraria antiqua”,
possível que esta tenha tido um foco ocupacional no período normal- que ligava Bracara Augusta (Braga) a Emerita Augusta (Mérida), e
mente denominado de Bronze Final. Esta ideia já tinha sido proposta que, depois da travessia por barca do Douro em Porto Antigo, subia
por Luís Silva Pinho, referindo o achado de machados de bronze 14 e a Serra do Montemuro (ALMEIDA, 1968: 41; DIAS, 1996: 43; DIAS,
a existência de arte rupestre composta por fossetes como prováveis evi- 1997: 299, 356; DIAS, 2013: 51-52, 55-56; PINHO et al., 1998: 37-
dências da ocupação do sítio, propondo a possibilidade de este ter ti- -38; PINHO e LIMA, 2000: 25-26, 48-49). No Castro das Coroas, são
do uma função de controlo sobre o vale do Bestança (PINHO, 1997a: claramente identificadas técnicas romanas nos silhares esquadriados e
27; PINHO e LIMA, 2000: 16). Contudo, refere que “não nos é permi- almofadados, nas pedras trabalhadas, nos elementos de colunatas en-
tido, face ao conhecimento atual, indicar se politicamente e socialmente” contrados e no uso da cerâmica de cobertura. O capitel toscano en-
este local exercia “algum tipo de capi- contrado, como sugere Luís Silva Pinho, poderá corresponder a um
14
talidade” (PINHO e LIMA, 2000: 21). Como se encontra elemento de uma estrutura com pórtico (PINHO e LIMA, 2000: 26).
referido na nota 6, Pinho não
O início da ocupação romana do As quatro linhas de muralha identificadas serão também uma cons-
nos dá referências sobre onde
Castro parece verificar-se logo no sé- obteve informação sobre estes trução (ou reconstrução) romana, tendo em conta as técnicas aqui
culo I 15 (PINHO, 1997a: 30-31; PI- achados, nem faz qualquer utilizadas. Os materiais de superfície também atestam a ocupação en-
descrição destes. Contudo,
NHO et al., 1998: 15-16; PINHO e tre os séculos I e II, nomeadamente fragmentos de sigillata hispânica,
e com base num recente estudo
LIMA, 2000: 29). Durante este pe- relativo a elementos semelhantes o vidro Isings 3 e a cerâmica cinzenta fina (PINHO, 1997a: 26, 27, 50,
ríodo e a centúria seguinte, o local na zona do Montemuro 51, PINHO e LIMA, 2000: 26; RAMOS, 2012: 184).
(e na sua envolvente), poderão
terá tido um estatuto urbano, de ti- tratar-se de machados de
Quanto à ocupação (ou reocupação) do sítio na Alta Idade Média,
po castella (PINHO, 1997a: 31; PI- tipologia e cronologias diversas, surgem algumas dúvidas. Mafalda Ramos, que realizou prospeções no
NHO e LIMA, 2000: 26). Como que poderão pertencer ao Cabouco no contexto da sua dissertação de mestrado, não nega com-
espetro que vai do
acontece em povoados semelhantes, Calcolítico ao Bronze Final
pletamente uma ocupação medieva do povoado. Contudo, não obser-
vai haver uma crescente urbanização (CRUZ et al., 2018: 64-76). vou elementos materiais que a comprovassem, referindo a possibili-
do sítio, sendo esta feita à moda e 15
Esta é também a dade de uma nova ocupação como local de vigia / refúgio ou “habitat
com a organização mediterrânica. A cronologia dada ao início da familiar” ligado à pastorícia e à caça, apontando ainda as duas cavida-
romanização da área integrada
presença de uma via romana nas hoje no Concelho de Cinfães des escavadas no saibro, a Este do povoado, como possíveis assenta-
imediações do povoado, também (PINHO et al., 1998: 14). mentos rupestres medievais (RAMOS, 2012: 69-70).

33
ARQUEOLOGIA

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em jeito de conclusão, podemos dizer que o Castro das Coroas, ten- co, e que um estudo mais aprofundado do mesmo não iria apenas
do em conta os vestígios arqueológicos caraterizados ao longo dos tra- contribuir para uma melhor compreensão da História da região, mas
balhos, apresenta um grande potencial, tanto científico como turísti- também para o desenvolvimento da mesma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira (1968) – Vias Doutoramento em Biologia, Faculdade de Ciências Arqueológico do Município de Cinfães:
Medievais. I. Entre Douro e Minho. Dissertação de e Tecnologia da Universidade de Coimbra. um programa de dinamização patrimonial”.
Licenciatura em História, Faculdade de Letras da GIRÃO, Aristides de Amorim (1940) – Montemuro: Terras de Serpa Pinto. Cinfães: Câmara Municipal
Universidade do Porto. a mais desconhecida Serra de Portugal. Coimbra: de Cinfães. 7: 79-99.
BICHO, Nuno (2006) – Manual de Arqueologia Coimbra Editora. PINHO, Luís M. da Silva e LIMA, António Manuel
Pré-Histórica. Lisboa: Edições 70. LOPES DA SILVA, Eduardo Jorge (1992) – (2000) – Antes de Cinfães: da pré-história à idade
CRUZ, Domingos J.; FERNANDES, Diana; “Carta Arqueológica de Cinfães: o porquê de média. Cinfães: Câmara Municipal de Cinfães
ARMADA, Xosé-Lois e VILAÇA, Raquel (2018) – um projecto”. Terras de Serpa Pinto. Cinfães: (Monografia do Concelho de Cinfães, vol. II).
“Considerações sobre a Pré e a Proto-história da Câmara Municipal de Cinfães. 2: 23-29. PINHO, Luís M. da Silva et al. (1998) – Roteiro
Serra do Montemuro e seu Aro (Centro-Norte de LOPES DA SILVA, Eduardo Jorge e CUNHA, Arqueológico de Cinfães. Cinfães: Câmara Municipal
Portugal): artefactos metálicos e seu contexto”. Ana Maria C. Leite da (1995) – “Inventário de Cinfães.
CuPAUAM - Cuadernos de Prehistoria y Arqueología. Arqueológico do Concelho de Cinfães: RAMOS, Mafalda Sofia Gonçalves (2012) – Para o
Madrid: Universidad Autónoma de Madrid. primeiros resultados”. GAYA - Revista do Gabinete estudo do Montemuro na Idade Média (sécs. V a XII):
44: 59-80. de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia. entre a serra e o curso médio do Bestança. Dissertação
DIAS, Lino Tavares (1996) – “Contributo para a Vila Nova de Gaia: GHAVNG. 6 (1988-1994): de Mestrado em Arqueologia e Território:
Análise do Ordenamento Romano do Território 325-340 Especialização em Arqueologia Medieval,
Marginal do rio Douro”. In Douro - Estudos e (1.º Congresso Internacional Sobre o Rio Douro). Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Documentos. Porto: Universidade do Porto. MONTEREY, Guido de (1985) – Terras ao Léu - RENFREW, Colin e BAHN, Paul (2004) – Archaeology.
1 (2): 31-56. - Cinfães. Porto: Edição do Autor. Theories, Methods and Practice. Londres:
DIAS, Lino Tavares (1997) – Tongobriga. PINHO, Luís M. da Silva (1997a) – Thames & Hudson.
Lisboa: IPPAR. Património Arqueológico do Vale do Bestança. RESENDE, Jorge Manuel (2013) – O Inventário
DIAS, Lino Tavares (2013) – “Estradas Antigas Cinfães: Associação para a Defesa do Arqueológico de Cinfães - Uma Reflexão: o inventário
em Montemuro”. Prado. Viseu: Associação de Vale do Bestança. como ferramenta de Gestão, Divulgação e
Defesa do Vale do Bestança. 5: 45-57. PINHO, Luís M. da Silva (1997b) – “Projecto Conservação do Património Arqueológico.
DOMINGUES DE ALMEIDA, João (2009) – Flora e PRONORTE Sub Programa C. Inventário, Dissertação de Mestrado em História e Património,
Vegetação das Serras Beira-Durienses. Dissertação de Conservação e Valorização do Património Especialização em Mediação Patrimonial,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
PUBLICIDADE SILVA, Armando Coelho Ferreira da (1984) –
“A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal:
habitat e cronologia”. PORTVGALIA. Porto:
Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Al-Madan Nova Série. 4-5: 121-129.
SILVA, Armando Coelho Ferreira da (1986) –
A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal.
também em papel... Dissertação de Doutoramento em Pré-História e
Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade
revista impressa em do Porto.
venda directa TEIXEIRA, Carlos et al. (1969) – Carta Geológica de
Portugal na Escala 1:50 000. Notícia Explicativa da
Pedidos: Folha 14-A (Lamego). Lisboa: Serviços Geológicos
Centro de Arqueologia de Almada de Portugal.
Tel. / Telm.: 212 766 975 / 967 354 861 VIEIRA, António (2007) – “A Morfologia Granítica
E-mail: c.arqueo.alm@gmail.com e o seu Valor Patrimonial: exemplos na Serra do
Montemuro”. In VI Congresso da Geografia
Portuguesa (Lisboa, 17-20 Out. 2007). Lisboa.
outra revista... VIEIRA, António (2008) – Serra de Montemuro:
edição ...o mesmo cuidado editorial dinâmicas geomorfológicas, evolução da paisagem e
património natural. Dissertação de Doutoramento
em Geografia, Faculdade de Letras da Universidade
mais informação: http://www.almadan.publ.pt
de Coimbra.

34 II SÉRIE (23) Tomo 1 JANEIRO 2020


online

Você também pode gostar