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lV Encontro de Olaria Tradicional de

Além dos textos publicados nestas actas, no [V Encontro de Olaria Tradicional de Matoímhos foram ainda apresentadas âs seguintes comunicações:
O pão-de-ló e o doce de Barca-Cellus, poÍ Maria Alice Matos e Ol.aria Tradíclanal em Cabo Verde, porJoão Lopes Filho.

T-rtulo

Actas do IV Encontro d€ Olâf,ta Trzdiclonal de Matoslnhos

Coordenação

Joel cfeto .José Manuel Varela

Design Gúfico
Nrmo leal

Execução Gúfica
ROCIIA/af,3es gráffcas, lda"

Edição
CÍlmara Muntcipal de Matostnhos
cablocte Muafdpaf deÂryucolqlr e trtúóútt

Depósito Legal
t4ú50/N
SBN

972-9t4h3r-5

@ Câmara Municipal de Matosinhos' Dezembro 1999


i.L-TAS t)ü iii l:\Lii\-iR(ì DL ï_,\Lilììì -i

rocuramos neste curto apontamento apresentado faiança, é constituida por louça utilizada
ao "IV Encontro de Olaria de Matosinhos" pôr preferencialmente nas cozinhas. No entanto. obeert:a-r
em relevo algumas tendências evolutivas da a tendência ao longo da série - do séc. X!.I ao Xf,Itr -
louça de cozínha - em particular da louça de fogo - para a progressiva diminuição da louça comum
detectadas no estudo de 4 conjuntos cerâmicos (vermelha ou preta) e o paralelo crescimenro da louça
procedentes de contextos arqueológicos de êpoca de faiança, ao mesmo tempo que a louça vidrada a
moderna ultimamente realizado na Casa do Infante. A chumbo cresce inicialmente paÍa estabilizar em
exposição completa dos resultados deste estudo bem seguida. Ao longo da série parece perceber-se assim
como a discussão das questões metodológicas nele que cada vez menos se utilizava a cerâmica nas
implicadas poderâ encontrar-se em três artigos cozinhas, substituida pelo metal, e era no serviço de
colectivos publicados nos volumes das actas das "II e III mesa e na decoração que, com a faiança, a cerâmica
Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-Medieval" encontrava um novo lugar no quotidiano.
(BARREIRA, DORDIO e TEDGIRA, 1998; CASTRO,
DORDIO E TEIXEIRÂ, 2000) e no na 2 da revjsta Olafia Entre a louça de cozinha tem particular destaque a
(TEIXEIRA e DoRDIO 1998). louça de ir ao fogo. São peças facilmente identificáveis
pelos abundantes restos de cinzas e marcas de fogo nas
Este apontamento insere-se num trabalho de paredes exteriores em resultado de uma prolongada
investigação que desenvolvemos em colaboração no utilização na preparaçâo dos alimentos ao lume. Três
âmbito das escavaçÕes arqueológicas da Casa do formas principais e genéricas constituem alarga maioria
Infante e do projecto PROCEN o qual reune desde 1996 desta cerâmica. São elas (1) a panela ou púcara, (2) a
um grande número de investigadores interessados no caçoila, tacho ou tigela de fogo e (3) a sertâ ou
estudo da história das produções cerâmicas do Norte de frigideira.
Portugal. Em relaçâo estudo das cerâmicas
^o
arqueológicas, em que o nosso trabalho se insere mais A panela é uma forma fechada, paredes altas, perfil
de perto, procuramos desenvolver duas principais convexo estreitando para o fundo e para aboca o que.
linhas de investigação: se facilita a cobertura com um testo, torna dificil a
manipulação ou mesmo a visualização do andamenro
i) a ordenação das cerâmicas arqueológicas da cozedura dos alimentos no seu interior. É uma
através da identificação dos grupos de fabrico e das forma adaptada às cozeduras demoradas em grande
respectivas proveniências, com o apoio de análises quantidade de meio líquido como os caldos. As peças
laboratoriais das pastas; podem ser de louça preta ou vermelha mas nunca
vidrada.
ii) a selècção de uma amostra constituida por
conjuntos cerâmicos fechados, com cronologia A caçoila é uma forma aberÍa de fundo raso, paredes de
identificada, que são oblecto de contagens e de estudo altura mêdia mas mais altas do que a sertã, inclinadas
quantitativo; a seriação dos resultados permite depois para o exterior, com duas asas ou uma pega horizontal
perceber linhas de tendência e evolução no tempo. e por vezes bico para verter. Também pode ser coberta
com testo mas o perfil e as proporções facilitam a
Recentemente a nossa investigação estudou uma série manipulação e a visualização dos aÌimentos que estào a
de 4 conjuntos cerâmicos selecionados entre o espólio ser cozinhados. As peças são de Ìouça preta ou vidrada.
da Casa do Infante que constitui uma amostragem das
cerâmicas do séc. XVI (Depósito 1), do 1a terço do séc. A sertã é outra forma alserta de fundo raso, paredes
XVII (Depósito 2), do 3q quartel do séc. XVII (Depósito baixas e inclinadas, podendo mostrar-se oblíquas ou
3) e do 3e quartel do séc. XVIII (Depósito 4). arqueadas, apresentando duas ou quatro asas redondas
Tipológicamente, a enorme quantidade e variedade horizontais junto do bordo. A manipulaçào e a
cerâmica encontrada foi ordenada segundo 15 ou 16 visualização dos alimentos que estão a ser cozinhados
formas principais cuja designação se baseia em temos estão aqui muito facilitadas numa forma bem adaptada
de uso corrente e etnográfico. A grande maioria desta a cozeduras râpidas em meio líquido gorduroso. ,{s
louça, e em particular a comum, excluindo portanto a peças são sempre de louça vidrada.

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O Quadro 1 mostra o universo de peças em estudo 2. confirmação do gosto pela louça preta
distribuidas pelas categorias de forma e fabrico ' apesar da concorrência da louça vidrada;
consideradas e pelos 4 depósitos ou conjuntos seriados. 3, substituição da louça do Prado pela louça
A unidade de medida utilisada foi a "peça representada" duriense.
(p.r.) através do nq minimo de bordos tendo sido O gráfico 1, em que se consideraram apenas as categorias
contadas um total de 779 "peças representadas". As de forma (panela, caçoila e sertã) independentemente do
categorias de fabrico presentes na louça de fogo são a fabrico e proveniência, ilustra
tendência para a a
louça vermelha com provável origem nas olarias do progressiva diversificação nos tipos de forma. A partir do
Prado (VERPR), a louça com vidrado de chumbo e a séc. X\,ï observa-se o aparecimento de novas formas
mesma proveniência provâvel (VCHPR), a louça preta especializadas relacionadas com novas exigências
também com a mesma proveniência provâvel (PREPR) e culinárias. O momento mais antigo, representado pelo
por fim a louça preta com origem provável em olarias depósito 1 (D1 - séc. XW)), mostra uma concentração
do curso médio e final do Douro (PRE01)'. quase exclusiva no tipo panela com percentagem muito
reduzida de caçoilas e inexistência de sertãs. A partir do
A seriação destes 4 conjuntos permitiu observar 3 momento seguinte (DZ - ts terço séc. XVII) a percentagem
tendências da evolução da louça de fogo entre os de caçoilas sobe acentuadamente. Por último (D3 - 3e
séculos XVI e XVIIT: quartel séc. XVII e D4 - meados séc. XVIII), surgem as
sertãs, em percentagens pequenas mas mostrando
1. progressiva diversificação formal; tendência para continuar a crescer.

Gráfico r
100 Gráfico z
Panela/Caçoilo/Sertã 9o
8o

7o

6o

ü \': 5o

lCoçoila a Sertã 40
90
3o
to
20
F 10
60

to ü (séc. XVI) = 91 Pêças D2 (1e terço séc. XVtl) D3 Ge XVll)


quartel séc. D4 (meados séc.XVlll)
= 56
peças
= 322 Peças = 260 Peças
4
pj --- Venelho Vidrddd

ãi
I -
100
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D3 6e quartel séc. XVll)
= 113 Peças

ffi Yrdrodo
Or $ic fV[ - 79 ecg D2 (le teÍço s'c. XVtt) D3 Ge quaÍtel séc. XVil) D4 be quartet séc. XVilt) Grâfico 1 - Louça de fogo, tipos de forma: gráfico com distribuiçào das lormas panela,
caçoila e sertã pelos depósitos 7,2,3 e L
Grâfrco 2 - Louça de fogo, tipos de fabrico: gráfico com clistribuição das louças pretas,
vermelhas e vidradas pelos depósitos 7, 2, 3 e 4.
Gráfico 3 - Louça de fogo, tipos de fabrico nas panelas: gráfico com distribuiçâo das
'd6rxiio sh€ a cucttrizçào dos fabricos cerâmicos e as atribuições de proveniência panelas pretas e vermelhas pelos depósitos 1.2,3 e 4.
wárd,iew pru-r ros anigos iá refeÍidos (BARREIRA, DORDIO e TEIXEÌRA, 1998; Grâfìco 4 - Louça de fogo, tipos de fabrico nas caçoilas: gráfico com distribuição das
NEIR{ c DORDIO 1998: CÂSTRO. DORDIO E TEIXEIRA. 2000). caçoilas pretas e vidradas pelos depósitos l,2,3 e 4.

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ACIAS t]{i !\r tN(.(INTR{) llL rjL\RlÀ f !ì.\l)lCI()\.r, 1 iìi \1 \TOSINHOi

O gráfico 2 mostra a distribuição das peças pelas concoÍïe com a panela de Ìouça preta do Prado (PREPR)
características maiores de fabrico (louça preta, verÍnelha ou provocando a sua quase completa substituição eÍquaÍtro a
vidrada). Observa-se como a quase exclusividade inicial da panela de louça vermelha do Prado (VERPR) mantêm rrrrra
louça preta sofre o efeito da forte concorrência da louça subida lenta e independente. No caso da caçoila (Gúfico
vidrada(Dz-f terço séc. XVII). No entanto, na2a metade 7), essa substituição realiza-se em duas fases: numa l. fase
do séc. XVII (D3) e no séc. XWII (D4) a preta resiste à (séc. XVI e la terço do XVII) ê a caçoila vidrada do Prado
tendência p ra a queda reforçando mesmo a percentagem (VCFIPR) que concone com a caçoila preta de idêntica
enquanto a vidrada cai para valores menos elevados do proveniência (PREPR) enquanto à caçoila preta durienr
que os anteriormente já atingidos. Por seu lado a vermelha (PRE01) correspondem percentagens baixas que nào
regista um lento e pausado crescimento que parece mostram sinais de crescimento; numa 2? fase (3a terço do
independente das progressões dos outros tipos de louça ao XVIII) ê jâ a caçoila preta duriense (PRE01)
séc. XWI e séc.
longo da série. que concoÍre com a caçoila vidrada do Prado (VCHPR)
enquanto a caçola preta do Prado (PREPR) é eliminada.
Se procurarmos agora observar isoladamente cada tipo de Por último, assinale-se que as únicas olarias que abasteciam
forma - gráfico 3 para as panelas e gráfico 4 para as em sertãs são as do Prado e apenas em tipos vidrados.
caçoilas- verificamos que é nas panelas que o gosto pela No modelo do abastecimento da cidade do Porto em
louça preta é mais acentuado (não descendo nunca abaixo cerâmica que começamos a definir para os séculos XVI.
dos 70plo) apesar do progressivo crescimento, mas sempre XVII e XVIII a partir dos estudos em curso no âmbito do
em percentagens baixas, da vermelha. De qualquer modo,
também nas caçoilas, apesar da forte concorrência da louça too Gráfico 6
vidrada, a
preta consegue manter no final da série 9o

percentagens superiores a 50 o/o. É apenas na forma mais 8o

7o
recente, nas sertãs, que a louça vidrada surge de um modo
6o
exclusivo.
5o

4o
Se quantificaÍïnos as proveniências prováveis da louça de
3o
fogo, independentemente do tipo de forma ou de fabrico, 2l,
observamos (gúfico 5) a continuada queda das produçÕes 10

do Prado e a sua paralela substiruição pelas produções


tb (3! guartcl5écXVll) DaGÊç-lrlracil
durienses. Essa substituição, no entanto, não ê = 32 Peças =233P€íú -rfllF
independente da forma e do fabrico. Com efeito, no gráfico
6 vemos como a panela de louça preta duriense (PRE01) ) \ -,.
100
--- PREot -"--. yERPR
9o
8o 10(, Gráfico 7
7o 9o
6o 8o
5o 70
4o 6o
3o 5o
20
4o
10
3o

D2 D3
20

10

f Douro J pmdo
.
Dr (5éc. xvl) 12 P€ças D2 (r! têÍço séc, xvll) D3 6e quaÍtcl sóc XY|O brFlí-clll
= 25 Peças - r!3 Prça -'.Èí-
iráÍlco t - Louça de fogo, proveniências: gráfico com distribuiçào das louças do Prado e das
urienses pelos depósitos 1.,2,3 e 4.
iráffco 6 - Louça de fogo, proveniências das panelas: gráfico com dístribuição das louças do
I --'
- --
rado (pretas e vermelhas ) e das durienses pelos depósitos L,2,3 e 4. c
iráfico 7 - Louça de fogo, proveniências das caçoilas: gráfico com distribuição das louças do VEHP& --- PBEot -----.PiEPt
mdo e das durienses pelos depósitos 1,2,3 e 4,
:{TTÂRÀMUNICIIJÀL uE NlA-lilslNi'lo5

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A p,.ao VERPR

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L t.Martinho de Mouros

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do Porto em cerâmica (sécs. XVI - XVIII): principaís centros e tipos de produção regional

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Â.c]'As I)(-) iv LNC(ì\ìTRO l)t OL.,\iil,\'f iì,\iìlctrl\ìL DE ,\iÀToSlNHCìS

Quadro I

Quadfo 1 - Quadro-resumo do universo cerâmio m


estudo por depósito (Dl a D4) e por tipo de fom e fabrio
avaliado em peçâs representadas (frequências absoluas e
relativas).

PROCEN, surge assim uma progressiva especialízação


regional das olarias durienses nos üpos de louça preta de
ir ao fogo (panelas e caçoilas) abandonados que foram
pelas olarias do Prado as quais, por seu lado,
especializam-se na louça vidrada, de ir ao fogo (a caçoila
e a sertã) e também de outros tipos de cozinha
(principalmente o alguidar e a Íigela). As mesmas olarias
parecem ainda abastecer em quantidades crescentes de
louça vermelha, de fogo (a panela) e noutros tipos de
cozinha (principalmente o cântaro). A terceira região
abastecedora da cidade, as olarias de Aveiro e de Ovar,
não parecem interessadas no abastecimento em louça de
fogo tendo optado pelo abastecimento em louça vermelha
(\TROV) principalmente nos tipos do cântaro, do alguidar
e da tigela (Mapa 1).

Bibüografia
BARREIBA, DORDIO E TEIXEIRA, 1997 - BARRIIRA, Paula; DORDIO, Paulo;
TEDGIRA, Ricardo - A Presença da louça praa no mercado do polto (sécs. Xw a
XWII): uma amostragem a IMrtir do estuda d6 erâmicas arqueológicas da Casa
do Infante, in .A Louça preta em Portugâl olhares cruzados,, CRÀT, PoRTo, 1997,
P.87-93.

BARRIIRA, DORDIO e TÉIXEIM, 1998 - BARR-EIRA. Paula; DORDIO, Paulo;


TEIXEIRA, Ricârdo - 2oo anos de cerâmka na Casa do Infante: do séc. Xw a
meados clo séc. XWII, in -Actâs das II Jornadas Cerâmica Medieval e Pós-Medieval
(TondeÌa, 22-25 de Março de 1995,, Tondela, 1998.

CASTRO, DORDIO e TEIXEIM, 2000 - CASTRO, Fernando; DORDIO, Paulo;


ïEDGIRA, Ricardo - 2OO anos de cerffiiíra na Casa do Infante (séc. XW a
meadu d.o séc. XWII): identdicação uisual e químka dosfabricos, in .Actas das
III Jornadas Cerâmica Medieval e Pós-Medieval (Tondela, 28-31 de Outubro de
1997', Tondela, 2000.

TEI)GIRA e DORDIO 1998 - TEIXEIRA, Ricardo; DORDIO, Paulo - "Como pôr


orclen em 500 0oo fragmentos de cerâ.mica?" ou Discussão da metodologia de
estudo da cerâmica na interuençâo arqueológiu da Casa do Infante (Porto),
"olaria. Estudos Arqueológicos, Históricos e Etnológicos.,2, Barcelos, 1998.

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